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Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0532/09
Data do Acordão:10/07/2009
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:ISABEL MARQUES DA SILVA
Descritores:OPOSIÇÃO À EXECUÇÃO
PAGAMENTO
IMPOSSIBILIDADE DA LIDE
Sumário:Se na pendência de uma oposição à execução fiscal for extinta a execução pelo pagamento da dívida exequenda e acrescido, nos termos dos artigos 176.º, n.º1, alínea a), 264.º, n.º 1 e 269.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário, haverá lugar à extinção da instância de oposição por impossibilidade da lide (artigo 287.º, alínea e) do Código de Processo Civil), a menos que a oposição assuma substancialmente a natureza de impugnação judicial por nela se discutir a legalidade do acto tributário em relação ao qual a lei não assegure meio judicial de impugnação ou recurso (artigo 204.º, n.º 1, alínea h) do Código de Procedimento e de Processo Tributário).
Nº Convencional:JSTA000P10943
Nº do Documento:SA2200910070532
Recorrente:A...
Recorrido 1:FAZENDA PÚBLICA
Votação:*
Aditamento:
Texto Integral: Acordam na Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:
- Relatório -
1 – A…, com os sinais dos autos, recorre para este Supremo Tribunal da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto, de 7 de Outubro de 2008, que julgou extinta por inutilidade superveniente da lide a oposição por si deduzida no processo de execução fiscal n.º 3514200101016024, por dívidas relativas a contribuições para a segurança social (CRSS Norte), no valor de € 24.497,18, apresentando as seguintes conclusões:
A) – A IMPUGNAÇÃO JUDICIAL ATRAVÉS DA APRESENTAÇÃO DE OPOSIÇÃO À EXECUÇÃO FISCAL PELO RECORRENTE APRESENTADA, E MAIS CONCRETAMENTE OS PEDIDOS ALI FORMULADOS, NÃO PERDE UTILIDADE, A DETERMINAR A EXTINÇÃO DA INSTÂNCIA NOS TERMOS DA ALÍNEA E) DO ART.º 287 DO CÓD. DE PROC. CIVIL SE ENTRETANTO UM DOS CO-EXECUTADOS (NÃO IMPUGNANTE), DEVEDOR SUBSIDIÁRIO, PROCEDEU AO PAGAMENTO VOLUNTÁRIO DA DÍVIDA EXEQUENDA;
B) – A DOUTRINA E A JURISPRUDÊNCIA HÁ MUITO ULTRAPASSARAM A TESE DE QUE, NA AVALIAÇÃO DA UTILIDADE DA LIDE, APENAS SÃO ATENDÍVEIS OS EFEITOS DIRECTOS DA PRETENSÃO ANULATÓRIA;
C) – ATRAVÉS DA PRESENTE OPOSIÇÃO O RECORRENTE NÃO PRETENDE DISCUTIR QUALQUER RELAÇÃO COM O RESTANTE DEVEDOR SUBSIDIÁRIO QUE PROCEDEU AO PAGAMENTO VOLUNTÁRIO DA QUANTIA EXEQUENDA, MAS DISCUTIR A VALIDADE E LEGALIDADE DO DESPACHO DE REVERSÃO DE QUE FOI ALVO POR PARTE DA ADMINISTRAÇÃO TRIBUTÁRIA;
D) – ASSIM, MESMO QUE ESTIVESSE DEMONSTRADO QUE O IMPUGNANTE NÃO PODIA ALCANÇAR O FIM NORMAL OU TÍPICO DA DECISÃO DE ILEGALIDADE DO DESPACHO DE REVERSÃO, NÃO SERIA IRRELEVANTE O RESPECTIVO INTERESSE NA FIXAÇÃO DA ILICITUDE DA CONDUTA ADMINISTRATIVA PARA OUTROS EFEITOS, DE QUE, A TÍTULO DE MERO EXEMPLO, SE REFEREM A RECLAMAÇÃO DE UMA INDEMNIZAÇÃO;
E) – A DECISÃO RECORRIDA VIOLOU E/OU INTERPRETOU ERRADAMENTE, ENTRE OUTROS, O DISPOSTO NA ALÍNEA E) DO ART.º 287º DO CÓD. DE PROC. CIVIL.
PELO EXPOSTO, E SEMPRE SALVO O DEVIDO RESPEITO, DEVE REPARAR-SE O AGRAVO “SUB JUDICE”, E, EM CONSEQUÊNCIA, REVOGAR-SE A DOUTA SENTENÇA PROFERIDA PELO TRIBUNAL “A QUO” A FLS. …, A QUAL DEVERÁ SER SUBSTITUÍDA POR OUTRO QUE, POR LEGALMENTE ADMISSÍVEL, ORDENE A PROSSECUÇÃO DA INSTÂNCIA PARA APRECIAÇÃO DOS PEDIDOS FORMULADOS PELO RECORRENTE NA PETIÇÃO DE OPOSIÇÃO, COM TODAS AS DEVIDAS E LEGAIS CONSEQUÊNCIAS, SEGUINDO-SE OS ULTERIORES TERMOS PROCESSUAIS.
Decidindo nesta conformidade, mui Venerandos Juízes Desembargadores, será feita a costumada e sã JUSTIÇA!
2 - Não foram apresentadas contra-alegações.
3 - O Excelentíssimo Procurador-Geral Adjunto junto deste Tribunal emitiu parecer nos seguintes termos:
Objecto: Decisão que julgou extinta a instância por inutilidade superveniente da lide, dado o recorrente entender haver motivos para a prossecução da instância.
FUNDAMENTAÇÃO
Entendemos que a decisão recorrida fez boa interpretação e aplicação do direito pelo que não merece censura. Na verdade, a pretensão do recorrente no prosseguimento dos presentes autos tem em vista ver esclarecido no processo de oposição à execução a inexistência da sua responsabilidade.
Sobre esta questão passamos a transcrever o ensinamento de Jorge Lopes de Sousa, in Código de Procedimento e de Processo tributário, anotado e comentado, na anotação 7 ao artigo 264.º, página 627, II volume, 5.ª edição, por se pronunciar sobre questão em tudo semelhante à que é objecto deste recurso.
“…, a finalidade da oposição à execução fiscal é apurar se a execução deve ou não prosseguir contra o oponente e, no caso de não prosseguir, extinguir a execução contra ele. Com a extinção da execução fiscal, fica definitivamente assente que a execução não prossegue contra o oponente, pelo que está concretizado o objectivo da oposição.
Como interesse do oponente susceptível de justificar o prosseguimento da oposição não pode ser considerado o de esclarecer a existência e medida das responsabilidades entre os vários responsáveis subsidiários. Na verdade, sucede frequentemente, nos casos de reversão da execução fiscal contra vários responsáveis subsidiários, cuja responsabilidade é subsidiária entre si, que um deles acabe por pagar a totalidade da dívida exequenda. Nestas situações, o responsável subsidiário que pagou terá direito de regresso contra cada um dos outros responsáveis subsidiários, relativamente à parte que a cada um deles cabe na dívida global (artigo 524.º do Código Civil). Por isso, o oponente poderia ter interesse em ver esclarecido no processo de oposição à execução fiscal a inexistência da sua responsabilidade.
Porém, o certo é que no momento em que é feito o pagamento e declarada extinta a execução fiscal, não se sabe ainda se, posteriormente, o responsável subsidiário que pagou vai ou não exercer tal direito de regresso, pelo que tal interesse, nesse momento, é meramente hipotético.
Por outro lado, a oposição à execução fiscal, apesar de processada autonomamente, está conexionada com a execução fiscal, tendo uma finalidade instrumental em relação a ela, não podendo ser transformada numa acção declarativa dos direitos recíprocos dos responsáveis subsidiários entre si.
Para além disso, no processo de execução fiscal não são admitidos outros incidentes de intervenção de terceiros, para além dos embargos de terceiros, pelo que não poderia na oposição apreciar-se o eventual direito de regresso entre condevedores ou co-responsáveis, o que, aliás, nem parece inserir-se no âmbito da competência dos tribunais tributários, que estão vocacionados para apreciar questões e natureza tributária e os conflitos entre os contribuintes e a administração e não os conflitos entre eles, cuja resolução é indiferente para o interesse público e para os fins visados pelo direito tributário.
Aliás, sendo partes em cada processo de oposição apenas o oponente e a Fazenda Pública, seria inviável obter esse efeito declarativo no processo de oposição, desde logo, pelo facto de, não tendo nele intervenção os condevedores ou responsáveis solidários ou subsidiários, inclusivamente o que pagou a dívida, a decisão que fosse proferida neste processo sobre tal matéria, não seria vinculativa para estes (artigos 671.º, 497.º, n.º 1, e 498.º, n.ºs 1 e 2 do CPC).
Deve assim concluir-se que nas situações de extinção da execução pelo pagamento, tem de se decidir a extinção da instância no processo de oposição à execução fiscal, por inutilidade superveniente da lide, como se fez na decisão recorrida.
CONCLUSÃO
Nestes termos, é nosso parecer dever ser confirmada a decisão recorrida, negando-se, em consequência, provimento ao recurso.
Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.
- Fundamentação -
4 – Questão a decidir
É a de saber se paga a quantia exequenda por um dos responsáveis subsidiários deve declarar-se extinta, por impossibilidade/inutilidade superveniente da lide, a oposição à execução deduzida por outro dos responsáveis subsidiários, quando este tenha manifestado de forma expressa discordância quanto a essa extinção da instância de oposição por nela pretender ver apreciados os pedidos formulados na petição de oposição.
5 – Na sentença objecto do presente recurso foram fixados os seguintes factos:
O ora oponente foi citado, em 28/06/2004, na qualidade de responsável subsidiário da executada originária “B…”, no âmbito do processo de execução fiscal n.º 3514200101016024, respeitando a dívida exequenda a contribuições para a segurança social (CRSS Norte), no montante de € 24.497,18.
As dívidas relativas aos anos de 1996 a 2000 foram pagas em 18/11/2004, por C…, na qualidade de responsável subsidiário pela dívida em apreço (em reversão), no valor de € 25.150,72.
Em 24/11/2004, o processo de execução fiscal foi considerado findo, nos termos do artigo 269.º do Código de Procedimento e Processo Tributário (CPPT), tendo sido ordenado o levantamento da penhora respectiva.
Em 06/12/2004, o processo de execução fiscal constava do registo informático do Serviço de Finanças de Matosinho-2 como extinto por pagamento e anulação.
O presente processo de oposição foi apresentado no Serviço de Finanças de Matosinhos-2 em 26/07/2004.
6. Apreciando.
6.1 Da impossibilidade/inutilidade superveniente da lide de oposição à execução, extinta esta por pagamento
A sentença recorrida, a fls. 92 a 96 dos autos, julgou extinta por inutilidade superveniente da lide, nos termos do artigo 287.º, alínea e) do CPC ex vi artigo 2.º, alínea e) do CPPT, a oposição deduzida pelo ora recorrente, em virtude do pagamento da quantia exequenda e acrescido por outro dos responsáveis subsidiários, não obstante a manifestação expressa de vontade do oponente em ver apreciados os pedidos formulados na petição inicial de oposição.
Alega o recorrente que a sentença recorrida violou o disposto na alínea e) do artigo 287.º do Código de Processo Civil, pois que os pedidos ali formulados, não perde(m) utilidade em razão do pagamento, designadamente porque mantém interesse em discutir a validade e legalidade do despacho de reversão de que foi alvo por parte da Administração tributária, visto que mesmo que estivesse demonstrado que a impugnante não podia alcançar o fim normal ou típico da decisão de ilegalidade do despacho de reversão, não seria irrelevante o respectivo interesse na fixação da ilicitude da conduta administrativa para outros efeitos, de que, a título de mero exemplo, se referem a reclamação de uma indemnização (cfr. conclusões das suas alegações de recurso supra transcritas).
Vejamos.
A oposição à execução fiscal, regulada nos artigos 203.º e seguintes do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT), é o meio processual pelo qual se visa a extinção da execução mediante o reconhecimento da actual inexistência do direito exequendo ou da falta dum pressuposto, específico ou geral, da acção executiva (cfr. RUI DUARTE MORAIS, A Execução Fiscal, Coimbra, Almedina, 2005,p. 65), estando pois instrumental e funcionalmente ligada à acção executiva, embora dela seja estruturalmente autónoma (op.cit, p. 66).
Resulta clara e inequivocamente da lei que efectuado o pagamento da dívida exequenda e do acrescido, a execução fiscal se extingue (artigos 264.º, n.º 1 e 269.º do CPPT).
Ora, uma vez extinta a pretensão executiva na pendência da oposição, a contra-acção à execução em que a oposição se traduz torna-se logicamente impossível, pois que perdeu a sua finalidade, a saber a de opor-se ao exercício do direito de crédito do exequente.
Não obstante o rigor do silogismo lógico, haverá que reconhecer, contudo, que razões de justiça material poderão determinar a adopção de solução diversa nos casos em que a oposição à execução fiscal é tida como o meio processual adequado para reagir perante uma decisão ilegal da qual não caberá via de reacção diversa, como paradigmaticamente sucede nas situações abrangidas pela alínea h) do n.º 1 do artigo 204.º do CPPT (ilegalidade da liquidação da dívida exequenda, sempre que a lei não assegure meio judicial de impugnação ou recurso contra o acto de liquidação). É que, neste caso, sob as vestes da oposição à execução fiscal o que está em causa é “uma forma processual de impugnação do acto tributário” (CASALTA NABAIS, Direito Fiscal, 5.ª ed., Coimbra, Almedina, 2009, p. 343), que pode ter como fundamento qualquer dos fundamentos próprios da impugnação e que se rege pelas mesmas regras desta quando não seja baseada em mera questão de direito (artigo 204.º n.º 2 do CPPT). Nestes casos, a oposição como que se emancipa da execução no âmbito da qual foi deduzida, assumindo-se como uma impugnação judicial, razão pela qual apenas o desaparecimento da ordem jurídica do acto impugnado, e não o pagamento da dívida tributária, determinará a impossibilidade superveniente da lide.
A situação apontada de excepção à regra de que o pagamento da dívida exequenda e acrescido determina a extinção da oposição por impossibilidade superveniente da lide não vale, contudo, para o caso dos autos, como se demonstrará.
Ao alegado interesse no (re)conhecimento de ausência de culpa sua na insuficiência do património social, que, como alegou em primeira instância (fls. 81 dos autos) lhe poderia ser útil para efeitos da exclusão do direito de regresso que o restante responsável subsidiário reclama nos autos de processo que sob o número 7.245/07.0TBMAI corre os seus termos pelo 4.º Juízo do Tribunal da Maia, deu o Tribunal “a quo” adequada resposta na sentença recorrida, que se estriba na lição de JORGE LOPES DE SOUSA que o Excelentíssimo Procurador-Geral Adjunto junto deste Tribunal também cita no seu parecer junto aos autos e supra transcrito, pois que, designadamente, sendo partes em cada processo de oposição apenas o oponente e a Fazenda Pública, seria inviável obter esse efeito declarativo no processo de oposição, desde logo, pelo facto de, não tendo nele intervenção os condevedores ou responsáveis solidários ou subsidiários, inclusivamente o que pagou a dívida, a decisão que fosse proferida neste processo sobre tal matéria, não seria vinculativa para estes (artigos 671.º, 497.º, n.º 1, e 498.º, n.ºs 1 e 2 do CPC) – cfr. JORGE LOPES DE SOUSA, Código de Procedimento e de Processo Tributário: Anotado e Comentado, Vol. II, 5.ª ed., Lisboa, Áreas Editora, p. 628, (nota 7 ao art. 264.º do CPPT).
Já no que respeita ao alegado interesse em ver reconhecida a ilegalidade do despacho de reversão, em relação ao qual se alega que não seria irrelevante o respectivo interesse na fixação da ilicitude da conduta administrativa para outros efeitos, de que a título de mero exemplo, se referem a reclamação de uma indemnização, também este alegado interesse não colhe nesta sede.
É que o despacho de reversão, através do qual se verifica uma alteração subjectiva da instância (JOAQUIM FREITAS DA ROCHA, Lições de Procedimento e Processo Tributário, Coimbra, Coimbra Editora, 2004, p. 250), se anulado por ilegalidade, tem apenas como consequência em sede de oposição a extinção da execução em relação ao oponente através da procedência da oposição, não sendo susceptível de aí fundar qualquer pretensão indemnizatória.
Não quer isto dizer, evidentemente, que se da ilegalidade da reversão resultarem danos para o oponente estes não sejam indemnizáveis. O direito à reparação dos danos causados pelas entidades públicas constitui princípio constitucional (artigo 22.º da Constituição da República Portuguesa), a efectivar, contudo, através de meio processual próprio, onde haverá que demonstrar pressupostos de que essa responsabilidade depende e que na oposição à execução fiscal não cabe apurar.
Em face do exposto, forçoso é concluir que, no caso dos autos, o pagamento da dívida exequenda extinguiu, por impossibilidade da lide (artigo 287.º alínea e) do Código de Processo Civil), a instância de oposição à execução fiscal e consequentemente o recurso não merece provimento.
- Decisão -
7 - Termos em que, face ao exposto, acordam o juízes da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo em negar provimento ao recurso.
Custas pelo recorrente, fixando-se a procuradoria em 1/6.
Lisboa, 7 de Outubro 2009. - Isabel Marques da Silva (relatora) - Pimenta do Vale - António Calhau (vencido, nos termos do acórdão proferido no recurso 714/09, de que fui relator).