Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0185/14
Data do Acordão:11/12/2014
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:PEDRO DELGADO
Descritores:IRS
REGIME SIMPLIFICADO DE TRIBUTAÇÃO
MUDANÇA DO REGIME DE TRIBUTAÇÃO
CONTABILIDADE
Sumário:I – Em sede de IRS, o período mínimo de permanência no regime simplificado de tributação é o de três anos, prorrogável por iguais períodos, excepto se o sujeito passivo comunicar a alteração do regime pelo qual se encontra abrangido (nº 5 do art. 28º do CIRS).
II – De acordo com o nº 6 deste mesmo normativo, na redacção do DL n.º 211/2005, de 7.12, a abrangência por esse regime simplificado cessa quando tiver sido ultrapassado, em dois períodos de tributação consecutivos, algum dos limites a que se refere o nº 2 ou se, num único exercício, o for em montante superior a 25%, caso em que a tributação pelo regime de contabilidade organizada opera a partir do período de tributação seguinte ao da verificação de qualquer desses factos.
Nº Convencional:JSTA00068981
Nº do Documento:SA2201411120185
Data de Entrada:02/13/2014
Recorrente:FAZENDA PÚBLICA
Recorrido 1:A...
Votação:UNANIMIDADE
Meio Processual:REC JURISDICIONAL
Objecto:SENT TAF SINTRA
Decisão:NEGA PROVIMENTO
Área Temática 1:DIR FISC - IRS.
Legislação Nacional:CIRC01 ART28 N2 N5 N6.
Jurisprudência Nacional:AC STA PROC0127/09 DE 2009/05/06.; AC STA PROC01032/09 DE 2010/06/23.; AC STA PROC0210/11 DE 2012/01/25.; AC STA PROC011/13 DE 2013/06/18.; AC STA PROC0736/12 DE 2014/03/12.
Referência a Doutrina:RUI DUARTE MORAIS - SOBRE O IRS 3ED PAG89-90.
MANUEL FAUSTINO - OE 2007 - ALTERAÇÕES AO IRS E BENEFICIOS FISCAIS FISCALIDADE N28 2006 PAG34-91.
Aditamento:
Texto Integral: Acordam na Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo

1 – Vem a Fazenda Pública recorrer para este Supremo Tribunal da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra de fls. 224 a 233, que julgou totalmente procedente a impugnação judicial deduzida por “A………………”, contra o acto de liquidação de IRS de 2007 e, em consequência, anulou esse acto quanto à liquidação do tributo e dos juros compensatórios e condenou a entidade liquidadora a pagar ao impugnante juros indemnizatórios.

Termina as suas alegações de recurso, formulando as seguintes conclusões:
«I. Visa o presente recurso reagir contra a douta sentença que julgou procedente a impugnação judicial deduzida por A………………, NIF ………………, contra o Despacho de Indeferimento que recaiu sob a Reclamação Graciosa apresentada contra a Liquidação de IRS n° 2008 5004627570, relativa ao exercício de 2007, no montante de € 19.927 71.
II. A sentença recorrida considerou, em síntese, que a liquidação impugnada foi efectuada em violação do art.° 28.° do CIRS na medida em que os rendimentos auferidos não ultrapassaram o valor de €99.759,58 em dois exercícios consecutivos do triénio anterior, nem ultrapassaram, em qualquer dos exercícios, um valor superior a 25% desse limite.
III. A Meritíssima Juiz de Direito entendeu que o n.° 6 do art.° 28° constitui um limite ao n.° 2 do art ° 28.° do CIRS, pelo que o regime simplificado só deveria cessar se algum dos limites a que se refere o referido preceito tivesse sido ultrapassado em dois períodos de tributação consecutivos (entenda-se, dois exercícios seguidos) ou num exercício em montante superior a 25% desses limites, caso em que a tributação se faria, então, a partir do período de tributação seguinte ao da verificação de qualquer desses factos, pelo regime da contabilidade organizada.
IV. Não se pode concordar com esta interpretação.
V. Socorrendo-nos dos três elementos interpretativos (o elemento sistemático, o elemento histórico e o elemento teleológico) verificamos, primeiramente, que o legislador pretendeu, dentro de um conjunto de políticas de combate à evasão e fraude fiscais, alcançar uma maior eficiência da Administração Fiscal na arrecadação da receita e, consequentemente, uma maior equidade entre os contribuintes.
VI. Em seguida, e procurando uma conjugação entre os n.° 2 e n.° 6 do art° 28° do CIRS concluímos que o impugnante por ter declarado valor superior ao previsto na al. b) do n.° 2 do art° 28° do CIRS deve ser enquadrado automático do sujeito passivo, no regime da contabilidade organizada.
VII. Esta é a única forma de atribuir sentido útil ao n.° 2 e de não ver uma interpretação extensiva do n.° 6 esvaziar o seu conteúdo.
VIII. Mais, esta é também a forma do espírito da lei estar ressalvado.
IX. Recorde-se que o n.° 6 teve a sua redacção inalterada desde a sua aprovação pelo Decreto-Lei n.° 198/2001, de 3 de Julho. Esta norma, fixada pelo Governo em funções, apenas teve a primeira revisão, sete anos depois pela Assembleia da República, através da Lei n.° 64-A/2008 de 31 de Dezembro.
X. Esta alteração legislativa tem sido vista (erradamente, na nossa opinião) como uma interpretação autêntica da lei.
XI. Salvo melhor opinião, uma interpretação só pode ser vista como autêntica quando é efectuada dentro da mesma legislatura, garantindo assim que mesmo havendo algumas alterações ao nível da configuração do Parlamento ou da composição do Governo que se mantém a mesma orientação político-legislativa.
XII. Assim, só o Governo e a Administração Pública (Fiscal) estariam em condições de fazer a auto-interpretação do conteúdo do n.° 6 do art.° 28° do CIRS.
XIII. A interpretação feita pelos Tribunais (interpretação jurisprudência!) não pode ignorar todos estes factos, nomeadamente a verdadeira interpretação autêntica feita pelo autor da lei (Governo), bem como a interpretação administrativa, feita pela gestora da Rés Publica, a Administração Pública.
XIV. Em face do exposto, conclui-se que a Administração Fiscal andou bem ao enquadrar o impugnante no regime da contabilidade organizada para o exercício de 2007, por este ter obtido, em 2006, como total de prestação de serviços e outros rendimentos o montante de €105.167,00 por obrigação e não por opção.
XV. A liquidação impugnada respeitou a lei, em especial o art° 28.° do CIRS, pelo que não existem motivos para a sua ilegalidade, nem para a condenação da Administração Fiscal no pagamento de juros indemnizatórios
XVI. Assim, na douta Sentença recorrida não foi obtido o melhor julgamento, pelo que acompanhando o douto Parecer do Digníssimo Magistrado Público, junto deste Processo, pugna-se pela substituição daquela decisão por uma outra que, com as legais consequências, considere totalmente correcta e legal a posição da Administração Fiscal na interpretação do art.° 28.° do CIRS, bem como na liquidação de IRS, ora impugnada.
Termos em que, concedendo-se provimento ao recurso deve a decisão recorrida ser revogada e a impugnação judicial julgada totalmente improcedente,
PORÉM V. EXAS DECIDINDO FARÃO A COSTUMADA JUSTIÇA.»

2 – Contra alegou o recorrido, pugnando pela manutenção do decidido em primeira instância.

3 – O Exmº Procurador Geral Adjunto emitiu douto parecer a fls. 335/336, no sentido do não provimento do recurso, sufragando-se para o efeito na jurisprudência da Secção de Contencioso Tributário deste Supremo Tribunal Administrativo - acórdãos de 6.05.2009 processo n° 127/09 e de 23.06.2010 processo n° 1032/09 - e na fundamentação constante do respectivo sumário doutrinário.

4 – Colhidos os vistos legais, cabe decidir.

5 – Em sede factual apurou-se em primeira instância a seguinte matéria de facto:
A) O Impugnante, em sede de IRS, encontrou-se abrangido pelo regime simplificado de tributação terminando em 2006 o segundo triénio (2001 a 2003 e 2004 a 2006).
B) O Impugnante na Declaração de Rendimentos do ano de 2006, declarou no Anexo B o montante de € 105.167,00 relativo a prestação de serviços e outros rendimentos. (Doc. fls. 285 do processo administrativo tributário apenso)
C) Em 14.05.2008, o Impugnante tomou conhecimento de que se encontrava enquadrado no Regime de Contabilidade Organizada desde 01.01.2007. (Cfr. art. 1° da p.i. e Doc. fls.248 a 250 do processo administrativo tributário apenso)
D) Em 24.05.2008, o Impugnante apresentou uma exposição escrita dirigida à Direcção de Serviços do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares na qual solicitava que fosse enquadrado no regime simplificado de tributação em sede de IRS para o ano de 2007. (Doc. n.° junto à p.i.)
E) Em 04.06.2006, o Impugnante foi notificado do despacho proferido pela Diretora de Serviços do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas que indeferiu a pretensão a que alude a al. D) do probatório. (Doc. n.° 3 junto à p.i.)
F) Em 04.07.2008, o Impugnante interpôs recurso hierárquico do despacho mencionado na alínea E) do probatório. (Doc. n.° 4 junto à p.i.)
G) Em 13.10.2008, foi emitida a liquidação de IRS n.° 2008 5004627570, relativa ao ano de 2007, no montante de € 19.927,71. (Doc. fls. 76 dos autos e 145 do processo tributário apenso)
H) Em 9.12.2008, o Impugnante deduziu reclamação graciosa contra a liquidação de IRS a que alude a al. G) do probatório. (Doc. fls 77/92 dos autos 96/107 do processo tributário apenso)
I) No âmbito da reclamação graciosa a que alude a al. H) do probatório foi emitida informação, da qual se destaca:
«Analisando a situação em apreço, verifica-se que o reclamante no triénio 2004/2006 esteve enquadrado no regime simplificado de tributação como estipula o artigo 28° nº 5 do CIRS (...). Para o exercício de 2007 e uma vez que se inicia um novo triénio, o enquadramento faz-se em conformidade com as regras estabelecidas no artigo 28° n.2 alíneas a) e b) do CIRS, ou seja com base no volume de vendas ou no valor ilíquido dos restantes rendimentos da categoria B obtidos no último exercício da sua actividade.
Nestes termos como o reclamante no exercício do ano de 2006 obteve como total de prestação de serviços e outros rendimentos o montante de € 105.167,00 (fls.285 dos autos), ficará enquadrado no exercício de 2007 no regime de contabilidade organizada por obrigação e não por opção, pelo que a entrega do modelo C - (rendimentos profissionais e empresariais — categoria B, abrangidos pelo regime da contabilidade organizada), juntamente com a declaração modelo 3 de IRS do ano de 2007 está correta.» (Doc. fls.428/430 do processo administrativo tributário apenso)»
J) Em 09.06.2009, o Diretor de Finanças Ajunto da Direção de Finanças de Lisboa exarou na informação a que alude a al. I) do probatório o seguinte despacho: «Concordo, pelo que, convolo em definitivo o projeto de decisão com os fundamentos constantes daquele, bem como da presente informação, Inferido o pedido da reclamante». (Doc. fls.428/430 do processo administrativo tributário apenso)
L) Em 18.06.2009, o Impugnante foi notificado da decisão a que alude a al. J) do probatório. (Doc. fls. não numeradas do processo administrativo tributário apenso)
M) A Impugnante prestou garantia na modalidade de depósito caução, no valor de € 25.034,17, para efeitos de suspensão do processo de execução n.° 3522200801222481 ao montante aposto na liquidação a que alude a al. G) do probatório. (Doc. fls. 105/106 dos autos)
N) Em 01.07.2009, deu entrada em juízo a petição inicial que originou os presentes autos. (Cfr. fls.2 dos autos).

6. Face às conclusões das alegações a fls. 245/256 dos autos que, como é sabido delimitam o objecto e o âmbito do recurso, a única questão que a Fazenda Pública que vem submeter à apreciação deste Tribunal refere-se à interpretação do artº 28º, nº 6 do CIRS, na redacção do DL nº 211/2005 de 7 de Dezembro, que versa sobre os pressupostos legais que determinam a passagem obrigatória ao regime geral de contabilidade organizada.
A sentença recorrida, ancorando-se na jurisprudência desta secção, nomeadamente os dois acórdãos já citados, considerou que, no caso, o impugnante, se encontrava abrangido pelo regime simplificado de tributação no triénio 2004/2006, sendo que, por força do nº 5 do mesmo art. 28°, o período mínimo de permanência nesse regime é de três anos, prorrogável por iguais períodos, excepto se tivesse comunicado, até ao fim do mês de Março, a alteração do regime pelo qual se encontrava abrangida
Mais ponderou que, uma vez inserido no regime simplificado, o contribuinte tem de aí permanecer por três anos. Findo este prazo tem, então, nova possibilidade de optar pelo regime da contabilidade organizada (art. 280, n°4, al. b). Mas, se não o fizer, terá de permanecer neste regime durante, pelo menos, mais três anos.
Para concluir que, não tendo o impugnante optado pela referida alteração, foi automaticamente prorrogado, por igual período (triénio de 2007/2009), o período de permanência no regime simplificado, nos termos do n° 5 do art. 28° do CTRS, mantendo-se nesse regime até que aquela opte pela determinação do rendimento com base na contabilidade ou até que cesse pela verificação de alguma das situações previstas no n° 6 do mesmo artigo.

Contra o assim decidido se insurge a Fazenda Pública alegando em síntese que, por força da aplicação conjugada dos n.° 2 e 6 do art° 28° do CIRS o impugnante, por ter declarado valor superior ao previsto na al. b) do n.° 2 do art° 28° do CIRS, deveria ter sido enquadrado automaticamente no regime da contabilidade organizada.
Mais alega que esta é a única forma de atribuir sentido útil ao n.° 2 do referido normativo e que interpretação do nº 6 acolhida na sentença recorrida, e na jurisprudência em que se apoia, é uma interpretação extensiva que esvazia o conteúdo daquele nº 2 .

Entendemos, porém, que carece de razão.
Vejamos.
Sob a epígrafe “formas de determinação dos rendimentos empresariais e profissionais” estipulava o art. 28º, nºs 1 a 6 do CIRS, na redacção aplicável à data, do DL n.º 211/2005, de 7.12, o seguinte:
1 - A determinação dos rendimentos empresariais e profissionais, salvo no caso da imputação prevista no artigo 20.º, faz-se: a) Com base na aplicação das regras decorrentes do regime simplificado; b) Com base na contabilidade.
2 - Ficam abrangidos pelo regime simplificado os sujeitos passivos que, no exercício da sua actividade, não tenham ultrapassado no período de tributação imediatamente anterior qualquer dos seguintes limites: a) Volume de vendas: € 149 739,37; b) Valor ilíquido dos restantes rendimentos desta categoria: € 99 759,58.
3 - Os sujeitos passivos abrangidos pelo regime simplificado podem optar pela determinação dos rendimentos com base na contabilidade.
4 - A opção a que se refere o número anterior deve ser formulada pelos sujeitos passivos: a) Na declaração de início de actividade; b) Até ao fim do mês de Março do ano em que pretendem alterar a forma de determinação do rendimento, mediante a apresentação de declaração de alterações.
5 - O período mínimo de permanência em qualquer dos regimes a que se refere o n.º 1 é de três anos, prorrogável por iguais períodos, excepto se o sujeito passivo comunicar, nos termos da alínea b) do número anterior, a alteração do regime pelo qual se encontra abrangido.
6 - Cessa a aplicação do regime simplificado quando algum dos limites a que se refere o n.º 2 for ultrapassado em dois períodos de tributação consecutivos ou se o for num único exercício em montante superior a 25% desse limite, caso em que a tributação pelo regime de contabilidade organizada se faz a partir do período de tributação seguinte ao da verificação de qualquer desses factos.
7(...)».
No caso em apreço o recorrido encontrava-se abrangido pelo regime simplificado de tributação terminando em 2006 o segundo triénio (2004 a 2006).
Ora o período mínimo de permanência no regime simplificado é de 3 anos, prorrogável automaticamente por iguais períodos salvo se o sujeito passivo comunicar, nos termos da alínea b) do n.º 4 a opção pelo regime da contabilidade organizada (artigo 28.º/5 do CIRS) ou se for ultrapassado algum dos limites a que se refere o número 2 em dois períodos de tributação consecutivos ou se o for num único exercício em montante superior a 25% desse limite, caso em que a tributação pelo regime de contabilidade organizada se faz a partir do período de tributação seguinte ao da verificação de qualquer desses factos (artigo 28.º nº6 do CIRS).
Só verificados os referidos pressupostos é que o sujeito passivo deixa de estar enquadrado no regime simplificado de tributação – cf. neste sentido Professor Rui Duarte Morais, Sobre o IRS, 3ª edição, páginas 89/90 ainda, Manuel Faustino, «OE 2007 – alterações ao IRS e benefícios fiscais», Fiscalidade nº 28 (2006) pp. 34 a 91.
Como esclarece Rui Morais, ob. citada, pags. 89/90, o sujeito passivo é obrigatoriamente excluído do regime simplificado - passando a estar sujeito ao regime normal - se, em dois exercícios consecutivos, ultrapassar um dos limites previstos no art. 28º, nº 2 ou se, num único exercício, ultrapassar em mais de 25% um desses limites (art. 28º, nº 6)».
Neste mesmo sentido, podem, aliás, confrontar-se os seguintes arestos que ilustram a jurisprudência uniforme que vem sendo prolatada pelo Supremo Tribunal Administrativo sobre esta matéria: Acórdãos de 06.05.2009, proferido no recurso 127/09 de 23.06.2010, recurso 1032/09, de 25.01.2012, recurso 210/11, de 18.06.2013, recurso 11/13 e de 12.03.2014, recurso 736/12, todos in dgsi.pt.

Não desconhecendo, por certo, estes arestos, a Fazenda Pública alega também que interpretação do nº 6 acolhida na sentença recorrida e na jurisprudência em que se apoia, é uma interpretação extensiva que esvazia o conteúdo daquele nº 2.
Fica-se porém pela afirmação, sem que ofereça fundamentação bastante.
Como é sabido na interpretação extensiva, o intérprete chega à conclusão de que a letra do texto fica aquém do espírito da lei.
A fórmula verbal diz menos do que aquilo que se pretendia dizer. Segundo BAPTISTA MACHADO, o intérprete «alarga ou estende então o texto, dando-lhe um alcance conforme ao pensamento legislativo, isto é, fazendo corresponder a letra da lei ao espírito da lei» (Introdução ao Direito e ao Discurso Legitimador, (11.ª reimpressão), pags. 182-185).
Ora no caso, ao invés do que alega a Fazenda Pública, para se chegar à referida conclusão o sujeito passivo é obrigatoriamente excluído do regime simplificado - passando a estar sujeito ao regime normal - se, em dois exercícios consecutivos, ultrapassar um dos limites previstos no art. 28º, nº 2 ou se, num único exercício, ultrapassar em mais de 25% um desses limites - nenhuma interpretação extensiva precisa o intérprete de fazer decorrer do referido nº 6 do artº 28º, porque tal é o que decorre expressamente da sua letra.
Acresce referir, por último, que a Lei do Orçamento de Estado para 2009 (Lei n.° 64-A/2008, de 31 de Dezembro), no seu art. 66.°, alterou a redacção do n.° 6 do artº 28º do CIRS, da seguinte forma: “Cessa a aplicação do regime simplificado apenas (Sublinhado nosso.) quando algum dos limites a que se refere o n.° 2 for ultrapassado em dois períodos de tributação consecutivos ou se o for num único exercício em montante superior a 25% desse limite, caso em que a tributação pelo regime de contabilidade organizada se faz a partir do período de tributação seguinte ao da verificação de qualquer desses factos.”
Assim confirmando o único sentido possível do art. 28.°, n.° 6, do CIRS quanto aos pressupostos que determinam a passagem obrigatória ao regime geral de contabilidade organizada, já amplamente reconhecido pela jurisprudência desta Secção, ou seja de que apenas quando algum dos limites fixados no n.° 2 do art. 28.° do CIRS for ultrapassado em dois períodos de tributação consecutivos ou se o for num único exercício em montante superior a 25%, cessa obrigatoriamente a aplicação do regime simplificado.

Neste contexto e considerando que:
- o recorrido não optou pelo regime de contabilidade organizada,
- não foi ultrapassado qualquer um dos limites referidos no artigo 28.º nº 2 do CIRS em dois exercícios consecutivos,
- nem num único exercício em montante superior a 25% desse limite, forçoso é concluir que bem decidiu a primeira instância ao julgar que a Administração Tributária não podia enquadrar o recorrido no regime da contabilidade organizada em 1 de Janeiro de 2007.
A sentença recorrida não merece, pois, censura, pelo que improcedem as alegações de recurso.

7. Decisão:

Nestes termos acordam, em conferência, os juízes da Secção de Contencioso Tributário deste Supremo Tribunal Administrativo em negar provimento ao recurso, confirmando o julgado recorrido.

Custas pela recorrente.

Lisboa, 12 de Novembro de 2014. – Pedro Delgado (relator) – Isabel Marques da Silva –Dulce Neto.