Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:01941/19.7BELRS
Data do Acordão:09/16/2020
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:ARAGÃO SEIA
Sumário:
Nº Convencional:JSTA000P26316
Nº do Documento:SA22020091601941/19
Data de Entrada:08/24/2020
Recorrente:A...
Recorrido 1:AT-AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Acordam os juízes da secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:


A…………, recorre do acórdão do TCA Sul, datado de 09.07.2020, que julgou improcedente o recurso jurisdicional deduzido no processo em epígrafe, ao abrigo do disposto no artigo 285º do Código do Processo e Procedimento Tributário para a Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo.

Alegou, tendo concluído:
A) O presente recurso de revista excecional tem como objetivo obter pronúncia deste Tribunal sobre o sentido e alcance do texto da alínea f) do nº 1 do artigo 87º da Lei Geral Tributária que regula como “f) acréscimo de património ou despesa efectuada, incluindo liberalidades, de valor superior a (euro) 100.000, verificados simultaneamente com a falta de declaração de rendimentos ou com a existência, no mesmo período de tributação, de uma divergência não justificada com os rendimentos declarados.”
B) - Alínea f) do n º 1 do artigo 87º da LGT do qual consta o conceito de rendimentos declarados, cujo respetivo conteúdo e sentido importa definir e delimitar de forma correta e objetiva.
C) - Na verdade, existe abundante jurisprudência sobre a aplicação da alínea f) do n º 1 do artigo 87º da LGT mas não é conhecida jurisprudência que defina em que consistem os rendimentos declarados para efeitos da citada norma legal.
D) - Sucede, porém, que o exato alcance de rendimentos declarados é essencial para uma boa e correta aplicação do citado regime da alínea f) do n º 1 do artigo 87º da LGT.
E) - Na verdade, a definição dos rendimentos declarados para efeitos da alínea f) do nº 1 do artigo 87º da LGT constitui uma matéria de relevante interesse para a melhor aplicação do direito.
F) - Por um lado, a interpretação dos rendimentos declarados como os rendimentos obtidos nas diversas categorias tal como consta das respetivas regras de incidência objetiva constitui um método de reduzir a aplicação do regime das manifestações de fortuna pela simples razão que os rendimentos declarados são sempre por regra superiores aos rendimentos líquidos das diversas categorias.
G) - Por sua vez, a interpretação dos rendimentos declarados como os rendimentos líquidos das diversas categorias constitui um método de aumentar a aplicação do regime das manifestações de fortuna pela simples razão que os rendimentos líquidos são sempre por regra inferiores aos rendimentos declarados das diversas categorias tal como são definidos nas respetivas regras de incidência objetiva.
H) - Daqui resulta o maior interesse hermenêutico em definir para efeitos da alínea f) do nº 1 do artigo 87º da LGT o que são os rendimentos declarados e daí a utilidade do presente recurso de revista excecional, nos termos da parte final do nº 1 do artigo 150º do CPTA, aplicável por remissão da alínea c) do artigo 2º do CPPT.
I) - Relativamente à questão dos rendimentos declarados, o douto acórdão recorrido, define aqueles como os rendimentos líquidos, escrevendo-se a este propósito, no seu sumário, “para efeitos da alínea f), do nº1, do artigo 87.º, da LGT, e em conformidade com o preceituado no artigo 89.º-A, nº 5, alínea d), do mesmo diploma legal, consideram-se como rendimentos declarados os rendimentos líquidos das diferentes categorias de rendimentos.”
J) - Entendimento de rendimentos declarados como rendimentos líquidos que, no entendimento do recorrente, não corresponde à mais correta aplicação da lei, pelos motivos que se passa a demonstrar.
L) - A alínea f) do nº 1 do artigo 87º da LGT refere rendimentos declarados e não rendimentos líquidos pelo que, tendo em conta o nº 2 do artigo 9º do Código Civil, “não pode, porém, ser considerado pelo intérprete o pensamento legislativo que não tenha na letra da lei um mínimo de correspondência verbal, ainda que imperfeitamente expresso.” Deste modo, comparando rendimentos declarados com rendimentos líquidos, não restam dúvidas que rendimentos declarados não são os rendimentos líquidos.
M) - Importa referir que a alínea f) do n º 1 do artigo 87º da LGT tem um enquadramento próprio e específico enquanto que o nº 5 do artigo 89º-A da LGT tem outro enquadramento distinto e diferente do referido para a alínea f) do n º 1 do artigo 87º.
N) - Assim, a alínea f) tal como as demais alíneas do nº 1 do artigo 87º da LGT regulam as situações em que pode ser usada a avaliação indireta, ou seja, a alínea f) do n º 1 do citado artigo 87º define e carateriza uma das hipóteses possíveis para a aplicação dos métodos indiretos.
O) - Por sua vez, o nº 5 do artigo 89º-A da LGT regula a forma de quantificação da manifestação de fortuna, ou seja, representa o método pelo qual se apura a manifestação de fortuna nas situações permitidas pela alínea f) do nº 1 do artigo 87º da LGT.
P) - Explicada e demonstrada a diferença entre a alínea f) do n º 1 do artigo 87º e o nº 5 do artigo 89º-A da LGT conclui-se que existe a seguinte relação entre ambas, a saber: em primeiro lugar, tem de verificar-se uma situação concreta que seja subsumível na alínea f) do n º 1 do artigo 87º e só depois de verificada e confirmada uma situação concreta que permita aplicar o regime da alínea f) do nº 1 do artigo 87º é que há lugar à quantificação do rendimento que será tributado na categoria G, nos termos previstos no nº 3 do artigo 9º do CIRS. Deste modo, não se verificando nenhuma situação concreta à qual possa ser aplicado o regime da alínea f) do n º 1 do artigo 87º não poderá aplicar-se o regime do nº 5 do artigo 89º-A, ambos da LGT.
Q) - Neste contexto, comprovando-se que existe uma relação de prevalência do regime da alínea f) do n º 1 do artigo 87º sobre o nº 5 do artigo 89º-A, ambos da LGT, conclui-se que não fará qualquer sentido aplicar-se o regime da alínea d) do nº 5 do artigo 89º-A da LGT para definir o sentido e âmbito do conceito de rendimentos declarados previsto na alínea f) do n º 1 do artigo 87º da LGT.
R) - Demonstrando-se que a alínea f) do n º 1 do artigo 87º tem como objetivo estabelecer o quadro legal cuja verificação objetiva e real constitui condição “sine qua non” para que o aplicador da lei possa efetuar a quantificação no estrito cumprimento do quadro legal do regime do nº 5 do artigo 89º-A da LGT conclui-se que não será possível transpor como critério hermenêutico o regime do nº 5 do artigo 89º-A, nomeadamente a sua alínea d) para fazer corresponder rendimentos declarados com os rendimentos líquidos.
S) - De tudo o exposto conclui-se que os rendimentos declarados para efeitos da alínea f) do nº 1 do artigo 87º da LGT são os rendimentos das diversas categorias tal como são definidos nas respetivas regras de incidência objetiva.
T) – O douto acórdão recorrido efetuou incorreta interpretação da alínea f) do nº 1 do artigo 87º da LGT no que se refere à qualificação dos rendimentos declarados.
Nestes termos e nos melhores de direito, mais concretamente ao abrigo do disposto na parte final do nº 1 do artigo 285º do CPPT, deve o presente recurso de revista excecional ser admitido, vindo a final ser proferido acórdão no sentido de que os rendimentos declarados, para efeitos da alínea f) do n º 1 do artigo 87º da LGT serem os rendimentos das diversas categorias de IRS tal como são definidos nas respetivas regras de incidência objetiva, revogando-se, em consequência, o douto acórdão recorrido.

A entidade recorrida produziu contra-alegações concluindo:
i) Inconformado com o douto Acórdão proferido pelo Tribunal Central Administrativo Sul, o qual negou provimento ao recurso, confirmando a sentença recorrida, vem o Recorrente interpor recurso de Revista ao abrigo do disposto no art.º 150.º do CPTA, para o Venerando, para o Venerando Supremo Tribunal Administrativo, alegando em síntese que a jurisprudência nada refere nem esclarece o que são rendimentos declarados, razão pela qual resulta existir um maior interesse hermenêutico em definir para efeitos da alínea f) do nº 1 do artigo 87º da LGT o que são os rendimentos declarados.
ii) Em sentido contrário, entende a entidade aqui Recorrida que inexiste relevância jurídica ou social de que a lei faz depender a admissibilidade do recurso de revista, não se verificando os condicionalismos expressos no n.º 1 do art.º 150.º do CPTA, razão pela qual não deverá ser admitido o recurso, e concomitantemente, entende a entidade Recorrida que o douto Tribunal “a quo” fez uma exacta apreciação dos factos e correcta aplicação do direito, maxime das normas legais aplicáveis.
iii) Desde logo reitera-se que o Recorrente não preenche os pressupostos do nº. 1 do art. 150° do CPTA, que permitem a interposição deste tipo de recurso.
iv) Com efeito o recorrente invoca que a definição dos rendimentos declarados para efeitos da alínea f) do art.º 87.º da LGT, constitui uma matéria de relevante interesse para aplicação do direito, pugnando pela relevância jurídica e social da questão.
v) Todavia, como se escreveu na Exposição de Motivos do CPTA, estamos perante um recurso “relativo a matérias que, pela sua relevância jurídica ou social, se revelem de importância fundamental ou em que a admissão de recurso seja necessária para uma melhor aplicação do direito… Afigura-se útil que, em matérias da maior importância, o Supremo Tribunal Administrativo possa ter uma intervenção que, mais do que decidir directamente um grande número de casos, possa servir para orientar os tribunais inferiores, definindo o sentido que deve presidir à respectiva jurisprudência em questões que, independentemente da alçada, considere mais importantes. Não se pretende generalizar o uso da revista… Ao Supremo Tribunal Administrativo caberá dosear a sua intervenção, por forma a permitir que esta via funcione como uma válvula de segurança do sistema” (Vide Mário Aroso de Almeida, “O Novo Regime do Processo nos Tribunais Administrativos”, 4ª Edição, pág. 354).
vi) Estamos patentemente perante um recurso excepcional, admitido relativamente a questões de importância fundamental pela sua relevância jurídica ou social, ou então, quando seja claramente necessário para melhorar a aplicação do direito (Vieira de Andrade, “A Justiça Administrativa”, 7ª Edição, pág. 426).
vii) Assim, nos termos do n.º 1 do art.º 150.º do CPTA, das decisões proferidas em 2.ª instância pelos Tribunais Centrais Administrativos pode haver, excepcionalmente, revista para o STA, quando esteja em causa a apreciação de uma questão que, pela sua relevância jurídica ou social, se revista de importância fundamental ou quando a admissão do recurso seja claramente necessária para uma melhor aplicação do direito (cfr., por todos, o Acórdão da Secção do Contencioso Administrativo de 24 de Maio de 2005, Recurso n.º 579/05).
viii) Tem-se considerado de relevância social fundamental a questão que apresente contornos indiciadores de que a solução pode corresponder a um paradigma ou contribuir para a elaboração de um padrão de apreciação de casos similares, ou que tenha particular repercussão na comunidade e tem-se ponderado que a admissão para uma melhor aplicação do direito se justifica quando questões relevantes sejam tratadas pelas instâncias de forma pouco consistente ou contraditória, com recurso a interpretações insólitas, ou por aplicação de critérios que aparentem erro ostensivo, de tal modo que seja manifesto que a intervenção do órgão de cúpula da justiça administrativa é reclamada para dissipar dúvidas acerca da determinação, interpretação ou aplicação do quadro legal que regula certa situação.» (Acórdão do STA - Secção do Contencioso Administrativo - de 9/10/2014, proc. nº 01013/14).
ix) Não se trata, portanto, de uma relevância teórica medida pelo exercício intelectual, mais ou menos complexo, que seja possível praticar sobre as normas discutidas, mas de uma relevância prática que deve ter como ponto obrigatório de referência, o interesse objectivo, isto é, a utilidade jurídica da revista e esta, em termos de capacidade de expansão da controvérsia de modo a ultrapassar os limites da situação singular (a «melhor aplicação do direito» deva resultar da possibilidade de repetição num número indeterminado de casos futuros, em termos de garantia de uniformização do direito: «o que em primeira linha está em causa no recurso excepcional de revista não é a solução concreta do caso subjacente, não é a eliminação da nulidade ou do erro de julgamento em que porventura caíram as instâncias, de modo a que o direito ou interesse do recorrente obtenha adequada tutela jurisdicional. Para isso existem os demais recursos, ditos ordinários. Aqui, estamos no campo de um recurso excepcional, que só mediatamente serve para melhor tutelar os referidos direitos e interesses») (cfr. o ac. desta Secção do STA, de 16/6/2010, rec. nº 296/10, bem como, entre muitos outros, os acs. de 30/5/2007, rec. nº 0357/07; de 20/5/09, rec. nº 295/09, de 29/6/2011, rec. nº 0568/11, de 7/3/2012, rec. nº 1108/11, de 14/3/12, rec. nº 1110/11, de 21/3/12, rec. nº 84/12, e de 26/4/12, recs. nºs. 1140/11, 237/12 e 284/12).
x) E igualmente se vem entendendo que cabe ao recorrente alegar e intentar demonstrar a verificação dos ditos requisitos legais de admissibilidade da revista, alegação e demonstração a levar necessariamente ao requerimento inicial ou de interposição – (cfr. arts. 627º, nº 2, 635º, nºs. 1 e 2, e 639º, nºs. 1 e 2 do novo CPC - neste sentido, entre outros, os acórdãos do STA de 2/3/2006, 27/4/2006 e 30/4/2013, proferidos, respectivamente, nos processos nºs. 183/06, 333/06 e 0309/13.
xi) Ora, a questão invocada pelo Recorrente, de que a definição dos rendimentos declarados para efeitos da alínea f) do art.º 87.º da LGT, constitui uma matéria de relevante interesse para aplicação do direito, não preenche os pressupostos para admissão do recurso de revista, não reveste importância fundamental, seja pela sua importância jurídica, seja social, não se descortinando existir relevante interesse para aplicação do direito.
xii) Na verdade, não se antolha qual seja essa importância jurídica, pois estamos perante uma questão que encontra pleno assentimento quer na sua ratio legis quer na mens legislatori, no qual o legislador fiscal, definiu expressamente na alínea d), do n.º 5, do art.º 89.º-A da LGT, que para efeitos de divergência da alínea f) do art.º 87.º da LGT, são tidos como rendimentos declarados os rendimentos líquidos de cada categoria (v.d. JOSÉ MARIA PIRES, GONÇALO BULCÃO, JOSÉ RAMOS VIDAL e MARIA JOÃO MENEZES Lei Geral Tributária Comentada e Anotada, Almedina, 2015, pág. 949.
xiii) Pelo que como decorre da lei (art.º 89.º-A, n.º 5, alínea d), da LGT), o rendimento líquido a tributar em sede de IRS, a enquadrar na categoria “G”, é a diferença entre o acréscimo de património ou despesa e os rendimentos declarados pelo sujeito passivo no mesmo período de tributação, considerando-se como rendimentos declarados, os rendimentos líquidos das diferentes categorias de rendimentos.
xiv) Falece assim, in totum a questão de direito não merecendo qualquer censura as decisões proferidas na 1ª instância e pelo TCAN, não se descortinando qual a importância jurídica da questão, não se percebendo – e o Recorrente também não explicam -onde está a «importância social relevante».
xv) Com efeito, tem-se entendido que a relevância jurídica ou social “afere-se em termos da utilidade jurídica, com capacidade de expansão da controvérsia que ultrapasse os limites da situação singular” (Acórdão do STA de 02.07.2008, Proc. n.º 173/2008,).
xvi) Logo, não se concebe de que modo a questão suscitada pelos Recorrente, assuma essa relevância social, tanto mais, que é manifesto até para o mais incauto dos intérpretes que a ratio dessa norma e o seu âmbito de aplicação é manifestamente coerente com o ordenamento jurídico vigente.
xvii)Tanto mais que, entendemos que tal questão não deverá ultrapassar os limites da questão singular, pelo que, inexiste relevância jurídica e social de que a lei faz depender a admissibilidade do recurso.
xviii) Destinando-se o recurso de revista à apreciação de uma questão que, pela sua importância jurídica ou social, se revista de importância fundamental, por estar em causa a expansão de uma controvérsia susceptível de ultrapassar os limites da situação singular, no caso sub judice o Recorrente pretende apenas atacar uma decisão proferida numa questão singular e cuja importância apenas nesse caso releva, não apresentando dimensão jurídica e social nem susceptibilidade de proporcionar pela sua reapreciação neste recurso uma melhor aplicação e uniformização do direito.
xix) O Recorrente alega que no caso em apreço, trata-se ainda de um recurso necessário para uma melhor aplicação do direito, todavia, cumpre realçar, que a melhor aplicação do direito, há-de resultar da possibilidade de repetição, num número indeterminado de casos futuros, em termos de garantia de uniformização do direito.
xx) Ora, a admissão da revista para melhor aplicação do direito terá lugar, designadamente, e segundo a referida jurisprudência, quando, em face das características do caso concreto, ele revele seguramente a possibilidade de ser visto como um tipo, contendo uma questão bem caracterizada, passível de se repetir em casos futuros, e cuja decisão nas instâncias seja ostensivamente errada ou juridicamente insustentável, ou quando suscite fundadas dúvidas, nomeadamente por se verificar divisão de correntes jurisprudenciais ou doutrinais, gerando incerteza e instabilidade na resolução dos litígios, assim fazendo antever como objectivamente útil a intervenção do STA na qualidade de órgão de regulação do sistema. (conforme se expendeu no Acórdão do STA de 30 de Maio de 2007, proferido no recurso n.º 0357/07 e ainda Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, de 16.6.2010, proferido no recurso n.º 296/10).
xxi) Face ao exposto, não se vê que, no caso concreto, se concretizem tais requisitos, na medida em que, não se reconhece em face das características do caso concreto, que a questão seja passível de se repetir em casos futuros.
xxii) De igual modo não se antolha que, a admissão do presente recurso possa contribuir para uma melhor aplicação e uniformização do direito, porque não está em causa a possibilidade de repetição de uma qualquer questão jurídica abstracta a surgir num número indeterminado de casos futuros.
xxiii) Por outro lado, as decisões que foram proferidas quer na primeira instância quer no Venerando TCAS, não foram ostensivamente erradas ou juridicamente insustentáveis, ou ainda que suscitem fundadas dúvidas, atendendo designadamente, a divisão de correntes jurisprudenciais ou doutrinais.
xxiv) Ao contrário, as decisões recorridas mantêm-se dentro das soluções adequadas e plausíveis de direito, e não revelam qualquer erro manifesto ou grosseiro que torne justificável a intervenção do tribunal de revista (a este propósito veja-se o Acórdão de 10.12.2008, Proc. n.º 1067/08 e reflectindo sobre o mesmo ponto de vista os Acórdãos de 05.12.2007 Proc. n.º 971/07; de 03.04.2008 Proc. n.º 237/08; de 26.03.2009 Proc. n.º 290/09; de 18.06.2009 Proc. n.º 613/09; de 25.06.2009 Proc. n.º 620/09 de 23.09.2009 Proc. n.º 745/09).
xxv) Na senda da mais recente jurisprudência veja-se ainda o Acórdão do STA, de 05-05-2011 referente ao Proc. n.º 0321/11, o qual refere “Não é de admitir a revista quando as questões nela levantadas não suscitem dificuldades interpretativas fora do usual, questões essas, de resto sem interesse doutrinário próprio ou qualquer tipo de repercussão para além da decisão do caso singular”.
xxvi) Assim sendo, e em face à não verificação dos pressupostos de que depende a interposição do recurso de revista estatuídos no art.º 150.º do CPTA, salvo douta opinião não deverá o presente recurso ser admitido.
xxvii) Pretende o Recorrente com o presente recurso de revista que esse Colendo Tribunal proceda à definição dos rendimentos declarados para efeitos da alínea f) do art.º 87.º da LGT, constitui uma matéria de relevante interesse para aplicação do direito, pugnando pela relevância jurídica e social da questão.
xxviii) Decorre, de forma clara e inequívoca, da lei, mormente do disposto na alínea f), do art.º 87.º da LGT, que constitui pressuposto para aplicação das manifestações de fortuna que haja, num determinado ano, um acréscimo de património ou da despesa superior a € 100.000,00, pelo que, não dispondo a alínea f) do art.º 87.º da LGT acerca da qualificação do valor respeitante à divergência, veio o disposto no n.º 5 do art.º 89.º-A da LGT determinar os critérios para efeitos da sua qualificação e quantificação.
xxix) Ou seja, o disposto na alínea d), do n.º 5, do art.º 89.º-A da LGT, prescreve-se perentoriamente que, para efeitos da aplicação da alínea f) do art.º 87.º da LGT, consideram-se como rendimentos declarados os rendimentos líquidos das diferentes categorias de rendimentos.
xxx) Portanto, o legislador consignou expressamente na alínea d), do n.º 5, do art.º 89.º-A da LGT, para efeitos de divergência da alínea f) do art.º 87.º da LGT, que são tidos como rendimentos declarados os rendimentos líquidos de cada categoria.
xxxi) Como decorre da lei (art.º 89.º-A, n.º 5, alínea d), da LGT), o rendimento líquido a tributar em sede de IRS, a enquadrar na categoria “G”, é a diferença entre o acréscimo de património ou despesa e os rendimentos declarados pelo sujeito passivo no mesmo período de tributação, considerando-se como rendimentos declarados, os rendimentos líquidos das diferentes categorias de rendimentos.
i) Logo, é claramente infundado a interposição de recurso com vista à delimitação do conceito de rendimentos declarados quando o legislador expressamente e de forma inequívoca consagrou expressamente como rendimentos declarados os rendimentos líquidos das diferentes categorias de rendimentos.
ii) Pelo que são espúrios os argumentos invocados no presente recurso.
Nestes termos e nos mais de direito deverão V.ªs Ex.ªs julgar;
. a não admissibilidade do presente recurso de revista por não se encontrarem preenchidos os requisitos elencados no art.º 150.º do CPTA;
. negar provimento ao presente recurso, pois porquanto não colhe qualquer apoio ou guarida quer na letra da lei, quer na jurisprudência, com as devidas e legais consequências.

Dá-se aqui por reproduzida a matéria de facto levada ao probatório do acórdão recorrido.

Cumpre decidir da admissibilidade do recurso.

Dos pressupostos legais do recurso de revista.

O presente recurso foi admitido como recurso de revista excepcional, havendo, agora, que proceder à apreciação preliminar sumária da verificação in casu dos respectivos pressupostos da sua admissibilidade, ex vi do n.º 6 do artigo 285.º do CPPT.

Dispõe o artigo 285.º do CPPT, sob a epígrafe “Recurso de Revista”:
1 - Das decisões proferidas em segunda instância pelo Tribunal Central Administrativo pode haver, excecionalmente, revista para o Supremo Tribunal Administrativo, quando esteja em causa a apreciação de uma questão que, pela sua relevância jurídica ou social, se revista de importância fundamental ou quando a admissão do recurso seja claramente necessária para uma melhor aplicação do direito.
2 - A revista só pode ter como fundamento a violação de lei substantiva ou processual.
3 - Aos factos materiais fixados pelo tribunal recorrido, o tribunal de revista aplica definitivamente o regime jurídico que julgue adequado.
4- O erro na apreciação das provas e na fixação dos factos materiais da causa não pode ser objeto de revista, salvo havendo ofensa de uma disposição expressa de lei que exija certa espécie de prova para a existência do facto ou que fixe a força de determinado meio de prova.
5- Na revista de decisão de atribuição ou recusa de providência cautelar, o Supremo Tribunal Administrativo, quando não confirme a decisão recorrida, substitui-a por acórdão que decide a questão controvertida, aplicando os critérios de atribuição das providências cautelares por referência à matéria de facto fixada nas instâncias.
6- A decisão quanto à questão de saber se, no caso concreto, se preenchem os pressupostos do n.º 1 compete ao Supremo Tribunal Administrativo, devendo ser objeto de apreciação preliminar sumária, a cargo de uma formação constituída por três juízes de entre os mais antigos da Secção de Contencioso Tributário
Decorre expressa e inequivocamente do n.º 1 do transcrito artigo a excepcionalidade do recurso de revista em apreço, sendo a sua admissibilidade condicionada não por critérios quantitativos mas por um critério qualitativo – o de que em causa esteja a apreciação de uma questão que, pela sua relevância jurídica ou social, se revista de importância fundamental ou quando a admissão do recurso seja claramente necessária para uma melhor aplicação do direito – devendo este recurso funcionar como uma válvula de segurança do sistema e não como uma instância generalizada de recurso.
E, na interpretação dos conceitos a que o legislador recorre na definição do critério qualitativo de admissibilidade deste recurso, constitui jurisprudência pacífica deste Supremo Tribunal Administrativo - cfr., por todos, o Acórdão deste STA de 2 de abril de 2014, rec. n.º 1853/13 -, que «(…) o preenchimento do conceito indeterminado de relevância jurídica fundamental verificar-se-á, designadamente, quando a questão a apreciar seja de elevada complexidade ou, pelo menos, de complexidade jurídica superior ao comum, seja por força da dificuldade das operações exegéticas a efectuar, de um enquadramento normativo especialmente intricado ou da necessidade de concatenação de diversos regimes legais e institutos jurídicos, ou quando o tratamento da matéria tem suscitado dúvidas sérias quer ao nível da jurisprudência quer ao nível da doutrina. Já relevância social fundamental verificar-se-á quando a situação apresente contornos indiciadores de que a solução pode constituir uma orientação para a apreciação de outros casos, ou quando esteja em causa questão que revele especial capacidade de repercussão social, em que a utilidade da decisão extravasa os limites do caso concreto das partes envolvidas no litígio. Por outro lado, a clara necessidade da admissão da revista para melhor aplicação do direito há-de resultar da possibilidade de repetição num número indeterminado de casos futuros e consequente necessidade de garantir a uniformização do direito em matérias importantes tratadas pelas instâncias de forma pouco consistente ou contraditória - nomeadamente por se verificar a divisão de correntes jurisprudenciais ou doutrinais e se ter gerado incerteza e instabilidade na sua resolução a impor a intervenção do órgão de cúpula da justiça administrativa e tributária como condição para dissipar dúvidas – ou por as instâncias terem tratado a matéria de forma ostensivamente errada ou juridicamente insustentável, sendo objectivamente útil a intervenção do STA na qualidade de órgão de regulação do sistema.».

Vejamos, pois.
Pretende o recorrente com este recurso que este Supremo Tribunal se venha a pronunciar sobre a questão de saber se, demonstrando-se que a alínea f) do n º 1 do artigo 87º tem como objetivo estabelecer o quadro legal cuja verificação objetiva e real constitui condição “sine qua non” para que o aplicador da lei possa efetuar a quantificação no estrito cumprimento do quadro legal do regime do nº 5 do artigo 89º-A da LGT conclui-se que não será possível transpor como critério hermenêutico o regime do nº 5 do artigo 89º-A, nomeadamente a sua alínea d) para fazer corresponder rendimentos declarados com os rendimentos líquidos.
Ou seja, pretende o recorrente que o Supremo Tribunal admita o presente recurso para determinar, interpretar, qual a relação de conexão entre a norma do artigo 87º, n.º 1, al. f) da LGT e a norma do artigo 89º-A, n.º 5, al. d) da mesma LGT, com o intuito de saber como devem ser qualificados os rendimentos declarados a que alude aquela alínea f).
Já vimos que o legislador só concebe a admissão do presente recurso quando esteja em causa a apreciação de uma questão que, pela sua relevância jurídica ou social, se revista de importância fundamental ou quando a admissão do recurso seja claramente necessária para uma melhor aplicação do direito.
A questão que nos vem colocada pelo recorrente não assume as características necessárias para que o recurso possa ser admitido.
Na verdade, a relação de conexão entre as normas dos artigos 87º, n.º 1, al. f) e do artigo 89º-A, n.º 5, al. d), ambos da LGT, está estabelecida pelo legislador ao referir claramente nesta alínea d) que Para efeitos da alínea f) do n.º 1 do artigo 87.º: d) Consideram-se como rendimentos declarados os rendimentos líquidos das diferentes categorias de rendimentos.
Efectivamente, e tal como resulta da inserção sistemática e sequencial de ambas as normas, que versam sobre a mesma matéria, revelando o elemento literal de ambas que a concretização da primeira ocorre na segunda, não se afigura tratar-se de uma questão jurídica particularmente complexa que exija uma pronúncia expressa por parte deste Supremo Tribunal tal como pretendido pelo recorrente.
Assim, não se vê que a questão colocada a este Supremo Tribunal assuma as características necessárias da sua relevância jurídica ou social ou se revista de importância fundamental, uma vez que se trata de questão já resolvida pelo legislador no próprio texto das normas.
Por outro lado, tendo sido ponderados no acórdão recorrido todos estes aspectos argumentativos, ainda que de forma sintética, não se vislumbra que a admissão do recurso seja claramente necessária para uma melhor aplicação do direito, uma vez que não se detectam aí soluções jurídicas que divirjam de forma ostensiva da jurisprudência dominante dos Tribunais Tributários.
Assim, o recurso não é admissível.

Termos em que, face ao exposto, acorda-se em não admitir o presente recurso de revista, por não se mostrarem preenchidos os respectivos pressupostos legais.
Custas do incidente pelo recorrente.
D.n.

Lisboa, 16 de Setembro de 2020. - Aragão Seia (relator) – Isabel Marques da Silva - Francisco Rothes.