Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0365/18.8BEVIS
Data do Acordão:10/28/2020
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:JOSÉ GOMES CORREIA
Descritores:NULIDADE DE SENTENÇA
FALTA DE FUNDAMENTAÇÃO
Sumário:Muito embora a não especificação dos fundamentos de facto e de direito da decisão constitua causa de nulidade do acórdão prevista no nº 1, al. b), do artº 615º do CPC, só a falta absoluta de motivação produz nulidade.
Nº Convencional:JSTA000P26572
Nº do Documento:SA2202010280365/18
Data de Entrada:02/13/2020
Recorrente:A.............
Recorrido 1:AT – AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Acordam, em conferência, na Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo


1.- A……………….., vem, nos termos do disposto no artigo 615.º nº 1 alínea b) e nº 4 do CPC, aplicável ex vi do artigo 1º do CPTA, arguir a nulidade do acórdão, nos termos e com os seguintes fundamentos:
“O recorrente defendeu que a introdução do nº 5 do art. 49º da LGT pela Lei n.º 66-B/2012, de 31.12, não tinha quaisquer efeitos de suspensão do prazo de prescrição que, por essa via, se havia consolidado em 31/12/2015.
O douto Acórdão agora proferido decide de forma diferente quanto a essa matéria, ditando a sua aplicação imediata, questão que apenas poderá vir a ser resolvida através de recurso extraordinário.
Acontece que,
A interpretação da aplicação imediata do nº 5 do art. 49º da LGT às relações jurídicas em constituição como as que aqui se discutem, em concreto quanto ao prazo de prescrição em curso, implica neste caso concreto a aplicação implícita da interpretação de que aquela norma tem efeitos retroactivos.
É que,
Essa norma dita que, a partir da sua entrada em vigor – 01/01/2013 - passa também a ser causa de suspensão da prescrição a instauração de inquérito.
Suspensão que dura durante a pendência daquele processo crime, até trânsito em julgado da decisão.
Ora, com o devido respeito por interpretação contrária, a decisão proferida por esse Venerando Tribunal faz uma aplicação que excede a da sua aplicação imediata para o futuro quando dita a suspensão deste prazo de prescrição com base em factos ocorridos antes da sua publicação,
Tornando (aparentemente) irrelevante que o inquérito aqui em causa tenha sido instaurado em 2010.
Ora,
O nº 5 do art. 49º fala concretamente em “instauração de qualquer inquérito criminal …” e não em pendência,
Pelo que, no limite, a interpretação ainda possível e consentânea com o espírito do legislador será a de que, os inquéritos instaurados após 01/01/2013 passam a ter efeito suspensivo de um prazo de prescrição em curso.
Mas,
Já não admite que a factos ocorridos anteriormente se atribuam efeitos que, à data, não tinham e
Nenhuma lei os dita.
Desta forma a interpretação dada neste caso à entrada em vigor daquela nova causa de suspensão viola o princípio da irretroactividade da lei, tornando-se inconstitucional por violação do princípio da segurança e protecção da confiança integrador do princípio do Estado de Direito Democrático, artigo 2º da CRP.
Porque o nº 5 do art. 49º fala em instauração de inquérito e esse facto – instauração - tem de ser posterior à sua entrada em vigor,
Não podendo relevar instaurações de inquéritos anteriores à entrada em vigor daquela norma.
Acontece que,
Quanto a isto, o Venerando Tribunal foi lacónico, dizendo apenas que é “irrelevante, por ora, que o inquérito tenha sido instaurado em 2010”,
Apresentando, assim, uma mera conclusão, sem qualquer circunstancialismo fáctico ou justificação jurídica para essa desconsideração.
E importa referir que, como se disse, esta questão foi suscitada no recurso, não podendo o Venerando Tribunal decidir sem considerar um facto relevante para a boa decisão da causa, nem justificando a sua omissão de pronúncia quanto a este.
Ao concluir dessa forma, o Venerando Tribunal não procedeu à necessária fundamentação fáctica e de Direito a que estava obrigado,
Determinando a nulidade do douto acórdão que aqui se arguiu e que
Esse Venerando Tribunal, doutamente suprirá,
Tanto mais que,
A interpretação dada, neste caso, à aplicação do art. 49º nº 5 da LGT, isto é,
Que, para feitos de aplicação desta norma, é irrelevante que o inquérito criminal nela prevista tenha sido instaurado antes ou depois da sua entrada em vigor
a manter-se, é inconstitucional por violação do princípio da confiança ínsito no princípio do Estado de Direito democrático (art. 2º da CRP),
o que agora se argui face à decisão proferida
Nestes Termos,
Requer a V. Exª que se digne a admitir a arguição da nulidade por falta de fundamentação de facto e de direito que quanto à questão colocada perante esse Venerando Tribunal, declarando nulo o acórdão proferido, seguindo-se os demais termos até final.”

Contra essa arguição não se manifestou a recorrida AT, apesar de notificada para sobre a mesma se pronunciar.

A EPGA pronunciou-se no sentido de que o acórdão reformando não padece dos vícios que o recorrente lhe aponta.

Satisfeitos os vistos legais, cumpre, pois, aquilatar se procede a arguida nulidade em vista do seu eventual suprimento.

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2. É pacífico o entendimento doutrinal e jurisprudencial de que uma vez proferido acórdão, imediatamente se esgota o poder jurisdicional do Tribunal relativo à matéria sobre que versa (cfr.artº.613º, nº.1, do C. P. Civil, na redacção da Lei 41/2013, de 26/6). Excepciona-se a possibilidade de reclamação com o objectivo da rectificação de erros materiais, suprimento de alguma nulidade processual, esclarecimento da própria sentença ou a sua reforma quanto a custas ou multa (cfr. artºs.613º, nº.2, e 616, nº.1, do C.P. Civil, na redacção da Lei 41/2013, de 26/6).
A reclamação, passível de interpor face a acórdão emanado de órgão jurisdicional está, como é óbvio, sujeita a prazos processuais, findos os quais aquele se torna imodificável, transitando em julgado. A imodificabilidade da decisão jurisdicional constitui, assim, a pedra de toque do caso julgado (cfr. artºs.619 e 628, do C.P.Civil, na redacção da Lei 41/2013, de 26/6).
Ora, porque a arguição de nulidade do Acórdão é admissível porque dele já não cabe recurso, impõe-se que este tribunal se pronuncie.
Apreciando:
O recorrente imputa à decisão recorrida a nulidade da falta de fundamentação de facto e de direito - artigo 615º, nº1, al. b) do NCPC- já que não fundamenta nem de facto nem de direito os motivos pelos quais não decidiu não decretar a suspensão.
A falta de motivação ou fundamentação da decisão judicial verifica-se quando o tribunal julga procedente ou improcedente um pedido mas não especifica quais os fundamentos de facto ou de direito que foram relevantes para essa decisão.
A nulidade decorre, portanto, da violação do dever de motivação ou fundamentação de decisões judiciais (artº 208 nº 1 da CRP e 154 nº 1 do NCPC).
A exigência de motivação da decisão destina-se a permitir que o juiz ou juízes convençam os terceiros da correcção da sua decisão. Através da fundamentação, o juiz ou juízes devem passar de convencidos a convincentes.
Compreende-se facilmente este dever de fundamentação, pois que os fundamentos da decisão constituem um momento essencial não só para a sua interpretação – mas também para o seu controlo pelas partes da acção e pelos tribunais de recurso.
Numa palavra: a exigência de fundamentação decorre da necessidade de controlar a coerência interna e a correcção externa da decisão.
No entanto, quanto a este ponto, há que distinguir cuidadosamente a falta absoluta de motivação – da motivação deficiente, medíocre ou errada.
O dever de fundamentação restringe-se às decisões proferidas sobre um pedido controvertido ou sobre uma dúvida suscitada no processo e apenas a ausência de qualquer fundamentação conduz à nulidade da decisão (154 nº 1 do NCPC).
Tem-se, porém, entendido que o que a lei considera nulidade é a falta absoluta de motivação; a insuficiência ou mediocridade da motivação é espécie diferente: afecta o valor doutrinal e persuasivo da decisão – mas não produz nulidade. Portanto, só a ausência total de qualquer fundamentação conduz à nulidade da decisão: se a decisão invocar algum fundamento de facto ou de direito – ainda que exasperadamente errado- está afastada a nulidade, no tocante à justificação fáctica e jurídica da decisão. Assim, pelo que respeita aos fundamentos de direito, não é forçoso que o juiz cite os textos da lei que abonam o seu julgado: basta que aponte a doutrina legal ou os princípios jurídicos em que se baseou.
Com efeito o tribunal não está vinculado a analisar e a apreciar todos os argumentos, todos os raciocínios, todas as considerações, todas as razões jurídicas produzidas pelas partes, desde que não deixe de apreciar e resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, exceptuadas, claro, aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras. Por isso é nula, a decisão que deixe de se pronunciar sobre questões que devesse apreciar, ou seja, quando se verifique uma omissão de pronúncia (artº 615 nº 1 d), 1ª parte, do CPC) (vide- Alberto dos Reis, Código de Processo Civil Anotado, Vol. V, Coimbra, 1984, pág. 140, Lebre de Freitas/Montalvão Machado/Rui Pinto, Código de Processo Civil Anotado, Coimbra, 2001, pág. 703, e Miguel Teixeira de Sousa, Estudos sobre o Novo Processo Civil, Lisboa, Lex, 1997, págs. 221 e 222).
Como refere Lebre de Freitas, “há nulidade quando falte em absoluto indicação dos fundamentos de facto da decisão ou a indicação dos fundamentos de direito da decisão, não a constituindo a mera deficiência de fundamentação” (In CPC, Anotado, pg. 297).
No mesmo sentido diz o Conselheiro Rodrigues Bastos, que “a falta de motivação a que alude a alínea b) do n.º 1 é a total omissão dos fundamentos de facto ou dos fundamentos de direito em que assenta a decisão; uma especificação dessa matéria apenas incompleta ou deficiente não afecta o valor legal da sentença” (in "Notas ao Código de Processo Civil", III, 194).
Deste modo, face à doutrina exposta, se conclui que a nulidade da sentença/acórdão não se verifica quando apenas tenha havido uma justificação deficiente ou pouco persuasiva, antes se impondo, para a verificação da nulidade, a ausência de motivação que impossibilite o anúncio das razões que conduziram à decisão proferida a final.
Para podermos apreciar se a decisão recorrida não justificou os respectivos fundamentos e se deixou de se pronunciar sobre qualquer questão que estivesse obrigada a conhecer, há que convocar o que se disse na decisão recorrida e sobre o problema de aplicação de leis no tempo, relativo aos efeitos suspensivos e interruptivos do prazo de prescrição do IRS, o qual, como é pacífico, é um imposto qualificado como periódico, dela resultando, como bem destaca a EPGA, que à situação em apreço e por via da aplicação do artigo 12º, nº 2, do CC que estabelece que: “Quando a lei dispõe sobre as condições de validade substancial ou formal de quaisquer factos ou sobre os seus efeitos, entende-se, em caso de dúvida, que só visa os factos novos;
Mas quando dispuser directamente sobre o conteúdo de certas relações jurídicas, abstraindo dos factos que lhes derem origem, entender-se-á que a lei abrange as próprias relações já constituídas, que subsistam à data da sua entrada em vigor”.
E, como ensina Baptista Machado, em Introdução ao Direito e Discurso Legitimador, pág. 243, “achando-se uma situação jurídica em curso de constituição, passa o respectivo processo constitutivo a ficar imediatamente subordinado à lei nova”.
E isto porque “é na vigência desta que a constituição (ou seja, o facto constitutivo” completo”) se vem verificar” (sublinhado nosso).
Ora, à data da entrada em vigor da referida Lei nº 66-B/2012, de 31/12 (1/01/2013), ainda estava em curso o prazo de prescrição da dívida exequenda de IRS.
Sendo certo que o nº 5 do artigo 49º, da LGT, introduzido pela acima mencionada Lei atribuiu efeito suspensivo à existência de um qualquer inquérito criminal, naturalmente em que estejam em investigação factos atinentes a uma concreta dívida tributária,
E refere que a duração da suspensão vai da instauração do inquérito até ao arquivamento ou trânsito em julgado da sentença,
Assim sendo, a pendência desse inquérito criminal determina a suspensão do prazo de prescrição, sendo irrelevante, por ora, que o inquérito tenha sido instaurado em 2010.
Sendo assim, como é, é forçoso concluir que o Acórdão se encontra suficientemente fundamentado, quer de facto quer de direito, e face à configuração legal e jurisprudencial desta questão, inverificando-se, pois a assacada nulidade do Acórdão reclamado.
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3. -DECISÃO

Nesta conformidade, acordam, em conferência, os Juízes da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo, indeferir a arguição de nulidade do acórdão que assim se mantém nos seus precisos termos.

Custas pelo requerente.

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Lisboa, 28 de Outubro de 2020. - José Gomes Correia (relator) – Nuno Filipe Morgado Teixeira Bastos – Gustavo André Simões Lopes Courinha.