Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0580/12.8BESNT 0621/18
Data do Acordão:10/28/2020
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:JOSÉ GOMES CORREIA
Descritores:IRS
BENEFÍCIOS FISCAIS
DIREITOS DE AUTOR
JUROS INDEMNIZATÓRIOS
Sumário:I – Nos termos do disposto nos n.ºs 1 e 2 do art. 58º do EBF, os rendimentos provenientes das obras literárias beneficiam da redução de 50% para efeito de englobamento e incidência do IRS.
II – O desígnio daquele benefício fiscal é o de incentivar a criação artística ou literária, por forma a melhorar o nível de desenvolvimento cultural do país, finalidade esta de relevo e de interesse público e que apenas pode ser realizado pelas obras reconhecidas como integrando a qualificação de obras literárias.
III – Em face das consabidas dificuldades de distinção entre obra de carácter literário e sem esse carácter, deve privilegiar-se um critério objectivo: serão consideradas como obras literárias as que, prima facie, se apresentem como tal (criadas e apreciadas como arte, como actividade e produção estética), privilegiando-se, pois, o valor facial da obra; admitimos, no entanto, que em casos contados, essa distinção não possa prescindir duma avaliação do mérito da obra, sob pena de sermos conduzidos a resultados indesejados e indesejáveis.
IV – O direito de autor coenvolve direitos exclusivos de carácter patrimonial (disposição, fruição, utilização, reprodução e apresentação ao público com percepção de remuneração) e direitos morais (reivindicação da paternidade e garantia da genuinidade e integridade).
V - Polemizando-se nos autos publicações relativas a vários museus as mesmas têm o interesse cultural que subjaz à dita norma porque destinadas a crianças e jovens, sendo, por isso, válido supor serem “obras de divulgação pedagógica” previstas ainda no dito art. 58.º n.º 1, assim se afastando das participações em comentários televisivos, bem como em crónicas em jornal, pelo que os rendimentos auferidos pela sua autoria podem beneficiar da não sujeição parcial mencionada em I.
VI - O pagamento de juros indemnizatórios traduz-se na efectivação da responsabilidade civil extracontratual e, porque assim é, o mesmo é regulado pela lei vigente no momento do facto gerador dessa responsabilidade.
VII - As situações em que o contribuinte tem o direito de exigir que a Administração Fiscal lhe pague juros indemnizatórios em resultado de ter tido em seu poder quantias provenientes de impostos que se vem a concluir não serem devidas, prendem-se fundamentalmente com a ocorrência de qualquer erro imputável aos serviços, o que acontece quando uma liquidação vem a ser anulada em processo judicial ou de reclamação graciosa.
VIII - É que, no caso de existir erro de direito, incluindo sobre os pressupostos, o mesmo é sempre imputável aos serviços e foi judicialmente demonstrada a prática de um erro imputável aos serviços, que esse erro deu origem a um pagamento e que em função deste a AT teve em seu poder por um determinado período uma quantia a que não tinha direito.
IX – A contribuinte tem pois, direito ao pagamento de juros indemnizatórios por se verificarem os pressupostos previstos no art. 43º da LGT constituindo esse uma indemnização em função de um prejuízo ilegalmente causado a terceiro fora de qualquer relacionamento contratual, ou seja, o pagamento de juros indemnizatórios traduz-se na efectivação da responsabilidade civil extracontratual.
X - Pelo que, tendo ainda em conta que no art. 100.º da L.G.T. terá a A.T. de reconstituir, de imediato e plenamente, a situação hipotética de legalidade, são de atribuir juros indemnizatórios como forma de indemnizar a contribuinte por prejuízos provocados causados, conforme previsto no dito art. 43.º.
Nº Convencional:JSTA000P26579
Nº do Documento:SA2202010280580/12
Data de Entrada:06/27/2018
Recorrente:AT - AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA
Recorrido 1:A..................
Votação:UNANIMIDADE COM 1 DEC VOT
Aditamento:
Texto Integral: Acordam, em conferência, na Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo

1 – Relatório

Vem interposto recurso jurisdicional pela Autoridade Tributária e Aduaneira, visando a revogação da sentença de 27-03-2018, do Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra, que julgou procedente a impugnação intentada por A…………, melhor identificada nos autos, relativa ao acto de liquidação do IRS de 2009 e respectivos juros compensatórios, no montante de € 2.074,00.

Não se conformando, nas suas alegações, formulou a recorrente Autoridade Tributária e Aduaneira as seguintes conclusões:

I - Vem o presente recurso reagir contra a Sentença proferido pelo Douto Tribunal a quo em 27-03-2018, a qual julgou procedente os presentes autos de Impugnação Judicial, intentados por A……………, com o NIF………., contra o acto de liquidação de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares (IRS) e respectivos juros compensatórios, relativo ao ano de 2009, já devidamente identificados nos autos, no valor de € 2.074,00 (dois mil e setenta e quatro euros).
II - O Douto Tribunal a quo postulou pela procedência dos presentes autos de impugnação judicial em virtude de ter considerado que as publicações, nas quais a Impugnante participou, podem ser consideradas obras de carácter artístico ou literário e, nesta medida, encontram-se abrangidas pelo benefício fiscal constante do n.º 1 do artigo 58.º do EBF.
III - O escopo do benefício fiscal previsto no n.º 1 do artigo 58.º do EBF é a de incentivar a criação artística ou literária, por forma a melhorar o nível de desenvolvimento cultural do país, cfr. F. Pinto Fernandes e J. Cardoso Dos Santos, EBF Anotado, Rei dos Livros, pág. 231, através da protecção e incentivo de criações intelectuais no domínio literário, artístico e científico.
IV - A “obra” que se visa tutelar é, portanto, o resultado da criação do espírito humano e, como criação que se exige que seja, tem de se consubstanciar em algo novo, até então inexistente, sendo possível excluir da protecção jurídica tudo aquilo que não preencher os pressupostos sobre os quais o legislador erigiu aquela figura.
V - E tais pressupostos são, desde logo, a criatividade e a individualidade, como marca pessoal do autor directamente conexionada com a criação de algo novo, bem como o mérito, o qual, apesar de aparentemente excluído da construção da figura, face à letra da lei do n.º 1 do artigo 2.º do CDADC, sempre terá se subsistir ligado à necessidade de originalidade e exigência de que a obra não se pode consubstanciar em algo absolutamente banal ou corriqueiro
VI - Efectivamente, em face da multiplicidade e diversidade extraordinária que pode assumir a expressão literária e artística, a Lei vai no sentido de afastar do benefício fiscal todos os rendimentos provenientes da propriedade intelectual em que não esteja presente, de forma significativa, a “criação de objectos tendo em vista a experiência estética”, no dizer de C.W. Golsshalk”, cfr. parecer n.º 66/02, elaborado pelo Centro de Estudos Fiscais, a fls. 42 a 60 do PAT apenso.
VII - Nesta conformidade, para aferir da aplicabilidade ou não do benefício previsto no artigo 58.º do EBF deve privilegiar-se um critério objectivo: serão consideradas como obras literárias as que, prima facie, se apresentem como tal (criadas e apreciadas como arte, como actividade e produção estética, ou seja, que não sirvam outra finalidade, pelo menos de modo dominante, como será o caso do romance, poesia, peça de teatro, privilegiando-se, pois, o valor facial da obra, cfr. acórdão do STA de 28-11-2012, proc. n.º 0649/12.
VIII - Tomando como base tal entendimento jurisprudencial, constatamos, através das publicações elaboradas pela Impugnante que apenas se pretende, de alguma forma, ajudar os visitantes a contextualizar e a compreender a actividade museológica, o seu percurso e as ideias subjacentes e a conceptualização dos mesmos.
IX - Concretamente, encontramo-nos perante publicações dirigidas a diferentes grupos etários infanto-juvenis, desenvolvidas no quadro do projecto “museu, espelho meu”, da responsabilidade do Alto Comissariado para a Imigração e Diálogo Intercultural, em parceria com o Instituto dos Museus, destinadas a relatar e transmitir as informações já existentes acerca da actividade museológica, tendo assumido um carácter marcadamente lúdico ou utilitário, por serem destinadas a crianças com idades compreendidas entre os 3 e os 10 anos.
X - Tal compêndio não foi criado nem apreciado como arte, na medida em que não exprime ideias ou sentimentos humanos, não abarcam questões científicas, filosóficas ou, em geral, doutrinárias, nem tampouco possui o carácter de “criação de objectos tendo em vista a experiência estética”, no dizer de C.W. Golsshalk”, cfr. parecer n.º 66/02, elaborado pelo Centro de Estudos Fiscais, a fls. 42 a 60 do PAT apenso.
XI - Contrariamente ao que postulou o Douto Tribunal a quo, devemos considerar que o compêndio elaborado pela Impugnante se encontra perfeitamente afastado do conceito de obra literária ou artística, não lhe sendo aplicável o benefício fiscal constante do artigo 58.º do EBF.
XII - In casum, também não ficou demonstrado quanto ao ato tributário impugnado, a existência de qualquer erro imputável aos serviços, como exige a norma contido no n.º 1 do artigo 43.º da LGT, consequentemente, é de concluir não assistir à Impugnante o direito a juros indemnizatórios, com base na citada disposição legal.
XIII - O Douto Tribunal a quo, ao decidir como efectivamente o fez, com base numa errada interpretação do conceito de “obra literária ou artística”, estribou o seu entendimento numa inadequada valoração da matéria de Direito relevante para a boa decisão da causa, tendo violado o disposto nas supra mencionadas disposições legais.
Termos em que, com o Douto suprimento de Vossas Excelências, deve o presente Recurso ser provido e, em consequência, ser revogada a Sentença ora recorrida e substituída por Acórdão que julgue os presentes autos totalmente improcedentes, com as demais e devidas consequências legais, assim se fazendo a costumada JUSTIÇA!

Não foram produzidas contra-alegações.

Neste Supremo Tribunal, o Exmo. Procurador-Geral Adjunto pronunciou-se no sentido da improcedência do recurso, no parecer seguinte:

“FAZENDA PÚBLICA, inconformada com a sentença recorrida proferida no T.A.F. de Sintra, a qual anulou ato de liquidação relativo ao IRS de 2009 de A……… e respetivos juros compensatórios, condenando a F. P. ao pagamento de juros indemnizatórios, e fixando o valor de € 2074,00 (fls. 144), vem interpor recurso com conclusões (fls. 160 a 161), das quais resulta para apreciação as seguintes questões:
- se, estando as publicações em causa afastadas do conceito de “obra literária ou artística”, não é de aplicar o benefício fiscal constante do art. 58.º do E.B.F.;
- se, não tendo ficado demonstrado “erro imputável aos serviços”, como exige a norma do n.º 1 do art. 43.º do E.B.F., não são de atribuir juros indemnizatórios.
I
Do conceito de obra literária ou artística e da aplicação do art. 58.º n.º 1 do E.B.F..
Da matéria de facto consta que a impugnante foi coordenadora e “autora” de publicações no âmbito de um projeto “Museu, espelho meu”, no âmbito do Alto Comissariado para a Imigração e Diálogo Intercultural, I. P., em parceria com o Instituto dos Museus e da Conservação, I. P., sendo as mesmas destinadas para servir de instrumento de interpretação de diferentes objetos museológicos e a crianças.
E, para tal, teve de efetuar um trabalho de pesquisa, demonstrando-se reunir itinerários em diversos museus nacionais, bem como obteve a colaboração de terceiros no aspeto gráfico.
Por tal recebeu a quantia de €15400, paga pela sociedade B………… (...) Lda..
Ora, está em causa a aplicação do art 58º n.º 1 do E.B.F. quanto a benefício fiscal em sede de IRS (50% dos dito valor auferido), o que na previsão legal resulta quanto a “propriedade intelectual”, conceito que não é desprovido de dificuldades.
Em primeiro lugar, ter-se-á querido abranger os rendimentos de “obras de caráter literário, artístico e científico”, o que, nas palavras de RUI DUARTE MORAIS (Sobre o IRS, 3ª ed. Almedina, pág. 78.), está regulado pelo Código do Direito de Autor e Direitos Conexos.
Afirma o dito autor que “classicamente, obras protegidas, seriam criações do espírito humano nos domínios literário, artístico e científico. Hoje avultam, em termos de importância económica, outras criações — cuja proteção se procura lograr dentro dos quadros do direito de autor”.
No caso, as ditas publicações são relativas a vários museus e têm o interesse cultural que subjaz à dita norma e porque destinadas a crianças e jovens.
É válido supor serem “obras de divulgação pedagógica” previstas ainda no dito art. 58.º n.º 1, assim se afastando das participações em comentários televisivos, bem como em crónicas em jornal (Acórdãos de 28-11-2012, proc. 0649/12 e de 8-10-2014, proc. 0957/13).
Por outro lado, as ditas publicações não se enquadram nas obras publicitárias previstas ainda no n.º 2 do dito art. 58.º, o qual serve para delimitar o previsto no anterior n.º 1.
E à aplicação do dito conceito não obsta a utilização da dita por terceiros, sendo de presumir o mesmo, nos termos do art. 14. n.º 3 do dito Código de Direitos de Autor e Direitos Conexos, pois não consta que os respetivos rendimentos tenham sido auferidos ao abrigo de contrato de prestação de serviços, o que já serviu para afastar a aplicação do dito benefício fiscal (Acórdão do S.T.A. de 1-10-2014, proc. 01709/13.)
II
Da demonstração do “erro imputável aos serviços”, como exige a norma do n.º 1 do art. 43.º da L.G.T. e da atribuição de juros indemnizatórios.
Não há dúvidas que ocorre “erro imputável aos serviços” no caso de existir erro de direito, incluindo sobre os pressupostos, conforme é jurisprudência consolidada do S.T.A. (Acórdão de 17-5-2006, proc. n.º 016/06, a que se seguiram muitos outros).
Assim, são de atribuir juros indemnizatórios como forma de indemnizar o contribuinte por prejuízos provocados causados, conforme previsto no dito art. 43.º.
Aliás, no art. 100.º da L.G.T. prevê-se ter a A.T. de reconstituir, de imediato e plenamente, a situação hipotética de legalidade.
Concluindo:
O recurso é de improceder, sendo de confirmar o decidido.”

*

Os autos vêm à conferência corridos os vistos legais.

*

2. FUNDAMENTAÇÃO:

2.1. - Dos Factos:

Na decisão recorrida foi fixado o seguinte probatório reputado relevante para a decisão:

a) No ano de 2009, a Impugnante A……….., constava do Sistema de Gestão e Registo de Contribuintes da AT como estando enquadrada no regime simplificado de IRS, para efeitos de tributação dos seus rendimentos profissionais decorrentes de actividades relativas a “Outros Prestadores de Serviços” – Cfr. documento de fls. 95 a 97 do processo administrativo tributário, apenso;

b) A Impugnante participou no projecto “Museu, espelho meu” da responsabilidade do Alto Comissariado para a Imigração e Diálogo Intercultural, I.P., em parceria com o Instituto dos Museus e da Conservação, I.P. – Cfr. documentos de fls. 9 a 14 do procedimento de reclamação graciosa e a fls. 3 do procedimento de recurso hierárquico, ambos juntos ao processo administrativo tributário apenso aos autos e depoimento da testemunha C…………;

c) A Impugnante foi a coordenadora científica e a autora das publicações desenvolvidas no âmbito do projecto identificado na alínea anterior – Cfr. idem;

d) As publicações referidas na alínea antecedente foram criadas para servir de instrumentos de interpretação de diferentes objectos museológicos, com informações diferentes daquelas que já existiam nos museus e o objectivo de mostrar a importância dos referidos objectos como referências culturais e interculturais – Cfr. depoimento da testemunha C…………;

e) Para elaborar as referidas publicações a Impugnante realizou um trabalho de pesquisa sobre os objectos museológicos escolhidos, por forma a efectuar a relação entre os mesmos e a mensagem que eles podiam transmitir na vertente intercultural - Cfr. depoimento da testemunha C……..
f) As publicações em questão foram elaboradas para crianças, com idades entre os 3 e os 10 anos, e para os adultos que, em contexto familiar ou escolar, visitam os museus com as referidas crianças, com um cuidado do ponto de vista gráfico para as publicações serem atractivas – Cfr. documentos de fls. 9 a 14 do procedimento de reclamação graciosa e a fls. 3 do procedimento de recurso hierárquico, ambos juntos ao processo administrativo tributário apenso aos autos e depoimento da testemunha C…………
g) Durante o ano de 2009, em data que não é possível precisar, a sociedade “B……….., Unipessoal, Lda.”, com o número de identificação fiscal ………., pagou à Impugnante a quantia de € 15.400,00, tendo retido o valor de € 2.310,00, a título de retenção na fonte de IRS, pela autoria e coordenação científica das publicações identificadas nas alíneas precedentes – Cfr. documentos a fls. 69 a 72, 75 a 78, 83 a 86, 90 a 93, e a fls. 3 do procedimento de recurso hierárquico junto no processo administrativo tributário, apenso;
h) No dia 28 de maio de 2010, a Impugnante apresentou, via internet, a sua declaração anual de rendimentos, para efeitos de IRS, relativa ao ano de 2009, na qual declarou, nomeadamente, ter recebido rendimentos profissionais, comerciais e industriais sujeitos a retenção, no valor total de € 19.100,00, e “rendimentos da propriedade intelectual isentos parcialmente – Art.º 58.º do EBF”, no valor de € 9.550,00 - Cfr. documento a fls. 69 a 72 do processo administrativo tributário, apenso;

i) No dia 5 de Junho de 2010, a AT emitiu a liquidação n.º 2010 5003465186 relativa ao IRS de 2009 da Impugnante, da qual resultou um valor a reembolsar de € 2.140,30 – Cfr. documento a fls. 74 do processo administrativo tributário, apenso;

j) No dia 18 de Junho de 2010, a Impugnante foi reembolsada do valor de € 2.140,30, através da nota de reembolso n.º 2010 2083933 – Cfr. documento a fls. 73 do processo administrativo tributário apenso;

k) Na sequência de um procedimento de acção inspectiva, a AT elaborou, no dia 10 de Janeiro de 2011, uma declaração anual de rendimentos oficiosa, na qual se declarou que a Impugnante recebeu rendimentos profissionais, comerciais e industriais sujeitos a retenção, no valor total de € 19.100,00, e não se declarou que a Impugnante recebeu “rendimentos da propriedade intelectual isentos parcialmente – Art.º 58.º do EBF” – Cfr. documento a fls. 75 a 78 do processo administrativo tributário, apenso;

l) No dia 18 de Janeiro de 2011, a AT emitiu a liquidação n.º 2011 5000018892 relativa ao IRS de 2009 da Impugnante, da qual resultou um valor de imposto a pagar de € 70,57 – Cfr. documento a fls. 80 do processo administrativo tributário apenso;

m) Foram ainda emitidas pela AT as liquidações de juros compensatórios n.os 2011 8104 e 2011 8103, nos valores de € 1,75 e de € 48,55, respectivamente – Cfr. documento a fls. 79 e 80 do processo administrativo tributário apenso;

n) No dia 20 de Janeiro de 2011, foi emitida à Impugnante a nota de cobrança n.º 2011 52115, da qual, atendendo ao valor antes reembolsado e às liquidações de IRS e de juros compensatórios antes referidas, resultou um valor a pagar de € 2.261,17 – Cfr. documento a fls. 79 do processo administrativo tributário apenso;

o) No dia 11 de Fevereiro de 2011, a Impugnante apresentou reclamação graciosa da liquidação n.º 2011 500018892 – Cfr. fls. 2 do procedimento de reclamação graciosa, apenso;
p) No dia 31 de Março de 2011 foi instaurado o processo de execução fiscal n.º 1562201101021150, para cobrança de um valor de total em dívida de € 2.261,17 relativo a IRS de 2009 e respectivos juros compensatórios – Cfr. documento a fls. 103 do processo administrativo tributário apenso;
q) No dia 9 de Maio de 2011, foi proferido despacho pelo Chefe do serviço de finanças de Sintra 1, convertendo em definitivo o projecto de decisão de deferimento parcial, com os seguintes fundamentos:
“A reclamante foi notificada pelo ofício 2139 de 2011.02.25 a fim de no prazo de 10 dias juntar aos autos os documentos comprovativos do alegado, designadamente da natureza dos rendimentos de trabalho independente.
Em 2011.03.29, vem a reclamante juntar cópias das publicações que deram origem aos rendimentos em causa, os quais são juntos aos autos a folhas 9 a 17.
Através da análise dos documentos apresentados, verifica-se que a reclamante consta como autora de publicações emitidas pela Fundação do ……….., datadas de 2009.
Dos rendimentos declarados, € 3.000,00 foram pagos por esta Fundação.
Verifica-se ainda que a reclamante consta como coordenadora científica e autora de publicações emitidas pelo Alto Comissariado para a Imigração, datadas de 2008.
Dos rendimentos declarados, não consta qualquer valor pago em 2009 por esta entidade.
Relativamente aos rendimentos pagos pela B…………… Unipessoal, Lda. no valor de € 15.000,00, a reclamante não apresenta qualquer comprovativo de que estes respeitem a direitos de autor.
(…)
Pelo exposto julgo ser de deferir parcialmente a presente petição, procedendo-se à emissão de liquidação correctiva que contemple a o benefício fiscal previsto no artº 58º do EBF quanto aos rendimentos pagos pela Fundação referida, e tributando os restantes pelo regime geral.” - Cfr. documentos de fls. 18 a 24 do procedimento de reclamação graciosa junto no processo administrativo tributário apenso;

r) No dia 13 de Maio de 2011, a Impugnante foi notificada do despacho de deferimento parcial da reclamação graciosa identificado na alínea anterior – Cfr. documentos de fls. 25 a 26 do procedimento de reclamação graciosa junto no processo administrativo tributário apenso;
s) Com data de dia 5 de Maio de 2011, a sociedade “B………….., Lda.” emitiu declaração, na qual se pode ler, nomeadamente, o seguinte: “Declara-se que A…………, contribuinte nº…………., prestou o serviço de coordenação científica e autoria numa parceria de trabalho em que a ilustração e arranjo gráfico foi elaborado pela B……………, Unipessoal, Lda., contribuinte nº………, das seguintes publicações:
- A…….. (Coordenação cientifica e autoria), ………..(Design gráfico), ………… (Ilustrações), Museu, espelho meu. Guia a partir dos 6 anos, Lisboa, Edição do ….., I.P., Novembro 2008, 56 págs. (Esta publicação reúne Itinerários nos seguintes museus participantes no Projecto «Museu, espelho meu»: Casa-Museu Dr………..; Museu Nacional de Arte Antiga; Museu Nacional do Teatro; Museu Nacional do Traje).
- A…….. (Coordenação científica e autoria), …….. (Design gráfico), ………. (Ilustrações), Museu, espelho meu. Guia a partir dos 10 anos, Lisboa, Edição do……., I.P., Novembro 2008, 64 págs (Esta publicação reúne Itinerários nos seguintes museus participantes no Projecto «Museu, espelho meu»: Casa-Museu Dr………..; Museu Nacional de Arte Antiga; Museu Nacional do Teatro; Museu Nacional do Traje).
- A………. (Coordenação científica e autoria), ……… (Design gráfico), ……….. (Ilustrações), Museu, espelho meu. Guia a partir dos 3 anos, Lisboa, Edição do ……., I.P., Dezembro 2008, 28 págs. (Esta publicação reúne Itinerários nos seguintes museus participantes no Projecto «Museu, espelho meu»: Museu Municipal de Faro e Museu de Portimão).
- A……. (Coordenação científica e autoria), ……….. (Design gráfico), …………. (Ilustrações), Museu, espelho meu. Guia a partir dos 6 anos, Lisboa, Edição do ………, I.P., Dezembro 2008, 32 págs. (Esta publicação reúne Itinerários nos seguintes museus participantes no Projecto «Museu, espelho meu»: Museu Municipal de Faro e Museu de Portimão).
- A……. (Coordenação científica e autoria), ……… (Design gráfico), …….. (Ilustrações), Museu, espelho meu. Guia a partir dos 10 anos, Lisboa, Edição do …….., I.P., Dezembro 2008, 36 págs. (Esta publicação reúne Itinerários nos seguintes museus participantes no Projecto «Museu, espelho meu»: Museu Municipal de Faro e Museu de Portimão).
- A…….. (Coordenação científica e autoria), ………. (Design gráfico), …….. (Ilustrações), Museu, espelho meu. Guia a partir dos 3 anos, Lisboa, Edição do……, I.P., Dezembro 2008, 40 págs. (Esta publicação reúne Itinerários nos seguintes museus participantes no Projecto «Museu, espelho meu»: Casa-Museu …………; Museu Nacional ………….; Museu do Papel Moeda da Fundação Dr. ………).
- A………. (Coordenação científica e autoria), ……… (Design gráfico), ……… (Ilustrações), Museu, espelho meu. Guia a partir dos 6 anos, Lisboa, Edição do …….., I.P., Dezembro 2008, 44 págs. (Esta publicação reúne Itinerários nos seguintes museus participantes no Projecto «Museu, espelho meu»: Casa-Museu ………….; Museu Nacional ………; Museu do Papel Moeda da Fundação Dr. ………..).
- A…….. (Coordenação científica e autoria), ……….. (Design gráfico), ……….. (Ilustrações), Museu, espelho meu. Guia a partir dos 10 anos, Lisboa, Edição do………., I.P., Dezembro 2008, 52 págs. (Esta publicação reúne Itinerários nos seguintes museus participantes no Projecto «Museu, espelho meu»: Casa-Museu ………..; Museu Nacional ………..; Museu do Papel Moeda da Fundação Dr. ………..).
Mais se declara que pelo referido trabalho foi paga a importância de € 15.400,00 como uma retenção na fonte de € 2.310,00, de que existe o recibo 01 20687.
As publicações destinavam-se ao cliente ……...»
- Cfr. documento a fls. 3 do procedimento de recurso hierárquico junto no processo administrativo tributário apenso;

t) No dia 30 de Maio de 2011, foi parcialmente anulada a dívida em cobrança no processo de execução fiscal n.º 1562201101021150, em € 371,53 – Cfr. documento a fls. 104 do processo administrativo tributário apenso;
u) No dia 2 de Junho de 2011, a Impugnante apresentou recurso hierárquico da decisão proferida no procedimento de reclamação graciosa n.º 1562201104000587 – Cfr. documento a fls. 2 do procedimento de recurso hierárquico junto no processo administrativo tributário apenso;
v) No dia 23 de Janeiro de 2012, foi proferido, por subdelegação de competências, despacho pela Directora de Serviços da Direcção de Serviços de IRS, convertendo em definitivo o projecto de despacho de indeferimento do recurso hierárquico, com os seguintes fundamentos:
«(…)
2. Dispõe o EBF quanto aos rendimentos provenientes da propriedade literária, artística e científica, que quando auferidos pelos seus autores originários, residentes em Portugal, apenas serão considerados em 50% do seu valor; no entanto, se as obras escritas não assumirem carácter literário, artístico ou científico, dispõe o n.º 2 do art.º 58º EBF, ser de afastar tal benefício.
3. No caso concreto, não se questiona a intervenção da recorrente enquanto coordenadora científica e autora das publicações em questão.
Concretamente, encontramo-nos perante 3 publicações dirigidas a diferentes grupos etários infanto-juvenis, desenvolvidas no quadro do projecto “museu, espelho meu” da responsabilidade do ……, I.P. (Alto Comissariado para a Imigração e Diálogo Intercultural), em parceria com o Instituto dos Museus; por outro lado, o trabalho desenvolvido pela expoente foi realizado em parceria com a B………., Ld.ª, a quem coube a ilustração e o arranjo gráfico, constando da declaração agora junta aos autos que “A……… ….prestou o serviço de coordenação científica e autoria numa parceria de trabalho… pelo referido trabalho foi paga a importância….”
4. Partindo da análise do Código do Direito de Autor e dos Direitos Conexos (CDADC), pode entender-se o direito de autor enquanto criação intelectual, por qualquer forma exteriorizada constituindo expressão da personalidade do autor; daí que, da criação/obra resultem direitos patrimoniais e morais, em benefício do criador/autor.
5. Considerando o expresso relativamente ao trabalho realizado pela contribuinte, parece que o mesmo se configura como uma criação intelectual, individualizada, podendo eventualmente beneficiar, da proteção legal concedida enquanto obra/criação, i.e., pelo direito de autor.
6. Mas, se o direito de autor justifica-se pela tutela da criação literária e artística, fazendo-se tal pela outorga de um exclusivo em que passa a ficar reservada a exploração económica da obra para o seu titular, então poderá suscitar-se, no presente caso, algumas dúvidas sobre quem é o titular efetivo ao qual foi reservada a exploração económica da obra.
7. Por outro lado, atendendo ao parecer nº 66/02 emitido pelo CEF, relativamente à matéria que ora se encontra em ponderação, foi defendido que “…obras literárias serão aquelas que exprimem artisticamente ideias e sentimentos humanos, concretizadas em diversos géneros…”, sendo de não considerar como tais, as obras que assumam “…funcionalidade meramente lúdica e marcadamente utilitária…”, sem que tal signifique retirar a caraterização de uma criação intelectual, já que ambas as realidades podem coexistir, conforme parece ser o caso concreto.
8. Assim, considerando o exposto supra, bem como o nº 2 do artº 58º do EBF, que execiona do nº 1, as obras escritas sem caráter literário, artístico ou científico, parece que no caso das publicações em questão, dificilmente se pode entender, com base nos diversos elementos constantes dos autos, constituírem uma criação intelectual, de caráter marcadamente literário ou científico, onde seja patente a presença estética.
9. Acresce ainda, a dúvida já expressa no final do ponto 6 supra, pelo que embora se comprove que a B………., Ldª pagou o trabalho realizado pela contribuinte e que tal seja um trabalho de natureza intelectual/original, não se deduz que estes rendimentos respeitem a direitos de autor.
(…)»
Cfr. documentos de fls. 16 a 29 do procedimento de recurso hierárquico junto no processo administrativo tributário apenso;

w) No dia 20 de Fevereiro de 2012, a Divisão de Justiça Administrativa da Direcção de Finanças de Lisboa remeteu à Impugnante, através de correio registado com aviso de recepção, o ofício n.º 015504, de 20 de Fevereiro de 2012, através do qual se dava conhecimento de que “o Recurso Hierárquico supra referido mereceu despacho da Exma. Sra. Directora de Serviços da DSIRS, em, 23/01/2012, no uso de competências delegadas, negando provimento, conforme fundamentação que se junta” – Cfr. documentos a fls. 31 e 33 do procedimento de recurso hierárquico junto no processo administrativo tributário apenso;
x) No dia 22 de Fevereiro de 2012, a Impugnante recebeu o ofício identificado na alínea anterior – Cfr. documento a fls. 32 do procedimento de recurso hierárquico junto no processo administrativo tributário apenso;
y) No dia 3 de Maio de 2012, foram pagas as quantias em cobrança no processo de execução fiscal n.º 1562201101021150, nos valores de € 1.889,64 e de € 144,48 – Cfr. documento a fls. 105 do processo administrativo e tributário, apenso;
z) No mesmo dia 3 de Maio de 2012, o processo de execução fiscal n.º 1562201101021150 foi extinto por pagamento e anulação – Cfr. documento a fls. 105 do processo administrativo e tributário;
aa) No dia 22 de maio de 2012, a Impugnante apresentou, através de correio electrónico dirigido ao Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra, a presente impugnação – Cfr. documento a fls. 24 dos autos.
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Com interesse para a decisão da causa, julga-se como não provado o facto de as publicações dos projectos realizados para a Fundação ………… e para o Alto Comissariado para a Imigração e Diálogo Intercultural, I.P. terem características similares.
No que se refere aos pagamentos efectuados no processo de execução fiscal n.º 1562201101021150, o Tribunal apenas deu como provado o pagamento das quantias de € 1.889,64 e de € 144,48, no total de € 2.034,12, e não da quantia alegada pela Impugnante, no valor de € 2.074,00.
Isto porque, do documento n.º 5 junto à petição inicial, resulta que é efectuada uma transferência, no dia 3 de Maio de 2012, naquele valor, mas para uma referência multibanco que foi manuscritamente colocada na cópia da citação da Impugnante do processo de execução fiscal n.º 1562201101021150, e que não corresponde à referência ou ao montante que consta da mesma. Acresce que, na sua contestação, o Representante da Fazenda Pública admite que a Impugnante pagou apenas um valor de € 1.899,64.
Atendendo aos elementos constantes no processo administrativo tributário apenso aos autos, foi dado como provado que apenas foram pagas as quantias de € 1.889,64 e de € 144,48, no total de € 2.034,12.
*
No que se refere aos factos provados referidos nas alíneas b), c), d), e) e f) dos factos provados, o Tribunal formou a sua convicção sobre a sua efectiva ocorrência, atendendo ao depoimento da testemunha C…………….., técnica superior do Ministério da Educação, actualmente reformada, que confirmou, de forma clara, congruente e isenta de contradições, essa factualidade, tendo demonstrado conhecimento directo dos factos sobre os quais prestou depoimento e convencendo o Tribunal da sua veracidade.
A testemunha C………….. foi convidada para coordenar a feitura das publicações em causa e foi quem convidou a Impugnante para participar no projecto “Museu, espelho meu” que deu origem aos rendimentos cuja qualificação, em sede de IRS, estão a ser objecto de litígio nos presentes autos, tendo acompanhado o referido projecto.
*

2.2.- Motivação de Direito

O objecto do recurso jurisdicional é delimitado pelas conclusões extraídas da motivação, pelo recorrente, não podendo o tribunal de recurso conhecer de matéria que nelas não tiver sido versada, ressalvados os casos do seu conhecimento oficioso, de harmonia com as disposições conjugadas dos artigos, 282.º, nºs. 5 a 7, do CPPT, 5º, 608º nº 2, 635º nºs 4 e 5 e 640.º, estes últimos do CPC de 2013, aqui aplicável ex vi dos artigos 1º e 140º do CPTA e artigo 2.º, al. e), do CPPT, atentas as datas da prolação da sentença em crise e da apresentação do recurso jurisdicional.
No caso, em face dos termos em que foram enunciadas as conclusões de recurso pelo recorrente, a questão que cumpre decidir subsume-se a saber se a decisão vertida na sentença a qual julgou procedente a impugnação, padece de erro de julgamento por se ter baseado numa errada interpretação do conceito de “obra literária ou artística”, não lhe sendo aplicável o benefício fiscal constante do artigo 58.º do EBF, assim como não tendo ficado demonstrado quanto ao acto tributário impugnado, a existência de qualquer erro imputável aos serviços, como exige a norma contida no n.º 1 do artigo 43.º da LGT, não são devidos quaisquer juros indemnizatórios.

Examinemos.

Sobre o conceito de "obra literária ou artística" para efeitos do art. 58.º n.º 1 do E.B.F..

Nos termos do art. 58.º do EBF, n.ºs 1 e 2:

«1- Os rendimentos provenientes da propriedade literária, artística e científica, considerando-se também como tal os rendimentos provenientes da alienação de obras de arte de exemplar único e os rendimentos provenientes das obras de divulgação pedagógica e científica, quando auferidos por autores residentes em território português, desde que sejam o titular originário, são considerados no englobamento para efeitos de IRS apenas por 50% do seu valor, líquido de outros benefícios.
2- Excluem-se do disposto no número anterior os rendimentos provenientes de obras escritas sem carácter literário, artístico ou científico, obras de arquitectura e obras publicitárias».
Decorre cristalino do preceito transcrito que os rendimentos provenientes das obras escritas com carácter literário, desde que verificadas as demais condições aí referidas, beneficiam da redução de 50% para efeito de englobamento e incidência do IRS.
Como explicitam F. Pinto Fernandes e J. Cardoso dos Santos, in EBF Anotado, Rei dos Livros, pág. 231, a finalidade daquele benefício fiscal é a de incentivar a criação artística ou literária, por forma a melhorar o nível de desenvolvimento cultural do país.
Em sintonia se manifestou a jurisprudência do Tribunal Constitucional no acórdão com o n.º 1057/96, de 16 de Outubro de 1996, proferido no processo com o n.º 347/91, publicado no Diário da República, 2.ª série, n.º 272, de 23 de Novembro de 1996 (http://dre.pt/pdfgratis2s/1996/11/2S272A0000S00.pdf), págs. 16.408 a 16.413, também disponível em http://www.tribunalconstitucional.pt/tc//tc/acordaos/19961057.html.), finalidade esta de relevo e de interesse público e que apenas pode ser realizado pelas obras reconhecidas como integrando a qualificação de obras literárias. Daí que o legislador, expressamente, tenha excluído do âmbito do benefício fiscal as obras sem carácter literário.
Daí, pois, que seja à roda da distinção entre obra de carácter literário e obra sem carácter literário, com a deducional distinção no tratamento dado aos rendimentos provenientes de uma e outra, que se obtenção a destino do presente recurso.
Na peugada dos Acórdãos deste STA de 28.11.2012, Proc. nº 0649/12, de 8.10.2014, Proc. Nº 0957/13, e de 1.10.2014, Proc. Nº0170/13, diremos que a distinção entre obra com carácter literário e obra sem carácter literário não é tarefa simples, mas uma resposta possível pode ser encontrada na História da Literatura Portuguesa, pág. 7, dos autores António José Saraiva e Óscar Lopes segundo os quais «Uma obra pode considerar-se literária na medida em que, além do pensamento lógico, discursivo, abstractamente conceptual, adequado a problemas científicos, filosóficos e, em geral, doutrinários, estimular também os impulsos mais afectivos e menos conscientes, os hábitos ou valores enraizados através do aprendizado, decisivamente formativo, da língua materna e de uma dada vida social».
Como se enfatiza no primeiro dos arestos deste Tribunal acima citados “Em face das consabidas dificuldades de distinção entre obra de carácter literário e obra sem esse carácter, em ordem a aferir da aplicabilidade ou não do benefício previsto no art. 56.º (hoje, 58.º) do EBF deve privilegiar-se um critério objectivo: serão consideradas como obras literárias as que, prima facie, se apresentem como tal (criadas e apreciadas como arte, como actividade e produção estética, ou seja, que não sirvam outra finalidade, pelo menos de modo dominante, como será o caso do romance, poesia, peça de teatro, etc., tudo como salientou a Fazenda Pública), privilegiando-se, pois, o valor facial da obra.
Só assim se evitará a difícil tarefa de avaliação do mérito, se bem que admitimos, no entanto, que em casos contados, essa distinção não possa prescindir duma avaliação do mérito da obra, sob pena de sermos conduzidos a resultados indesejados e indesejáveis.”
No caso sub judice, em sede factual está assente que a impugnante foi coordenadora e “autora” de publicações no âmbito de um projecto “Museu, espelho meu”, no âmbito do Alto Comissariado para a Imigração e Diálogo Intercultural, I. P., em parceria com o Instituto dos Museus e da Conservação, I. P., sendo as mesmas destinadas para servir de instrumento de interpretação de diferentes objectos museológicos e a crianças.
Mais patenteia o probatório que, para tanto, teve de efectuar um trabalho de pesquisa, demonstrando-se reunir itinerários em diversos museus nacionais, bem como obteve a colaboração de terceiros no aspecto gráfico.
E ainda se provou que nesse âmbito recebeu a quantia de €15400, paga pela sociedade B…………. (...) Lda..
Sendo, como vimos, o conceito de “propriedade intelectual” repleto de dificuldades, como bem acentua a EPGA, ter-se-á querido abranger os rendimentos de “obras de carácter literário, artístico e científico”, o que, nas palavras de Rui Duarte Morais in “Sobre o IRS, 3ª ed. Almedina, pág. 78”, está regulado pelo Código do Direito de Autor e Direitos Conexos, sendo que, nas palavras desse doutrinador, “classicamente, obras protegidas, seriam criações do espírito humano nos domínios literário, artístico e científico. Hoje avultam, em termos de importância económica, outras criações — cuja proteção se procura lograr dentro dos quadros do direito de autor”.
Ora, na linha do raciocínio expresso pela EPGA, no caso, “as ditas publicações são relativas a vários museus e têm o interesse cultural que subjaz à dita norma e porque destinadas a crianças e jovens.
É válido supor serem “obras de divulgação pedagógica” previstas ainda no dito art. 58.º n.º 1, assim se afastando das participações em comentários televisivos, bem como em crónicas em jornal,” isso na esteira dos citados acórdãos deste tribunal de 28-11-2012, proc. 0649/12 e de 8-10-2014, proc. 0957/13.
Sobre toda esta matéria é lapidar, pela riqueza das citações doutrinais e jurisprudenciais e pela análise minuciosa do quadro legal aplicável – e que deve adaptar-se ao caso concreto nas actuais versões – o Acórdão deste STA de 08-10-2014, no Processo nº0957/13, disponível em www.dgsi.pt de cujo discurso fundamentador se excerta o seguinte bloco:
“4. Quanto ao mais, releva o quadro legal seguinte:
4.1. No nº 1 do art. 3° do CIRS, dispunha-se (redacção à data dos factos):
«1 - Consideram-se rendimentos do trabalho independente:
a) Os auferidos, por conta própria, no exercício de actividades de carácter científico, artístico ou técnico;
b) Os provenientes da propriedade intelectual ou industrial ou da prestação de informações respeitantes a uma experiência adquirida no sector industrial, comercial ou científico, quando auferidos pelo seu titular originário.
2 - Para efeitos do disposto na alínea a) do número anterior, só se consideram de carácter científico, artístico ou técnico as actividades desenvolvidas no âmbito das profissões constantes de lista anexa ao Código.
3 - Para efeitos deste imposto, consideram-se como provenientes da propriedade intelectual os direitos de autor e direitos conexos.
(…)»
Normativo este a que o DL nº 198/2001, de 3/7, introduziu (na sequência da autorização legislativa constante do art. 17º da Lei nº 30-G/2000, de 29/12) nova redacção, passando, então, a dispor-se o seguinte:
«1 - Consideram-se rendimentos empresariais e profissionais:
a) Os decorrentes do exercício de qualquer actividade comercial, industrial, agrícola, silvícola ou pecuária;
b) Os auferidos no exercício, por conta própria, de qualquer actividade de prestação de serviços, ainda que conexas com qualquer actividade mencionada na alínea anterior;
c) Os provenientes da propriedade intelectual ou industrial ou da prestação de informações respeitantes a uma experiência adquirida no sector industrial, comercial ou científico, quando auferidos pelo seu titular originário.
2 - Consideram-se ainda rendimentos desta categoria:
(…)
5 - Para efeitos deste imposto, consideram-se como provenientes da propriedade intelectual os direitos de autor e direitos conexos.
6 – (…)».
4.2. No então art. 45° do EBF (na redacção da Lei nº 127-B/97, de 20/12) dispunha-se, sob a epígrafe «Propriedade intelectual» que:
«1 - Os rendimentos provenientes da propriedade literária, artística e científica, considerando-se também como tal os rendimentos provenientes da alienação de obras de arte de exemplar único e os rendimentos provenientes de obras de divulgação pedagógica e científica, quando auferidos por autores residentes em território português, desde que sejam o titular originário, serão considerados no englobamento para efeitos de IRS apenas por 50% do seu valor, líquido de outros benefícios.
2 - Excluem-se do disposto no número anterior os rendimentos provenientes de obras escritas sem carácter literário, artístico ou científico, obras de arquitectura e obras publicitárias.»
Este artigo 45º foi posteriormente, na sequência da publicação do citado DL nº 198/2001, de 3/7, renumerado para artigo 56º, mas continuando com a mesma redacção.
4.3. Por sua vez, nos arts. 1º, 2º, 7º, 9° e 14º do Código de Direitos de Autor e de Direitos Conexos (CDADC), dispõe-se:
Artigo 1º - Definição
«1 – Consideram-se obras as criações intelectuais do domínio literário, científico e artístico, por qualquer modo exteriorizadas, que, como tais, são protegidas nos termos deste Código, incluindo-se nessa protecção os direitos dos respectivos autores.
2 – As ideias, os processos, os sistemas, os métodos operacionais, os conceitos, os princípios ou as descobertas não são, por si só e enquanto tais, protegidos nos termos deste Código.
3 – Para os efeitos do disposto neste Código, a obra é independente da sua divulgação, publicação, utilização ou exploração.»
Artigo 2º - Obras originais
«1 – As criações intelectuais do domínio literário, científico e artístico, quaisquer que sejam o género, a forma de expressão, o mérito, o modo de comunicação e o objectivo, compreendem nomeadamente:
a) Livros, folhetos, revistas, jornais e outros escritos;
b) Obras dramáticas e dramático-musicais e a sua encenação;
c) Conferências, lições, alocuções e sermões;
(…)»
Artigo 7º - Exclusão de protecção
«1 – Não constituem objecto de protecção:
a) As notícias do dia e os relatos de acontecimentos diversos com carácter de simples informações de qualquer modo divulgadas;
b) Os requerimentos, alegações, queixas e outros textos apresentados por escrito ou oralmente perante autoridades ou serviços públicos;
c) Os textos propostos e os discursos proferidos perante assembleias ou outros órgãos colegiais, políticos e administrativos, de âmbito nacional, regional ou local, ou em debates públicos sobre assuntos de interesse comum;
d) Os discursos políticos.
(…)»
Artigo 9º - Do conteúdo do direito de autor
«1 - O direito de autor abrange direitos de carácter patrimonial e direitos de natureza pessoal denominados direitos morais.
2 - No exercício dos direitos de carácter patrimonial o autor tem o direito exclusivo de dispor da sua obra e de frui-la e utilizá-la, ou autorizar a sua fruição ou utilização por terceiros total ou parcialmente.
3 - Independentemente dos direitos patrimoniais, e mesmo depois da transmissão ou extinção destes, o autor goza de direitos morais sobre a sua obra, designadamente o direito de reivindicar a respectiva paternidade e assegurar a sua genuinidade e integridade».
Artigo 14º - Determinação da titularidade em casos excepcionais
«1 - Sem prejuízo do disposto no artigo 174º, a titularidade do direito de autor relativo a obra feita por encomenda ou por conta de outrem, quer em cumprimento de dever funcional quer de contrato de trabalho, determina-se de harmonia com o que tiver sido convencionado.
2 - Na falta de convenção, presume-se que a titularidade do direito de autor relativo a obra feita por conta de outrem pertence ao seu criador intelectual».
5.1. Como decorre do disposto na al. b) do nº 1 do transcrito art. 3º do CIRS englobam-se na categoria B os rendimentos provenientes da propriedade intelectual, sendo que o n° 3 dispunha então, inequivocamente, que, para efeitos de tributação em IRS, são rendimentos deste tipo os auferidos a título de direitos de autor e direitos conexos.
Ora, como salienta André Salgado de Matos (Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares (IRS) - Anotado, 1ª edição, 1999, anotação 3 ao art. 3º, p. 97.) - reportando-se, embora, à inicial redacção do art. 3º do CIRS - apesar de parecer que o legislador fiscal pretendeu abstrair de qualquer outra concepção de propriedade intelectual, construindo um conceito específico para efeitos tributários, «a sua preocupação foi desnecessária pois já existe um conceito doutrinal amplo de propriedade intelectual que abrange, para além do direito de autor e direitos conexos, os direitos da propriedade industrial.
O direito de autor abrange direitos de carácter patrimonial e os chamados direitos morais de autor. Para o direito fiscal, só interessam, obviamente, os primeiros. Trata-se de direitos de exclusivo sobre a disposição e fruição e disposição da sua obra, abrangendo a possibilidade de a sua fruição ou utilização serem autorizadas ou cedidas a terceiro (art. 10° DL 63/85, 14/3). O titular do direito de autor é, salvo disposição em contrário, o criador intelectual da obra literária ou artística (art. 12° DL 63/85, 14/3) que, contudo, pode aliená-lo, onerá-lo ou cedê-lo (art. 44º DL 63/85, 14/3). São os rendimentos decorrentes desses actos de disposição pelo titular originário que são tributados nesta categoria.
Os chamados direitos conexos com o direito de autor são os direitos dos intérpretes ou executantes, dos produtores de fonogramas e de videogramas e dos organismos de radiodifusão (art. 181º DL 63/85, 14/3), protegidos em termos menos intensos do que o direito de autor, que podem gerar rendimentos em situações similares às do direito de autor.»
(…)
5.3. No art. 42º da CRP estatui-se que é livre a criação intelectual, artística e científica e esta liberdade compreende o direito à invenção, produção e divulgação da obra científica, literária ou artística, incluindo a protecção legal dos direitos de autor.
Mas como salientam os Profs. Gomes Canotilho e Vital Moreira (Constituição da República Portuguesa Anotada, I Vol., 4ª edição revista., 2007, anotação I ao art. 42º, pp. 620/621.) “A Constituição, embora contenha numerosas remissões sobre «cultura», «direitos culturais», «política cultural», abstém-se de definir a «cultura». A cultura é um conceito aberto, irreconduzível a qualquer definição imposta por instâncias ou instituições políticas ou a qualquer caracterização tipológico-formal. Estamos perante uma criação cultural quando um acto, conduta ou o seu resultado possa ser reconhecido ou ser recognoscível como uma forma possível de criação humana. O ponto de partida para qualquer criação cultural - intelectual, artística ou científica - é sempre: (1) a dimensão de criatividade humana assente (2) na iniciativa humana capaz (3) de dar forma a diferentes meios de expressão e de compreensão da realidade humana e material. (…)
Na criação cultural confere-se centralidade à liberdade de pensamento nas suas várias expressões (liberdade de expressão, comunicação e informação, liberdade de consciência, liberdade de profissão). Na liberdade de criação científica são dominantes os critérios de intersubjectividade da comunidade científica que apontam para uma pesquisa séria da investigação da verdade segundo procedimentos e métodos específicos, possibilitadores de aquisições científicas dotadas de valor objectivo, decisivamente excludentes de «imposturas científicas». (…)
O n° 2, conjugado com o n° 1, torna mais clara a densificação semântica do conceito de «criação intelectual, artística e científica». Ela abrange: (a) o processo de criação ou conformação; (b) a obra, concebida como objectivação da criação cultural; (c) a divulgação, o conhecimento e a comunicação do «produto», da criação cultural na qual se inclui, por ex., o «ensino científico», o «ensino das artes». Estas dimensões justificam a extensão da garantia constitucional, quer à actividade cultural em si («invenção e produção»), quer à irradiação do produto cultural («divulgação»).”
Por sua vez o nº 1 do art. 1303º do CCivil estabelece que «os direitos de autor e a propriedade industrial estão sujeitos a legislação especial», sendo que o anterior Código de Direito de Autor (aprovado pelo DL nº 46.980, de 27/4/1966) foi, posteriormente, revogado pelo DL nº 63/85, de 14/3 que aprovou o actualmente vigente Código do Direito de Autor e dos Direitos Conexos (CDADC) considerando protegidas (cfr. o seu art. 1º) as «criações intelectuais do domínio literário, cientifico e artístico», independentemente do modo de exteriorização, incluindo-se nessa protecção os direitos dos respectivos autores.
Ora, como, citando o Prof. Oliveira Ascensão, (Direitos intelectuais – Propriedade ou exclusivo, Themis, ano IX, nº 15 (2008), pág. 138).) se exara no acórdão do STJ, de 29/11/2012, processo nº 957/03.0TBCBR.C2.S1, «… na ausência de um conteúdo positivo do direito intelectual a doutrina avalizada defende que o direito intelectual, designadamente o que se protege, não é um direito de utilização de bens mas “consiste essencialmente na resultante exclusão de terceiros das actividades relativas a bens intelectuais. É por isso um direito exclusivo e não um direito de propriedade».
Além disso, como supra já se referiu, aceita-se que o direito do autor abrange direitos de carácter patrimonial (disposição, fruição, utilização, reprodução e apresentação ao público) e de natureza pessoal (os denominados direitos morais, no exercício dos quais o autor tem o direito exclusivo, semelhante ao do proprietário, à reivindicação da paternidade e garantia da genuidade e integridade) – cfr. os supra transcritos nºs. 1 e 2 do art. 9º do CDADC, sendo que, esta dupla abrangência ocorre «quer se sigam as concepções monistas que caracterizam o direito de autor como unitário onde coexistem combinados interesses de diferente natureza mas que se aglutinam num só direito e que tomam como matriz o direito de propriedade (cf., neste sentido, Doutor Cunha Gonçalves – “Tratado de Direito Civil”, IV, 27 ss; H. Hubmann – “Das Recht des Schopperischen Geites, cit. pelo Prof. Oliveira Ascensão, in “Direito Autoral”, 317) quer se considere como um conjunto de direitos autónomos prevalecendo, em alguns casos, os direitos patrimoniais e noutros os pessoais ou, até, pessoalíssimos, independentes, mas complementares (cf. Dr. Luís Francisco Rebelo, in “Visita Guiada ao Mundo do Direito de Autor”, 44). E ainda, na linha do Prof. Oliveira Ascensão (ob. cit. 331) e do Dr. Alberto de Sá e Mello (“O Direito Pessoal de Autor no Ordenamento Jurídico Português”, 38, este embora com algumas reservas) a uma concepção pluralista que encontra “não apenas um direito pessoal ou moral ou um direito patrimonial com características que os conservam autónomos, como defendem os dualistas, mas um feixe de direitos pessoais e patrimoniais que se revelariam independentes e com características de comportamento distintas perante as várias vicissitudes sofridas pela situação jurídica a que respeita o direito de autor”.
No que respeita ao chamado direito moral, este “mais não é do que o reconhecimento do carácter eminentemente pessoal da criação literária e artística, com todas as consequências que daí derivam em relação à obra intelectual como reflexo do criador e resultado do seu labor criativo».(Cfr. o supra mencionado aresto do STJ, que, nesta parte, transcreve o acórdão do mesmo STJ, de 1/7/2008, Revista nº 1920/08.)
O Dr. António Maria Pereira (Propriedade literária e artística – Conceito e tipos legislativos, in Revista da Ordem dos Advogados, Ano 40, Vol. II, Maio/Agosto, 1980, pp. 485-501.) sublinha que as «criações do espírito humano» se dividem, para efeitos jurídicos, «em duas grandes categorias: as que têm, sobretudo, uma afectação industrial ou comercial — como é o caso das patentes, dos modelos industriais, das marcas, das tecnologias, etc. e as que são de natureza literária ou artística. As primeiras integram o domínio da propriedade industrial, as segundas são objecto do que se chama a propriedade literária ou artística ou, numa expressão mais moderna, o direito de autor.»
E também ele, enunciando as várias condições para que se verifique a protecção da obra literária ou artística (originalidade, forma de expressão, mérito e destino da obra, conteúdo), conclui que este direito de propriedade literária e/ou artística se decompõe num certo número de direitos parcelares ou prerrogativas cujo exercício permite ao autor explorar a sua obra ou autorizar outras pessoas a fazê-lo, sendo costume considerar, a este respeito, os chamados direitos patrimoniais (que se corporizam na faculdade que assiste ao autor de receber uma remuneração como compensação pelo seu trabalho de criação intelectual, aqui se incluindo de tradução, de reprodução, de representação e execução pública, de radiodifusão (que engloba a televisão), de recitação pública e de adaptação) e o chamado direito moral (o direito de reivindicar a paternidade da obra, opondo-se a qualquer deformação, mutilação ou outra modificação da mesma, ou ainda a qualquer atentado contra ela, prejudicial à sua honra ou à sua reputação).
Portanto, o direito de autor coenvolve direitos exclusivos de carácter patrimonial (disposição, fruição, utilização, reprodução e apresentação ao público com percepção de remuneração) e direitos morais (reivindicação da paternidade e garantia da genuinidade e integridade).
5.4. No plano tributário e com referência à questão de saber o que deve entender-se por rendimentos provenientes da propriedade intelectual, para efeitos do disposto no art. 45º do EBF (que correspondia ao actual art. 56º) o Dr. Nuno Sá Gomes, acentuando que, nos termos do nº 3 do art. 3º do CIRS (na redacção original), «a expressão “propriedade intelectual” corresponde a “direitos de autor e direitos conexos”», também ressalva os direitos morais ou pessoais do autor e sustenta que «…parece deverem ser considerados rendimentos sujeitos a tributação, pela categoria b) do Código do IRS, todas as outras receitas dos próprios autores, pessoas singulares, previstas no respectivo código, incluindo as receitas auferidas pela transmissão do direito de propriedade sobre o suporte da obra (…) E serão, igualmente, rendimentos a considerar na tributação, por trabalho independente, as quantias recebidas por efeito da transmissão cessão ou oneração dos direitos de autor … desde que auferidos pelos seus originários, titulares, que sejam pessoas singulares». (Benefícios fiscais aos rendimentos provenientes da propriedade artística e literária, Parecer de 31/10/1989, in CTF nº 358, Abril-Junho de 1990, pp. 365/391.)
E enunciando o problema de saber quais são os requisitos que devem revestir as obras literárias de arte plásticas ou visuais ou as obras literárias para sobre elas se constituírem direitos de autor, acaba por referir essencialmente a propriedade artística e as dificuldades quanto à classificação da obra de arte, sem se debruçar especificamente sobre o conceito da obra literária.
Por sua vez, o Prof. Rui Duarte Morais salienta (Sobre o IRS, 2ª edição, Almedina, pp. 82/83.) que serão subsumíveis à previsão da al. c) do nº 1 do art. 3º do CIRS «os rendimentos resultantes da cedência de direitos de autor e direitos conexos, quando o cedente seja o titular originário (o autor). A estes direitos se pretende referir o legislador fiscal com a referência, porventura menos feliz, a "propriedade intelectual". Internacionalmente, é corrente o uso da expressão copyright para os designar.
Classicamente, obras protegidas seriam criações do espírito humano nos domínios literário, artístico e científico. Hoje, avultam, em termos de importância económica, outras criações - cuja protecção se procura lograr dentro dos quadros do direito de autor -, em especial no domínio da informática (software) e, também, os chamados direitos conexos (direitos dos artistas intérpretes ou executantes, dos produtores fonográficos e videográficos e dos organismos de radiodifusão sonora ou visual).»
Não devendo, ainda, esquecer-se que também a inicial redacção do art. 56º do EBF arrancava da distinção entre obras literárias e não literárias, nestas últimas se incluindo as de arte e científicas, sendo certo, contudo, que, de acordo com o que se dispunha à data dos factos, também às obras não literárias seria aplicável o benefício em questão se os rendimentos auferidos fossem provenientes da “propriedade” dos mesmos.
(…)
embora se admita que a criação intelectual pode revestir qualquer modalidade ou género literário, não pode, todavia, olvidar-se que a lei (fiscal) impõe, para aplicação do benefício previsto no dito art. 56º do EBF, que se trate de rendimentos provenientes da propriedade literária: segundo se refere no preâmbulo do DL n° 215/89, de 1/7 (que aprova o EBF), pretendeu-se com este benefício fiscal incentivar a criação artística e literária, por forma, conforme se acentua no citado aresto do STA, a melhorar o nível de desenvolvimento cultural do país [e no mesmo sentido aponta, também, o acórdão do Tribunal Constitucional, nº 1057/96, de 16/10/1996, proferido no processo nº 347/91 (In DR, 2ª série, nº 272, de 23/11/1996, pp. 16.408 a 16.413.)], finalidade esta de relevo e de interesse público e que apenas pode ser realizada pelas obras reconhecidas como integrando a qualificação de obras literárias.
E como neste último aresto se refere, a Constituição, garantindo a liberdade de criação intelectual, artística e científica e o direito à invenção, produção e divulgação das obras derivadas de tais domínios, aí se incluindo também a protecção dos direitos de autor, embora não imponha que tal protecção seja feita através de benefícios fiscais, também não exclui que passe por esta via a realização desse objectivo. Sendo que, «…relativamente ao âmbito de protecção dos direitos de autor, é manifesto que a diferença de tratamento que resulta do nº 2 do artigo 45º do EBF não só não é arbitrária nem discriminatória como é materialmente justificada.
De facto, a finalidade do benefício fiscal legalmente reconhecido é a de incentivar a criação artística ou literária, por forma a melhorar o nível de desenvolvimento cultural do país, finalidade esta de relevo e de interesse reconhecidamente público. Este objectivo, apenas as obras reconhecidas como integrando a qualificação de obras literárias, o podem realizar, pelo que se justifica que só os rendimentos resultantes destas obras possam beneficiar da redução de 50% para efeito de englobamento e incidência do IRS.
As obras não literárias — desde logo, todas as que estão excluídas da protecção legal do Código do Direito de Autor, como também as obras que não tenham prima facie a categoria de literárias —, não podem realizar a finalidade pretendida com o benefício fiscal em causa pelo que o diferente tratamento fiscal tem uma justificação racional bastante.
Tem, assim, de se concluir que não sendo o diferente tratamento legislativo dado às obras em causa nem arbitrário, nem puramente discriminatório, mas antes assente num fundamento racional bastante e derivado da natureza estruturalmente diferente das obras em questão, não existe qualquer violação do princípio da igualdade.»
E se, como acima já se anteviu, a distinção entre obra com carácter literário e obra sem carácter literário não é tarefa simples [nas palavras de António José Saraiva e Óscar Lopes «Uma obra pode considerar-se literária na medida em que, além do pensamento lógico, discursivo, abstractamente conceptual, adequado a problemas científicos, filosóficos e, em geral, doutrinários, estimular também os impulsos mais afectivos e menos conscientes, os hábitos ou valores enraizados através do aprendizado, decisivamente formativo, da língua materna e de uma dada vida social» (História da Literatura Portuguesa, p. 7.)], então, «Em face das consabidas dificuldades de distinção entre obra de carácter literário e obra sem esse carácter, em ordem a aferir da aplicabilidade ou não do benefício previsto no art. 56º (hoje, 58º) do EBF deve privilegiar-se um critério objectivo: serão consideradas como obras literárias as que, prima facie, se apresentem como tal (criadas e apreciadas como arte, como actividade e produção estética, ou seja, que não sirvam outra finalidade, pelo menos de modo dominante, como será o caso do romance, poesia, peça de teatro, etc., tudo como salientou a Fazenda Pública), privilegiando-se, pois, o valor facial da obra.» (cfr. acórdão citado).
E se, como se acentua no supra mencionado acórdão do Tribunal Constitucional, apenas «as obras reconhecidas como integrando a qualificação de obras literárias» podem realizar o referido objectivo ligado à finalidade do benefício fiscal (o objectivo de incentivar a criação artística ou literária, por forma a melhorar o nível de desenvolvimento cultural do país) «pelo que se justifica que só os rendimentos resultantes destas obras possam beneficiar da redução de 50% para efeito de englobamento e incidência do IRS», então, as obras não literárias — «desde logo, todas as que estão excluídas da protecção legal do Código do Direito de Autor, como também as obras que não tenham prima facie a categoria de literárias —, não podem realizar a finalidade pretendida com o benefício fiscal em causa pelo que o diferente tratamento fiscal tem uma justificação racional bastante» havendo de se concluir, assim, que «não sendo o diferente tratamento legislativo dado às obras em causa nem arbitrário, nem puramente discriminatório, mas antes assente num fundamento racional bastante e derivado da natureza estruturalmente diferente das obras em questão, não existe qualquer violação do princípio da igualdade.»
Acompanhando ainda a EPGA e esteados na referida jurisprudência, há que aceitar que as referidas publicações não se enquadram nas obras publicitárias previstas ainda no n.º 2 do dito art. 58.º, o qual serve para delimitar o previsto no anterior n.º 1. E é insofismável, como dimana do Acórdão de Acórdão do S.T.A. de 1-10-2014, proc. 01709/13, que à aplicação do dito conceito não atravanca a utilização da mesma por terceiros, sendo até de presumir o mesmo, pelo prisma do art. 14. n.º3 do referido Código de Direitos de Autor e Direitos Conexos, porquanto não se apura que os respectivos rendimentos tenham sido auferidos ao abrigo de contrato de prestação de serviços, o que já serviu para afastar a aplicação do dito benefício fiscal.
Do que ficou dito e porque ficou demonstrado que a obra em causa pode qualificar-se como obra literária para os efeitos previstos artº 58.º do EBF, sufragando a tese da sentença, consideramos que os rendimentos dela auferidos pela sua autora, ora Recorrida, podem beneficiar da não incidência parcial prevista naquele artigo, é forçoso concluir que a liquidação impugnada, que postergou esse entendimento e, em consequência, considerou que não podem ser excluídos do englobamento 50% dos rendimentos auferidos pelo ora Recorrido pela redacção dessas crónicas, enferma da ilegalidade que lhe foi assacada na petição inicial.
O que vale por dizer que, nesse vector recursório, a sentença recorrida, que decidiu nesse mesmo sentido, terá de manter-se na ordem jurídica.
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Sobre o “erro imputável aos serviços”, como fundamento da atribuição de juros indemnizatórios (cfr. o n.º 1 do art. 43.º da L.G.T.).
Quanto a este segmento foi decidido na sentença que “Nos termos e com os fundamentos acima expostos, confirma-se a existência de uma ilegalidade na emissão do ato de liquidação, por erro na aplicação das normas relativas à sujeição de rendimentos a IRS. Existe, por isso, um erro da AT, nos termos e para os efeitos do art.º 43.º da LGT.
Resulta da matéria de facto provada que a Impugnante pagou as quantias de € 1.889,64 e de € 144,48, em cobrança coerciva no processo de execução fiscal n.º 1562201101021150, instaurado para cobrança coerciva de relativo a IRS de 2009 e respectivos juros compensatórios (cfr. alíneas p) e y) dos factos provados).
Por conseguinte, terão de ser devolvidas à Impugnante as quantias indevidamente pagas pela Impugnante, acrescida de juros indemnizatórios, à taxa de 4%, desde o dia 3 de Maio de 2012, nos termos e para os efeitos do art.º 43.º da LGT.”
Irresignada, afirma a recorrente (conclusão XII) que também não ficou demonstrado quanto ao acto tributário impugnado, a existência de qualquer erro imputável aos serviços, como exige a norma contido no n.º 1 do artigo 43.º da LGT, consequentemente, é de concluir não assistir à Impugnante o direito a juros indemnizatórios, com base na citada disposição legal.
No ponto, trata-se de saber se, em razão do acabado de fundamentar e decidir em acolhimento da tese da sentença secundada pelo Ministério Público, ocorre “erro imputável aos serviços” e a resposta só pode ser afirmativa.
É que, no caso de existir erro de direito, incluindo sobre os pressupostos, conforme é jurisprudência consolidada do S.T.A. o mesmo é sempre imputável aos serviços, isso por apelo à doutrina plasmada no Acórdão de 17-5-2006, proc. n.º 016/06, a que se seguiram muitos outros.
Na verdade, o texto constitucional determina que «o Estado e demais entidades públicas são civilmente responsáveis, em forma solidária com os titulares dos seus órgãos, funcionários ou agentes, por acções ou omissões praticadas no exercício das suas funções e por causa desse exercício, de que resulte violação dos direitos, liberdades e garantias ou prejuízo para outrem» — art. 22° da Constituição.
Ou seja, o texto constitucional impõe como norma o chamamento do Estado, ou qualquer outra entidade pública, à responsabilidade civil sempre que, por acção ou omissão, cause prejuízo aos seus cidadãos.
Ora essa responsabilidade tem de se traduzir numa indemnização desses prejuízos, o que se implicará que aqueles que foram prejudicados sejam colocados numa situação em que as consequências das referidas acção ou omissão tenham sido inteiramente removidas.
O que, no caso dos autos, se traduzirá no ressarcimento dos prejuízos sofridos pela Recorrida em consequência de ter sido impedido de rentabilizar a quantia que a AT teve em seu poder – se acaso a teve.
Se assim não for estar-se-á a violar aquele preceito constitucional.
Na verdade e como ensina o Prof. F. do Amaral «Direito Administrativo», vol. IV. pg. 236 «O dever de executar uma sentença consiste no dever de extrair todas as consequências jurídicas da anulação decretada pelo Tribunal. É um dever que se traduz para a Administração activa na obrigação de praticar todos os actos jurídicos e todas as operações materiais que sejam necessários à reintegração da ordem jurídica violada.»
E, depois de se perguntar em que consiste a reintegração da ordem jurídica violada, aquele Autor prossegue «a concepção mais recente (a que adere) entende que a reintegração da ordem jurídica violada tem de traduzir-se, não no dever legal de repor o particular na situação anterior à prática do acto ilegal, mas sim no dever de reconstruir a situação que actualmente existiria se o acto ilegal não tivesse sido praticado».
Significa que o cumprimento do julgado não se satisfaz com a reposição da situação anterior ao cometimento da ilegalidade, já que o mesmo implica a reconstituição da situação que existiria se esta não tivesse sido praticada, pois só assim é que o Administrado atingido pela ilegalidade não sofre qualquer prejuízo com a sua prática. Se assim não fosse a reposição da legalidade visada pela decisão judicial não era uma reposição integral, visto que o Administrado não ficaria colocado na situação que por direito lhe pertencia.
E esta doutrina deve estender-se ao ramo fiscal do direito administrativo, pois que na sua base estão elogiáveis preocupações de realização de justiça que importa pôr em prática também nesta área.
Ora, é por a lei fiscal ter absorvido tais princípios e pretender colocar o contribuinte na situação que existiria se os serviços da Administração Fiscal não tivessem cometido uma ilegalidade que o prejudicou, que «haverá direito a juros indemnizatórios a favor do contribuinte quando, em reclamação graciosa ou processo judicial, se determine que houve erro imputável aos serviços».
O direito a tais juros visa, pois, contribuir para que a reposição da legalidade não seja meramente formal e, consequentemente, se coloque o particular, na medida do possível, na situação que teria se aquela não tivesse sido violada.
Só assim se poderá alcançar a finalidade atrás anunciada de se fazer a reintegração da ordem jurídica violada sem que daí resultem quaisquer prejuízos para o contribuinte.
Certo é que nem sempre assim foi, visto que anteriormente à Reforma Fiscal e à entrada em vigor do CPT a lei só concedia o direito a juros se os serviços tivessem praticado um erro de facto.
O CPCI não continha nenhum dispositivo que previsse a possibilidade de pagamento de juros indemnizatórios quando os serviços cometessem um erro e deste resultassem prejuízos para o contribuinte e os demais códigos fiscais só contemplavam essa possibilidade se o erro praticado fosse erro de facto. — vd.. a título exemplificativo, art. 65º e seu § 1 do CIC e o art. 140° e seu § 1 do CCI.
Quer isto dizer que foi o art. 24º do CPT que introduziu uma nova e importante alteração no regime legal que o precedeu.
Hodiernamente, concilia o artigo 43º, nº 1 da LGT que “São devidos juros indemnizatórios quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da divida tributária em montante superior ao legalmente devido.”
Tal como afirma a Recorrente AT a obrigação de indemnizar funda-se na ilicitude do ato de liquidação justificativa do pagamento e na circunstância do obrigado tributário ter sido privado da disponibilidade da quantia paga durante um certo período e daí a presunção de ter ocasionado prejuízo patrimonial.
Mais concreta e especificamente, a obrigação de indemnizar o sujeito passivo instituída no nº 1 do artigo 43º da LGT assenta na existência de erro imputável aos serviços da AT num ato de liquidação de um tributo, determinado em processo de reclamação graciosa ou de impugnação judicial, erro esse que resulta de um pagamento indevido de uma prestação tributária.
No concernente à primeira questão, e se bem analisarmos, o transcrito n.°1 do art. 43° da LGT não restringe o tipo de processo onde podem ser pedidos e, consequentemente, declarados os juros que sejam devidos em função de «erro imputável aos serviços», pelo que se tem de concluir que esse pedido e essa declaração podem ser feitos e apreciados tanto no processo onde se questiona a liquidação como em qualquer outro tipo de processo.
Ponto de vista há muito afirmado pela jurisprudência deste STA de que é representativo o remoto Acórdão de 3/7/96, publicado na CTF n° 384. pág. 305, segundo o qual «a determinação de erro imputável aos serviços, pressuposto do referido direito a juros indemnizatórios pode ler lugar em reclamação graciosa/processo gracioso ou em processo judicial não havendo que distinguir — pois a lei não distingue — dentro do género deste, qualquer das suas espécies».
Deste modo, e ainda que se considere que o local mais apropriado para se fazer o pedido de juros indemnizatórios seja o processo onde se faz a sindicância da ilegalidade que é deles pressuposto, nada impede que esse pedido possa ser feito num outro tipo de processo, judicial ou gracioso.
De acordo com o referido art.43° da LGT, no atinente ao “Pagamento indevido da prestação tributária”:
1 - São devidos juros indemnizatórios quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido.
2 - Considera-se também haver erro imputável aos serviços nos casos em que, apesar de a liquidação ser efectuada com base na declaração do contribuinte, este ter seguido, no seu preenchimento, as orientações genéricas da administração tributária, devidamente publicadas.
3 - São também devidos juros indemnizatórios nas seguintes circunstâncias:
a) Quando não seja cumprido o prazo legal de restituição oficiosa dos tributos;
b) Em caso de anulação do acto tributário por iniciativa da administração tributária, a partir do 30.º dia posterior à decisão, sem que tenha sido processada a nota de crédito;
c) Quando a revisão do acto tributário por iniciativa do contribuinte se efectuar mais de um ano após o pedido deste, salvo se o atraso não for imputável à administração tributária.
d) Em caso de decisão judicial transitada em julgado que declare ou julgue a inconstitucionalidade ou ilegalidade da norma legislativa ou regulamentar em que se fundou a liquidação da prestação tributária e que determine a respetiva devolução.
4 - A taxa dos juros indemnizatórios é igual à taxa dos juros compensatórios.
5 - No período que decorre entre a data do termo do prazo de execução espontânea de decisão judicial transitada em julgado e a data da emissão da nota de crédito, relativamente ao imposto que deveria ter sido restituído por decisão judicial transitada em julgado, são devidos juros de mora a uma taxa equivalente ao dobro da taxa dos juros de mora definida na lei geral para as dívidas ao Estado e outras entidades públicas.”
Assim, as situações em que o contribuinte tem o direito de exigir que a Administração Fiscal lhe pague juros indemnizatórios em resultado de ter tido em seu poder quantias provenientes de impostos que se vem a concluir não serem devidos, prendem-se fundamentalmente e em vista do caso concreto, com a ocorrência de qualquer erro imputável aos serviços, não só de uma liquidação que vem a ser anulada em processo judicial ou de reclamação graciosa, mas também por motivo imputável aos seus serviços, quando não cumpre o prazo legal de restituição oficiosa dos impostos.
Tal significa, sem margem para qualquer dúvida, que estão demonstrados os pressupostos exigidos pelo citado normativo (a existência de erro) os quais são determinantes para o pagamento de juros indemnizatórios.
Ou seja, foi judicialmente demonstrada a prática de um erro imputável aos serviços, que esse erro deu origem a um pagamento e que em função deste a AT teve em seu poder por um determinado período uma quantia a que não tinha direito.
Resta, pois, concluir que na situação figurada nos autos a Recorrida, tem direito ao pagamento de juros indemnizatórios por se verificarem os pressupostos previstos no art. 43º da LGT nos termos acabados de expor.
Mas reitera-se que o pagamento de juros indemnizatórios mais não é do que o pagamento de uma indemnização em função de um prejuízo ilegalmente causado a terceiro fora de qualquer relacionamento contratual, ou seja, o pagamento de juros indemnizatórios traduz-se na efectivação da responsabilidade civil extracontratual.
Assim e tendo ainda em conta que no art. 100.º da L.G.T. se determina que a A.T. tem de reconstituir, de imediato e plenamente, a situação hipotética de legalidade, são de atribuir juros indemnizatórios como forma de indemnizar a contribuinte por prejuízos provocados causados, conforme previsto no dito art. 43.º.
Termos em que improcedem in totum as conclusões recursórias e se confirma o decidido.
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3. DECISÃO

Em face do exposto, os juízes da Secção do Contencioso Tributário deste Supremo Tribunal Administrativo acordam, em conferência, em negar provimento ao recurso e confirmar a sentença recorrida.

Custas pela Recorrente.

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Lisboa, 28 de Outubro de 2020. - José Gomes Correia (relator) – Aníbal Ferraz (concordando somente com a decisão) – Paula Cadilhe Ribeiro.