Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:01007/02
Data do Acordão:02/12/2003
Tribunal:3 SUBSECÇÃO DO CA
Relator:J SIMÕES DE OLIVEIRA
Descritores:FALSO TAREFEIRO.
SUBSÍDIO DE FÉRIAS.
SUBSÍDIO DE NATAL.
JUROS MORATÓRIOS.
Sumário:I - Decorre do parecer em que assentou o despacho concordante do DGCP a mandar pagar aos "falsos tarefeiros" que não tinham interposto recurso contencioso as férias, subsídios de férias e de Natal referentes ao tempo em que prestaram serviço na DGCI que essa decisão não se ancorou em critérios de oportunidade ou conveniência nem fez apelo a juízos de equidade, antes se baseou no pressuposto de que os mesmos eram legalmente devidos.
II - Por força da sua situação de agentes ligados à Administração por vínculos de subordinação jurídica e trabalhando a tempo completo, e bem assim do disposto nas pertinentes normas dos Decs.-Leis nºs 496/80, de 20.10 e 497/88, de 30.12, tais pagamentos eram efectivamente devidos e deviam ter sido satisfeitos ao tempo da prestação do trabalho, pelo que, havendo da parte da Administração, ex ante, essa obrigação, o respectivo retardamento constitui-a na obrigação de reparar os danos causados com a mora, ficando adstrita ao pagamento dos correlativos juros (arts. 804º, 805º e 806º do C. Civil).
III - Não impede o reconhecimento deste direito a alegação, apenas feita em sede de recurso jurisdicional, de que teria existido um despacho a recusar à recorrente o pagamento das referidas remunerações, consolidado na ordem jurídica por falta de tempestiva impugnação e posteriormente revogado discricionariamente e com efeitos apenas ex tunc, se a Administração não fez nos autos prova desse facto - sendo certo que o respectivo ónus lhe pertencia, por ser excepção ou facto impeditivo do direito invocado.
Nº Convencional:JSTA00058910
Nº do Documento:SA12003021201007
Data de Entrada:06/12/2002
Recorrente:SE DOS ASSUNTOS FISCAIS
Recorrido 1:A...
Votação:UNANIMIDADE
Meio Processual:REC JURISDICIONAL.
Objecto:AC TCA.
Decisão:NEGA PROVIMENTO.
Área Temática 1:DIR ADM GER - FUNÇÃO PUBL / ESTATUTÁRIO.
Legislação Nacional:CCIV66 ART804 ART805 ART806.
DL 496/80 DE 1980/10/20 ART2 N1 N2 ART7 ART10 N1 N2 ART16.
DL 497/88 DE 1988/12/30 ART15 N2 N4.
Jurisprudência Nacional:AC STA PROC600/02 DE 2002/06/19.; AC STA PROC47787 DE 2002/10/09.
Aditamento:
Texto Integral: Acordam na Secção de Contencioso Administrativo do Supremo Tribunal Administrativo, 3ª Subsecção:
- I -
O SECRETÁRIO DE ESTADO DOS ASSUNTOS FISCAIS recorre do acórdão do TCA (Tribunal Central Administrativo) que concedeu provimento ao recurso contencioso interposto por A... e anulou o indeferimento tácito, que lhe era imputado, do recurso hierárquico que lhe dirigiu em 8.4.98.
Esse recurso hierárquico visava a revogação de despacho do Director-Geral dos Impostos, de 16.1.98, que indeferira a pretensão da recorrida de ser paga dos juros de mora referentes aos quantitativos que lhe foram abonados a título de férias não gozadas, subsídio de férias e de Natal pelo período de tempo em que permaneceu ao serviço da DGCI na situação de falsa tarefeira.
Nas suas alegações, o recorrente formula as seguintes conclusões:
“(a) O dever de a Administração revogar actos ilegais, mesmo que se entenda estar consagrado no ordenamento jurídico português actual, só existe até ao termo do prazo do recurso contencioso ou até à resposta da entidade recorrida;
(b) Ao acto pelo qual a Administração decide revogar um acto anterior, por razões de equidade, admitindo embora a ilegalidade do acto revogado, mas reconhecendo ter-se tal ilegalidade tornado inimpugnável por não interposição atempada dos recursos que no caso cabiam, é aplicável o regime de revogação dos actos válidos;
(c) Aos actos revogatórios referidos na alínea anterior pode-lhes ser atribuída eficácia apenas para o futuro;
(d) De facto a prática desses actos decorre do uso de um poder discricionário, e não na decorrência de qualquer imperativo legal que a tal o obrigasse;
(e) No caso dos presentes autos, a Administração pagou à ora recorrida, em 19 de Abril de 1995, as importâncias correspondentes a férias e subsidio de férias e de Natal, relativas ao período de tempo em que ela exerceu funções na situação de “falsa tarefeira”;
(f) Mas fê-lo por entender ser de uniformizar a situação dos funcionários “ex-tarefeiros” que não lançaram, oportunamente, mão dos meios contenciosos para que lhes fosse reconhecido o direito ao recebimento daqueles quantitativos, com a dos que, oportunamente, o fizeram e, por isso, viram jurisdicionalmente reconhecido o seu direito;
(g) Assim sendo, não havendo “prestação legalmente devida”, não se pode considerar a existência de juros por atraso no seu pagamento;
(h) O acórdão recorrido está, pois, em desconformidade com a lei civil (artigos 805º e 806º do Código Civil);
(i) Bem como com o que se dispõe nos artigos 140º, 141, nº 1 e 145º, todos do Código de Procedimento Administrativo”.
A recorrida contra-alegou, defendendo a manutenção do acórdão.
O Ministério Público, no seu parecer, pronuncia-se pelo não provimento do recurso.
O processo teve os vistos legais, cumprindo agora decidir.
- II -
A fls. 53, o acórdão recorrido fixou a seguinte matéria de facto:
a) A recorrente dirigiu ao Director Geral das Contribuições e Impostos um requerimento pedindo o pagamento de juros de mora calculados à taxa legal, desde a data do vencimento das prestações referentes a férias não gozadas e subsídio de férias e de Natal, pelo período de tempo em que permaneceu como “tarefeiro” e até à data em que as mesmas lhe foram liquidadas, o que ocorreu em 19-5-95.
b) O referido requerimento foi indeferido por despacho do Director-Geral das Contribuições e Impostos, de 16-1-98, nos termos do parecer junto como doc. nº 3 do apenso, que aqui se dá por integralmente reproduzido, e donde consta além do mais:
5. Face ao elevado número de funcionários que reclamam o pagamento de juros de mora, à circunstância de alguns desses funcionários terem, recebido os quantitativos respeitantes a férias, subsídios de férias e de Natal, sobre os quais reclamam o pagamento de juros de mora, à sombra de um Parecer Jurídico da Direcção-Geral da Contabilidade Pública, enquanto outros receberam esses quantitativos por força de julgados proferidos em sede de recurso contencioso de anulação em que tiveram intervenção como partes, à circunstância de alguns funcionários beneficiários dos julgados terem há muito recorrido à declaração de inexistência de causa legítima de inexecução, por a Administração não ter reconhecido que o pagamento de juros integra o conteúdo do dever de execução e, ainda à circunstância de os processos julgados em sede de inexistência de causa legítima de inexecução de sentenças ser reduzido comparativamente com o número de funcionários envolvidos e de se desconhecer qualquer decisão jurisdicional proferido em sede de eventuais acções propostas por funcionários que não foram beneficiários directos dos julgados em causa, isto é, não tiveram intervenção, como parte, nos processos de recurso contencioso de anulação, somos de parecer de que devem ser indeferidos os requerimentos em que é pedido o pagamento de juros demora sobre os quantitativos pagos respeitantes a férias, subsídios de férias e de Natal, e eventualmente a diuturnidades e diferenças salariais, reportados ao período de tempo em que os interessados foram considerados tarefeiros (..)”
c) De tal indeferimento, interpôs recurso hierárquico para o Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais, em 24-4-99, imputando ao acto o vício de falta de fundamentação (porque é que a execução do despacho exarado no parecer n.º 189/94 não integra o pagamento de juros de mora) e de violação dos artigos 804º, 805º e 806º do C. Civil (a obrigação de juros de mora constitui-se automaticamente, ficando a partir de então a Administração vinculada ao cumprimento da lei), pelo que pedia a revogação do acto impugnado e a sua substituição por outro que determine o abono das quantias que são devidas à recorrente a título de juros moratórios contados desde a data do vencimento de cada uma das prestações em causa e até à data em que estas prestações lhe foram liquidadas.
d) O referido recurso hierárquico não mereceu qualquer despacho (sendo esta omissão o acto tácito, objecto deste recurso).
Torna-se, no entanto, necessário aditar a este elenco mais dois factos, que se provam pelo doc. de fls. 46 dos autos. Assim:
e) Em 29.9.94 a Consultadoria Jurídica da Direcção-Geral da Contabilidade Pública emitiu o parecer jurídico nº 189/94, do seguinte teor:
1. Os requerentes exerceram funções na D. G.C. I. durante vários anos como tarefeiros. Reconhecendo tratar-se de situação anómala, o legislador vem regularizá-la através da solução proposta pelo artigo 37º do Decreto-Lei nº. 427/89, alterado pelo Decreto-Lei nº. 407/91, de 17 de Outubro.
2. Apenas a partir da celebração do contrato administrativo de provimento lhes foi reconhecido o direito aos abonos em causa nos termos do Decreto-Lei nº 496/80, de 20 de Outubro.
3. No entanto, os contratos de tarefa anteriores não o eram na verdadeira acepção do termo, pois, de facto, exerciam funções em regime de horário completo de trabalho e subordinação hierárquica, pressupostos inconciliáveis com a noção de tarefa.
4. O Despacho Normativo nº 398/80, de 31 de Dezembro considerou estarem abrangidos na aplicação do Decreto-Lei nº. 496/80: " o pessoal em regime de prestação eventual de serviços, bem como os assalariados e restante pessoal eventual, ainda que não vinculado por contrato escrito".
5. Também aqui concordamos com o entendimento explanado pela D.G.C.I., no sentido de se considerarem necessariamente incluídos nesse grupo os tarefeiros, reconhecendo-se a existência de uma relação jurídica de trabalho subordinado e a sua qualidade de agentes administrativos.
6. O Tribunal Administrativo do Círculo de Coimbra deu razão aos recorrentes, tendo o Supremo Tribunal Administrativo confirmado esse entendimento, em sede de recurso interposto pela D.G.C.I., anulando o acto do Director-Geral das Contribuições e Impostos que negou o pagamento dos referidos subsídios aos recorrentes.
7. Dando execução à sentença, deverá a D.G.C.I. processar os abonos em falta aos recorrentes e, em igualdade de circunstâncias, também aos outros que se encontravam na mesma situação, dando cumprimento ao estipulado nos artigos 1º e 4º do Decreto-Lei nº 544/75, de 29/09, artigos 1º e 4º do Decreto–Lei 497/88 e artigos 1º, 2º e 10º do Decreto-Lei nº. 496/80, de 20 de Outubro, que o Tribunal considerou terem sido violados, bem como o Despacho Normativo nº. 389/80.
8. Acresce ainda que a direito a férias é consagrado no artigo 59º. da C.R.P. para todos os trabalhadores, sendo que a maioria dos autores da nossa doutrina sublinham: "o direito ao repouso e os direitos com ele conexionados devem ser contados, por um lado, entre os direitos análogos aos direitos, liberdades e garantias e, por outro lado, de tal modo que, uma vez obtido um determinado grau de concretização, esta não possa ser reduzida impondo-se directamente a entidades públicas e privadas". (vd. Vital Moreira, Gomes Canotilho, anotação à CRP art. 17º).
9. Esse grau de concretização obtido é o tempo de serviço prestado no ano anterior, em conformidade com a legislação então aplicável (Decreto-Lei nº 497/88, de 30/12, art. 1º, 2º e 108º)
10. Face ao exposto somos de parecer que devem ser pagos aos recorrentes, bem como aos demais interessados em idêntica situação, os abonos respeitantes aos subsídios de férias e de Natal e mês de férias, de harmonia com o defendido pelos referidos Tribunais Administrativos”.
f) Sobre esse parecer foi exarado pelo Director-Geral o seguinte despacho: “Concordo com a conclusão do parecer”.
- III -
A situação que os presentes autos documentam é a seguinte: a recorrente exerceu durante certo período as funções de “falsa tarefeira” ao serviço da DGCI, sem que lhe tivessem sido pagas, com o respectivo vencimento, as prestações pecuniárias relativas às férias, subsídio de férias e de Natal.
Posteriormente, porém, esses quantitativos foram-lhe abonados.
A seguir, requereu ao DGCI que lhe fossem pagos os juros de mora referentes a esses abonos, pelo período decorrido entre o momento em que lhe deveriam ter sido pagos e aquele em que realmente o foram.
O DGCI indeferiu esse pedido e, tendo sido interposto recurso hierárquico, a entidade recorrida e ora recorrente nada decidiu. A interessada recorreu contenciosamente do indeferimento tácito, que o tribunal a quo veio a anular, com fundamento em que existia, efectivamente, o direito aos juros de mora. Dessa decisão vem o presente recurso jurisdicional.
O principal esteio argumentativo do recorrente reside nas primeiras duas conclusões da sua alegação, onde defende que os juros não são devidos visto que o pagamento das remunerações em causa à recorrida foi mandado fazer “no uso de poder discricionário, e não na decorrência de qualquer imperativo legal que a tal a obrigasse”. A Administração entendeu ser de uniformizar a situação dos funcionários «ex-tarefeiros» que não lançaram, oportunamente, mão dos meios contenciosos para que lhes fosse reconhecido o direito ao recebimento daqueles quantitativos com a dos que, oportunamente, o fizeram e, por isso, viram jurisdicionalmente reconhecido o seu direito”.
Não havendo “prestação legalmente devida”, acrescenta-se, não se pode considerar a existência de juros por atraso no seu pagamento. Por este motivo, o acórdão recorrido está em desconformidade com a lei civil (artigos 805º e 806º do Código Civil).
Argumenta-se ainda que o acto pelo qual a Administração decidiu pagar as remunerações à recorrida foi um acto revogatório de acto anterior, pelo qual o DGCI havia decidido que as quantias em causa não eram devidas. Ora, como este acto denegativo se tinha consolidado na ordem jurídica por falta de oportuna impugnação, a respectiva revogação é um acto discricionário que tem de seguir o regime da revogação dos actos válidos, e só tem eficácia in futurum.
Vejamos:
É indiscutível que a obrigação de juros de mora só existe quando o devedor falta temporariamente ao cumprimento de uma dada obrigação. A prestação a que se achava adstrito, chegado o momento do respectivo vencimento, não foi realizada, mas é ainda possível. O devedor constitui-se então noutra obrigação, que é a de reparar os danos causados com a mora. Quando a obrigação é pecuniária, esta indemnização corresponde aos juros a contar do dia em que incorreu em mora. É este o regime que resulta das disposições conjugadas dos arts. 804º, 805º e 806º do Código Civil.
Naturalmente que os juros de mora que por intermédio do presente recurso contencioso foram peticionados se encontram intimamente conexionados com o capital a que directamente respeitam, e que seria constituído pelas importâncias referentes a férias não gozadas, subsídios de férias e de Natal que a Administração acabou por pagar à recorrida.
Ora, das duas uma: ou esse pagamento correspondeu ao cumprimento de imposição legal, ou foi efectuado fora de um quadro de vinculação.
Diga-se desde já que esta última hipótese será de improvável verificação, porquanto a Administração move-se dentro de parâmetros de legalidade (CRP, art. 266º, nº 2, e CPA, art. 3º), não estando no seu livre alvedrio – sobretudo em matéria de direitos e regalias remuneratórias das pessoas que a servem – comprometer para esse fim dinheiros públicos ao sabor de razões de mera conveniência ou oportunidade.
O certo é que nas alegações do recorrente se defende que tal pagamento foi feito, não por ser legalmente devido, mas para uniformizar situações, o que de certo modo sugere algo que se situa no plano da equidade, se não mesmo no da simples conveniência. A Administração terá pago porque quis, já que a tanto nada a obrigava.
Diga-se desde já que essa suposta convicção de que se está a pagar aquilo que seria meramente facultativo, e não obrigatório, é coisa que de modo algum transparece do despacho que determina esse pagamento. Muito pelo contrário. Do mesmo passo que considera que em “execução de sentença” há que processar os abonos em falta “aos recorrentes”, isto é, relativamente aos que interpuseram recurso contencioso para os tribunais administrativos, o parecer logo faz apelo da “igualdade de circunstâncias” para se adoptar o mesmo procedimento quanto “aos outros que se encontravam na mesma situação”. E, em vez de invocar qualquer mais valia para o interesse público derivada do que fosse oportuno ou conveniente, acrescenta-se: “dando cumprimento ao estipulado nos artigos [...] que o Tribunal considerou terem sido violados [...]. Mal ou bem, a decisão estriba-se em claras razões de legalidade.
De seguida, no ponto 8. do parecer, adiciona-se outro argumento igualmente extraído do que se considera ser uma vinculação, e que é a universalidade e dignidade constitucional do direito a férias. Finalmente, no ponto 10., emite-se o parecer de que os abonos em causa “devem ser pagos aos recorrentes, bem como aos demais interessados em idêntica situação”, o que de novo dá a nota de que ele se impõe imperativamente e decorre com igual vinculação para uns e para outros.
É, pois, de concluir que o pagamento foi feito na convicção de se estar a cumprir um dever legal.
Mas será que essa convicção era errada, que esse dever afinal não existia?
Face à verificação feita neste parecer e acto com ele concordante de que os outros interessados a quem se devem também processar os abonos, e à correlativa circunstância, provada nos autos, de os mesmos terem sido pagos à recorrente, há que considerar também como provado que ela se encontrava nas mesmas circunstâncias dos seus colegas “falsos tarefeiros” que interpuseram recursos contenciosos.
Sendo assim, bastará confirmar que a situação jurídica destes face à Administração era de molde a conferir-lhes, a eles, o direito a recebê-los, para que tenha de reconhecer-se que tal direito existia também, para a recorrida, à data em que prestava serviço na DGCI.
Ora, nos Acórdãos dos T.A.C. e deste S.T.A. que se pronunciaram sobre a matéria atingiu-se a conclusão de que se estava perante pessoas que prestavam à Administração o seu trabalho em regime de tempo completo e a ela ligados por vínculos de subordinação jurídica que excluíam, por conseguinte, a qualificação de autênticos tarefeiros ou meros prestadores de serviços (veja-se o Ac. de 6.10.94, proc.º nº 34.337). Os trabalhadores em causa eram verdadeiros agentes administrativos, e como tal tinham por lei direito ao gozo de férias e ao recebimento de subsídios de férias e de Natal, direito esse que o Tribunal sem a menor hesitação lhes reconhece. As disposições legais que sustentam esta conclusão são as dos arts. 2.º, n.ºs 1 e 2, 7º, 10.º, n.ºs 1 e 2 e 16º do Decreto-Lei n.º 496/80, de 20 de Outubro, 2.º, 4.º e 15.º do Decreto-Lei n.º 497/88, de 30 de Dezembro.
Há que aceitar este veredicto, que está certo e por isso se reitera. De resto, e como resulta do atrás exposto, a Administração ficou convencida da posição assumida pelos tribunais administrativos, actuando depois em conformidade.
A Administração estava, assim, obrigada a pagar à recorrida, ex ante, os abonos em questão, já que a lei obriga a que esse pagamento seja feito no próprio ano em que o trabalho é prestado (caso do subsídio de Natal) ou com referência ao ano anterior (férias e subsídio).
Em vista dos preceitos do Código Civil a que atrás se fez referência, o tardio reconhecimento desse direito e cumprimento da correlativa obrigação pecuniária implicará o pagamento de juros de mora, a menos que outra circunstância impeditiva se interponha.
Ora, neste sentido o recorrente alega – relembre-se - que o acto pelo qual a Administração decidiu pagar as remunerações à recorrida foi um acto revogatório de acto anterior, pelo qual o DGCI havia decidido que as quantias em causa não eram devidas. Ora, como este acto de indeferimento se consolidou na ordem jurídica por falta de oportuna impugnação, a respectiva revogação é um acto discricionário que tem de seguir o regime da revogação dos actos válidos, e só tem eficácia in futurum.
Simplesmente, tal acto ou despacho a recusar à recorrente o pagamento das remunerações não está documentado nos autos, não havendo neles nenhuma referência indirecta à respectiva existência. É, de resto, a primeira vez que nos presentes autos o ora recorrente faz alusão a este facto, cuja prova, aliás, lhe incumbia a ele fazer, já que se trata de matéria de excepção, ou de facto extintivo do direito invocado (art. 342º do C. Civil).
A falta de oportuna alegação e prova de tal facto retira a menor consistência ao argumento utilizado, de resto de duvidosa procedência.
Em consequência do exposto, bem andou o acórdão recorrido em reconhecer à recorrente contenciosa o direito aos juros de mora, anulando com esse fundamento o indeferimento tácito que lhos recusou. No sentido em que aqui se decide, v. os Acs. deste Supremo Tribunal de 19.6.02 e 9.10.02, resp. proc.ºs nºs 47.787 e 600/02.
Nestes termos, acordam em negar provimento ao recurso, confirmando o acórdão recorrido.
Sem custas.
Lisboa, 12 de Fevereiro de 2003.
J Simões de Oliveira – Relator – Madeira dos Santos – Abel Atanásio