Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:01333/15.7BELRA
Data do Acordão:01/30/2019
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:ANTÓNIO PIMPÃO
Sumário:
Nº Convencional:JSTA000P24151
Nº do Documento:SA22019013001333/15
Data de Entrada:09/18/2018
Recorrente:A... LDA
Recorrido 1:AT - AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Acordam na Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:
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1.1. A………….., Lda., interpôs recurso, nos termos do artigo 80.º, n.º 1, do Regime Geral das Infrações Tributárias, no Tribunal Administrativo e Fiscal de Leiria, do despacho do Chefe de Finanças de Santarém que, no âmbito do processo de contra-ordenação n.º 2082014060000277454, lhe aplicou a coima única no montante de 1.150,20€, acrescida das custas processuais, no montante de 1.071,00€, por falta de pagamento de taxa de portagem.
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1.2. Aquele Tribunal, por despacho de 24/04/2018 (fls. 376/381), julgou o recurso improcedente.
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1.3. Contra o assim decidido recorre, para este Supremo Tribunal, A…………., Lda., concluindo as suas alegações com o seguinte quadro conclusivo:
«1.ª – Os factos que originaram as infrações imputadas à recorrente ocorreram numa altura em que vigorava a redação da Lei 25/2006, anterior à modificação da mesma operada pela Lei 51/2015;
2.ª – Tal impõe, como tem sido reiteradamente decidido pelo STA que a graduação das coimas aplicadas ao abrigo daquela lei sejam objeto de alteração segundo o disposto nesta última;
3.ª – Sucede, porém, no caso em apreço, aplicação de coima única, decorrente da aplicação, por força de decisão judicial, do disposto no art. 25º, do RGIT, a entidade administrativa não ter tido em conta nessa graduação a modificação introduzida pela lei nova, bem como a sentença recorrida o tivesse apreciado;
4.ª – A qual, como é de acordo com o disposto no art. 29º, nº 4, da Constituição e 3º, nº 2, do RGCOC, aplicável ao caso em apreço;
5.ª – Por conseguinte, a referida questão, sendo prévia e de conhecimento oficioso, deveria ter sido apreciada na sentença, não o tendo sido ofende o princípio da aplicação da lei mais favorável, com assento constitucional e legal;
6 — Pelo que, deve a mesma ser revogada, anulando-se o processado e remetendo-se o mesmo à entidade administrativa que proferiu a decisão de graduação da coima única, a fim de esta proferir nova decisão, desta feita de acordo com a modificação introduzida pela lei 51/2015, na Lei 25/2006, no que tange especialmente ao seu art. 7º, nº 1.
Ao assim ignorar a modificação introduzida na Lei 25/2006, de 30 06, pela Lei 51/2015, de 8 de Junho, no que concerne à graduação da coima, prevista no art. 7º, nº 1, a sentença recorrida ofendeu o disposto no art. 29º, nº 4, da Constituição, conjugadamente lido com o disposto no art. 3º, nº 2, do RGCOC.
Termos em que, admitindo Vs. Ex.as o presente recurso e conferindo-lhe a necessária procedência, fixando o direito aplicável, cfr. tem sido reiteradamente decidido por esse Alto Tribunal, revogando a sentença recorrida e proferindo acórdão que ordene a baixa dos autos à autoridade administrativa para que a mesma profira nova decisão de acordo com o direito fixado, farão a melhor JUSTIÇA.».
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1.4. Não foram apresentadas contra-alegações.
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1.5. O Ministério Público emitiu a seguinte pronúncia:
«1. OBJETO.
Decisão do Tribunal Administrativo e Fiscal de Leiria que manteve decisão de aplicação de coima pelo Chefe do SLF de Santarém, pela prática de contraordenações p.p. nos artigos 5.º/1/ a) e 7.º da Lei 25/2006, de 30/06.
2. DA ADMISSÃO DO RECURSO.
O recurso deve ser admitido ao abrigo do disposto nos artigos 73.º/2 do RGCO ex vi do artigo 3.º/b) do RGIT, tendo em vista a promoção da uniformidade da jurisprudência (entre outros, acórdão 15/11/2017-P. 045/17, disponível em www.dgsi.pt).
3. FUNDAMENTAÇÃO.
Como sustenta a recorrente e vem decidindo ultimamente o STA (entre outros, acórdão de 03/05/2018-P. 0147/17 e de 2015.10.21) verifica-se um obstáculo legal, que constitui questão de conhecimento oficioso, ao conhecimento do recurso judicial pelo tribunal recorrido.
Vejamos.
Já após prolação da decisão de aplicação da coima foi publicada a Lei 51/2015, de 8 de Junho, em vigor desde 1 de Agosto de 2015, que aprovou um regime excecional de regularização de dívidas resultantes do não pagamento de taxas de portagem e coimas associadas por utilização de infraestrutura rodoviária e procedeu a alterações à Lei 25/2006, de 30 de Junho, alterada pela Lei 67-A/2007, de 31 de Dezembro, pelo DL 113/2009, de 18 de Maio, pelas Leis 46/2010, de 7 de Setembro e 55-A/2010, 31 de Dezembro e 66-B/2012, de 31 de Dezembro.
A citada Lei procedeu à alteração do artigo 7.º/1 da Lei 25/2006, passando as contraordenações a ser punidas com “coima de valor mínimo correspondente a 7,5 vezes o valor da respectiva taxa de portagem, mas nunca inferior a (euro) 25 e de valor máximo correspondente ao quadruplo do valor mínimo da coima, com respeito pelos limites máximos previstos no Regime Geral das Infrações Tributárias.”
Verificou-se, assim, uma alteração dos limites mínimos e máximos das coimas no sentido da sua diminuição.
A mesma lei alterou o n.º 2 do mencionado artigo 7.º da Lei 25/2006, no sentido de passar a constituir “uma única contraordenação as infrações previstas na presente lei que sejam praticadas pelo mesmo agente, no mesmo dia, através da utilização do mesmo veículo e que ocorram na mesma infraestrutura rodoviária, sendo o valor mínimo a que se refere o n.º 1 correspondente ao cúmulo das taxas de portagem”, sendo certo que nos termos do n.º 5, também alterado, “Para efeitos do disposto no número anterior, entende-se que as infrações são praticadas na mesma infraestrutura rodoviária quando as mesmas ocorrem em estrada cuja exploração está concessionada ou subconcessionada à mesma entidade”.
Verificou-se, assim, uma unificação legal das infrações previstas na lei, uma vez verificados os mencionados pressupostos.
Nos termos do disposto no artigo 2.º da Lei 51/2015, o pagamento por iniciativa do agente da taxa de portagem e custos administrativos até 60 dias após a sua entrada em vigor determina a atenuação da coima associada ao incumprimento de dever de pagamento de taxas de portagem e custos administrativos, correspondente a uma redução da coima para 10% do mínimo da coima prevista no tipo legal, não podendo resultar um valor inferior a € 5,00.
Verifica-se, assim, também, que a Lei 51/2015 prevê o direito à redução das coimas em termos, manifestamente, mais favoráveis do que os constantes do artigo 29.º do RGIT.
Nos termos do disposto nos artigos 29.º/4 da CRP, 4.º/4 do CP, 3.º/b) do RGIT e 32.º do RGIT aplicam-se retroactivamente as disposições sobre contraordenações mais favoráveis ao arguido.
Assim sendo, em consequência da vigência da Lei 51/2015, de 8 de Junho, impõe-se que a autoridade administrativa, entidade competente para a aplicação das coimas, proceda à revisão ou renovação da decisão de aplicação das coimas, ficando prejudicado o conhecimento do objecto do recurso judicial por banda do tribunal de 1.ª instância.
4.CONCLUSÃO.
Deve dar-se provimento ao recurso e revogar-se a decisão recorrida, ordenando-se a remessa dos autos à autoridade administrativa a fim de proceder à revisão ou renovação da decisão de aplicação de coima.».
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1.6. Colhidos os vistos legais, cabe decidir.
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2. A decisão recorrida deu como provada a seguinte matéria de facto:
«1. A arguida A………….., Lda. Sociedade Comercial por quotas, tem sede na Rua ……….., lote ……, ……, 2005-…. Santarém (cf. procuração a fls. 75 dos autos, petição de recurso 69, notificação da via verde a fls. 15 todas dos autos em suporte de papel).
2. Em 8/7/2013, foi emitido o Documento Único Automóvel n.º ………., constante de fls. 15 dos autos em suporte de papel, cujo conteúdo aqui se dá por reproduzido, em nome de A…………. Lda.
3. Em 31/3/2014, a VIA VERDE enviou à Arguida para a morada Rua …………., lote ….., ……, 2005-…. Santarém, por carta postal registada o ofício constante de fls. 15 a fls. 18 dos autos em suporte de papel, cujo conteúdo aqui se dá por reproduzido, com o assunto “NOTIFICAÇÃO POR FALTA DE PAGAMENTO DAS TAXAS DE PORTAGEM” por falta de pagamento de quinze taxas de portagem, no valor total de EUR 91,75, nos termos do artigo 10.º da Lei n.º 25/2006 de 30 de Junho” (cf. aviso de registo e depósito a fls. 19 dos autos).
4. Em 28/4/2014, a VIA VERDE reenviou à Arguida novo ofício constante de fls. 21 a fls. 24 dos autos por carta simples, para a morada Rua ………., lote ….., ….., 2005-….. Santarém, com o assunto “NOTIFICAÇÃO POR FALTA DE PAGAMENTO DAS TAXAS DE PORTAGEM nos termos do artigo 10.º da Lei n.º 25/2006 de 30 de Junho”.
5. Em 26/11/2014, o Serviço de Finanças de Santarém, no âmbito dos autos de contraordenação n.º 20892014060000277454, proferiu a decisão de fixação de coima constante de fls. 26 e 27 dos autos em suporte de papel, cujo conteúdo aqui se dá por reproduzido, na qual foi fixada à arguida a coima de EUR 117,72, por falta de pagamento de taxa de portagem em 2/7/2013.
6. Em 1/4/2015, o processo de contraordenação n.º 20892014060000277454, foi extinto por anulação pela entidade autuante Via Verde (cf. informação a fls. 60 dos autos em suporte de papel).
7. Em 22/10/2014 o Serviço de Finanças de Santarém procedeu ao levantamento dos seguintes autos de noticia, cujo conteúdo aqui se dá por integralmente reproduzido e no qual consta em síntese, a identificação da arguida, A………….., Lda. pela prática das infracções ao artigo 5.º, n.º 1 a), da Lei n.º 25/06 de 30/06 “Falta de Pagamento de taxa de portagem”, punida nos termos do disposto no artigo 7.º da Lei n.º 25/06 de 20/06:
a) No âmbito do processo n.º 20892014060000277462, constante a fls. 2 e 3 dos autos em suporte de papel: (…) Em 4/7/2013, às 16h58:00 o veículo de matricula ………, passou a taxa de portagem na A1 — saída Leiria e não procedeu ao pagamento da taxa de portagem do valor de EUR 10,40 (...)”
b) No âmbito do processo n.º 20892014060000277470, constante a fls. 2 e 3 dos autos em suporte de papel: “(...) Em 5/7/2013, às 9h25:00 o veículo de matricula ………, passou a taxa de portagem na A1 — saída Alverca PV e não procedeu ao pagamento da taxa de portagem do valor de EUR 6,50 (…)”
c) No âmbito do processo n.º 20892014060000277489, constante a fls. 2 e 3 dos autos em suporte de papel: “(...) Em 17/7/2013, às 8h41:00 o veículo de matricula ………, passou a taxa de portagem na A1 — saída Alverca PV e não procedeu ao pagamento da taxa de portagem do valor de EUR 2,30 (...)”
d) No âmbito do processo n.º 20892014060000277497, constante a fls. 2 e 3 dos autos em suporte de papel: “(...) Em 11/7/2013, às 10h40:00 o veículo de matrícula ………, passou a taxa de portagem na A1 — saída Alverca PV e não procedeu ao pagamento da taxa de portagem do valor de EUR 2,30 (...)”
e) No âmbito do processo n.º 20892014060000277500, constante a fls. 2 e 3 dos autos em suporte de papel: “(...) Em 10/7/2013, às 11h53:00 o veículo de matrícula ………., passou a taxa de portagem na A1 — saída Alverca PV e não procedeu ao pagamento da taxa de portagem do valor de EUR 2,30 (...)”
f) No âmbito do processo n.º 20892014060000277519, constante a fls. 2 e 3 dos autos em suporte de papel: “(...) Em 11/7/2013, às 14h09:00 o veículo de matrícula ………., passou a taxa de portagem na A1 — saída Carregado e não procedeu ao pagamento da taxa de portagem do valor de EUR 2,30 (...)”
g) No âmbito do processo n.º 20892014060000277527, constante a fls. 2 e 3 dos autos em suporte de papel: “(...) Em 16/7/2013, às 10h49:00 o veículo de matrícula ………., passou a taxa de portagem na A1 — saída Alverca e não procedeu ao pagamento da taxa de portagem do valor de EUR 6,50 (..)”
h) No âmbito do processo n.º 20892014060000277535, constante a fls. 2 e 3 dos autos em suporte de papel: “(...) Em 10/7/2013, às 16h32:00 o veículo de matrícula ………, passou a taxa de portagem na A1 — saída Carregado e não procedeu ao pagamento da taxa de portagem do valor de EUR 2,30 (...)”
i) No âmbito do processo n.º 20892014060000277543, constante a fls. 2 e 3 dos autos em suporte de papel: “(...) Em 4/7/2013, às 12h23:00 o veículo de matrícula ………., passou a taxa de portagem na A1 — saída Carregado e não procedeu ao pagamento da taxa de portagem do valor de EUR 2,30 (...)”
j) No âmbito do processo n.º 20892014060000277551, constante a fls. 2 e 3 dos autos em suporte de papel: “(...) Em 16/7/2013, às 12h30:00 o veículo de matrícula ……….., passou a taxa de portagem na A1 — saída Vila Franca de Xira e não procedeu ao pagamento da taxa de portagem do valor de EUR 1,15 (…)”
l) No âmbito do processo n.º 20892014060000277560, constante a fls. 2 e 3 dos autos em suporte de papel: “(...) Em 9/7/2013, às 12h35:00 o veículo de matrícula ………., passou a taxa de portagem na A1 — saída Carregado e não procedeu ao pagamento da taxa de portagem do valor de EUR 2,30 (...)”
M) No âmbito do processo n.º 20892014060000277578, constante a fls. 2 e 3 dos autos em suporte de papel: “(…) Em 3/7/2013, às 12h41:00 o veículo de matrícula ………., passou a taxa de portagem na A1 — saída Alverca e não procedeu ao pagamento da taxa de portagem do valor de EUR 2,30 (...)”
N) No âmbito do processo n.º 20892014060000277586, constante a fls. 2 e 3 dos autos em suporte de papel: “(...) Em 9/7/2013, às 09h40:00 o veículo de matrícula ………., passou a taxa de portagem na A1 — saída Alverca e não procedeu ao pagamento da taxa de portagem do valor de EUR 2,30 (...)”
o) No âmbito do processo n.º 20892014060000277594, constante a fls. 2 e 3 dos autos em suporte de papel: “(...) Em 15/7/2013, às 09h48:00 o veículo de matrícula ……….., passou a taxa de portagem na A1 — saída Albergaria e não procedeu ao pagamento da taxa de portagem do valor de EUR 7,90 (...)”
Com a seguinte descrição:
“(...)
Verifiquei, pessoalmente, na data e locais acima referidos, que o veículo identificado no quadro 2 e conforme descrito no mesmo quadro, transpôs barreira de portagens, através de uma via reservada a um sistema electrónico de cobrança de portagens, em incumprimento das condições de utilização previstas no contrato de adesão ao respectivo sistema, especificamente por falta de associação de meio de pagamento válido ao equipamento electrónico, nos termos contratualmente acordados, não tendo sido, em consequência, efectuado o pagamento da taxa de portagem devida, o que constitui infracção às normas referidas no ponto 7 e puníveis pelas normas referidas no ponto 8, ambos do quadro 2. É responsável pelo pagamento da coima a aplicar o sujeito infrator mencionado no quadro 1.
(…)”
8. Em 22/10/2014, o Serviço de Finanças de Santarém, no âmbito dos processos identificados no ponto que antecede enviou à arguida, via caixa postal CTT, os ofícios constantes a fls. 4 dos autos em suporte de papel, com o assunto “Notificação de defesa / pagamento c/ redução (art.º 70.º, n.º 1 do RGIT)” cujo conteúdo aqui se dá por integralmente reproduzido.
9. Em 26/11/2014, no âmbito dos processos n.º 20892014060000277462, n.º 20892014060000277470, n.º 20892014060000277489, n.º 20892014060000277497, n.º 20892014060000277500, n.º 20892014060000277519, n.º 20892014060000277527, n.º 20892014060000277535, n.º 20892014060000277543, n.º 20892014060000277551 n.º 20892014060000277560, n.º 2089201406000027778, n.º 20892014060000277586, n.º 20892014060000277594, o chefe do serviço de finanças proferiu as decisões de fixação de coimas constantes a fls. 7 e 8 dos autos em suporte de papel, cujos conteúdos aqui se dão por reproduzidos, das quais consta a aplicação das coimas no valor de EUR 224,64, EUR 140,40, EUR 49,68, EUR 49,68, EUR 49,68, EUR 49,68, EUR 140,40, EUR 49,68, EUR 49,68, EUR 27,00, EUR 49,68, EUR 49,68, EUR 2,30, EUR 49,68, EUR 170,64, respectivamente.
10. Em 29/12/2014, a arguida apresentou os recursos de contraordenação das coimas descritas no ponto que antecede, nos termos constantes de fls. 11 a 15 dos autos em suporte de papel.
11. Em 22/1/2015, o Chefe do Serviço de Finanças, proferiu o despacho constante de fls. 19 dos autos, cujo conteúdo aqui se dá por integralmente reproduzido no qual determinou a prossecução dos autos de contraordenação identificados nos pontos que antecedem.
12. Em 11/2/2015, o TAF de Leiria determinou a remessa dos autos à Autoridade Administrativa para que este procedesse ao cúmulo material (cf. informação a fls. 64 dos autos).
13. 2914/2015, a Chefe de Finanças proferiu o despacho constante de fls. 66 dos autos, cujo conteúdo aqui se dá por integralmente reproduzido e do qual consta o seguinte:






14. Em 29/4/2015, o Serviço de Finanças enviou à arguida, via postal registada, o ofício constante a fls. 67 dos autos em suporte de papel, cujo conteúdo aqui se dá por integralmente reproduzido, com o assunto “Coimas fiscais — Cumulo Material”.
15. Em 27/5/2015, a arguida enviou ao Serviço de Finanças o recurso constante de fls. 69 a 75 dos autos em suporte de papel.».
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3.1. A sentença recorrida afirmou que da leitura da decisão de aplicação da coima recorrida e da defesa apresentada é percetível que a arguida percecionou os factos pelos quais foi acusada pelo que não se verifica a alegada violação do direito de defesa.
Acrescentou, quanto à alegada falta de notificação do auto de notícia que não existe qualquer obrigação legal de notificação do auto de notícia, desde que cumpridos os pressupostos de notificação para defesa ou pagamento previstos no artigo 70.º do RGIT.
Concluiu que a responsabilidade contraordenacional da arguida foi corretamente atribuída.
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3.2. Sustenta a recorrente que deve a sentença ser revogada, anulando-se o processado e remetendo-se o mesmo à entidade administrativa que proferiu a decisão de graduação da coima única, a fim de esta proferir nova decisão de acordo com a modificação introduzida pela lei 51/2015, na Lei 25/2006, no que tange especialmente ao seu art. 7º, nº 1.
Concluiu que ao ignorar a modificação introduzida na Lei 25/2006, de 30 06, pela Lei 51/2015, de 8 de Junho, no que concerne à graduação da coima, prevista no art. 7º, nº 1, a sentença recorrida ofendeu o disposto no art. 29º, nº 4, da Constituição, conjugadamente lido com o disposto no art. 3º, nº 2, do RGCOC.
No mesmo sentido se pronuncia o MP.
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3.3. Situações semelhantes à dos presentes autos vêm sendo decididas, neste STA, de forma uniforme, quer no que respeita à questão prévia quer quanto à questão de fundo.
Entende-se, por isso, remeter para o acórdão deste STA de 18-11-2015, proc. 0939/15, que apreciou situação em tudo idêntica à dos presentes autos e que refere jurisprudência que nos mesmos termos se pronunciou.
Neste se escreveu o seguinte:
“…
2. Como questão prévia importa decidir da admissibilidade destes dois recursos jurisdicionais interpostos ao abrigo do disposto no nº 2 do art. 73º do Regime Geral do Ilícito de Mera Ordenação Social (RGIMOS) subsidiariamente aplicável – para melhoria da aplicação do direito ou promoção da uniformidade da jurisprudência –, porquanto o valor da causa é inferior ao da alçada [art. 83º, nº 1, do RGIT] e o STA não se encontra vinculado pela decisão de admissão do recurso proferida pelo Tribunal “a quo”
Invoca a Fazenda Pública a necessidade de «promoção da uniformização da jurisprudência face ao inerente perigo de repetição e desigualdade na aplicação entre os diversos tribunais tributários de 1ª instância». E também o Ministério Público se pronuncia no sentido da admissão do recurso, em razão da melhoria da aplicação do direito e da promoção da uniformização das decisões judiciais e das autoridades administrativas.
E assim é, dado que a decisão recorrida se mostra desconforme ao que vem sendo decidido por esta Secção do STA em recursos de contra-ordenação tributários por não pagamento de Imposto Único de Circulação - cfr. os Acórdãos de 17 de Junho de 2015, no rec. n.º 369/15, de 9 de Setembro de 2015, no rec. n.º 70/15, e de 7 de Outubro de 2015, no rec. n.º 645/14.
Estamos, pois, perante questão controversa, idêntica à que vem sendo suscitada noutros processos semelhantes, o que justifica que seja apreciada, a título excepcional, por um novo grau de jurisdição, com vista à promoção da uniformidade de jurisprudência, nomeadamente para ajuizar se aquele entendimento jurisprudencial é igualmente válido quando em causa estejam, como nos autos, coimas por falta de pagamento ou pagamento viciado de taxas de portagem em infra-estruturas rodoviárias.
Pelo exposto, e em suma, são de admitir os dois recursos.

2.1. Tal como se deixou salientado no Acórdão desta Secção do STA proferido em 14/10/2015, no proc. nº 0766/15, há que começar a apreciação dos recursos pelo conhecimento de uma questão – prévia e de conhecimento oficioso – relativa às consequências legais da entrada em vigor da Lei n.º 50/2015, de 8 de Junho.
Não existindo razão para divergir do ali decidido, e atendendo ao disposto no nº 3 do art. 8º do Código Civil, limitar-nos-emos a aderir à fundamentação expendida nesse aresto, tanto mais que a factualidade relevante é em tudo semelhante, respeitando a decisões de aplicação de coima por infracção prevista e punida pela Lei n.º 25/2006, de 30 de Junho, a qual foi objecto de alteração pela Lei n.º 50/2015, de 8 de Junho, a qual, além do mais, aprovou um regime excepcional de regularização de dívidas resultantes do não pagamento de taxas de portagem e coimas associadas por utilização de infra-estrutura rodoviária.
«(…) importa como questão prévia e de conhecimento oficioso ajuizar das consequências da entrada em vigor da nova lei nos recursos de decisões de aplicação de coimas por contra-ordenações daquela natureza pendentes nos tribunais tributários, porquanto a questão de aplicação no tempo de lei mais favorável constitui uma questão prévia de conhecimento oficioso, que prejudica, imediatamente, a apreciação das restantes questões objecto do recurso, dado que a apreciação da situação dos autos, à luz da nova Lei poderá envolver a repetição do que tiver sido anteriormente processado (cfr. artigo 608.º, n.º 2, do CPC, aplicável “ex vi” artigo 4.º do CPP, aplicável “ex vi” artigo 41.º do Decreto-Lei n.º 433/83, aplicável “ex vi” artigo 3.º, alínea b), do RGIT, aplicável “ex vi” artigo 18.º da Lei n.º 25/2006, de 30 de Junho), prejudicando o conhecimento do mérito do recurso.
Isto porque, em matéria penal, como em matéria contra-ordenacional, vigora por imperativo constitucional e legal a regra da aplicação retroactiva da lei mais favorável – cfr. artigos 29.º, n.º 4 da CRP, 2.º, n.º 4 do Código Penal e 3.º, n.º 2 do Decreto-Lei n.º 433/82, aplicável “ex vi” artigo 3.º, alínea b) do RGI, aplicável “ex vi” artigo 18.º da Lei n.º 26/2006, de 30 de Junho) – daí que o facto de em causa nos autos estarem contra-ordenações praticadas em data anterior à da entrada em vigor da Lei nova não constitui obstáculo a essa aplicação se esta lei se revelar mais favorável.
E é precisamente isso que sucede.
Em primeiro lugar, porque o artigo 7.º da Lei n.º 50/2015, de 8 de Junho, ao dar nova redacção ao n.º 1 do artigo 7.º da Lei n.º 25/2006, procedeu à alteração dos limites mínimo e máximo das coimas aplicáveis às contra-ordenações previstas naquela lei no sentido da sua redução, pois que estas passaram a ser sancionadas com coima de valor mínimo correspondente a 7,5 vezes o valor da respetiva taxa de portagem, mas nunca inferior a €25 e de valor máximo correspondente ao quádruplo do valor mínimo da coima, com respeito pelos limites máximos previstos no Regime Geral das Infracções Tributárias, ao invés de serem sancionadas com coima de valor mínimo correspondente a 10 vezes o valor da respectiva taxa de portagem, mas nunca inferior a (euro) 25, e de valor máximo correspondente ao quíntuplo do valor mínimo da coima, com respeito pelos limites máximos previstos no Regime Geral das Infracções Tributárias. Ora, tendo sido reduzidos os limites mínimo e máximo das coimas aplicáveis às contra-ordenações em causa, impõe-se necessariamente nova graduação da coima aplicada, que os tenha agora em conta, o que necessariamente implica uma nova decisão administrativa de aplicação da coima.
Em segundo lugar porque o artigo 7.º da Lei n.º 50/2015, de 8 de Junho, ao aditar ao artigo 7.º da Lei n.º 25/2006 os seus (novos) números 4 e 5, procedeu à unificação legal das infracções previstas naquela lei praticadas pelo mesmo agente, no mesmo dia, através da utilização do mesmo veículo e que ocorram na mesma infraestrutura rodoviária, entendendo-se como tal as ocorridas em estrada cuja exploração está concessionada ou subconcessionada à mesma entidade, determinando que esta contra-ordenação única seja sancionada com coima cujo valor mínimo a que se refere o n.º 1 o correspondente ao cúmulo das taxas de portagem. Ora, esta unificação legal a que procedeu a lei nova, porque prescinde da averiguação das circunstâncias de que depende a contra-ordenação continuada, pode revelar-se, em concreto, mais favorável ao agente, daí que, verificados os respectivos pressupostos legais haverá que proceder à respectiva unificação da conduta delituosa e aplicar-lhe a cominação legalmente estabelecida, nos novos limites fixados pela nova lei, o que também necessariamente implica uma nova decisão administrativa de aplicação da coima.
Em terceiro lugar, porque a Lei n.º 51/2015 aprovou um regime excepcional de regularização de dívidas resultantes do não pagamento de taxas de portagem e coimas associadas, por utilização de infra-estrutura rodoviária efetuada até ao último dia do segundo mês anterior ao da sua publicação – que consta dos seus artigos 1.º a 6.º -, no qual se prevê que o pagamento pelo agente da infracção da taxa de portagem e custos administrativos efectuado até 60 dias a contar da entrada em vigor da lei, determina, além do mais, a atenuação da coima associada ao incumprimento do dever de pagamento, atenuação especial esta que há-de efectuar-se ope legis e em termos diversos e mais favoráveis que os que decorrem das regras gerais sobre a atenuação especial da coima (cfr. o artigo 3.º da Lei n.º 51/2015 com o artigo 18.º, n.º 3 do Decreto-Lei n.º 433/82, aplicável subsidiariamente).
Finalmente, porque o mesmo regime excepcional, aprovado por aquela lei, prevê a redução legal das coimas não aplicadas ou não pagas (…) cuja regularização ocorreu antes da entrada em vigor da Lei n.º 51/2015, que venham a ser pagas até 60 dias a contar da entrada em vigor da lei (artigo 4.º, n.ºs 2 e 3 da Lei n.º 51/2015), havendo, obviamente, que apurar, neste caso como no anterior, se houve ou não adesão do agente da infracção ao regime excepcional e, em caso afirmativo, proceder à atenuação/redução das coimas em causa nos termos legais, o que implica também novas decisões de aplicação das coimas.
Pelas razões expostas, as decisões administrativas de aplicação das coimas sindicadas nos presentes autos não podem manter-se - desde logo, porque há que graduar as coimas aplicadas dentro dos novos limites legais e eventualmente retirar as legais consequências do pagamento ao abrigo do regime excecional das taxas de portagem e/ou das coimas -, o que apenas poderá ser feito de modo adequado e eficiente pelos próprios Serviços, que não pelos Tribunais, a quem não cabe substituir-se à Administração nas decisões de aplicação coimas, antes escrutinar, se para tal solicitados, se tais decisões são conformes à Lei e ao Direito.
As decisões de aplicação de coimas que estão na origem dos presentes autos foram tomadas em momento anterior ao da entrada em vigor da nova Lei, mas esta repercute-se inelutavelmente nelas, como supra demonstrado, impedindo que possam subsistir nos termos em que foram proferidas.
Impõe-se, em consequência, a baixa dos autos à Autoridade Administrativa para que esta tenha a oportunidade de as rever ou renovar, em conformidade com o novo quadro legal, o que se determina.».

Em idêntico sentido, vejam-se, ainda, os Acórdãos desta Secção proferidos em 21/10/2015, nos procs. nsº 0719/15, 01043/15, 0983/15, 0833/15, 1059/15, em 28/10/2015, nos procs. nºs 0949/15, 01059/15, 0270/17, 0272/15, 0252/15 e em 11/11/2015, nos procs. nºs 01188/15, 0932/15 e 1247/15.
Por conseguinte, os recursos logram provimento pela mera procedência de questão prévia de conhecimento oficioso, ficando, por consequência, prejudicado o conhecimento das questões que neles haviam sido colocadas pelos Recorrentes.
…”.
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I - Justifica-se a admissão do recurso jurisdicional ao abrigo do nº 2 do artigo 73º do RGCO – para melhoria da aplicação do direito e promoção da uniformidade da jurisprudência – da decisão final que julgou verificada nulidade insuprível da decisão de aplicação da coima por esta não conter o cúmulo material das coimas aplicadas às infracções em concurso e a descrição das operações que contribuíram para a sua fixação, porquanto tal decisão se afigura desconforme à jurisprudência deste STA em casos semelhantes.
II - Estando em causa nos presentes autos decisões de aplicação de coimas por não pagamento ou pagamento viciado de taxas de portagem em infra-estruturas rodoviárias, p.p. pela Lei nº 25/2006, de 30 de Junho, e, sendo do conhecimento público que esta lei foi objecto de recente alteração pela Lei nº 50/2015, de 8 de Junho, concluindo-se que esta Lei se repercute necessária e inelutavelmente nas decisões de aplicação de coimas questionadas nos autos – por imposição constitucional e legal do princípio da aplicação retroactiva da lei nova mais favorável – haverá que oficiosamente ordenar a baixa dos autos à autoridade administrativa para que esta reveja ou renove as decisões de aplicação da coima em conformidade com o disposto na Lei nº 50/2015, de 8 de Junho.
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4. Termos em que acordam os juízes da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo em conceder provimento ao recurso por força da procedência de questão prévia de conhecimento oficioso, e, em consequência, revogar a decisão recorrida e determinar a baixa dos autos à autoridade administrativa para que reveja ou renove a decisão de aplicação da coima em conformidade com a Lei n.º 50/2015, de 8 de Junho, nos termos referidos.
Sem custas.
Lisboa, 30 de janeiro de 2019. – António Pimpão (relator) – Francisco Rothes – Aragão Seia.