Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0104/12
Data do Acordão:05/30/2012
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:CASIMIRO GONÇALVES
Descritores:CONTRIBUIÇÕES PARA A SEGURANÇA SOCIAL
CADUCIDADE
PRAZO DE PAGAMENTO
JUROS MORATÓRIOS
Sumário:I - Não é aplicável à cobrança de dívidas de contribuição para a Segurança Social o regime de caducidade previsto no art. 45º da LGT que, como resulta dos seus termos, só é aplicável a casos em que há lugar a liquidação da dívida e respectiva notificação, antes de ser instaurado qualquer processo executivo.
II - As obrigações de entrega das contribuições e de entrega das declarações de remunerações, por parte das entidades empregadoras, devem ser cumpridas até ao dia 1 do mês seguinte àquele a que respectivamente dizem respeito: o do exercício da actividade profissional dos trabalhadores. E se a entidade empregadora não pagar as contribuições dentro de tal prazo, são devidos juros moratórios, a cuja liquidação, por ser meramente acessória daquelas contribuições, também não se aplica o dito regime de caducidade.
Nº Convencional:JSTA00067634
Nº do Documento:SA2201205300104
Data de Entrada:01/30/2012
Recorrente:A......, LDA
Recorrido 1:INSTITUTO DA SEGURANÇA SOCIAL, IP
Votação:UNANIMIDADE
Meio Processual:REC JURISDICIONAL
Objecto:SENT TAF BRAGA PER SALTUM
Decisão:NEGA PROVIMENTO
Área Temática 1:DIR FISC - CONTRIBUIÇÕES SEG SOC
Legislação Nacional:CPTRIB91 ART33
LGT98 ART30 ART31 ART40 ART43 ART44 ART45 ART46 ART102 N2
CPA91 ART66
L 110/2009 DE 2009/09/16 ART6
DL 103/80 DE 1980/05/09 ART5 N3
DL 140-D/86 DE 1986/06/14 ART18
DL 199/99 DE 1999/06/08 ART10 N2
DL 8-B/2002 DE 2002/01/15
L 119/2009 DE 2009/12/30
CPPTRIB99 ART89 N2 ART262 N2 ART91 N2
L 32/2002 DE 2002/12/20 ART45 N2
DL 73/99 DE 1999/03/16 ART4 ART5
Jurisprudência Nacional:AC STA PROC436/09 DE 2009/03/22; AC STA PROC469/10 DE 2010/10/13; AC STAPLENO PROC361/10 DE 2011/04/13; AC STA PROC181/02 DE 2002/07/10; AC STA PROC2064/02 DE 2003/04/09; AC STA PROC154/11 DE 2011/09/07
Referência a Doutrina:JORGE DE SOUSA CÓDIGO DE PROCEDIMENTO E DE PROCESSO TRIBUTÁRIO ANOTADO E COMENTADO 6ED VIII PAG496-497.
CASALTA NABAIS DIREITO FISCAL 5ED PAG650.
SÁ GOMES MANUAL DE DIREITO FISCAL VI PAG318.
JORGE DE SOUSA SOBRE A PRESCRIÇÃO DA OBRIGAÇÃO TRIBUTÁRIA 2ED PAG138-139.
BENJAMIM RODRIGUES A PRESCRIÇÃO NO DIREITO TRIBUTÁRIO IN PROBLEMAS FUNDAMENTAIS DO DIREITO TRIBUTÁRIO 1999 PAG287.
Aditamento:
Texto Integral: Acordam na Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:

RELATÓRIO
1.1. A………, Lda., com os demais sinais dos autos, recorre da sentença que, proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga, julgou improcedente a impugnação deduzida contra as liquidações respeitantes a contribuições para a Segurança Social, relativas aos meses de Novembro e Dezembro de 1997, Janeiro, Agosto, Novembro e Dezembro de 1998, Fevereiro, Junho a Dezembro de 1999, Março e Abril, Junho a Setembro, Novembro e Dezembro de 2000, Agosto e Novembro de 2001, Fevereiro a Maio, Agosto, Outubro e Novembro de 2002.

1.2. A recorrente termina as alegações formulando as conclusões seguintes:
1ª - Não obstante o incomensurável respeito que a mesma lhe merece, não pode a Recorrente conformar-se com a mui douta decisão proferida pelo Tribunal a quo de fls. 87 e seguintes dos presentes autos, a qual julgou totalmente improcedente a Impugnação deduzida;
2ª - Como doutrinal e jurisprudencialmente vem sendo defendido - não obstante as contribuições em causa serem objecto de autoliquidação - deve entender-se que, em caso de pagamento de contribuições autoliquidadas, também, não existe autoliquidação;
3ª - A responsabilidade da liquidação dos tributos em questão nestes autos - e a consequente notificação - é devolvida à competente entidade administrativa, a qual deveria ter procedido à notificação à Recorrente, no prazo legal (artigos 33º do CPT e 45°, nºs. 1 e 4, da LGT);
4ª – Consequentemente, faltando, como faltou, a notificação da liquidação dentro do referido prazo, dúvidas não podem restar que ocorreu a caducidade do direito de proceder à liquidação das contribuições e juros de mora relativos ao período compreendido entre Novembro de 1997 e Novembro de 1999;
5ª - Caso contrário, mesmo que se considere inaplicável às cotizações e contribuições a alegada necessidade da Recorrida proceder à notificação da respectiva liquidação à Recorrente - o que respeitosamente não se concede - sempre teria de considerar-se verificada a invocada caducidade daquela proceder à liquidação de parte dos juros de mora reclamados;
6ª - Não se pode aplicar o regime da obrigação principal à obrigação meramente acessória de liquidação dos juros de mora;
7ª - Embora os tributos cm causa sejam objecto de autoliquidação - que na opinião da Recorrente nem sequer teve lugar - e a Recorrente estar legalmente obrigada a proceder ao preenchimento e envio das declarações de remunerações, não lhe era exigível que procedesse à liquidação dos juros moratórios;
8ª - Sendo que aquela responsabilidade e a notificação da liquidação pertencia aos competentes serviços administrativos do CDSS do Porto ou à Recorrida, em prazo razoável;
9ª - Nos termos do disposto no artigo 66º do CPA, todos os actos administrativos têm de ser obrigatoriamente notificados aos seus interessados quando “imponham deveres, sujeições ou causem prejuízos” ou, ainda, “criem, extingam, aumentem ou diminuam direitos ou interesses legalmente protegidos, ou afectem as condições do seu exercício”.
10ª - A caducidade do direito de liquidação, como a caducidade em geral, serve-se de prazos pré-determinados, caracterizados pela peremptoriedade e visam limitar o lapso de tempo a partir do qual, ou dentro do qual, há que exercer-se um determinado direito.
11ª - Deste modo, se existe na lei uma limitação temporal do direito à liquidação dos tributos por parte do Estado, sendo tais tributos um crédito irrenunciável, por maioria de razão deverá existir limitação temporal para a liquidação dos juros de mora – cfr., a título exemplificativo, o artigo 4º do DL Nº 73/99, de 16/03, na redacção introduzida pela Lei Nº 3-B/2010, de 28/04.
12ª - Pelo que competia à Recorrida proceder à liquidação dos juros de mora e, por essa via, notificar a Recorrente do montante concreto apurado, devidamente fundamentado, quer de facto e de direito - cfr. artigo 36º do CPPT.
13ª - Uma vez que a Lei de Bases da Segurança Social não prevê especial e especificamente o instituto da caducidade do direito de liquidação por falta de notificação, deverá aplicar-se o regime geral consagrado, inicialmente, no artigo 33º do CPT e, posteriormente, no artigo 45º da LGT;
14ª - Assim sendo, como respeitosamente se entende ser, na data da citação da Recorrente também se encontrava caducado o direito da Impugnada liquidar os juros de mora relativos à alegada falta de pagamento das contribuições relativas aos meses de Novembro de 1997 a Novembro de 1999;
15ª - A douta decisão, ao julgar improcedente a oposição deduzida, para além de outras que Vossas Excelências doutamente suprirão, não interpretou nem aplicou correctamente diversas normas legais, assim as violando, nomeadamente: os comandos, entre outros, dos artigos 33º do CPT e 45º Nºs. l e 4, da LGT.
Termina pedindo que o recurso seja julgado procedente e, por via dele, seja a sentença recorrida substituída por outra decisão que julgue a impugnação totalmente procedente, por provada, nomeadamente pela verificação da invocada excepção de caducidade.

1.3. Não foram apresentadas contra-alegações.

1.4. O Exmo. Procurador-Geral Adjunto emite Parecer nos termos seguintes:
«1. Invoca a recorrente “caducidade de liquidação do direito de proceder à liquidação de contribuições e juros de mora relativos ao período compreendido entre Novembro de 1997 e Novembro de 1999”.
2. Quanto às contribuições em causa não é de aplicar o invocado prazo de caducidade de 4 anos, conforme é entendimento dominante da jurisprudência do S.T.A., inclusivamente citada na decisão recorrida, o que é de entender face ao especificamente previsto no art. 14° do Dec.-Lei n° 103/80, em que quanto às contribuições em dívida à Segurança Social se previa apenas um prazo de prescrição.
3. Por outro lado, e quanto aos juros é certo que existe uma “limitação quantitativa à liquidação e cobrança”, conforme prevista no art. 4° do DL 73/99, disposição que ao caso seria aplicável, e que a recorrente invoca como violada.
4. Contudo, desconhece-se se a liquidação efectuada não a respeitou.
5. Por outro lado, era à ora recorrente que incumbia, face à citação que lhe foi efectuada em 2003, em que lhe foi remetida uma “relação dos juros” “devidos”, requerer tal notificação, nos termos do disposto no art. 37° n° 1 do C.P.P.T.
6. Não o tendo efectuado, não pode proceder agora proceder o eventual vício daí decorrente, o qual, aliás, não se mostrava também invocado na impugnação que oportunamente apresentou.
7. Parece, pois, que o recurso é de improceder.»


1.5. Corridos os Vistos legais, cabe decidir.

FUNDAMENTOS
2. Na sentença recorrida julgaram-se provados os factos seguintes:
1 - Contra a aqui Impugnante foi instaurada a execução fiscal n° 1301200301020846 para pagamento das seguintes quantias, relativas a contribuições devidas ao Centro Regional da Segurança Social de Braga:

CertidãoPeríodoMontanteCertidãoPeríodoMontante
7971Nov-97302,107975Ago-011373,42
Dez-97621,21Nov-01869,74
7972Jan-98281,257976Fev-02822,46
Ago-98637,65Mar-02834,49
Nov-98395,03Abr-02834,65
Dez-98703,24Mai-02779,55
7973Fev-99488,88Ago-021276,45
Jun-99570,94Out-02777,58
Jul-99567,16Nov-02789,10
Ago-99517,70
Set-99609,03
Out-99578,50
Nov-99616,21
Dez-99601,16
7974Mar-00523,5
Abr-00527,96
Jun-00510,23
Jul-00497,11
Ago-001929,59
Set-00324,16
Nov-00552,34
Dez-001189,42
2 - Tais quantias foram apuradas face às declarações de remunerações apresentadas pela Impugnante à Segurança Social.
3 - A Impugnante foi citada para a execução através de carta registada com A/R recebida por volta do dia 12/12/2003.
4 - Com a citação foi remetida à Executada a relação dos juros de mora devidos (cfr. fls. 9 dos autos).
5 - Em 15/01/2004 deu entrada nos Serviços da Segurança Social a presente acção (cfr. fls. 2 dos autos).

3.1. Considerando a alegação da impugnante, no sentido de que ocorreu a caducidade do direito à liquidação das contribuições relativas ao período de Novembro de 1997 a Outubro de 1999 e dos respectivos juros moratórios, a sentença, referenciando a jurisprudência constante do acórdão deste STA, de 23/2/2009, rec. nº 0436/09, veio a concluir que não se verifica a caducidade do direito à liquidação de tais contribuições.
E no que respeita aos juros moratórios, concluiu que é de aplicar o mesmo regime da obrigação principal, por reporte à jurisprudência deste STA constante do ac. de 13/10/2010, no rec. nº 0469/10.

3.2. Discorda a recorrente alegando, como se viu, que, não obstante as contribuições em causa serem objecto de autoliquidação, deve entender-se que em caso de pagamento de contribuições autoliquidadas, também, não existe autoliquidação, sendo que a responsabilidade da liquidação das mesmas - e a consequente notificação - é devolvida à competente entidade administrativa, a qual deveria ter procedido à notificação à Recorrente, no prazo legal (artigos 33º do CPT e 45°, nºs. 1 e 4, da LGT), pelo que, tendo faltado a notificação da liquidação dentro do referido prazo, ocorreu a caducidade do direito de proceder à liquidação das questionadas contribuições e dos respectivos juros de mora.
Até porque, de acordo com o disposto no art. 66º do CPA, todos os actos administrativos têm de ser obrigatoriamente notificados aos seus interessados quando “imponham deveres, sujeições ou causem prejuízos” ou, ainda, “criem, extingam, aumentem ou diminuam direitos ou interesses legalmente protegidos, ou afectem as condições do seu exercício”, e se existe na lei uma limitação temporal do direito à liquidação dos tributos, por maioria de razão deverá existir limitação temporal para a liquidação dos juros de mora, sendo que, por a Lei de Bases da Segurança Social não prever especificamente o instituto da caducidade do direito de liquidação por falta de notificação, se deverá, então, aplicar o regime geral constante dos arts. 33º do CPT e, posteriormente, 45º da LGT.

3.3. Face, pois, às Conclusões do recurso e ao teor do douto Parecer do MP, a questão a decidir no presente recurso é a de saber se relativamente às contribuições impugnadas (devidas ao Centro Regional da Segurança Social de Braga e reportadas a vários meses dos anos de 1997 a 2000), bem como aos juros moratórios respectivos, ocorre ilegalidade por caducidade do direito à respectiva liquidação.
Vejamos.

4.1. Como refere a sentença recorrida, a questão da caducidade do direito à liquidação das contribuições à Segurança Social foi já objecto de apreciação no acórdão desta Secção do STA, de 23/2/2009, rec. nº 0436/09, no qual se entendeu que não é aplicável à cobrança de dívidas por contribuições à Segurança Social o regime de caducidade previsto no art. 45º da LGT.
E, com o devido respeito, entendemos que é de manter tal jurisprudência.
Como salienta o Cons. Jorge de Sousa, (Código de Procedimento e Processo Tributário, anotado e comentado, 6ª edição, 2001, Áreas editora, vol. III, anotação 37-c) ao art. 204º, pp. 496 e 497.) antes da vigência do DL nº 511/76, de 3/7, a falta de pagamento das contribuições para a Segurança Social implicava a instauração de processo de transgressão (Decreto nº 45266, de 23/9/1963) regime este que não se compaginava com a existência de um acto de liquidação em sentido próprio, já que o título executivo era constituído pela sentença condenatória (um acto judicial) e não por qualquer acto de natureza administrativa ou tributária.
Posteriormente, na vigência do citado DL nº 511/76, a cobrança coerciva das dívidas de contribuições para a segurança social passou a ser feita «imediatamente através de processo executivo» (cfr. o Preâmbulo deste diploma), sendo que este regime de cobrança se consubstancia na imposição às entidades patronais da obrigação de entrega das folhas de ordenados ou salários e da obrigação de pagamento das contribuições correspondentes, determinadas pela incidência das percentagens fixadas na lei sobre as remunerações, dentro dos prazos legais (na falta de pagamento das contribuições, era extraída certidão das folhas de ordenados ou salários que era remetida ao tribunal competente para a execução – cfr. o nº 1 do art. 2º e o art. 9º do mesmo DL), sendo, pois, o próprio contribuinte que tinha de calcular as contribuições devidas, aplicando as percentagens legais às remunerações, não havendo qualquer acto praticado por uma autoridade pública declarativo de uma obrigação de pagamento da quantia referente às contribuições, pelo que não pode falar-se, nos casos em que não há cobrança coerciva, da existência de um acto de liquidação (ressalvados determinados casos especiais).
Ora, este regime foi mantido, no essencial, pelo DL n° 103/80, de 9/5, pelo DL nº 140-D/86, de 14/6 (que criou a taxa social única), pelo DL nº 199/99, de 8/6, pelo DL nº 8-B/2002, de 15/1 e pelo Decreto Regulamentar n° 26/99, de 27/10, acrescendo que também o Código dos Regimes Contributivos do Sistema Previdencial de Segurança Social (CRCSPSS), aprovado pela Lei nº 110/2009, de 16/9 (cuja entrada em vigor estava prevista inicialmente para 1/1/2010 e passou para 1/1/2011, com a alteração introduzida ao art. 6° daquela Lei pela Lei nº 119/2009, de 30/12), mantém regime idêntico, embora com alteração dos prazos. (Sobre toda esta matéria, cfr. o apontamento do Cons. Jorge de Sousa (loc. cit.), no sentido de que: (i) Segundo o disposto no nº 3 do art. 5° do DL nº 103/80 «o pagamento das contribuições deve ser feito no mês seguinte àquele a que disserem respeito, dentro dos prazos regulamentares em vigor»; (ii) Por sua vez, o art. 18º do DL nº 140-D/86 estabelece que as contribuições previstas nesse DL serão pagas até ao dia 15 do mês seguinte àquele em que são devidas; (iii) E o nº 2 do art. 10º do DL nº 199/99, estabelece que as contribuições previstas nesse DL devem ser pagas até ao dia 15 do mês seguinte àquele a que disserem respeito, salvo as situações previstas no art. 39º (casos de inexistência de entidade empregadora, que serão objecto de regulamentação própria); (iv) E, ainda na mesma linha, o Decreto Regulamentar nº 26/99 estabelece que as entidades empregadoras devem enviar as declarações de remunerações até ao dia 15 do mês seguinte àquele a que as remunerações disserem respeito; (v) E, finalmente, o Código dos Regimes Contributivos do Sistema Previdencial de Segurança Social (CRCSPSS), aprovado pela Lei nº 110/2009, de 16/9, (cuja entrada em vigor estava prevista inicialmente para 1/1/2010 e passou para 1/1/2011, com a alteração dada ao art. 6° daquela Lei pela Lei nº 119/2009, de 30/12), mantém regime idêntico, embora com alteração dos prazos.)
“Deverá entender-se, porém, na esteira do que ALBERTO XAVIER (Conceito e natureza do acto tributário, páginas 64-65) defende para os casos algo semelhantes de autoliquidação de impostos, que, em casos deste tipo, o acto de liquidação consistirá no acto de extracção da certidão confirmativa da existência da dívida, já que há aqui um acto jurídico de aplicação de uma norma tributária material, praticado por uma autoridade administrativa, com força executiva. Será esse acto de extracção, assim, o «acto de liquidação». (…)
No entanto, não se trata formalmente de um acto de liquidação, isto é, não se trata de um acto administrativo formal de fixação de uma prestação tributária, pelo que não está, designadamente, dependente de qualquer procedimento tributário próprio para liquidação de tributos, nem é imposta por lei a notificação de qualquer acto antes da citação em processo de execução fiscal.”
E pela “mesma razão de se tratar de uma situação anómala, em que não se prevê a prática de um acto de liquidação e respectiva notificação antes da cobrança coerciva das dívidas de contribuições para a segurança social não é aplicável neste contexto o regime da caducidade do direito de liquidação previsto nos arts. 45° e 46° da LGT, que, como se infere dos seus termos, apenas é aplicável a casos em que haja lugar à prática de um acto formal de liquidação da dívida e respectiva notificação, antes de ser instaurado qualquer processo executivo”.
Ou seja, trata-se, como refere Casalta Nabais, ( Direito Fiscal, 5ª edição, Almedina, 2009, p. 650. Também sobre a natureza jurídica das contribuições para a Segurança Social, cfr., entre outros, Nuno Sá Gomes, Manual de Direito Fiscal, Vol. I (reimpressão), 1995, p. 318 e ss. ) reportando-se à liquidação e cobrança da Taxa Social Única, de «uma autoliquidação relativamente às contribuições das entidades patronais, e uma liquidação por terceiro (liquidação em substituição) no concernente às contribuições dos trabalhadores, já que estas são objecto de retenção na fonte a título definitivo pelas entidades patronais»
Acresce que, como também se diz no citado ac. de 23/2/2009, rec. nº 0436/09, “tendo-se encontrado o regime de quotizações e contribuições à Segurança Social sempre submetido a um regime específico (Leis nºs. 103/80, de 9/5, 17/200, de 8/8, 32/02, de 20/1 e 4/07, de 16/1) a verdade é que, ao invés do que sucede com o prazo especial de prescrição de dez e posteriormente cinco anos dos correspondentes créditos (cfr. artigo 60° n° 3 da Lei 4/07), o legislador nada consagrou, podendo fazê-lo, a respeito dum eventual prazo de caducidade do direito à extracção das sobreditas certidões das dívidas à Segurança Social para efeitos de instauração de processo executivo.”
Em suma, porque no caso das contribuições e quotizações em dívida à Segurança Social não é configurável a caducidade do direito à liquidação, a decisão recorrida que assim decidiu, é, nesta medida, de confirmar, improcedendo, portanto, as Conclusões 2ª a 4ª do recurso.

4.2. Mas a recorrente sustenta, ainda, que a sentença recorrida enferma igualmente de erro de julgamento na parte em que decide que também no que respeita aos juros moratórios é de aplicar o mesmo regime da obrigação principal.
Vejamos.

4.2.1. Os juros de mora constituem um dos elementos que integram a «dívida tributária», embora com autonomia até ao momento do pagamento, como decorre dos arts. 89°, n° 2, e 262°, nº 2, ambos do CPPT.
Na verdade, como escrevemos no ac. do Pleno desta Secção do Contencioso Tributário do STA, de 13/4/2011, rec. 0361/10, citando o Cons. Jorge de Sousa, (Sobre a Prescrição da Obrigação Tributária, 2ª ed., 2010, pp. 138/139.) “apesar de o art. 30º da LGT mencionar apenas, entre os vários elementos que integram a relação jurídica tributária, os juros compensatórios e os juros indemnizatórios, a falta de referência expressa aos juros de mora não significa que estes não se integrem, também, nessa relação jurídica e caibam no conceito de dívida tributária, pois que a mesma LGT também prevê, para além destes juros, o pagamento de juros de mora tanto pelo contribuinte (art. 44°, nº 1), como pela Fazenda Pública (art. 102°, n° 2).
É que, embora podendo considerar-se a possibilidade de os juros de mora se enquadrarem no conceito de «prestações acessórias de qualquer natureza», utilizado na al. b) do n° 1 daquele art. 30°, tal possibilidade não é de aceitar dado que, como salienta o autor acima referido «o art. 31°, n° 2, da LGT esclarece que «são obrigações acessórias do sujeito passivo as que visam possibilitar o apuramento da obrigação de imposto, nomeadamente a apresentação de declarações, a exibição de documentos fiscalmente relevantes, incluindo a contabilidade ou escrita, e a prestação de informações», pelo que parece que serão estas obrigações que se enquadrarão naquele conceito de «prestações acessórias», já que não é obstáculo a esse enquadramento o facto de estas obrigações não se reconduzirem ao pagamento de qualquer quantia, uma vez que aquela alínea b) faz referência a prestações «de qualquer natureza.»
Os juros de mora incluir-se-ão, pois, no conceito de «dívida tributária», até porque «embora a LGT, por vezes, faça referências cumulativas à «dívida tributária» e aos «juros» [arts. 22°, n° 1, 40°, n° 4, alíneas a) e c), 44°, n° 2], o que pode inculcar que este conceito não se engloba naquele, noutro lugar faz referência aos «juros de mora» e à «dívida tributária principal» (art. 23°, n° 5, da LGT), o que sugere que aqueles caberiam num conceito implícito de dívida tributária secundária ou acessória, e ainda noutros pontos alude a «dívidas tributárias» com o manifesto alcance de incluir os juros de mora [como sucede com o art. 24°, n° 1, alíneas a) e b), com referência ao art. 23°, n° 5; no art. 41°, nºs. 1 e 2, com referência ao art. 91°, n° 2, do CPPT; e no art. 43°, n° 1].» ( No sentido de que os juros de mora integram o referido conceito de dívida tributária, se pronuncia, também, o Cons. Benjamim Rodrigues, A Prescrição no Direito Tributário, in Problemas Fundamentais do Direito Tributário, Vislis Editores, 1999, pág. 287.)
Constituindo, pois, os juros exequendos aqui em causa uma dívida de natureza tributária, e não se consubstanciando a respectiva liquidação numa liquidação principal, mas, antes, meramente acessória do tributo em questão (as contribuições à Segurança Social, aqui em causa), aquela segue o regime aplicável à dívida principal. Pelo que, não sendo, como supra se viu, configurável (no caso das contribuições e quotizações em dívida à Segurança Social) a caducidade do direito à liquidação, também o mesmo se passará em relação aos respectivos juros moratórios (cfr. neste sentido, o ac. deste STA, de 13/10/2010, rec., nº 0469/10, citado na sentença).

4.2.2. Acresce que, como neste aresto se refere (cfr. também os acs. de 7/2/07, rec. nº 745/06, de 23/5/07 rec. nº 185/07 e de 19/9/07, rec. nº 252/07), nos termos do nº 2 do art. 45° da Lei n° 32/2002, de 20/12 (que aprova as bases da Segurança Social), a obrigação contributiva das entidades empregadoras constitui-se com o início da actividade profissional pelos trabalhadores ao seu serviço, sendo os termos do seu cumprimento estabelecidos no quadro do respectivo regime de segurança social.
E além de a responsabilidade pelo pagamento estar cometida às entidades empregadoras (num sistema de retenção na fonte quanto às contribuições dos trabalhadores, uma vez que o valor das correspondentes quotizações é descontada nas remunerações a estes pagas – cfr. art. 47º), também as contribuições (tanto as dos trabalhadores como as das entidades patronais), devem ser pagas “até ao dia 15 do mês seguinte àquele a que disserem respeito” – cfr. o nº 2 do art. 10° do DL n° 199/99, de 8/6 (diploma que, procedendo à definição das taxas contributivas do regime geral dos trabalhadores por conta de outrem, foi regulamentado pelo Decreto Regulamentar n° 26/99, de 27/10, que veio determinar – no seu art. 6° - que o prazo para entrega das declarações de remunerações pelas entidades empregadoras ocorrerá até ao dia 15 do mês seguinte àquele a que as remunerações disserem respeito.
No caso dos autos, as quantias em falta relativas a contribuições foram apuradas face às declarações de remunerações apresentadas pela impugnante à Segurança Social, ou seja, as mesmas não foram entregues à Segurança Social até ao dia 15 do mês seguinte àquele a que diziam respeito e daí que sejam devidos os juros que no recurso vêm questionados.

4.2.3. E a tal não obsta, no caso, a circunstância de nos arts. 4º e 5º do DL nº 73/99, de 16/3 (que alterou o regime dos juros de mora das dívidas ao Estado e outras entidades públicas) se fixarem prazos de contagem dos juros de mora (limitação à liquidação e contagem), ou seja, se fixar o período pelo qual se podem contar os juros [sendo que a jurisprudência do STA aponta, aliás, no sentido da inaplicabilidade de tal preceito - bem como o do art. 44º nº 2 da LGT - à cobrança coerciva da dívida (cfr., entre outros, os acs. desta Secção, de 10/7/2002, rec. nº 181/02, e de 9/4/2003, rec. nº 2064/02, no sentido de que o nº 2 do art. 44º da LGT, ao estabelecer que “o prazo máximo de contagem dos juros de mora é de três anos”, não abarca a fase da cobrança coerciva da dívida mas apenas o pagamento efectuado de modo voluntário].
É que, como aponta o MP, por um lado desconhece-se se a liquidação efectuada respeitou tal prazo de contagem e, por outro lado, competia à recorrente, face à citação que lhe foi efectuada em 2003 e com a qual lhe foi remetida uma “relação dos juros de mora devidos” (cfr. o Nº 4 do Probatório e a relação de fls. 9 dos autos), reagir, através do meio adequado, contra a falta de notificação alegadamente ocorrida [sendo que, não obstante o art. 37º do CPPT se destinar apenas aos casos em que a notificação diz respeito a actos tributários que possam ser objecto de meio legal de reacção contra a sua validade/existência, não se destinando a suprir as deficiências de comunicação de outro tipo de actos, designadamente de actos processuais, praticados no âmbito de processos judiciais, cujas regras de cumprimento e validade estão, primordialmente, previstas no CPC (arts. 193º e ss.), pode, ainda assim, aquele regime - previsto no nº 2 do citado art 37º - albergar o diferimento do início do prazo para deduzir impugnação ou oposição à execução nos casos em que nesta possa discutir-se a legalidade do acto de liquidação por a lei não assegurar outro meio judicial de impugnação ou recurso contra esse acto – cfr. ac. deste STA, de 7/9/2011, rec. nº 0154/11].
Neste contexto, improcedem, portanto, também as Conclusões 5ª a 14ª do recurso.

DECISÃO
Nestes termos acorda-se em, negando provimento ao recurso, confirmar a sentença recorrida.
Custas pela recorrente.
Lisboa, 30 de Maio de 2012. - Casimiro Gonçalves (relator) – Lino Ribeiro – Dulce Neto.