Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0399/13.9BEAVR
Data do Acordão:04/24/2019
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:ANA PAULA LOBO
Descritores:FALTA DE FUNDAMENTAÇÃO
LIQUIDAÇÃO
Sumário:I - O vício formal de falta de fundamentação a ocorrer contende com a validade do acto tributário. A obrigação de fundamentar o acto de liquidação dando a conhecer aos respectivos destinatários, de forma expressa e acessível, os motivos - fundamentos factuais e as razões legais - por que se decide de determinado modo e não de outro mais não é que a concretização da obrigação geral de fundamentação dos actos administrativos, imposta pelos artigos 268º nº3 Constituição da República Portuguesa, 135º CPA e 77.º da Lei Geral Tributária.
II - Tendo o Tribunal recorrido julgado provado que o acto de liquidação é o que consta daquele doc. 1 junto com a petição inicial que revela ser uma demonstração de liquidação que não estabelece qualquer ligação nem ao relatório de inspecção nem a qualquer outra decisão ou procedimento de liquidação é manifesta a falta de fundamentação do acto de liquidação que pouco mais informação contém que o montante a pagar.
III - Não está em causa apenas uma notificação deficiente, incompleta ou obscura do acto de liquidação que não sendo dele invalidante apenas contenderia com a sua eficácia.
Nº Convencional:JSTA000P24471
Nº do Documento:SA2201904240399/13
Data de Entrada:01/07/2019
Recorrente:AT - AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA
Recorrido 1:A....................., LDA
Votação:MAIORIA COM 1 VOT VENC
Aditamento:
Texto Integral:
RECURSO JURISDICIONAL
DECISÃO RECORRIDA – Tribunal Administrativo e Fiscal de Aveiro
. 24 de Outubro de 2018



Julgou a impugnação procedente e determinou a anulação da liquidação impugnada, com todas as consequências legais.


Acordam na Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:


A Representante da Fazenda Pública veio interpor o presente recurso da sentença supramencionada, proferida no processo de impugnação judicial contra o acto de liquidação nº 2012 6410001417, referente a IRS (retenção na fonte) de 2011, e respectivos juros compensatórios, no montante global de € 31.094,51 instaurado por A………………., Lda que invocou, para o efeito, que o acto é ilegal porque padece de falta de fundamentação, preterição de formalidades legais e erro na qualificação e quantificação da matéria tributável tendo, para esse efeito formulado, a final da sua alegação, as seguintes conclusões:

1) O Tribunal a quo considerou que o acto impugnado sofre de falta de fundamentação, por considerar que o acto notificado não contém qualquer fundamentação autónoma, nem de facto nem de direito, e não contém qualquer remissão expressa para o relatório de inspecção que o antecedeu.

2) Ora no presente caso é possível concluir de modo diverso daquele que concluiu o ilustre julgador do tribunal a quo, isto é, que a liquidação impugnada cumpre os requisitos de fundamentação exigidos pelo artº 77º nº 1 e nº 2 da LGT.

3) Pois consta dos factos provados sob o ponto nº 6 da douta sentença quais foram os motivos de facto e de direito que levaram a Administração tributária a praticar o acto.

4) In casu a correcção efectuada à empresa ficou-se a dever ao facto de em Dezembro de 2011, a sociedade, registar um saldo de caixa, no montante de € 139.622.19, que não se encontra na posse da empresa e nesse mesmo mês, esse valor é retirado dessa conta por contrapartida de um dos sócios, e tal foi entendido que configurava um adiantamento por conta dos lucros que está sujeito a retenção na fonte, a uma taxa liberatória. (artº 5º nº 4 do CIRS).

5) E aqui há que realçar que o procedimento administrativo de liquidação é composto por uma série de actos dirigidos à concreta determinação do montante do imposto a pagar e culmina com o acto de aplicação da taxa à matéria tributável.

6) A obrigatoriedade da fundamentação impõe-se à Administração na fase de decisão do procedimento. (artº 77º nº 1 da LGT)

7) Conforme resulta do P.A. e dos pontos nº 5 e 6 do probatório, no caso em apreço estamos perante um procedimento de inspecção tributária.

8) Os actos tributários aqui em crise resultaram do relatório de inspecção elaborado em consequência do referido procedimento de inspecção.

9) Os actos tributários que resultem do relatório fundamentam-se nas suas conclusões, através da sua adesão ou concordância com estas.

10) A fundamentação das liquidações impugnadas é a que resulta quer do relatório de inspecção, quer do parecer do inspector tributário, que mereceu a concordância do Director de Finanças de Aveiro.

11) E este é o documento decisivo para determinar o teor da fundamentação externada pela Administração fiscal.

12) E da leitura do referido documento, resulta evidente que a correcção efectuada à empresa se ficou a dever ao facto de em Dezembro de 2011, a sociedade, registar um saldo de caixa, no montante de € 139.622.19, que não se encontra na posse da empresa e nesse mesmo mês, esse valor é retirado dessa conta por contrapartida de um dos sócios, e que tal configura um adiantamento por conta dos lucros que está sujeito a retenção na fonte, a uma taxa liberatória. (artº 5º nº 4 do CIRS)

13) Aceitamos que possa ter causado alguma estranheza ao Tribunal, o conteúdo da notificação da liquidação, a que se reporta o ponto 8 do probatório, pois numa primeira análise pode dar a impressão que a natureza dos rendimentos “Capitais – Outros Rendimentos” não se encontra concretizada.

14) Mas o que é certo é que tais documentos são documentos emitidos por computador, produzidos em serie, e de acordo com um padrão, que muitas vezes não se adequam com todo o rigor à situação a que se reportam, considerando-se que o Tribunal a quo assim o devia ter entendido.

15) E de todo o modo não são aptos para aferir a fundamentação da liquidação.

16) Pois o que é relevante para averiguar sobre a fundamentação é o teor da fundamentação inserta no relatório de inspecção.

17) Pois aí se consubstancia a decisão do procedimento.
18) E essa decisão é que contém a fundamentação. (Artº 77º nº 1 da LGT)

19) As notificações referentes ao montante de imposto a pagar não são efectuadas para efeitos de comunicação da fundamentação (pois essa já foi comunicada antes) mas tão só para efeitos de reacção ao acto de liquidação, abrindo-se prazo a partir destas notificações para pagar e para reclamar ou impugnar, nos termos e prazos dos artigos 70º e 102º do CPPT.

20) Pelo que se encontra cumprido o artº 77º nº 1 da LGT, não carecendo o acto administrativo impugnado de fundamentação.

21) Na sentença sindicada tão pouco se diz que o apontado erro quanto à origem dos rendimentos mencionada na notificação da liquidação, não permitiu à impugnante saber a que se devia o montante exigido a título de imposto.

22) E não o diz porque é manifesto que não poderia tirar essa conclusão, em face do procedimento que antecedeu a liquidação e do comportamento da impugnante no referido procedimento.

23) Sendo certo que da leitura da posição tomada pela impugnante, na presente impugnação, resulta que esta conhece os motivos porque as correcções lhe foram efectuadas, o que lhe possibilitou interpor o referido meio judicial de contestação do acto de liquidação.

24) Da leitura dos artigos 30º a 90º da p.i, resulta que esta contesta as correcções que lhe foram efectuadas derivadas da transferência da conta caixa para a conta do sócio B………………, e que foi qualificada como distribuição de lucros sujeitos a retenção na fonte do IRS.

25) E resulta igualmente que esta compreendeu perfeitamente as razões em que se baseia a liquidação impugnada, de tal modo que invoca que não as aceita porque segundo ela a entrada do dinheiro em caixa da empresa, no montante de € 240.000.00, corresponde ao aumento de capital efectuado em 13/09/2005, e que esse dinheiro nunca chegou a entrar fisicamente na empresa, e que a transferência desse valor para a conta de capital do sócio B…………….., não representa qualquer acréscimo patrimonial considerado lucro da empresa pelo sócio.

26) E uma vez que a impugnante contestou a avaliação e quantificação da matéria colectável que foi efectuada é porque a compreendeu, assim a situação questionada nos autos não consubstancia qualquer falta de fundamentação.

27) A que acresce que a fundamentação do acto aqui sindicado permitiu a apreciação por parte do tribunal da invocada ilegalidade consubstanciada em erro na qualificação e quantificação da matéria tributável, tendo sido decidido que tal vício é improcedente, o que só reforça a tese que aqui se defende de que a liquidação sindicada se encontra fundamentada.

28) O Tribunal a quo violou os artigos 77º nº 1 e nº 2 da LGT e 62º nº 1 do CPPT e 63º do RCPIT.
TERMOS EM QUE, deve ordenar-se a revogação da douta sentença.

Foram apresentadas contra-alegações pela impugnante A…………….. Ld.ª, em suporte da decisão recorrida que apresentam as seguintes conclusões:
I. A sentença recorrida não incorre em erro de julgamento por violação de lei;
II. Deve ser julgado totalmente improcedente o recurso.

Foi emitido parecer pelo Magistrado do Ministério Público no sentido da improcedência do recurso com fundamento em: «(…) A fundamentação deve ser expressa, não bastando uma fundamentação que, embora não expressa, seja inequívoca. (…) As características do caso concreto tornam plausível o entendimento de que o acto de liquidação impugnado tem fundamentação inequívoca nas conclusões do relatório de inspecção (notificado ao sujeito passivo inspeccionado), onde se discrimina o facto tributário (adiantamento por conta de lucros distribuídos a sócio), as disposições legais aplicáveis (arts.5º nºs 2 al. b) e 4 e 71º nº1 CIRS), a matéria tributável (€ 139 622,19), a taxa liberatória aplicada (21,5%) e a colecta resultante (30 018,77) (factos provados nº 6) Esta inequivocidade é demonstrada pela abundante argumentação expendida na petição de impugnação judicial, onde o impugnante pretende contrariar os pressupostos fácticos e jurídicos da liquidação não obstante, sendo inequívoca no contexto enunciado (no pressuposto implícito de que a fundamentação do acto tributário está consubstanciada nas conclusões do relatório), a fundamentação não é expressa, porque: a) não exprime qualquer remissão para as conclusões do relatório; b) não exprime os requisitos legais imperativos do acto tributário, limitando-se a uma sumária menção da proveniência do rendimento (capitais) e do montante do imposto a pagar (factos provados nº8; doc. fls.11 do processo físico) neste conspecto o acto tributário enferma de falta de fundamentação (formal), por insuficiência de expressão dos seus requisitos legais imperativos.»

Mostram-se provados, os seguintes factos com relevo para a decisão do presente recurso:
1. A sociedade Impugnante tem como objecto social “Fabrico de mobiliário metálico, componentes metálicos de suspensão e acondicionamento, de ferramentas, peças e acessórios industriais, mobiliário metálico de segurança e estantes metálicas e locação de bens próprios, móveis e imóveis” – cfr. certidão de matrícula, de fls. 45 e seguintes do PA;

2. Em 13/9/2005 foi lavrada escritura de “Reforço de capital e alteração do pacto social” na qual consta que os sócios da impugnante “deixam expressa a deliberação universal: A) – Elevar o capital da sociedade para TREZENTOS MIL EUROS, resultando o correspondente reforço de DUZENTOS E QUARENTA MIL EUROS de entradas em numerário, pelo sócio B……………, utilizando este essa importância para elevação do valor nominal da sua quota, ficando assim com uma quota no valor nominal de DUZENTOS E SETENTA MIL EUROS, mantendo o outro sócio o valor nominal da sua actual quota. Que esta importância já deu entrada na caixa social, que nem por lei, pelo contrato ou pela deliberação universal aqui deixada expressa, é exigível a realização de outras entradas, substituindo a redacção do artigo quarto do pacto pela seguinte: Artigo 4º: O capital social, integralmente realizado em dinheiro e outros bens constantes da escrita social é de TREZENTOS MIL EUROS e encontra-se dividido em duas quotas, uma quota no valor nominal de DUZENTOS E SETENTA MIL EUROS pertencente ao sócio B…………… e outra quota do valor nominal de TRINTA MIL EUROS, pertencente ao sócio C……………..; B) Alterar o pacto social sobre a administração e representação da sociedade, pelo que, em consequência, acrescentam um parágrafo ao seu artigo sexto, que passa a ter a seguinte redacção: Artigo 6º (mantêm-se); § ÚNICO – O sócio C……….. tem um direito especial à gerência, sendo a sua assinatura sempre necessária para vincular e obrigar a sociedade, não podendo ele ser afastado da gerência sem o seu expresso consentimento” – fls. 18 a 21 do PA;

3. Na contabilidade da Impugnante foi registada a entrada, na conta Caixa, do montante correspondente a esse aumento de capital (€ 240.000,00), documentalmente suportada na escritura referida no ponto anterior – testemunha inquirida, ………………, TOC responsável pela execução da contabilidade da Impugnante;

4. Esse aumento de capital destinava-se ao autofinanciamento de obras de melhoramentos do edifício da sociedade impugnante e à constituição de propriedade horizontal, que não chegaram a ser feitas - testemunha inquirida, ………………, TOC responsável pela execução da contabilidade da Impugnante;

5. Em 2012, no âmbito de uma acção de âmbito distrital designada “controlo aos saldos de Caixa” a Direcção de Finanças de Aveiro procedeu a acção inspectiva externa à situação tributária da Impugnante que culminou com o Relatório final de 13/12/2012, homologado por despacho de 17/12/2012, no qual se apurou, por “correcção aritmética”, em falta o IRS retido na fonte referente ao mês de Dezembro do ano 2011, no montante de € 30.018,77 – fls. 1 e seguintes do PA;

6. Do referido Relatório constam as seguintes conclusões:
“I - Ficou provado que, apesar da conta "Caixa" evidenciar um saldo devedor de € 139.622,19 nos meses de Setembro a Dezembro de 2011, este valor não existia fisicamente nos "cofres" da empresa, conforme ficou comprovado na diligência de contagem de caixa, bem como, pelas declarações prestadas pelo sócio-gerente;
II - No decurso das diligências anteriormente referidas, em Dezembro de 2011, foi realizado um movimento contabilístico, que creditou a conta Caixa exactamente pelo montante do respectivo saldo acumulado, a favor do sócio-gerente, isto é, fazendo fé nos registos contabilísticos, este valor foi atribuído e colocado à disposição do beneficiário (sócio) nessa data (Dezembro de 2011);
III - Dado que estamos perante movimentos realizados em dinheiro, que como é consabido, não deixam registo, na falta de outros elementos, e em conformidade com o estabelecido no artigo 75º da LGT (Lei Geral Tributária), presumem-se verdadeiros os dados evidenciados na contabilidade do sujeito passivo.
IV - Apesar do sujeito passivo alegar que o saldo de caixa diz respeito ao aumento de capital social em 2005 conforme escritura que anexo, com o objectivo de investir em terrenos e obras, mas devido ao surgir divergências com o vendedor não fizeram as entradas de capital social", não poderá este argumento ser atendível pois que:
• Estamos perante movimentos realizados em numerário, deste modo, não há elementos de prova relativamente ao alegado pelo sócio-gerente — falta de entrada do numerário em caixa.
• Mesmo que tal tivesse acontecido, o que admitimos por mera hipótese, não podemos aceitar e compactuar com este argumento, por consubstanciar uma ilegalidade. Neste cenário, ambos os sócios teriam assinado um contrato "falso", ao terem declarado que o aumento de capital já se encontrava realizado em dinheiro, quando tal não teria acontecido;
• O contrato de aumento de capital assinado em 2005 não foi, entretanto, objecto de revogação ou distrate, permanecendo a sociedade com o mesmo capital social;
• Além do mais, se enveredássemos pela não tributação deste saldo de caixa "inexistente" neste momento, aceitando e admitindo o argumento apresentado pelo sujeito passivo que este se refere a um aumento de capital não realizado, estaríamos a permitir que, aquando da liquidação da sociedade numa data futura, os seus activos fossem partilhados pelos respectivos sócios, na proporção das respectivas quotas, passando, novamente, esta distribuição à margem de qualquer tributação. Isto porque, conforme prevê o artigo 81.º do CIRC (Código do IRC), apenas é "englobado para efeitos de tributação dos sócios, no período de tributação em que for posto à sua disposição, o valor que for atribuído a cada um deles em resultado da partilha, abatido do custo de aquisição das correspondentes partes sociais." Ou seja, na data da liquidação e consequente encerramento da sociedade, o sócio estaria legitimado a receber da sociedade o valor respeitante à sua quota (que de acordo com a escritura de aumento de capital seria de € 270.000,00), sem que para isso tivesse despendido de qualquer capital, passando este valor à margem de qualquer tributação, pois que, corresponderia ao valor de aquisição da respectiva parte social. Por tudo o que foi aqui explanado, teremos que nos reduzir aos factos e evidências contabilísticas, que são: à data de Dezembro de 2011, a sociedade, regista um saldo de Caixa, no montante de € 139.622,19, que não se encontra na posse da empresa e nesse mesmo mês, esse valor é retirado dessa conta por contrapartida de um dos sócios, tributando o facto tributário de acordo com o seu enquadramento leal.
- Enquadramento legal
O nº 4 do artigo 5º do CIRS (Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares) estipula que: "Os lançamentos em quaisquer contas correntes dos sócios, escrituradas nas sociedades comerciais ou civis sob forma comercial, quando não resultem de mútuos, da prestação de trabalho ou do exercício de cargos sociais, presumem-se feitos a título de lucros ou adiantamento dos lucros" conforme disposto na alínea c) do n.º 1 do artigo 71º do Código do IRS, os rendimentos derivados da alínea h) do n.º 2 do artigo 5º do IRS, onde se enquadram os adiantamento por conta de lucros, estão sujeitos à retenção na fonte, a uma taxa liberatória (dispensando os beneficiários dos rendimentos da obrigação do seu englobamento na respectiva declaração de IRS). Esta taxa tem sofrido alterações nos últimos tempos de acordo com o quadro infra:


Taxa
Entrada em vigor
Diploma
20%
2006-01-01
Lei n.º 192/2005, de 7 de Novembro
21,5%
2010-07-01
Lei n.° 12 A/2010, de 30 de Junho
25%
2012-01-01
Lei n.º 64 B/2011, de 30 de Dezembro



Este imposto é liquidado através do mecanismo de retenção na fonte, a título definitivo, por parte da entidade pagadora e o seu pagamento é realizado mensalmente, até ao dia 20 do mês seguinte à ocorrência do facto tributário (neste caso, da colocação à disposição da respectiva verba), conforme estipula o artigo 98.º do CIRS: "Nos casos previstos nos artigos 99.º a 101.º e noutros estabelecidos na lei, a entidade devedora dos rendimentos sujeitos a retenção na fonte, as entidades registadoras ou depositárias, consoante o caso, são obrigadas, no acto do pagamento, do vencimento, ainda que presumido, da sua colocação à disposição, da sua liquidação ou do apuramento do respectivo quantitativo, consoante os casos, a deduzir-lhes as importâncias correspondentes à aplicação das taxas neles previstas por conta do imposto respeitante ao ano em que esses actos ocorrem. As quantias retidas nos termos dos artigos 99º a 101º devem ser entregues até ao dia 20 do mês seguinte àquele em que foram deduzidas."
APURAMENTO DO IMPOSTO
Assim, neste caso em concreto, consideraremos que o facto tributário ocorreu na data do registo contabilístico, Dezembro de 2011, sendo a taxa aplicável de 21,5%. Daqui resulta o montante de € 30.018,77 de imposto, que deveria ter sido pago pela sociedade, por retenção na fonte através do mecanismo da substituição tributária, até ao dia 20 de Janeiro de 2012.” - pág. 8 a 10 do Relatório, de fls. 5 e 6 do PA;

7. Pelo ofício nº 84 14373, de 17/12/2012, remetido sob registo postal cujo aviso de recepção foi assinado em 21/12/2012, a AT remeteu à agora Impugnante a cópia do Relatório final acima referido – fls. 47 a 49 do PA;

8. Em 27/12/2012 a AT procedeu à liquidação nº 2012 6410001417 relativa a IRS devido por retido na fonte, do mês de Dezembro de 2011, no montante de € 30.18,77, e dos respectivos juros compensatórios no montante de € 1.075,74, somando o total de € 31.094,51, cujo prazo de pagamento voluntário terminava em 6/2/2013 – doc. 1 anexo à p.i., de fls. 11 do processo físico;

9. Em 29/4/2013, sob registo postal, foi remetida a petição inicial da presente impugnação – vinheta colada no canto superior direito de fls. 2 do processo físico;

10. As únicas receitas da empresa resultam de rendas obtidas como contrapartida da cedência do armazém, por locação a terceiros - testemunha inquirida, …………………, TOC responsável pela execução da contabilidade da Impugnante;

11. O Volume de Negócios anual é inferior a € 10.000,00 - testemunha inquirida, ……………………., TOC responsável pela execução da contabilidade da Impugnante;

12. Os custos reduzem-se às despesas com electricidade e com algumas pequenas reparações do prédio - testemunha inquirida, ………………., TOC responsável pela execução da contabilidade da Impugnante;

13. No decurso da acção inspectiva, em Dezembro de 2011, o contabilista da Impugnante fez um movimento contabilístico através do qual transferiu o saldo da conta Caixa então existente para contas em nome do sócio B…………….. - testemunha inquirida, ……………….., TOC responsável pela execução da contabilidade da Impugnante;

14. A Impugnante não efectuou, na sequência do movimento contabilístico aludido no ponto anterior, a qualquer retenção na fonte de IRS, designadamente correspondente a distribuição de lucros (rendimento de capitais) a favor do sócio B……………. – acordo, sendo certo que a Impugnante considera que não havia obrigação legal de fazer retenção na fonte;

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Questão objecto de recurso:
1 – Fundamentação do acto de liquidação

A sentença recorrida entendeu que se verifica o vício de forma do acto de liquidação impugnado, por absoluta falta de fundamentação em violação do disposto no artigo 63º, nº 1, do RCPIT e que abrange tanto a liquidação do tributo principal (IRS) como a liquidação dos juros compensatórios que integram aquela donde retirou a conclusão de anulabilidade dos actos tributários impugnados, que se declarou.
O documento que corporiza o acto de liquidação impugnado, como refere a sentença recorrida e se constata pela respectiva análise, circunstância não questionada pela Representante da Fazenda Pública, para além da identificação formal do acto tributário, só indica o seguinte: quanto à dívida “natureza do rendimento: Capitais - outros rendimentos” (para além de “valores mobiliários” de entidades emitentes ou registadores, depositantes e outras, “juros de depósitos à ordem e a prazo”, do período 2011.12 e valor do “Imposto: € 30.019,77” referindo ainda “ Fica V. Exª notificado para, até à data limite indicada (6/2/2013), efectuar o pagamento da importância apurada proveniente da liquidação de retenções na fonte de IRS relativa ao ano indicado. (…)”.
A decisão sobre a matéria de facto não foi impugnada em sede de recurso pelo que, ainda que haja um qualquer outro documento que possa ser o acto de liquidação e que possa conter uma qualquer fundamentação ou remissão para as conclusões do relatório de inspecção ele não tem qualquer existência processual.
Não consta do referido documento qualquer fundamentação autónoma, de facto ou de direito, nem qualquer remissão expressa ou implícita para o relatório de inspecção que o antecedeu, muito menos que qualquer entidade haja assumido a responsabilidade de elaboração do acto de liquidação em conformidade com as conclusões do relatório de inspecção.
Nem consta da matéria de facto provada a versão apresentada pela recorrente na contestação de que este documento 1, junto com a p.i., não seja o acto de liquidação mas uma mera notificação do montante a pagar para efeitos de dar início aos prazos para reacção contra o acto de liquidação por parte do contribuinte.
O vício formal de falta de fundamentação a ocorrer contende com a validade do acto tributário. A obrigação de fundamentar o acto de liquidação dando a conhecer aos respectivos destinatários, de forma expressa e acessível, os motivos - fundamentos factuais e as razões legais - por que se decide de determinado modo e não de outro mais não é que a concretização da obrigação geral de fundamentação dos actos administrativos, imposta pelos artigos 268º nº3 Constituição da República Portuguesa, 135º CPA e 77.º da Lei Geral Tributária.
Quando a decisão administrativa enuncia explicitamente as razões ou motivos que conduziram a entidade administrativa à prática do acto revela a ponderação do interesse público, e permite que o administrado percorra o processo mental que conduziu à decisão, para que, esclarecidamente, a ela adira ou contra ela possa reagir através dos meios legais ao seu dispor. Consensualmente definem a doutrina e a jurisprudência que a fundamentação do acto de liquidação deve ser suficiente - permite que um destinatário normal apreenda o itinerário cognoscitivo e valorativo da decisão tomada -, clara - permitir compreender, sem ambiguidade o sentido e motivação da decisão -, congruente – por se apresentar como a conclusão lógica das razões apresentadas - e, contextual – quando se integra no texto do próprio acto ou para ele remete. No dizer de jurisprudência constante e uniforme dos tribunais, a fundamentação é um conceito relativo, que varia em função do tipo concreto de cada acto e das circunstâncias em que ele é praticado, cabendo ao tribunal, perante cada caso, ajuizar da sua suficiência mediante a utilização deste critério prático: indagar se um destinatário normal, perante o teor do acto e das suas circunstâncias, fica em condições de perceber o motivo pelo qual se decidiu num sentido e não noutro, de forma a conformar-se com o decidido ou a reagir-lhe pelos meios legais.
Não está em causa apenas uma notificação deficiente, incompleta ou obscura do acto de liquidação que não sendo dele invalidante apenas contenderia com a sua eficácia. O que o Tribunal recorrido julgou provado como acto de liquidação é o que consta daquele doc. 1 junto com a petição inicial o que revela ser um acto de liquidação que não estabelece qualquer ligação nem ao relatório de inspecção nem a qualquer outra decisão ou procedimento de liquidação sendo, por isso, manifesta a falta de fundamentação do acto de liquidação que pouco mais informação contém que o montante a pagar.
Fez, pois, a sentença recorrida uma correcta interpretação da lei, não enferma dos erros de direito que lhe vinham imputados, impondo-se a sua confirmação.

Deliberação

Termos em que acordam os Juízes da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo em negar provimento ao recurso e confirmar a sentença recorrida.

Custas pela recorrente.

(Processado e revisto pela relatora com recurso a meios informáticos (art.º 131º nº 5 do Código de Processo Civil, ex vi artº 2º Código de Procedimento e Processo Tributário).
Lisboa, 24 de Abril de 2019. - Ana Paula Lobo (relatora) - Ascensão Lopes - Aragão Seia.
Voto de Vencido:

Ao contrário do decidido no acórdão supra entendo que os circunstancialismos do caso não permitem que se conclua pela falta de fundamentação da "Demonstração de Liquidação de Retenções na Fonte de IRS", por duas razões.
A primeira, porque tal documento é o culminar da inspecção realizada à contabilidade da impugnante, que a mesma conhecia, tendo sido em devido tempo notificada de todos os elementos que lhe permitissem saber as razões pelas quais lhe era dirigido tal documento a exigir o pagamento de imposto em falta, ou seja, insere-se num procedimento tributário que se desenvolveu de acordo com as regras legais previamente estabelecidas sendo mesmo o corolário lógico desse procedimento; a segunda, porque a impugnante argui a falta de fundamentação de tal "acto tributário" argumentando que nem sequer foi notificada do relatório final da acção inspectiva, o que, como resulta da matéria de facto, não é verdade.
Assim, daria provimento ao recurso, revogaria a sentença recorrida e negaria provimento à impugnação.
Lisboa, 24 de Abril de 2019.
Aragão Seia.