Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0237/17.3BELLE
Data do Acordão:05/12/2021
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:JOSÉ GOMES CORREIA
Descritores:IRS
USUFRUTO
MAIS VALIAS
EXCLUSÃO
Sumário:I -A lei prevê expressa e inequivocamente a exclusão de tributação das mais-valias na alienação do direito de usufruto sobre um imóvel afecto a habitação própria e permanente do usufrutuário, desde que verificadas as restantes condições previstas no n.º 5 do artigo 10.º do CIRS, mormente o reinvestimento à aquisição da propriedade plena de outro imóvel exclusivamente destinado a habitação própria e permanente do sujeito passivo ou do seu agregado familiar, o que é o caso.
II – Tal solução consente que se eliminem obstáculos fiscais à mudança de habitação, em casa própria, efectivando o direito fundamental à habitação do particular, objectivos que norteiam a norma de exclusão de tributação prevista no art. 10º nº 5 CIRS.
III – Levando em conta que a vontade do legislador foi a de não dificultar a aquisição de habitação própria e permanente às famílias e seus agregados, é impositivo concluir que no caso posto o impugnante alienou o bem – direito de usufruto – que era a sua habitação própria e permanente e adquiriu um imóvel de raiz para sua habitação própria e permanente, tendo plena justificação a exclusão de tributação da parte das mais-valias.
Nº Convencional:JSTA000P27637
Nº do Documento:SA2202105120237/17
Data de Entrada:12/17/2020
Recorrente:AT - AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA
Recorrido 1:A………………..
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Acordam, em conferência, na Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo


1. – Relatório

Vem interposto recurso jurisdicional pela Representante da Fazenda Pública, visando a revogação da sentença de 14-09-2020, do Tribunal Administrativo e Fiscal de Loulé, que julgou procedente a impugnação intentada por A………., melhor sinalizado nos autos, contra a decisão de indeferimento da reclamação graciosa apresentada do acto de liquidação de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares (IRS) n.º 2017.5000024305, referente ao ano de 2015 e no valor de € 13.298,87.

Irresignada, nas suas alegações, formulou a recorrente Representante da Fazenda Pública, as seguintes conclusões:


a) A questão decidenda é a interpretação da norma contida no n.º 5 do art.º 10.º do Código do IRS;

b) O n.º 5 do art.º 10.º do CIRS, exclui de tributação das mais-valias os ganhos provenientes da transmissão onerosa de imoveis destinados à habitação própria e permanente do sujeito passivo ou do seu agregado familiar nas condições descritas nas suas alíneas;

c) Resulta pois claro da lei, a necessária simultaneidade da propriedade e da permanência da habitação na titularidade do sujeito passivo ou do seu agregado familiar, para a exclusão da tributação;

d) Entendemos que, a transmissão onerosa de imóveis destinados a habitação própria e permanente ocorre a quem detém sobre o imóvel a propriedade plena, o direito que lhe permite gozar de modo pleno e exclusivo os direitos de uso, fruição e disposição do imóvel que lhe pertence.

e) Tal decorre da palavra “própria” adicionada ao conceito de “habitação” por parte do legislador fiscal que permite sublinhar a necessidade de que a habitação/imóvel deverá encontrar-se na titularidade jurídica do sujeito passivo, de modo pleno podendo este aliená-la sem qualquer reserva, dispor dela.

f) Resulta da lei que a exclusão tributária consignada no nº5 do artigo 10º é de aplicação exclusiva à situação de reinvestimento da alienação do direito de propriedade plena de imóvel destinado a habitação própria e permanente na aquisição da propriedade plena de outro imóvel com o mesmo destino.

g) E não pretendeu excluir da tributação das mais-valias a alienação do direito real de usufruto.

h) Tudo porque o princípio constitucional de legalidade tributária, na sua vertente de tipicidade, veda a interpretação analógica das normas de desagravamento fiscal, apenas admite a interpretação extensiva (art.º 10.º do EBF).

i) Mas a interpretação extensiva pressupõe que, por via interpretativa, se conclua que o legislador “minus dixit quam voluit”, ou seja, não podem restar dúvidas que a letra da lei ficou aquém do seu espírito, que o legislador disse menos do que queria e, por isso, há que dar à letra da lei um alcance conforme ao pensamento legislativo;

j) Tal não acontece com a norma de exclusão tributária do n.º 5 do artigo 10.º do Código do IRS que, não convoca qualquer conceito extra-jurídico, devendo os conceitos a que alude – propriedade e permanência da habitação no imóvel - serem interpretados de acordo com os conceitos jurídicos que convocam e não com quaisquer outros, em conformidade com o disposto no n.º 2 do artigo 11.º da LGT.

k) Esta é, a única interpretação que se coaduna com as regras e princípios gerais de interpretação das leis, aplicáveis por força do artigo 11.º n.º 1 da LGT - designadamente as regras que se encontram previstas no artigo 9.º do Código.

Pelo exposto, deve ser dado provimento ao presente recurso e consequentemente revogada a douta sentença recorrida, mantendo-se a liquidação impugnada, assim se fazendo JUSTIÇA.

O recorrido formulou contra-alegações, que concluiu nos termos que se seguem:


1. No âmbito dos presentes autos, vem a Fazenda Pública - sem razão - colocar em crise a interpretação dada pelo Tribunal a quo à norma contida no n.º 5 do artigo 10.º do CIRS.

2. Com efeito, prevê a alínea a) do n.º 1 do artigo 10.º do CIRS que constituem mais-valias os ganhos obtidos com a “alienação onerosa de direitos reais sobre imóveis (…)”, i.e., geram mais-valias todos os ganhos obtidos com a transmissão onerosa de qualquer tipo de direito – seja de propriedade, de usufruto, superfície ou outro - sobre imóveis.

3. Por seu turno, a alínea a) do n.º 5 do artigo 10.º do CIRS, a qual regula os requisitos de exclusão de tributação de mais-valias, refere expressamente que “o valor de realização, (…), seja reinvestido na aquisição da propriedade de outro imóvel”, ou seja, a lei impõe que a aquisição realizada com os ganhos obtidos na alienação seja de um direito de propriedade.

4. Já o corpo do n.º 5 do mesmo artigo 10.º estipula que são excluídos de tributação os “ganhos provenientes da transmissão onerosa de imóveis destinados a habitação própria e permanente do sujeito passivo”, não referindo se essa transmissão onerosa tem que ser de um direito de propriedade ou de outro direito qualquer.

5. O que a lei claramente impõe para a exclusão de tributação das mais-valias é a alienação de um direito – sem especificar qual - sobre um imóvel afeto à habitação própria e permanente na aquisição de um direito de propriedade sobre novo imóvel também ele afeto à habitação própria e permanente.

6. Ao não especificar o tipo de direito que exige na alienação de imóveis para efeitos de exclusão de tributação de mais-valias, o legislador pretendeu atribuir tal exclusão à transmissão de todo o tipo de direitos sobre imóveis afetos à habitação própria e permanente cuja alienação gere mais-valias.

7. Até porque, seria totalmente discutível, discrepante e desigual, equiparar o direito de usufruto ao direito de propriedade para efeitos de tributação – mais-valias, imposto municipal sobre imóveis, condomínio, etc. – e não realizar a mesma equiparação para efeitos de exclusão dessa mesma tributação.

8. Acresce que esta é a interpretação que melhor se coaduna com a leitura da letra da lei e que com ela tem uma maior correspondência, nos termos do artigo 9.º do Código Civil, aplicável por força do n.º 1 do artigo 11.º da LGT.

9. Inclusivamente, ao contrário do por si alegado, a própria Administração Tributária já aceitou a exclusão de tributação de mais-valias na alienação de um direito de superfície, conforme se verificou pela análise da Informação Vinculativa emitida pela própria Administração Tributária, proferida no âmbito do processo n.º 3919/2008, com despacho concordante do Substituto Legal do Senhor Diretor-Geral de 2009.12.16, disponível no portal das finanças.

10. Pelo que se conclui, sem margem para dúvidas, que a lei prevê expressa e inequivocamente a exclusão de tributação das mais-valias na alienação do direito de usufruto sobre um imóvel afeto a habitação própria e permanente do usufrutuário, desde que verificadas as restantes condições previstas no n.º 5 do artigo 10.º do CIRS, o que é o caso.

Termos em que, nos demais de direito que V. Exas. doutamente suprirão, deverá o recurso interposto pela Fazenda Pública ser declarado improcedente e, consequentemente, deverá ser mantida a douta decisão recorrida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Loulé, assim se fazendo a tão costumada JUSTIÇA!

Neste Supremo Tribunal, a Exma. Procuradora-Geral Adjunta, notificada nos termos do art. 146.º, n.º 1, do CPTA, pronunciou-se no sentido de o recurso não merecer provimento, com a seguinte fundamentação:

“I – Introdução
O presente recurso vem interposto pela Representante da Fazenda Pública, inconformada com a sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Loulé, em 14/09/2020, nos termos da qual foi julgada procedente a impugnação judicial deduzida por A…………. e, em conformidade, foi anulada a liquidação oficiosa n.º 2017.5000024305, impugnada, referente ao ano de 2015, no valor de € 13.298,87, em nome do impugnante e bem assim a decisão de indeferimento de reclamação graciosa por ele apresentada.
Na impugnação judicial deduzida o impugnante alegou, de entre o mais, a violação dos princípios da boa fé, da legalidade, da transparência, da segurança jurídica, da igualdade na tributação do património e a legalidade da alienação do direito de usufruto de imóvel, afecto à sua habitação própria e permanente, para efeitos de exclusão de tributação prevista no nº 5 do art.º 10º do Código do IRS.
Conclui pedindo a anulação da decisão impugnada, sustentando que a interpretação defendida pela Autoridade Tributária se mostra violadora dos mais elementares princípios fiscais e constitucionais, interpretando erradamente o nº5 do art.º 10º do CIRS.
II - Posição das partes e da Instância recorrida:
O impugnante alienou o direito de usufruto que detinha sobre um imóvel que sempre esteve afecto à sua habitação “própria e permanente” e posteriormente (no mesmo ano), reinvestiu parte daquele valor na aquisição de outro imóvel que também destinou à sua habitação própria e permanente.
Defende que a sua situação se enquadra na previsão do nº 5 do art.º 10º do CIRS e pretende beneficiar da exclusão de tributação das mais-valias, defendendo a ilegalidade da decisão impugnada bem como violação dos princípios que devem nortear o procedimento tributário, pedindo a anulação do despacho que lhe indeferiu a sua reclamação graciosa.
Discorda a recorrente defendendo que o n.º 5 do art.º 10.º do CIRS, exclui de tributação das mais-valias os ganhos provenientes da transmissão onerosa de imoveis destinados a habitação própria e permanente do sujeito passivo ou do seu agregado familiar nas condições descritas nas suas alíneas, resultando clara a necessária simultaneidade da propriedade e da permanência da habitação, na titularidade do sujeito passivo ou do seu agregado familiar.
São as conclusões da Alegação da Recorrente que definem o objecto e delimitam o âmbito do recurso, ressalvando-se as questões que, sendo de conhecimento oficioso, encontram nos autos os elementos necessários à sua consideração (cf. artº 635º nº 4 do CPC, ex vi artº 1º do CPTA).
Entende a recorrente que a transmissão onerosa de imóveis só pode ser levada a efeito por quem detém, sobre o imóvel, a propriedade plena, direito que lhe permite gozar de modo pleno e exclusivo os direitos de uso, fruição e disposição do imóvel que lhe pertence. No seu entender a exclusão tributária consignada no nº5 do art.º 10º é de aplicação exclusiva à situação de reinvestimento da alienação do direito de propriedade plena de imóvel destinado a habitação própria e permanente, na aquisição da propriedade plena de outro imóvel com o mesmo destino; o legislador não pretendeu excluir da tributação das mais-valias a alienação do direito real de usufruto.
Defende a recorrente que o princípio constitucional da legalidade tributária, na sua vertente de tipicidade, veda a interpretação analógica das normas de desagravamento fiscal, admitindo apenas a interpretação extensiva (cf. art.º 10.º do EBF), mas ainda assim, quando não restem dúvidas de que a letra da lei ficou aquém do seu espírito, ou seja, que o legislador disse menos do que queria dizer e, por isso, há que dar à letra da lei um alcance conforme ao pensamento legislativo, o que não acontece com o mencionado art.º 10.º n.º 5 do CIRS;
Pretende a recorrente que seja concedido provimento ao recurso e consequentemente seja revogada a sentença recorrida, mantendo-se a liquidação impugnada.
Na decisão recorrida, considerou o tribunal “a quo”, que “ o legislador ao pretender que para efeitos de mais-valias diga a alienação onerosa de direitos reais sobre imóveis, explanou exata e correctamente o seu pensamento e pretensão, incluindo no seu âmbito a alienação de todos os direitos reais e não só o direito de propriedade plena.”
Considerou ainda o estabelecido no art.º 65º, nº 1 e nº 3 da Constituição da República Portuguesa (CRP) segundo o qual “todos têm o direito, para si e para a sua família, a uma habitação de dimensão adequada, em condições de higiene e conforto que preserve a intimidade pessoal e a privacidade familiar”, entendendo que ao estado incumbe a tarefa de assegurar tal direito, através da adopção de políticas tendentes a estabelecer sistemas de renda compatíveis com o rendimento familiar e de “acesso à habitação própria”.
Concluiu o tribunal a quo que o art.º 10º nº 5 do Código do IRS detém em si mesmo “uma finalidade extrafiscal, procurando eliminar obstáculos fiscais à mudança de habitação, em casa própria, por parte das famílias”.
III - Analisando:
A questão em litígio prende-se com a interpretação do já mencionado art.º 10.º n.º 5 do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares (CIRS), o qual sob a epígrafe “Mais-valias”, estabelece, na parte que aqui interessa, o seguinte:
“1 - Constituem mais-valias os ganhos obtidos que, não sendo considerados rendimentos empresariais e profissionais, de capitais ou prediais, resultem de:
a) Alienação onerosa de direitos reais sobre bens imóveis e afetação de quaisquer bens do património particular a atividade empresarial e profissional exercida em nome individual pelo seu proprietário;

5 - São excluídos da tributação os ganhos provenientes da transmissão onerosa de imóveis destinados a habitação própria e permanente do sujeito passivo ou do seu agregado familiar, desde que verificadas, cumulativamente, as seguintes condições:
a) O valor de realização, deduzido da amortização de eventual empréstimo contraído para a aquisição do imóvel, seja reinvestido na aquisição da propriedade de outro imóvel, de terreno para construção de imóvel e ou respetiva construção, ou na ampliação ou melhoramento de outro imóvel exclusivamente com o mesmo destino situado em território português ou no território de outro Estado membro da União Europeia ou do Espaço Económico Europeu, desde que, neste último caso, exista intercâmbio de informações em matéria fiscal;
b) O reinvestimento previsto na alínea anterior seja efetuado entre os 24 meses anteriores e os 36 meses posteriores contados da data da realização;
c) O sujeito passivo manifeste a intenção de proceder ao reinvestimento, ainda que parcial, mencionando o respetivo montante na declaração de rendimentos respeitante ao ano da alienação;
…”.
No caso dos autos e tendo em mente a matéria de facto dada como assente a questão em litígio é concretamente a de saber se a alienação do direito de usufruto deve ou pode integrar a norma de exclusão de tributação prevista no n.º 3 do art.º 10.º do CIRS, como pretende o impugnante, ou se essa norma de exclusão deve ser interpretada “literalmente” nela incluindo apenas a “transmissão onerosa de imóveis”, verificadas as restantes condições, como defende a recorrente.
De notar que ao que ficou demonstrado, o impugnante vendeu, em 09/04/2015 por € 200.000,00, o usufruto que detinha sobre vários imóveis, sendo certo que um desses imóveis sempre esteve afecto à sua habitação “própria e permanente” e que em 08/05/2015, reinvestiu parte daquele valor na aquisição de outro imóvel que também destinou à sua habitação própria e permanente; defende que a situação se enquadra na previsão do nº 5 do art.º 10º CIRS, beneficiando da exclusão de tributação das mais-valias.
Como escreveu a Exma. Sr.ª Magistrada do Ministério Público em exercício no TAF de Loulé no seu bem elaborado e fundamentado Parecer com que concordamos inteiramente:
[Trata-se de uma norma de exclusão de incidência de IRS relativa às mais-valias realizadas em bens imóveis, verificadas determinadas condições previstas na lei. A exclusão tem como objectivo favorecer a propriedade do imóvel destinado a habitação permanente.” (cfr. José Guilherme Xavier de Basto, IRS: Incidência Real e Determinação dos Rendimentos Líquidos, Coimbra Editora, 2007, p. 413).“O objectivo da lei é claro: eliminar obstáculos fiscais à mudança de habitação, em casa própria, por parte das famílias.” (cfr. Rui Duarte Morais, Sobre o IRS, Almedina, Coimbra, 2006, p. 114).“Trata-se, naturalmente, de não onerar fiscalmente a efectivação do direito fundamental à habitação” (cfr. André Salgado de Matos, Código do Imposto do Rendimento das Pessoas Singulares (IRS), Anotado, ISG, Coimbra, 1999, p. 168)” (ac. TCA Sul de 22/10/2015, P. 05729/12).
Assim, uma das condições para fazer operar a exclusão de tributação das mais-valias reside na circunstância de o imóvel de partida (ou alienado) ser destinado a habitação do sujeito ou do seu agregado familiar e a mais-valia reinvestida o seja na aquisição de outro imóvel (“de chegada”) destinado igualmente à habitação do sujeito passivo ou do seu agregado.
Sublinha-se todavia que o legislador utilizou a expressão “transmissão onerosa de imóveis” quando se refere ao imóvel de partida e “aquisição de propriedade de outro imóvel”, quando alude ao imóvel de chegada.
Facto que é, certamente, significativo, já que em outros instrumentos legislativos do ordenamento fiscal faz questão de distinguir entre situações respeitantes à propriedade (plena), daquelas que se referem a figuras parcelares do direito de propriedade, como seja o usufruto.
Assim, no CIS estipula, no art. 1º “nº 1 - O imposto do selo incide sobre todos os atos, contratos, documentos, títulos, papéis e outros factos ou situações jurídicas previstos na Tabela Geral, incluindo as transmissões gratuitas de bens. (Redação da Lei n.º 55-A/2012, de 29 de outubro) 2 - Não são sujeitas a imposto as operações sujeitas a imposto sobre o valor acrescentado e dele não isentas. 3 - Para efeitos da verba 1.2 da Tabela Geral, são consideradas transmissões gratuitas, designadamente, as que tenham por objecto: a) Direito de propriedade ou figuras parcelares desse direito sobre bens imóveis, incluindo a aquisição por usucapião; (…)” (sublinhado nosso).
Também no CIMT o legislador sentiu a necessidade de especificar, no art 2º nº 1, que ”O IMT incide sobre as transmissões, a título oneroso, do direito de propriedade ou de figuras parcelares desse direito, sobre bens imóveis situados no território nacional” (sublinhado nosso).
Finalmente prevê-se no art. 8º do CIMI: “1 - O imposto é devido pelo proprietário do prédio em 31 de Dezembro do ano a que o mesmo respeitar. 2 - Nos casos de usufruto ou de direito de superfície, o imposto é devido pelo usufrutuário ou pelo superficiário após o início da construção da obra ou do termo da plantação”.
Aqui chegados impõe-se aduzir umas sumárias considerações acerca do direito de propriedade e sobre o usufruto como figura parcelar do direito de propriedade.
A propriedade, como direito real possui, para além da plenitude e da exclusividade, a característica da elasticidade.
Nas palavras de Meneses Cordeiro (Direitos Reais, LEX 1993, pág. 628) “O direito de propriedade estende-se até às fronteiras do juridicamente possível, admitindo, evidentemente, excepções; o direito de propriedade é auto-suficiente, não requerendo qualquer outro direito sobre a coisa sobre que incida. Sempre, porém, que surjam excepções à permissão ou que lhe seja imposta a concorrência de outro direito real sobre a mesma coisa, o direito comprime-se, na medida do necessário. Desaparecendo estes factores estranhos, as suas características próprias voltam a operar: o direito distende-se. O fenómeno é traduzido pela expressão elasticidade”.
Por outro lado, nos termos do art. 1439º C Civ. “Usufruto é o direito de gozar temporária e plenamente uma coisa ou direito alheio, sem alterar a sua forma ou substância”.
O usufrutuário beneficia assim “de uma permissão normativa que o habilita a gozar uma coisa temporariamente sem alterar o seu destino económico”.
Ainda na perspectiva de Meneses Cordeiro (op cit pág. 648 e ss), que consideramos isenta de reparo, o usufruto é um direito real de gozo - assiste-se sempre à afectação jurídica de uma coisa corpórea sobre a qual o usufrutuário não tem apenas a faculdade de gozar plenamente a coisa, ele pode transmitir o seu direito, pode renunciar a ele e tem a faculdade de transformação - não exclusivo – refere-se a uma coisa que implica sempre a existência de um outro direito real sobre a mesma coisa, normalmente a propriedade - limitado – não confere ao titular a possibilidade de aproveitamento geral das utilidades da coisa mas apenas o direito de gozar uma coisa sem lhe alterar a forma e substância - e temporário – não pode exceder a vida do usufrutuário ou 30 anos tratando-se de pessoa colectiva.
“O usufruto onera um direito real de base, normalmente a propriedade, que tem nessa situação a designação de nua-propriedade ou propriedade de raiz. O titular do direito da nua-propriedade vê o seu direito – autentico direito de propriedade, quando de propriedade se trate – comprimido pelo usufruto. Caso este desapareça as faculdades do proprietário expandir-se-ão até à plenitude. (…) Usufruto e propriedade encontram-se assim em conflito de sobreposição, o que dá lugar às restrições daí derivadas, com a subsequente intervenção das relações jurídicas reais necessárias (…) Trata-se, portanto, de um direito real de gozo autónomo que, coexistindo com a propriedade, a onera”.
Aplicando estes ensinamentos ao caso concreto, e considerando o quadro normativo acima enunciado, a venda efectuada pelo ora Impugnante do usufruto sobre os prédios identificados na escritura de 09/04/2015, sendo um deles afecto à sua habitação própria e permanente, integra um acto de transmissão onerosa do direito de usufruto que onera o direito de propriedade de um daqueles imóveis.
Em comentário ao art. 1444º C. Civ. (“O usufrutuário pode trespassar a outrem o seu direito, definitiva ou temporariamente, bem como onerá-lo, salvas as restrições impostas pelo título constitutivo ou pela lei”), Pires de Lima e Antunes Varela elucidam que o conceito de “trespassar” o usufruto abrange “todas as formas em que é possível desdobrar-se a atribuição do usufruto a terceiro (mediante compra e venda, doação, locação, comodato, dação em cumprimento, etc.” (Código Civil Anotado, vol. III, pág. 471). Por outro lado, a referida venda traduz também um acto de extinção desse direito de usufruto, nos termos da al. b) do nº 1 do art. 1476º C. Civ., porque in casu, o comprador adquire simultaneamente a nua-propriedade dos mesmos imóveis, vendo desta forma expandir as faculdade de proprietário até à plenitude do direito de propriedade.
Deste modo, quando o art. 10º nº 5 CIRS exclui da tributação os ganhos provenientes da transmissão onerosa de imóveis destinados a habitação própria e permanente do sujeito passivo ou do seu agregado familiar (verificadas as condições aí impostas) se reinvestidos na aquisição de propriedade de outro imóvel exclusivamente com o mesmo destino, consideramos legítima a interpretação que permite abranger a transmissão onerosa de figuras parcelares do direito de propriedade de imóveis, máxime o usufruto, destinados a habitação própria e permanente do sujeito passivo ou do seu agregado familiar (verificadas as condições aí impostas) cingindo-se, outrossim, o reinvestimento à aquisição da propriedade plena de outro imóvel exclusivamente destinado a habitação própria e permanente do sujeito passivo ou do seu agregado familiar.
Este ponto de vista permite ainda que se eliminem obstáculos fiscais à mudança de habitação, em casa própria, efectivando o direito fundamental à habitação (do Impugnante), objectivos que norteiam a norma de exclusão de tributação prevista no art. 10º nº 5 CIRS.]
Na verdade, se tomarmos em conta o que foi a vontade do legislador em não dificultar a aquisição de habitação própria e permanente às famílias e seus agregados, teremos de concluir que no caso e na prática, o que aconteceu foi que o impugnante alienou o bem – direito de usufruto – que era a sua habitação própria e permanente e adquiriu um imóvel de raiz para sua habitação própria e permanente; entendemos assim que não tem plena justificação a exclusão de tributação da parte das mais-valias, como pretende o recorrido e como foi decidido pelo tribunal a quo.
Sendo assim, entendemos, como resulta de tudo o que deixámos exposto, que deve ser negado provimento ao recurso, mantendo-se a decisão recorrida.”

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Os autos vêm à conferência corridos os vistos legais.

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2. FUNDAMENTAÇÃO:

2.1. - Dos Factos:

Na decisão recorrida foi fixado o seguinte probatório reputado relevante para a decisão:

1. No dia 1 de Julho de 2005, A………. e mulher B………. adquiriram, por compra e pelo montante total de € 72.500,00, dos quais € 36.250,00 respeitante ao usufruto e € 36.250,00 respeitante à nua-propriedade, o prédio misto sito em Charneca, Freguesia de Pechão, Concelho de Olhão, inscrito na matriz predial rústica sob o artigo ….. da secção “C” e na matriz predial urbana sob o artigo ……, descrito na Conservatória do Registo Predial de Olhão sob o número 1841 – cfr. escritura pública de compra e venda a fls. 30 a 35 dos autos;

2. No dia 9 de Abril de 2015, A………, no estado de viúvo, vendeu pelo montante de € 195.500,00, dos quais € 194.000,00 respeitante ao usufruto, o prédio misto sito em Charneca, Freguesia de Pechão, Concelho de Olhão, inscrito na matriz predial rústica sob o artigo … da secção “C” e na matriz predial urbana sob o artigo ….. [antigo artigo] …., descrito na Conservatória do Registo Predial de Olhão sob o número 1841 – cfr. escritura pública de compra e venda a fls. 25 a 29 dos autos;

3. Na declaração Modelo 3 de IRS referente ao ano de 2015, apresentada pelo Impugnante em 29 de Maio de 2016, consta, entre o mais, um “anexo G” – cfr. fls. 102 a 109 do processo instrutor apenso aos autos;

4. No referido anexo “G” consta a intenção de proceder ao reinvestimento do valor de € 156.000,00 e o valor de € 81.159,40 como já reinvestido no ano da alienação – cfr. fls. 105 do processo instrutor apenso aos autos;

5. Em resultado da declaração referida no ponto anterior foi emitida a liquidação de IRS n.º 2016 500475457, no valor a pagar de € 19.766,58 – cfr. fls. 112 do processo instrutor apenso aos autos;

6. O Impugnante apresentou declaração de substituição da declaração de IRS referente ao ano de 2015, a qual foi convolada em reclamação graciosa, com o n.º 1058-2016/0400382.9 – cfr. fls. 136 do processo instrutor apenso aos autos e que se extrai igualmente da informação a fls. 141 do processo instrutor apenso aos autos;

7. No processo de reclamação graciosa com o n.º 1058-2016/0400382.9 foi elaborada pelos serviços da Autoridade Tributária informação, da qual se extrai o seguinte extracto:



[segue imagem, aqui dada por reproduzida]



– cfr. fls. 158 e 159 do processo instrutor apenso aos autos;

8. Notificado para o efeito, o Impugnante exerceu o seu direito de audição prévia – cfr. fls. 160 a 168 do processo instrutor apenso aos autos;

9. No seguimento e no processo de reclamação graciosa com o n.º 1058- 2016/0400382.9 foi elaborada pelos serviços da Autoridade Tributária informação, da qual se extrai o seguinte extracto:




[segue imagem, aqui dada por reproduzida]



– cfr. fls. 181 e 182 do processo instrutor apenso aos autos;

10. O Impugnante foi notificado para o exercício do direito de decisão, tendo-o efectuado – cfr. fls. 183 a 201 do processo instrutor apenso aos autos;

11. Em 31 de Janeiro de 2017, a Chefe de Divisão da Justiça Tributária da Direcção de Finanças de Faro indeferiu a reclamação graciosa apresentada pelo Impugnante – cfr. fls. 203 do processo instrutor apenso aos autos;

12. O indeferimento referido no ponto anterior estribou-se na seguinte informação:



[segue imagem, aqui dada por reproduzida]



– cfr. fls. 204 e 205 do processo instrutor apenso aos autos;

13. Em consequência do indeferimento da reclamação graciosa foi recolhida declaração oficiosa de IRS em nome do Impugnante, sem que constasse no anexo “G” da mesma qualquer valor referente a reinvestimento – cfr. fls. 209 a 218 do processo instrutor apenso aos autos;

14. Em resultado da declaração oficiosa referida no ponto anterior foi emitida a liquidação de IRS n.º 2017.5000024305, no valor a pagar de € 13.298,87, tendo o Impugnante sido reembolsado da quantia de € 6.467,71 – cfr. fls. 223 do processo instrutor apenso aos autos;

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2.2.- Motivação de Direito

O objecto do recurso é delimitado pelas conclusões das respectivas alegações, nos termos dos artigos 144º nº 2 e 146º nº 4 do CPTA e dos artigos 5º, 608º nº 2, 635º nºs 4 e 5 e 639º do CPC ex vi dos artigos 1º e 140º do CPTA e 2º, al. e) do CPPT.

No caso, em face dos termos em que foram enunciadas as conclusões de recurso pela recorrente, a questão que cumpre decidir subsume-se a saber se a decisão vertida na sentença, a qual julgou procedente a impugnação, padece de erro de direito, por errada interpretação do disposto no artigo 10.º, n.º 5 do CIRS, tendo em conta que, segundo a recorrente, o legislador não pretendeu excluir da tributação de mais-valias a alienação do direito real de usufruto de imóvel destinado a habitação própria e permanente, mesmo que tenha havido reinvestimento na aquisição de outro imóvel com o mesmo destino, uma vez que não se trata de propriedade plena.
Vejamos.
Trata-se de saber se no caso do direito real de usufruto de imóvel destinado a habitação própria e permanente, há exclusão da tributação de mais-valias, nos termos do artigo 10.º, n.º 5 do CIRS, quando existe reinvestimento noutro imóvel com o mesmo destino.
Propendemos no sentido da posição do Ministério Público e da sentença recorrida.
Inicialmente, o contribuinte alegara na impugnação judicial que deduziu, além do mais, a violação dos princípios da boa-fé, da legalidade, da transparência, da segurança jurídica, da igualdade na tributação do património e a legalidade da alienação do direito de usufruto de imóvel, afecto à sua habitação própria e permanente, para efeitos de exclusão de tributação prevista no nº 5 do art.º 10º do Código do IRS, acabando a pedir anulação do acto impugnado por considerar que a interpretação daquele preceito sustentada pela AT afronta princípios fiscais e constitucionais.
Materializando: o impugnante alienou o direito de usufruto que detinha sobre um imóvel que sempre esteve afecto à sua habitação “própria e permanente” e posteriormente (no mesmo ano), reinvestiu parte daquele valor na aquisição de outro imóvel que também destinou à sua habitação própria e permanente justificando esse tratamento fiscal com a percepção de que a situação descrita se ajusta na previsão do nº 5 do art.º 10º do CIRS e lhe permite beneficiar da exclusão de tributação das mais-valias.
Pronunciando-se sobre a pretensão do impugnante, o Mº Juiz a quo adoptou o entendimento de que “ o legislador ao pretender que para efeitos de mais-valias diga a alienação onerosa de direitos reais sobre imóveis, explanou exata e correctamente o seu pensamento e pretensão, incluindo no seu âmbito a alienação de todos os direitos reais e não só o direito de propriedade plena.”
Fundamentou-se ainda na sentença recorrida que o prescrito no art.º 65º, nº 1 e nº 3 da Constituição da República Portuguesa (CRP) deve ser interpretado no sentido de que “todos têm o direito, para si e para a sua família, a uma habitação de dimensão adequada, em condições de higiene e conforto que preserve a intimidade pessoal e a privacidade familiar”, entendendo que ao estado incumbe a tarefa de assegurar tal direito, através da adopção de políticas tendentes a estabelecer sistemas de renda compatíveis com o rendimento familiar e de “acesso à habitação própria”.
Epilogou o tribunal a quo que o art.º 10º nº 5 do Código do IRS detém em si mesmo “uma finalidade extrafiscal, procurando eliminar obstáculos fiscais à mudança de habitação, em casa própria, por parte das famílias”.
Adversamente, a AT adopta o entendimento de que o n.º 5 do art.º 10.º do CIRS, exclui de tributação das mais-valias os ganhos provenientes da transmissão onerosa de imoveis destinados a habitação própria e permanente do sujeito passivo ou do seu agregado familiar nas condições descritas nas suas alíneas, resultando clara a necessária simultaneidade da propriedade e da permanência da habitação, na titularidade do sujeito passivo ou do seu agregado familiar.
Significa que para a AT e ora recorrente, a transmissão onerosa de imóveis só pode ser levada a efeito por quem detém, sobre o imóvel, a propriedade plena, direito que lhe permite gozar de modo pleno e exclusivo os direitos de uso, fruição e disposição do imóvel que lhe pertence, o que implica que a exclusão tributária estabelecida no nº5 do art.º 10º é de aplicação exclusiva à situação de reinvestimento da alienação do direito de propriedade plena de imóvel destinado a habitação própria e permanente, na aquisição da propriedade plena de outro imóvel com o mesmo destino e que o legislador não pretendeu excluir da tributação das mais-valias a alienação do direito real de usufruto.
Em reforço, adita a recorrente que o princípio constitucional da legalidade tributária, na sua vertente de tipicidade, proíbe a interpretação analógica das normas de desagravamento fiscal, admitindo apenas a interpretação extensiva (cf. art.º 10.º do EBF), mas ainda assim, quando não restem dúvidas de que a letra da lei ficou aquém do seu espírito, ou seja, que o legislador disse menos do que queria dizer e, por isso, há que dar à letra da lei um alcance conforme ao pensamento legislativo, o que não acontece com o mencionado art.º 10.º n.º 5 do CIRS.
Porfia, por isso, que o recurso deve ser provido e a sentença recorrida deve ser revogada com a consequente manutenção do acto impugnado.
Já a EPGA junto deste Supremo, no seu douto Parecer a cujas passagens infra nos referiremos, assume no essencial o ponto de vista de que a vontade do legislador em não dificultar a aquisição de habitação própria e permanente às famílias e seus agregados, teremos de concluir que no caso e na prática, o que aconteceu foi que o impugnante alienou o bem – direito de usufruto – que era a sua habitação própria e permanente e adquiriu um imóvel de raiz para sua habitação própria e permanente; entendemos assim que não tem plena justificação a exclusão de tributação da parte das mais-valias, como pretende o recorrido e como foi decidido pelo tribunal a quo.
Propugna, por isso, que deve ser negado provimento ao recurso, mantendo-se a decisão recorrida.
Quid juris?
Nos termos do controverso art.º 10.º n.º 5 do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares (CIRS), sob a epígrafe “Mais-valias”,
“1 - Constituem mais-valias os ganhos obtidos que, não sendo considerados rendimentos empresariais e profissionais, de capitais ou prediais, resultem de:
a) Alienação onerosa de direitos reais sobre bens imóveis e afetação de quaisquer bens do património particular a atividade empresarial e profissional exercida em nome individual pelo seu proprietário;
(… )
5 - São excluídos da tributação os ganhos provenientes da transmissão onerosa de imóveis destinados a habitação própria e permanente do sujeito passivo ou do seu agregado familiar, desde que verificadas, cumulativamente, as seguintes condições:
a) O valor de realização, deduzido da amortização de eventual empréstimo contraído para a aquisição do imóvel, seja reinvestido na aquisição da propriedade de outro imóvel, de terreno para construção de imóvel e ou respetiva construção, ou na ampliação ou melhoramento de outro imóvel exclusivamente com o mesmo destino situado em território português ou no território de outro Estado membro da União Europeia ou do Espaço Económico Europeu, desde que, neste último caso, exista intercâmbio de informações em matéria fiscal;
b) O reinvestimento previsto na alínea anterior seja efetuado entre os 24 meses anteriores e os 36 meses posteriores contados da data da realização;
c) O sujeito passivo manifeste a intenção de proceder ao reinvestimento, ainda que parcial, mencionando o respetivo montante na declaração de rendimentos respeitante ao ano da alienação;
(…)”.
Como vimos, funda-se o dissídio em determinar se a alienação do direito de usufruto deve ou pode integrar a norma de exclusão de tributação prevista no n.º 3 do art.º 10.º do CIRS, (tese do impugnante), ou se essa norma de exclusão deve ser interpretada “literalmente” nela incluindo apenas a “transmissão onerosa de imóveis”, verificadas as restantes condições (tese da recorrente AT).
Isso por referência à situação fáctica fixada na sentença de que o impugnante vendeu, em 09/04/2015 por €200.000,00, o usufruto que detinha sobre vários imóveis, destacando-se que um desses imóveis sempre esteve afecto à sua habitação “própria e permanente” e que em 08/05/2015, reinvestiu parte daquele valor na aquisição de outro imóvel que também destinou à sua habitação própria e permanente; defende que a situação se enquadra na previsão do nº 5 do art.º 10º CIRS, beneficiando da exclusão de tributação das mais-valias.
Na verdade, "a norma de exclusão tributária do n.º 5 do artigo 10.º do Código do IRS não convoca qualquer conceito extra-jurídico, devendo os conceitos a que alude - propriedade e permanência da habitação no imóvel - serem interpretados de acordo com os conceitos jurídicos que convocam e não quaisquer outros, em conformidade com o disposto no n.º 2 do artigo 11.º da LGT.", tal como refere o Acórdão do STA n.º 0384/16, de 22/11/2017.
A doutrina também se debruça sobre o tema, quando por exemplo, José Guilherme Xavier de Basto in "IRS: Incidência Real e Determinação dos Rendimentos Líquidos", Coimbra Editora, 2007, pág. 413, expõe o seguinte "Trata-se de uma norma exclusão de incidência de IRS relativas às mais-valias realizadas em bens imóveis, verificadas determinadas condições previstas na lei. A exclusão tem como objectivo favorecer a propriedade do imóvel destinado a habitação permanente." ou Rui Duarte Morais in "Sobre o IRS", Almedina, Coimbra, 2006, pág. 114, que escreve "O objectivo da lei é claro: eliminar obstáculos fiscais à mudança de habitação, em casa própria, por parte das famílias" ou ainda André Salgado de Matos in "Código do Imposto do Rendimento das Pessoas Singulares (IRS)", Anotado, ISG, Coimbra, 19999, pág. 168, que argumenta: "Trata-se, naturalmente, de não querer onerar fiscalmente a efectivação do direito fundamental à habitação.".
Como bem refere o Ministério Público no seu Parecer, “…uma das condições para fazer operar a exclusão de tributação das mais-valias reside na circunstância de o imóvel de partida (ou alienado) ser destinado a habitação do sujeito ou do seu agregado familiar e a mais-valia reinvestida o seja na aquisição de outro imóvel (“de chegada”) destinado igualmente à habitação do sujeito passivo ou do seu agregado.” Enfatizando que “…o legislador utilizou a expressão “transmissão onerosa de imóveis” quando se refere ao imóvel de partida e “aquisição de propriedade de outro imóvel”, quando alude ao imóvel de chegada.” “Facto que é, certamente, significativo, já que em outros instrumentos legislativos do ordenamento fiscal faz questão de distinguir entre situações respeitantes à propriedade (plena), daquelas que se referem a figuras parcelares do direito de propriedade, como seja o usufruto.”
No sentido de o demonstrar, aponta-se o seguinte acervo normativo-fiscal de atinente a diversos Códigos de tributação:
No Código do Imposto de Selo, o seu art. 1º, estatui:
1 - O imposto do selo incide sobre todos os atos, contratos, documentos, títulos, papéis e outros factos ou situações jurídicas previstos na Tabela Geral, incluindo as transmissões gratuitas de bens. (Redação da Lei n.º 55-A/2012, de 29 de outubro)
2 - Não são sujeitas a imposto as operações sujeitas a imposto sobre o valor acrescentado e dele não isentas.
3 - Para efeitos da verba 1.2 da Tabela Geral, são consideradas transmissões gratuitas, designadamente, as que tenham por objecto: a) Direito de propriedade ou figuras parcelares desse direito sobre bens imóveis, incluindo a aquisição por usucapião; (…)”
Definindo o respectivo campo objectivo de incidência, dispõe o corpo do art° 2° do CIMT que o IMT “incide sobre-as transmissões, a título oneroso, do direito de propriedade ou de figuras parcelares desse direito sobre bens imóveis".
Já segundo o disposto no Artigo 8.º do CIMI “O imposto é devido pelo proprietário do prédio em 31 de Dezembro do ano a que o mesmo respeitar.“ (nº1) e “Nos casos de usufruto ou de direito de superfície, o imposto é devido pelo usufrutuário ou pelo superficiário após o início da construção da obra ou do termo da plantação.” (nº2)
Portanto, nesses normativos distinguem-se clara e autonomamente o direito de propriedade e o usufruto como figura parcelar do direito de propriedade.
Como refere Cardoso da Costa, “ Curso de Direito Fiscal “, 2ªed., 1972, pág. 126, «frequentemente o legislador fiscal liga a obrigação do imposto à prática de actos, ao exercício de actividades e ao gozo de situações, que são disciplinadas enquanto tais pelo direito privado» e, nesses casos, o facto gerador do imposto deriva ou é pelo menos influenciado nos seus contornos pela celebração dum negócio jurídico de determinado tipo.
Assim e no douto ensinamento de Alberto Xavier, in «Conceito e Natureza do Acto Tributário», 324, «O facto tributável com ser facto típico, só existe como tal, desde que na realidade se verifiquem todos os pressupostos legalmente previstos que, por esta nova óptica, se convertem em elementos do próprio facto».
Ora in casu estamos em presença de uma situação em que ocorreu a movimentação desses imóveis ou dos direitos que lhes são inerentes, de uma pessoa para outra, de um titular do respectivo direito para um novo titular.
A lei, ao tributar a “Alienação onerosa de direitos reais sobre bens imóveis” o que sucede já desde recuados tempos, considerou como fonte da imposição tributária a posse de riqueza que permite aos seus detentores adquirir bens, posse que revela, sem dúvida, uma vultosa capacidade contributiva quando se trata da aquisição de bens imóveis, a qual é facilmente detectada através da transferência dos respectivos bens.
E, segundo as normas supra transcritas (com particular realce para a que está em causa- o artº 10º do CIRS- a tributação incide sobre as transmissões, a título oneroso, do direito de propriedade ou de figuras parcelares desse direito sobre bens imóveis.
No ponto e como salienta Alberto Xavier no seu Manual de Direito Fiscal – Vol. I, pág. 183, “para o conceito fiscal de transmissão mais importante que a circulação jurídica entre patrimónios é o resultado económico da circulação de poderes efectivos sobre bens que sejam reveladores de capacidade contributiva”.
Também nessa matéria interessa a achega dada por José Manuel Cardoso da Costa, in A Invalidade dos negócios jurídicos – Ciência e Técnica Fiscal, nº 199/201 in Curso de Direito Fiscal, Coimbra- 1972, no sentido de que desde que o Fisco tenha diante de si um acto ou contrato susceptível de, em abstracto, operar uma transmissão não pode deixar de efectuar a liquidação. Tal susceptibilidade abstracta existe quando uma certa roupagem das estipulações - «de figuração exterior do acto» - se ajusta a um certo figurino desenhado na lei como modo formal de poder operar uma transmissão. Desde que a roupagem da realidade se ajuste à do figurino legal, o Fisco terá de efectuar a liquidação na convicção de que tal realidade se esconde por detrás da roupa.
E também se repesca o ensinamento de Pinto Fernandes extraído do seu vetusto CÓDIGO DO IMPOSTO MUNICIPAL DE SISA E DO IMPOSTO SOBRE AS SUCESSÕES E DOAÇÕES, em que expende que: “Conforme referimos no artigo 1.°, o conceito de transmissão, para efeitos de sisa é mais amplo que o que resulta da lei civil.
Em tese geral, e em face da inexistência de um conceito de transmissão entre as normas respeitantes à sisa, ao contrário do que acontece quanto ao imposto sobre as sucessões e doações no § 1.° do art. 3.°, teremos de caracterizá-la de harmonia com os princípios que afloram dos artigos 1.°, 2.°, 8.° e 152.°, em face dos quais a transmissão compreende não só a transmissão civil como também a transmissão económica, ou de facto, mesmo que despida de formalidades legais ou ferida de nulidades ou anulabilidades não reconhecidas judicialmente, salientando-se a situação material resultante da simples mudança dos possuidores dos bens.
Foram estas situações que levaram o legislador a criar as ficções de transmissão fiscal contempladas nos §§ 1.° e 2.° deste artigo, que não envolvendo, embora, transmissão jurídica da propriedade dos bens, proporcionam ao «adquirente» direitos de uso e fruição, equivalentes, do ponto de vista económico, ao direito de propriedade e susceptíveis de conduzirem, na prática, a resultados idênticos aos da transmissão, e que a usucapião poderá consolidar.
A teleologia deste preceito é sujeitar a sisa a revenda ou a agenciação de bens alheios feita pelo promitente comprador ao negociar ou ceder a sua posição contratual, entendendo-se que se dá, nestas circunstâncias, uma tradição fiscal do imóvel, embora aquele não intervenha na escritura, uma vez que a sua intervenção no acto é escamoteada. E também no momento da celebração da escritura que se verifica a transmissão contemplada neste § 2.°.”
Por isso, e em consonância com a asserção de que «para o conceito fiscal de transmissão mais importante que a circulação jurídica entre patrimónios é o resultado económico da circulação de poderes efectivos sobre bens que sejam reveladores de capacidade contributiva» (Alberto Xavier, Manual de Direito Fiscal, I, p. 183).
Como se assinala na doutrina fiscal cfr. inter alia, José Casalta Nabais, Direito Fiscal, 2ª ed., págs. 83 e ss, são patentes e mútiplos os pontos de conexão do direito fiscal com o direito privado, mormente o direito civil e o direito comercial que decorre, desde logo, da estrutura da relação tributária que é decalcada da obrigação civil bipolar:- do lado activo, o credor do imposto investido do poder de exigir determinada prestação pecuniária e, do lado passivo, o contribuinte, adstrito à realização dessa prestação.
É esta estrutura que torna inevitável que a disciplina e a construção jurídicas da obrigação fiscal o recurso aos princípios e conceitos do direito das obrigações, não estivesse a obrigação de imposto, no dizer de J.M. Cardoso da Costa, Curso de Direito Fiscal, pág.s 16 e ss, ligada à prática de actos, ao exercício de actividades ou ao gozo de situações que se apresentam disciplinadas enquanto tais pelo direito privado, que conduz a que o direito fiscal seja o sector do direito público que mais se aproxima do direito privado.
E é por isso, como já se salientou, que as normas fiscais se servem amiúde de conceitos próprios do direito privado, tais como os conceitos de transmissão, compra e venda, doação, propriedade, usufruto, prédio, imóvel, comércio, etc., etc.
Mas se assim é, coloca-se, a par e passo, como já se aventou, a questão de saber se tais figurinos jurídicos típicos do direito privado conservam o mesmo significado que aí lhes é atribuído ou se são e em que termos, objecto de reelaboração no âmbito do direito fiscal.
Ora, tendo em vista o caso concreto e como se deduz do já antes exposto, é a própria lei que, radicada em exigências específicas da matéria a disciplinar, abandona a regulamentação jurídica privada de certos actos ou situações, atribuindo um significado específico aos conceitos do direito privado, como sucede precisamente no caso que nos ocupa, da transmissão (alienação) de imóveis em sede do IRS, conceito de transmissão que é mais amplo do que o correspondente conceito do direito civil porque abrangente de certos actos e contratos que não têm essa dimensão, mas que se justifica que assim sejam considerados, não apenas por terem um significado económico equiparável mas também, como sucede no caso concreto, porque só assim se consegue uma eficaz luta contra a evasão ao pagamento dos impostos.
Na senda do expendido ainda por J.M. Cardoso da Costa, Curso, pág. 121 e ss, há, pois, que seguir a directriz metodológica segundo a qual, quando as normas fiscais utilizam expressões correspondentes a dados conceitos do direito privado, caberá aos órgãos a que compete a sua aplicação indagar, em cada caso, de acordo com as regras da hermenêutica jurídica e recorrendo ao elementos de interpretação disponíveis, se essa norma ou essas normas deram a tais conceitos um significado próprio ou se mantiveram o seu conteúdo originário jurídico-privado.
Todavia, com a vigente LGT, passou a ter consagração legal a orientação metodológica segundo a qual e por expressa determinação do artº 11º nº 2 “sempre que, nas normas fiscais, se empreguem termos próprios de outros ramos do direito, devem os mesmos ser interpretados no mesmo sentido daquele que aí têm, salvo se outro decorrer da lei”. Formulação que, como refere Leite de Campos, in “Interpretação das Normas Fiscais”, Problemas Fundamentais do Direito Tributário, pág. 17 e ss, não invalida que o intérprete, através dos elementos da interpretação jurídica, chegue à conclusão de que estamos perante um sentido próprio ou específico do direito fiscal quanto a termos oriundos de outros ramos do direito, resulte tal sentido directa ou indirectamente das normas interpretandas.
Tudo o que vem afirmado vale para evidenciar a autonomia que o direito fiscal marca em relação ao direito privado a qual encontra a sua ratio na natureza da relação jurídica fiscal com respeito pelo princípio da legalidade tributária por mor do qual a relação jurídica se constitui com a verificação do facto tributário previsto na lei, independentemente quer da vontade dos particulares nesse sentido dirigida, como da actuação da administração fiscal, irrelevando, pois, de todo em todo, a autonomia da vontade para moldar a obrigação fiscal ao invés do que sucede nas obrigações privadas.
Tal princípio está consagrado no artº 36º da LGT ao dispor que “a relação jurídica tributária constitui-se com o facto tributário” – nº 1 - ; “os elementos essenciais da relação jurídica tributária não podem ser alterados por vontade das partes” – nº 2 – e “a qualificação do negócio jurídico efectuada pelas partes, mesmo em documento autêntico, não vincula a administração tributária” – nº 3.
O princípio de legalidade dos impostos e o princípio da legalidade da actividade administrativa limita que a vontade das partes, seja da Administração, seja dos contribuintes, não tem relevância jurídica, o que vale por dizer que, uma vez preenchidos os pressupostos de facto, nasce a obrigação estreitamente vinculada e, mesmo no âmbito de conceitos indeterminados, está-se perante o seu preenchimento em obediência à lei e não aos interesses das partes.
No desenvolvimento da sua actividade, terá a AT que cumprir ónus da prova enformado pelos princípios da legalidade e da tipicidade tributárias, procurando fazer, nos termos já analisados, uma aproximação aos figurinos ou tipos legais do direito privado, pelo que convém fazer uma incursão pela tipicidade normativa.
Esta, é um dos instrumentos de que o Direito se socorre na regulamentação da vida económico-social, através do qual procede à fixação de certas categorias jurídicas ou tipos, que ele próprio delimita, de modo directo ou indirecto, v. g. a compra e venda, o testamento, o direito de propriedade, o usufruto, etc. os quais são categorias jurídicas, cujo regime se aplica aos eventos ou às realidades da vida que se revestem das características que constam da sua descrição jurídica.
É sabido que no Direito Privado, maxime no Direito das Obrigações, a fixação das categorias jurídicas não reveste carácter de taxatividade ou exclusividade, o que quer dizer que os particulares podem, com relevância jurídica, criar outras que melhor assegurem a realização dos seus interesses.
Já noutras áreas, a regulamentação jurídica de certas matérias faz-se mediante o recurso a categorias ou tipos exclusivos e nesses casos, só as realidades que neles se enquadrem são juridicamente atendíveis. No sistema jurídico português, encontramos este modelo, no que ao caso releva, em que está em causa o direito de propriedade de imóveis e/ou das suas figuras parcelares, ou seja, o Direito das Coisas, quanto às situações jurídicas reais o que significa que só se aplica o regime das situações jurídicas reais às que se enquadrem em alguma categoria que ele caracteriza como tal.
Domina aqui a regulamentação por recurso a tipos exclusivos, e, por isso, temos de nos ater ao número de realidades que podem participar do correspondente tratamento jurídico, quais sejam e tendo em conta a incidência do IRS na vertente em apreço: direito de propriedade e usufruto.
É que, atendendo aos pontos de contacto entre o direito fiscal e o direito privado e à exigência normativa de se aproximarem os conceitos de ambos os ramos do direito, nessas áreas jurídicas domina o princípio da tipicidade ou do numerus clausus, fórmulas sinónimas de identificação da mesma realidade jurídica, em que a primeira se reporta ao facto de a sua regulamentação se fazer pelo correspondente enquadramento em tipos exclusivos e a segunda à limitação das realidades económico - sociais que podem ser objecto de tal regulamentação.
É claro que no plano das consequências a tipicidade normativa exclusiva tem contornos diferentes na área do Direito Civil em que prevalece o princípio da autonomia privada, pelo que por via interpretativa das normas fiscais no quadro que já se analisou supra, ela se virá a traduzir na limitação do seu campo de aplicação que a final se visa alcançar com a norma de incidência ínsita no artº 10º do CIRS.
Tal limitação logo se atinge pelo o princípio do numerus clausus estabelecido para o Direito das Coisas, o qual impede os particulares de criarem, com eficácia real, situações jurídicas que não estejam como tal previstas na lei.
A tipicidade normativa implica uma a definição das características específicas do tipo mediante a atribuirão de um nomen juris que, à partida, não coarcta a liberdade qualificativa do intérprete pois este não está vinculado pela simples atribuição, pela norma, de um certo nomen juris a determinada realidade jurídica. É p. ex. o caso do direito de arrendamento que o legislador denomina como um direito pessoal de gozo mas relativamente ao qual não fica o intérprete impedido de qualificar como um direito real de gozo, se e na medida em que o seu regime legal participe das características específicas da correspondente categoria.
Destarte, o que releva é se a situação jurídica participa das características que qualificam a correspondente categoria, princípio condensado no brocardo latino falsa demonstratio non nocet ainda que prevaleça o princípio da tipicidade dos direitos reais já que do art.° 1306.°, n.º 1 do Ccivil emerge que os direitos reais constituem um numerus clausus, entendimento que é pacífico tanto na doutrina como na jurisprudência.
Ora, se o princípio da tipicidade vale para todas as modalidades de direitos reais, fica vedado às partes, criar, como reais, direitos de garantia, aquisição ou de gozo, para além do elenco normativamente definido.
Assim, o princípio da tipicidade dos direitos reais envolve duas consequências fundamentais: a) -impossibilidade de constituição de direitos reais não previstos (não tipificados) na lei, isto é, atípicos; b) -impossibilidade de aplicação analógica das normas que fixam o regime dos direitos reais a situações jurídicas não reais.
Acresce que, como parecer ser o caso (na busca de aproximação dos figurinos do direito civil de que tratamos à tipicidade destes) acontece por vezes que o legislador procede ao alargamento, sem alterar a sua qualificação própria, de certos aspectos do regime dos direitos reais a situações jurídicas não reais que justifiquem partilhar da melhor tutela daqueles direitos.
Mas também em tais casos, como é o do artº10º, nºs. 1 e 5 do CIRS, é a própria norma a estabelecer quais os pontos do regime aplicáveis e até onde a sua aplicação é admitida, com as consequências fiscalmente relevantes previstas na norma de incidência consagrada naquele normativo.
Neste contexto, coloca-se o problema do valor dos actos constitutivos de direitos reais atípicos, regendo, a esse propósito, a segunda parte do n.° 1 do art.° 1306.°, no seguimento da consagração do princípio da tipicidade dos direitos reais, que «toda a restrição resultante de negócio jurídico», que não corresponda a uma limitação legalmente prevista, «tem natureza obrigacional». E, porque restritivas da autonomia privada, as normas que estabelecem o elenco dos direitos reais típicos não podem deixar de ter natureza imperativa ou injuntiva.
Mas, transposta a mesma questão para o campo do direito fiscal e, mais especialmente, o âmbito da incidência prevista no questionado normativo, porque a relação jurídica se constitui com a verificação do facto tributário previsto na lei, independentemente quer da vontade dos particulares nesse sentido dirigida, como da actuação da administração fiscal, irrelevando a autonomia da vontade para moldar a obrigação fiscal ao invés do que sucede nas obrigações privadas, princípio que, como vimos, está consagrado no artº 36º da LGT ao dispor que “a relação jurídica tributária constitui-se com o facto tributário” – nº 1 - ; “os elementos essenciais da relação jurídica tributária não podem ser alterados por vontade das partes” – nº 2 – e “a qualificação do negócio jurídico efectuada pelas partes, mesmo em documento autêntico, não vincula a administração tributária” – nº 3. Daí que se possa afirmar que não é o regime da nulidade, sem mais, o estatuído pelo legislador português para atalhar às situações prevenidas no inciso legal em apreço, pois, nos termos referidos, é irrelevante, para o Direito Fiscal, a invalidade ou ineficácia dos negócios jurídicos, importando, antes, os resultados económicos envolvendo a transmissão do direito de propriedade e das suas figuras parcelares.
Com efeito, o direito de propriedade é um direito cujo conteúdo consiste para o proprietário (ou seu titular) no «gozo pleno e exclusivo dois direitos de uso, fruição e disposição das coisas que lhe pertencem, dentro dos limites da lei e com observância das restrições por ela impostas» (art. 1305.° do Código Civil).
No novo Código Civil a categoria legal da propriedade imperfeita deixou de existir, admitindo porém a constituição, com carácter real, dos seguintes direitos menores de propriedade (nº 1 do art. 1306.°):a) Usufruto, uso e habitação (arts. 1439." e seguintes); b) Direito de superfície (arts. 1543.° e seguintes); c) Enfiteuse (arts. 1491.° e seguintes).
O direito propriedade é definível, nos termos do art.º 1305.° do Ccivil, como o direito real máximo, através do qual é assegurado a certa pessoa ( o seu titular), com exclusividade, a generalidade das faculdades atribuíveis a um particular, em vista do aproveitamento pleno da utilidade de uma coisa, dirigido à satisfação de necessidades legítimas, «dentro dos limites da lei e com observância das restrições por ela impostas».
Donde que, a essência da propriedade radica na sua aptidão para abranger a generalidade dos poderes que permitam o total aproveitamento da utilidade de uma coisa, o que lhe dá carácter de exclusividade, nunca pressupondo a existência de outro direito sobre a mesma coisa.
Dito de outro modo que é o utilizado pelo Ministério Público: a propriedade, como direito real possui, para além da plenitude e da exclusividade, a característica da elasticidade.
Isso mesmo ensina com clarividência o Prof. Meneses Cordeiro (Direitos Reais, LEX 1993, pág. 628): “O direito de propriedade estende-se até às fronteiras do juridicamente possível, admitindo, evidentemente, excepções; o direito de propriedade é auto-suficiente, não requerendo qualquer outro direito sobre a coisa sobre que incida. Sempre, porém, que surjam excepções à permissão ou que lhe seja imposta a concorrência de outro direito real sobre a mesma coisa, o direito comprime-se, na medida do necessário. Desaparecendo estes factores estranhos, as suas características próprias voltam a operar: o direito distende-se. O fenómeno é traduzido pela expressão elasticidade”.
Isso acarreta, como consequência natural, que não deixa de haver propriedade mesmo quando alguns desses poderes são destacados e atribuídos a outrem, já que a tendência para a universalidade se mantém pois, extinto o direito limitativo ou onerador, a propriedade expande-se e retoma o seu conteúdo pleno (é a característica denominada de elasticidade).
Tais conceitos do direito civil devem ser adoptados com esse preciso conteúdo pelo direito fiscal, abrangendo a noção e características do usufruto que estão descritas no nº 1 do art.° 1439.° que define usufruto como um direito de gozo pleno, mas temporário, de coisa ou direito alheio, salva rerum substantia.
Decorre dessa noção legal que as características essenciais do instituto, são a plenitude do gozo e a sua limitação temporal, beneficiando o usufrutuário, no dizer do Ministério Público, “de uma permissão normativa que o habilita a gozar uma coisa temporariamente sem alterar o seu destino económico”.
No que diz respeito ao usufruto propriamente dito, há ainda que consultar Mota Pinto in "Direitos Reais", 1970, pág. 353 que diz tratar-se de “uma servidão pessoal, sendo, aliás, a única existente no quadro dos direitos reais típicos do nosso sistema. É a única situação em que se dá a um indivíduo um direito sobre utilidades de prédio alheio, direito esse que não tem de ser utilizado por intermédio de um prédio dominante, mas é, antes individualmente usado” ou Pires de Lima e Antunes Varela in "Código Civil Anotado", Vol. III, pág. 471, Comentário ao artigo 1444º, que preconizam que "O usufrutuário pode trespassar a outrem o seu direito, definitiva ou temporariamente, bem como onerá-lo, salvas as restrições impostas pelo título constitutivo ou pela lei”, defendendo ainda que "trespassar" o usufruto abrange "todas as formas em que é possível desdobrar-se a atribuição do usufruto a terceiro (mediante compra e venda, doação, locação, comodato, dação em cumprimento, etc.”.
Particularmente interessantes são as palavras de Meneses Cordeiro in "Direitos Reais", Lex 1993, pág. 628, quando refere "O direito de propriedade estende-se até às fronteiras do juridicamente possível, admitindo, evidentemente, excepções; o direito de propriedade é auto-suficiente, não requerendo qualquer outro direito sobre a coisa sobre que incida. Sempre, porém, que surjam excepções à permissão ou que lhe seja imposta a concorrência de outro direito real sobre a mesma coisa, o direito comprime-se, na medida do necessário. Desaparecendo estes factores estranhos, as suas características próprias voltam a operar: o direito distende-se. O fenómeno é traduzido pela expressão elasticidade”.
Pontificam ainda as considerações de Meneses Cordeiro (op cit pág. 648 e ss), de que o usufruto é um direito real de gozo - assiste-se sempre à afectação jurídica de uma coisa corpórea sobre a qual o usufrutuário não tem apenas a faculdade de gozar plenamente a coisa, ele pode transmitir o seu direito, pode renunciar a ele e tem a faculdade de transformação - não exclusivo – refere-se a uma coisa que implica sempre a existência de um outro direito real sobre a mesma coisa, normalmente a propriedade - limitado – não confere ao titular a possibilidade de aproveitamento geral das utilidades da coisa mas apenas o direito de gozar uma coisa sem lhe alterar a forma e substância - e temporário – não pode exceder a vida do usufrutuário ou 30 anos tratando-se de pessoa colectiva.
“O usufruto onera um direito real de base, normalmente a propriedade, que tem nessa situação a designação de nua-propriedade ou propriedade de raiz. O titular do direito da nua-propriedade vê o seu direito – autentico direito de propriedade, quando de propriedade se trate – comprimido pelo usufruto. Caso este desapareça as faculdades do proprietário expandir-se-ão até à plenitude. (…) Usufruto e propriedade encontram-se assim em conflito de sobreposição, o que dá lugar às restrições daí derivadas, com a subsequente intervenção das relações jurídicas reais necessárias (…) Trata-se, portanto, de um direito real de gozo autónomo que, coexistindo com a propriedade, a onera”.
Em reforço do que vem dito, adite-se que no usufruto ostenta a especificidade de não haver limitação das faculdades de gozo pelo fim; ou seja, exceptuando o direito de dispor da coisa, o conteúdo do usufruto aproxima-se de modo significativo do direito de propriedade, tanto mais quanto é certo que o usufrutuário pode dispor do seu direito “qual tale”.
Como refere A. Carvalho Fernandes, Direitos Reais, pág. 384, “...o usufruto não representa nem um desmembramento da propriedade, nem uma propriedade temporária (Vd., obre este ponto, Menezes Cordeiro, Direitos Reais, Vol. II, págs. 937 e ss). A plenitude de gozo não implica a plenitude do aproveitamento das utilidades da coisa, como é próprio da propriedade. Por outro lado, o usufruto não é um direito exclusivo, pois pressupõe sempre a existência de outro direito – a propriedade de raiz.
Deste modo, o usufruto tem de ser visto como um tipo a se, autónomo, e constitui um direito real de gozo menor.
O conteúdo do usufruto (...), não se esgota nas faculdades de uso e fruição, embora estas constituam a sua marca própria e específica. Em qualquer caso, a afectação das utilidades de um bem à satisfação das necessidades de certa pessoa é feita em função dela e não de qualquer outra coisa. Assim, o usufruto participa de uma nota própria das servidões pessoais”.
Do que vem dito e apontando ao caso em apreço e mais uma vez na senda da posição do impugnante e ora recorrido, sufragada pela própria sentença, face ao quadro normativo acima expresso, a venda efectivada pelo contribuinte do usufruto sobre os prédios identificados na escritura de 09/04/2015, sendo um deles afecto à sua habitação própria e permanente, integra um acto de transmissão onerosa do direito de usufruto que onera o direito de propriedade de um daqueles imóveis.
Utilizando as palavras emprestadas no douto Parecer do Ministério Público:
“Em comentário ao art. 1444º C. Civ. (“O usufrutuário pode trespassar a outrem o seu direito, definitiva ou temporariamente, bem como onerá-lo, salvas as restrições impostas pelo título constitutivo ou pela lei”), Pires de Lima e Antunes Varela elucidam que o conceito de “trespassar” o usufruto abrange “todas as formas em que é possível desdobrar-se a atribuição do usufruto a terceiro (mediante compra e venda, doação, locação, comodato, dação em cumprimento, etc.” (Código Civil Anotado, vol. III, pág. 471). Por outro lado, a referida venda traduz também um acto de extinção desse direito de usufruto, nos termos da al. b) do nº 1 do art. 1476º C. Civ., porque in casu, o comprador adquire simultaneamente a nua-propriedade dos mesmos imóveis, vendo desta forma expandir as faculdade de proprietário até à plenitude do direito de propriedade.
Deste modo, quando o art. 10º nº 5 CIRS exclui da tributação os ganhos provenientes da transmissão onerosa de imóveis destinados a habitação própria e permanente do sujeito passivo ou do seu agregado familiar (verificadas as condições aí impostas) se reinvestidos na aquisição de propriedade de outro imóvel exclusivamente com o mesmo destino, consideramos legítima a interpretação que permite abranger a transmissão onerosa de figuras parcelares do direito de propriedade de imóveis, máxime o usufruto, destinados a habitação própria e permanente do sujeito passivo ou do seu agregado familiar (verificadas as condições aí impostas) cingindo-se, outrossim, o reinvestimento à aquisição da propriedade plena de outro imóvel exclusivamente destinado a habitação própria e permanente do sujeito passivo ou do seu agregado familiar.
Este ponto de vista permite ainda que se eliminem obstáculos fiscais à mudança de habitação, em casa própria, efectivando o direito fundamental à habitação (do Impugnante), objectivos que norteiam a norma de exclusão de tributação prevista no art. 10º nº 5 CIRS.]
Na verdade, se tomarmos em conta o que foi a vontade do legislador em não dificultar a aquisição de habitação própria e permanente às famílias e seus agregados, teremos de concluir que no caso e na prática, o que aconteceu foi que o impugnante alienou o bem – direito de usufruto – que era a sua habitação própria e permanente e adquiriu um imóvel de raiz para sua habitação própria e permanente; entendemos assim que não tem plena justificação a exclusão de tributação da parte das mais-valias, como pretende o recorrido e como foi decidido pelo tribunal a quo.”
Assim, a ratio dessa não separação de conceitos é imposta pelos princípios da legalidade e da tipicidade tributárias na dimensão que lhes dá a LGT, que obriga a uma aproximação aos figurinos ou tipos legais do direito privado.
O regime substantivo que enforma a relação jurídica tributária mostra-se submetido ao princípio da legalidade evidenciado - na tipificação específica de cada imposto - dos factos e qualidades do objecto normativo de incidência, donde deriva uma pluralidade de vinculações, tanto para os particulares como para a Administração Fiscal.
Segundo Duarte Faveiro, in "Noções Fundamentais de Direito Fiscal Português", Coimbra Editora, Vol-I, págs. 335 e 338, dessa pluralidade de vinculações sobre os "(..) particulares - pessoas e empresas - visados pela norma tributária quer como titulares dos direitos ou realidades consideradas como objecto do imposto em causa quer como possuidores da qualidade pessoal prevista no tipo de sujeição, resulta a criação de um condicionalismo jurídico de predeterminação de efeitos para as condutas correspondentes aos elementos previstos na norma (..)"que, para a Administração Fiscal, resulta no dever funcional "(..) de vigilância das situações reais correspondentes aos tipos legais tributários e precisão mediata e recíproca do conteúdo da norma tributária (..)".
Como corolário do princípio da tipicidade, temos que o procedimento administrativo de averiguação e qualificação jurídica dos factos integrativos da base de incidência do imposto que, no caso concreto, se exige ao particular, pressupõe por parte da AF, no exercício da sua competência, o uso de poderes estritamente vinculados.
Este mesmo ponto de vista pode ver-se afirmado por Jorge Lopes de Sousa in "Código de Procedimento de Processo Tributário, Anotado", Vislis/2000, 2a edição, pág. 470:
"(…) o ónus de prova dos factos constitutivos dos direitos da administração tributária ou dos contribuintes recai sobre quem os invoque.
Embora esta regra [art° 74° n° l LGT] esteja prevista para o procedimento tributário, o seu conteúdo deve ser transposto para o processo judicial que se lhe seguir, por forma a que quem tinha o ónus da prova no procedimento tributário tenha o respectivo ónus do processo judicial tributário (..).
Assim, pelo facto de o impugnante no processo de impugnação judicial surgir processualmente numa posição em que deve invocar vícios de um acto tributário, não se lhe deve imputar o ónus de prova de factos que não tinha de provar no procedimento tributário, designadamente o de provar que não se verificam os factos constitutivos dos direitos da administração tributária, factos estes cuja verificação competia provar a esta no procedimento tributário (..).
Essencialmente neste sentido, já antes da LGT, pode ver-se Vieira de Andrade, que sustenta que "há-de caber, em princípio, à Administração o ónus da prova da verificação dos pressupostos legais (vinculativos) da sua actuação, designadamente se agressiva (positiva e desfavorável); em contrapartida, caberá ao administrado apresentar prova bastante da ilegitimidade do acto, quando se mostrem verificados estes pressupostos" (A justiça Administrativa (Lições), 2a edição, pág. 269)".
A administração fiscal só deve praticar o acto tributário - liquidação - quando "formar convicção a existência e conteúdo do facto tributário" (assim, Alberto Xavier, Conceito e Natureza do Acto Tributário, pág. 150). Esta convicção deve assentar em pressupostos objectivos e não em meras suposições ou juízos de natureza puramente subjectiva.
No caso concreto não estavam reunidos os pressupostos conducentes à conclusão de que se verificava o facto tributário e qual a sua medida nos termos pretendidos pela AT.
O artigo 10º da LGT estabelece que a tributação é valorativamente neutra, devendo atender apenas às circunstâncias reveladoras da capacidade contributiva do facto ou acto, irrelevando, pois, os imperativos jurídicos ou éticos como pressuposto ou medida da tributação a qual assentará no resultado económico dos negócios ou actos jurídicos ainda que estes sejam ilícitos ou contra os bons costumes. E ao consagrar a vertente da consideração económica dos factos ou actos com relevância jurídica tributária, o direito fiscal está em consonância com o direito civil no sentido de que, por exemplo, quando os negócios jurídicos são de objecto físico ou legalmente impossível à ordem pública ou contrários aos bons costumes, juscivilisticamente são nulos (cfr. artº 280º do Ccivil) mas, apesar disso, esse vício será ignorado quando é invocado pela pessoa que o praticou por forma a impedir que essa pessoa seja beneficiada; também assim no direito fiscal, em que quem actua de modo ilícito não pode fruir de protecção jurídica, devendo sofrer a tributação prevista na lei.
É que um juízo de indeterminabilidade do negócio jurídico é resultado final de uma actividade interpretativa da vontade das partes, frustre por não chegar a ser possível, no fim do processo hermenêutico, determinar qual o sentido identificativo com que deva valer a declaração ou, no caso dos negócios jurídicos contratuais, as declarações cruzadas que se formam.
E a tributação tem os seus limites materiais e o seu princípio rector é o da capacidade contributiva visando impedir o livre arbítrio por obrigar, quer o legislador, quer o aplicador da lei fiscal (AT e juiz), a que, na selecção e articulação dos factos tributários, se atenha a revelações da capacidade contributiva, que erija em objecto ou matéria colectável de cada imposto um determinado pressuposto económico que seja manifestação dessa capacidade e esteja presente nas diversas hipóteses legais do respectivo imposto.
Como pressuposto e critério da tributação no nosso sistema jurídico fiscal, o princípio da capacidade contributiva está expressamente consagrado no artº 4º nº 1 da LGT que prescreve que os impostos assentam especialmente na capacidade contributiva revelada através do rendimento ou da sua utilização e do património, bem como as relativas à tributação dos rendimentos ilícitos e às cláusulas anti -abuso.
Por todo o exposto, só resta concluir que não há lugar a tributação das mais-valias no caso em apreço, o que vale por dizer que deve ser negado provimento ao recurso, mantendo-se a decisão recorrida.
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3.- Decisão:

Nesta conformidade, acordam, em conferência, os Juízes da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo, em negar provimento ao recurso jurisdicional e, em consequência, manter a decisão recorrida.

Custas a cargo da Recorrente.


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Lisboa, 12 de Maio de 2021. - José Gomes Correia (relator) – Aníbal Augusto Ruivo Ferraz – Paula Fernanda Cadilhe Ribeiro.