Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0183/20.3BELRS
Data do Acordão:09/16/2020
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:ANÍBAL FERRAZ
Descritores:INCOMPETÊNCIA
Sumário:Sendo preciso dirimir controvérsia factual, que, além do mais, pode ter de passar pela reformulação do probatório, atividade em que o tribunal, de apelo, poderá necessitar de desenvolver (ou mandar realizar) diligências de prova, não estamos perante recurso que tem em matéria de direito o seu único, exclusivo, fundamento, pelo que, o Supremo Tribunal Administrativo é incompetente, em razão da hierarquia, para o respetivo conhecimento / julgamento.
Nº Convencional:JSTA000P26322
Nº do Documento:SA2202009160183/20
Data de Entrada:07/29/2020
Recorrente:A..........., LDA
Recorrido 1:AT – AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: ***
Acórdão proferido no Supremo Tribunal Administrativo (STA), com sede em Lisboa;

# I.

A……….., Lda., com os restantes sinais dos autos, recorre da sentença proferida, no Tribunal Tributário (TT) de Lisboa, em 3 de junho de 2020, que julgou improcedente reclamação de ato/decisão do órgão da execução fiscal e manteve na ordem jurídica despacho que indeferiu pedido de reconhecimento da prescrição das dívidas, no âmbito dos processos de execução fiscal (PEF) n.º 3247200201070576 e outros.
A recorrente (rte) formalizou alegação, terminada com o seguinte quadro conclusivo: «

A. Os processos de execução fiscal objecto da reclamação judicial, referem-se a dívidas tributárias em que os respectivos factos tributários ocorreram há mais de 8 anos atrás.

B. Nos processos de execução fiscal acima mencionados, as citações da RECORRENTE, ocorreram por VIA POSTAL, entre maio de 2003 e Outubro de 2011, com excepção para o processo n.º 3247201101212745 em que a interrupção ocorreu em 24/12/2011, começando, a partir dessas datas, a correr novo prazo de prescrição, o qual se completou entre 15/05/2011 e 26/09/2019, e em 24/12/2019 relativamente à execução atrás referida.

C. A citação postal, efectuada nos termos do disposto no art.º 191.º do CPPT, tem um efeito interruptivo da prescrição meramente instantâneo, começando a correr novo prazo a partir da data de ocorrência do facto interruptivo.

D. Desde a data da ocorrência dos factos tributários, que as fases de liquidação dos tributos e da execução das dívidas prosseguiram os seus trâmites legais, sem qualquer iniciativa por parte da Executada.

E. À luz do disposto no n.º 1 do art.º 48.º da LGT, as dívidas tributárias, a que respeitam os processos executivos acima identificados já se encontram prescritas.

F. O prazo de prescrição interrompeu-se nos termos do disposto no n.º 1 do art.º 49.º da LGT, com as citações.

G. Ou seja, as dívidas tributárias, a que respeitam os presentes processos de execução fiscal, prescreveram entre 15/05/2011 e 26/09/2019, e em 24/12/2019 relativamente à execução n.º 3247201101212745.

H. Pelo que a sentença Recorrida, violou o disposto no n.º 1 do art.º 48.º e n.º 1 do art.º 49.º da LGT.

Sem conceder com o supra exposto e por cautela de patrocínio importa referir o seguinte:

I. Contrariamente ao referido na sentença recorrida, a interrupção da prescrição, decorrente da citação, tem um efeito instantâneo, reiniciando-se, a partir desse momento, a contagem do prazo de prescrição.

J. O regime previsto no n.º 1 do art.º 327.º do cc, está pensado e estruturado para o contencioso civil de plena jurisdição, não sendo aplicável à relação tributária, uma vez que este apresenta profundas diferenças em relação ao contencioso civil.

K. A aplicação do regime previsto no n.º 1 do art.º 327.º do CC, viola o regime previsto no n.º 1 do art.º 49.º da LGT.

L. Sendo outrossim violador do regime da legalidade tributária previsto no n.º 1 e alínea a) n.º 2 do art.º 8.º da LGT.

M. À luz do disposto no art.º 11.º da LGT, que não é possível interpretar este preceito, no sentido de ser atribuído efeito duradouro à interrupção da prescrição, ocorrida com as citações nos processos de execução fiscal sub judice, no sentido de o prazo de prescrição só reiniciar após a decisão que põe termo ao processo de execução.

N. Tal entendimento viola outrossim o princípio da legalidade, ínsito no n.º 2 do artigo 103.º da CRP, conjugado com o disposto no n.º 4 do artigo 11.º da LGT,

O. Isto porque o legislador tributário quis regular de forma completa na LGT o regime da prescrição, estabelecendo os prazos especiais e os eventos que determinam a sua interrupção e a suspensão.

P. A prescrição, em direito tributário, tem de ter um prazo efetivo e esse prazo tem de ter um fim igualmente efetivo, não sendo legalmente admissível propugnar, designadamente pela aplicação do normativo civil, no sentido de que o prazo de prescrição só se inicia com o fim do processo de execução fiscal.

Q. Atendendo ao disposto nas alíneas a) e b) do n.º 1 do art.º 176.º, n.º 1 do art.º 264.º e n.º 1 do art.º 269.º, todos do CPPT, é inequívoco que o processo de execução fiscal só termina com o pagamento, voluntário ou coercivo.

R. Se o prazo de prescrição apenas se inicia com o fim do processo de execução fiscal, como se defende no despacho impugnado, e se o processo de execução fiscal só finda com o pagamento, em rigor o prazo de prescrição nunca chega sequer a iniciar-se, o que é um absurdo.

S. A prescrição dos créditos tributários constitui uma das garantias dos contribuintes, maxime a necessidade de segurança jurídica para os contribuintes, consagrada no artigo 2.º da CRP.

T. O entendimento da sentença recorrida leva a que, no caso vertente, apesar de estarmos em 2020, e da dívida se reportar a factos ocorridos entre 2002 e 2011, o prazo de prescrição ainda nem sequer se tenha iniciado, pois ainda não cessou o processo de execução fiscal (!!??!!).

U. O instituto da prescrição, previsto no art.º 48.º da LGT é incompatível com o entendimento vertido na sentença recorrida [efeito duradouro do facto interruptivo], porquanto torna juridicamente impossível a sua aplicação, o que consubstancia outrossim a violação do princípio da defesa e da proteção jurisdicional efetiva, estabelecidos nos artigos 20.º n.º 1 e 268.º n.º 4 da CRP e no art.º 9.º da LGT.

V. Da sentença recorrida resulta que a prescrição dos créditos tributários, na prática, jamais ocorre, o que é incompreensível, se atentarmos na intenção do legislador de encurtar o prazo de prescrição para 8 (oito) anos.

W. Acresce que no caso vertente, a matéria de facto dada como provada refere dois autos de penhora, um dos quais em 2010 e outro em 2017.

X. Desde 2010, data da citação, que a AT poderia e deveria ter promovido de forma diligente os processos executivos, efectuando penhoras de bens móveis.

Y. Os autos mostram que só em 2010 e em 2017 foram realizadas penhoras sendo que, volvidos mais de sete anos sobre estas diligências, nada mais foi efectuado pela AT.

Z. A AT demorou quase sete anos [tantos quanto a totalidade do prazo de prescrição] para iniciar diligências de penhora sem que existisse qualquer incidente processual que o justificasse, por inércia, ineficiência ou de forma intencional para contornar o prazo de prescrição, sendo que, nenhuma destas razões pode ser imputada ao contribuinte.

AA. A AT tem sido absolutamente inerte na promoção da cobrança dos créditos executivos, com o único propósito de evitar a declaração de falhas, controlando, assim, de acordo com a sua conveniência de credora, o prazo de prescrição.

BB. Há muito que a AT sabe que os bens penhorados são de valor muito reduzido, e que, nessa medida, são insuficientes para obter o pagamento dos seus créditos.

CC. Conforme consta do despacho reclamando, não houve ainda reversão contra os responsáveis solidários.

DD. Sendo certo que, atento do disposto no n.º 2 do art.º 48.º da LGT, tal não se afigura neste momento legalmente possível.

EE. Note-se que alguns dos processos foram instaurados há mais de 17 anos.

FF. A AT mantém os presentes processos de execução fiscal em aberto, com o único propósito de evitar a declaração de falhas.

GG. No caso vertente, a invocação pela AT do efeito duradouro da interrupção da prescrição, ao abrigo do disposto no n.º 1 art.º 49.º da LGT, constitui uma flagrante situação de abuso de direito, pela AT, na vertente do “venire contra factum próprio”, conduta esta que é proibida pelo art.º 334.º do CC.

Termos em que, com o mui douto suprimento de V.Exas., se requer seja dado provimento ao presente recurso PER SALTUM, revogando-se a decisão recorrida, substituindo-a por outra que julgando procedente a reclamação judicial apresentada pela RECORRENTE, declare a prescrição de todas as dívidas tributárias a que correspondem os processos executivos identificados na reclamação judicial declarando os mesmos extintos.

Com o que se fará a costumada justiça»


*

Não foram produzidas contra-alegações.

*

Por despacho do relator, foi suscitada a incompetência, em razão da hierarquia, da Secção de Contencioso Tributário, do STA, para conhecer deste apelo.

Notificadas as partes do seu conteúdo, a recorrente (rte) veio reiterar que este recurso versa sobre matéria, exclusivamente, de direito, sendo este tribunal competente para o julgar.


*

Com dispensa de vista, compete apreciar e decidir a coligida exceção.

*******

# II.


Na sentença, em sede de julgamento factual, expressou-se: «

(…).

1) Entre 30-08-2002 e 14-11-2011, o OEF instaurou contra a Reclamante os PEF seguintes:

(cf. certidões a fls. 63 a 126 do SITAF);

2) Em 07-01-2010, foram apensos ao PEF n.º 3247200901141805 os PEF n.ºs 3247200501124722, 3247200501127616, 3247200501171089, 3247200601057650, 3247200601150880, 3247200601200747, 3247200701034375, 3247200701039369, 3247200701099469, 3247200701113275, 3247200701136313, 3247200701191764, 3247200801197711, 3247200801208745, 3247200901025775, 3247200901079000, 3247200901119788, 3247200901149091, 3247200901152998 e 3247201001080172, descritos em 1) (cf. ofício a fls. 197 a 202 do SITAF);

3) Em 04-05-2010, foram apensos ao PEF n.º 3247200901201818 os PEF n.ºs 3247200901209817, 3247201001030329, 3247201001127276, 3247201001132873, 3247201101022032, 3247201101064541, 3247201101087886, 3247201101093045, 3247201101139312, 3247201101149350, 3247201101154001 e 3247201101212745, descritos em 1) (cf. ofício a fls. 197 a 202 do SITAF);

4) Em 09-08-2010, o OEF produziu em nome da Reclamante o ofício n.º 13742, registado com aviso de receção, do qual se extrai, nomeadamente, o seguinte:

«[...] IDENTIFICAÇÃO DA DíVIDA EM COBRANÇA COERCIVA

N.º PROCESSO: 3247200901141805 E APENSOS [...]

OBJECTO E FUNÇÃO DA CITAÇAO

Pelo presente fica citado(a) de que foi (foram) instaurado(s) neste Serviço de Finanças contra V.Exa.(s) o(s) processos(s) de execução fiscal supra indicado(s), devendo proceder ao pagamento da dívida exequenda e acrescido no prazo de 30 (trinta) dias a contar da concretização desta citação.

No mesmo prazo poderá requerer o pagamento em regime prestacional, nos termos do Art.º 196º do C. P. P. T., e/ou a dação em pagamento nos termos do Art.º 201º do mesmo código ou então deduzir oposição judicial com base nos fundamentos prescritos no Artº. 204º do Código de Procedimento e de Processo Tributário. [...]»

(cf. ofício a fls. 127 e 128 do SITAF);

5) Em 13-08-2010, foi assinado um aviso de receção de citação via postal emitido pelo OEF em nome da Reclamante (cf. aviso a fls. 127 e 128 do SITAF);

6) Entre 15-05-2003 e 24-12-2011, a Reclamante recebeu 14 ofícios emitidos pelo OEF por via postal simples com vista à sua citação nos PEF abaixo indicados e descritos em 1):

(cf. informação a fls. 168 a 168 e ofícios a fls. 197 a 202 e 215 a 219 do SITAF);

7) Em 22-05-2010, o OEF emitiu em nome da Reclamante um documento designado “AUTO DE PENHORA” no âmbito do PEF n.º 3247200901141805 e apensos (cf. auto a fls. 146 a 164 do SITAF);

8) Em 11-05-2017, o OEF emitiu em nome da Reclamante um documento designado “AUTO DE PENHORA” no âmbito do PEF n.º 3247200901201808 e apensos (cf. auto a fls. 129 a 145 do SITAF);

9) Na mesma data, o OEF emitiu em nome da Reclamante um documento designado “AUTO DE PENHORA” no âmbito do PEF n.º 3247200901141805 e apensos (cf. auto a fls. 129 a 145 do SITAF);

10) Em 01-10-2019, deu entrada no OEF um requerimento da ora Reclamante do qual se extrai requerer a prescrição dos PEF descritos em 1) (cf. Doc. 3 junto à PI a fls. 4 a 60 do SITAF);

11) Em 14-10-2019, os serviços do OEF elaboraram em nome da Reclamante uma informação da qual se extrai, além do mais, o seguinte:

«[...] Factos interruptivos (art° 49° n° 1 da Lei Geral tributária)

Em todos os processos executivos supra identificados verifica-se que o 1º Facto interruptivo se deu com a citação.

Factos suspensivos (art.° 49° n° 4 e 5 da Lei Geral tributária)

Para apuramento do eventual período suspensivo previsto o art° 49° da LGT, verifica-se não que não houve períodos suspensivos pelos seguintes motivos:

* Não houve pedido pagamento em prestações solicitado pelo contribuinte, observando o disposto na alínea a) do n° 4).

* Verifica-se por consulta ao sistema informático SEFWEB e SICJUT, que não houve contencioso administrativo ou judicial, caso tivesse sido constituída garantia nos termos do art° 199° CPPT, observando o disposto na alínea b) do n° 4).

* O serviço de finanças não tem conhecimento de registos sobre instauração de ação de Impugnação Pauliana intentada pelo Ministério Publico, observando o disposto na alínea c) do n° 4).

* Não se pode considerar o disposto no n° 4 alínea d) visto que se refere a bem imóvel afeto a habitação própria e permanente.

* Nos termos do n 5 da mesma disposição legal, verifica-se, por consulta ao sistema informático SINGUER, não existir ativo qualquer processo de inquérito instaurado pela divisão de Processos Criminais Fiscais.

No entanto, não obstante o já referido, para análise do petitório, tendo em conta o despacho de 25-10-2018 do Diretor de Finanças de Lisboa cujo assunto é “Efeito dos atos interruptivos da prescrição relativamente às obrigações Tributárias”, carece de análise cuidada a tramitação dos processos executivos em questão, verificando-se o estipulado no art.º 326° e 327° n° 1 do Código Civil, que vem esclarecer que a interrupção da prescrição decorrente da citação do executado prevista no n° 1 do art.° 49° da LGT, não apenas inutiliza para a prescrição o tempo decorrido anteriormente, como começa a correr novo prazo a partir do ato interruptivo, enquanto o processo executivo não findar.

Tem sido entendimento doutrinário e jurisprudencial que a declaração em falhas prevista no artº 272° do código do Procedimento e Processo Tributário (CPPT), no processo de execução fiscal, se considera como termo do processo para efeitos de contagem de novo prazo de prescrição (cfr. Jorge Lopes de Sousa, Áreas Editora 2º Edição, pg. 61 e 62 e acórdão do Supremo tribunal Administrativo de 05/04/2017, processo n° 0304/17 e de 31-01-2018 processo n° 021/18.)

Institui a declaração em falhas do artº 272° Código Procedimento Processo Tributário, o seguinte: “Será declarada em falhas pelo órgão da execução fiscal a dívida exequenda e acrescido quando, em face de auto de diligência, se verifique (...) a falta de bens penhoráveis do executado, seus sucessores e responsáveis solidários ou subsidiários.”

Ora, por consulta ao processo executivo e aos vários sistemas informáticos disponíveis para consulta, verifica-se;

* Existir auto de penhora de 11-05-2017 com relação de vários bens móveis, cuja fiel depositária designada, na qualidade de Sócia gerente foi, B………., NIF ………, para fazer face a processo executivo identificado com os n°s 3247200901141805 e aps. e 3247200901201808 e aps.

* Encontram por concluir os procedimentos de venda dos bens penhorados.

* Não existe ativa nenhuma reversão contra os responsáveis subsidiários, prevista no art.º 24° da Lei Gera! Tributária.

Por consulta à certidão permanente do registo da Sociedade, verifica-se;

* B………, NIF ………. como sócio-gerente da sociedade nomeada por deliberação de 2002/05/28.

* C…………, NIF ……….., gerente nomeado por deliberação em 2007-11-24. Por consulta ao sistema informático de visão do contribuinte, verifica-se que ocorreu o óbito em 2015-04-10.

* A Sociedade obriga à assinatura de 2 gerentes.

Pelo exposto, verificando-se que os processos executivos não foram declarados em falhas, por não reunirem os pressupostos estabelecidos no artº 272° do CPPT, consequentemente, não se iniciou novo prazo para efeitos de contagem de prescrição. [...]»

(cf. Doc. 1 junto à PI a fls. 4 a 60 do SITAF);

12) Na mesma data, a Chefe do OEF produziu sobre a informação descrita em 11) o seguinte despacho:

«Considerando a informação que antecede, tendo em consideração o estabelecido no artº 49° da Lei Geral Tributária e no artº 326° e 327° do Código Civil, conclui-se pelo indeferimento do pedido de reconhecimento de prescrição nos processos executivos supramencionados.»

(cf. Doc. 1 junto à PI a fls. 4 a 60 do SITAF);

13) Em 15-10-2019, o OEF emitiu em nome da Reclamante um ofício com assunto “Despacho - Apreciação pedido prescrição” (cf. Doc. 1 junto à PI a fls. 4 a 60 do SITAF);

14) Em 07-11-2019, deu entrada no OEF a petição da presente reclamação (cf. informação a fls. 165 a 168 do SITAF);

15) Em 21-11-2019, o PEF n.º 3247200501096516 foi extinto (cf. ofício a fls. 197 a 202 do SITAF);

16) Em 28-01-2020, deram entrada neste Tribunal os presentes autos (cf. registo do SITAF).»


***

Nos termos (entre outros normativos vertidos no Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais (ETAF) e que apontam no mesmo sentido Arts. 26.º alínea b) e 38.º alínea a).) do disposto no art. 280.º n.º 1 do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT), das decisões dos tribunais tributários (de 1.ª instância) cabe recurso a interpor, em primeira linha, para os, dois, Tribunais Centrais Administrativos, “salvo quando a decisão proferida for de mérito e o recurso se fundamente exclusivamente em matéria de direito”, caso em que tal apelo tem de ser interposto para a Secção de Contencioso Tributário do STA. A violação desta regra de competência, em razão da hierarquia, determina, por previsão explícita do art. 16.º n.º 1 do CPPT, a incompetência absoluta do tribunal, a que é, indevidamente, dirigido o recurso.

Versando a delimitação de competências entre o STA e o/s TCA/s para o conhecimento de recursos visando decisões dos tribunais tributários, o Exmo. Conselheiro Jorge Lopes de Sousa Cf. Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT), anotado, 4.ª edição, Vislis, pág. 144 segs. dá nota das posições que sobre a matéria o STA tem vindo a adotar (há longo tempo) de forma unânime e reiterada.

Assim, é inquestionável e perfeitamente percetível dever entender-se que um recurso “não tem por fundamento exclusivamente matéria de direito sempre que nas conclusões das respectivas alegações (…), o recorrente pede a alteração da matéria fáctica fixada na decisão recorrida ou invoca, como fundamento da sua pretensão, factos que não têm sequer suporte na decisão recorrida, independentemente da atendibilidade ou relevo desses factos para o julgamento da causa” Nos específicos termos utilizados pelo Ac. STA de 15.11.2006, rec. 461/06, “…, o que há a fazer para decidir a questão da competência hierárquica, é apenas verificar se o recorrente pede a alteração da matéria de facto ou invoca factos que não vêm dados como provados (…)”.. E também não tem esse imprescindível e específico fundamento “… se em recurso for pedida a apreciação da necessidade de realização de diligências (de) prova ou sua determinação”. Acresce o ditame de que “a questão da competência (…) tem de ser decidida em face do quid disputatum ou quid decidendum e não em face daquilo que, na sequência da actuação do tribunal competente, será mais tarde o quid decisum”.

Como, já, se havia avançado no despacho, preliminar, acima mencionado, perscrutado o conteúdo das conclusões formuladas pela rte, sem perder de vista a alegação que sintetizam, em primeira linha, logo, se deteta que o conteúdo da conclusão B. está em manifesta, objetiva, contradição com o que, no tribunal recorrido, foi julgado provado; concretamente, enquanto no facto 4) está comprovado que em “09-08-2010, o OEF produziu em nome da Reclamante o ofício n.º 13742, registado com aviso de receção, do qual se extrai, nomeadamente, o seguinte: «[...] IDENTIFICAÇÃO DA DIVIDA EM COBRANÇA COERCIVA N.º PROCESSO: 3247200901141805 E APENSOS [...]”, na conclusão referida, a rte aduz que as citações de todos os processos executivos, contra si pendentes, ocorreram por “Via Postal”, entre maio de 2003 e dezembro de 2011, percebendo-se, com o acrescento da conclusão C., querer referir e invocar (para retirar consequências jurídicas) o regime da citação prevista no art. 191.º do CPPT.

Assim sendo Registe-se não ser, integralmente, correto o invocado, pela rte, no ponto 3. da resposta ao despacho do relator que despoletou a exceção da incompetência do STA, « Com efeito, no recurso apresentado, a RECORRENTE expôs no art.º 6.º do seu articulado, a matéria de facto dada como provada, que reproduziu integralmente, à qual aderiu incondicionalmente. », porquanto, nesse ponto da alegação não são reproduzidos “integralmente”, todos, os factos julgados provados na sentença e, igualmente, inexiste qualquer adesão incondicional (aos mesmos)., encontramo-nos, aqui, nitidamente, na presença de recurso em que a rte invoca, como fundamento da sua pretensão No sentido de, além do mais, se considerar que “em face das notificações postais (tal como descrito no ponto 6 da matéria de facto da sentença), o efeito da interrupção da prescrição nunca poderia ser duradouro mas sim instantâneo;”., factualidade que não tem suporte na decisão recorrida, mostrando-se mesmo contraditória, com a que, aí, se encontra elencada sob os n.ºs 4), 5) e 6).

Outrossim, visto o conteúdo das conclusões X., Y. e BB., conjugado com o teor da alegação correspondente (arts. 103º. a 114º.), conclui-se que a rte, por entre, evidentes, pronunciamentos jurídicos, invoca realidades (factos) não assumidas, como demonstradas, provadas, pela sentença recorrida.

Finalmente, porque a finalidade última deste recurso é aquilatar da (eventual) prescrição da dívida exequenda, titulada nos 35 (trinta e cinco) processos de execução fiscal, ainda, pendentes contra a rte, tratando-se, pois, de matéria de conhecimento oficioso, imediatamente, detetamos a necessidade do desenvolvimento de diligências probatórias (conferir documentação e retirar factos do respetivo conteúdo) que, quanto ao processo n.º 3247200201070576, instaurado no ano de 2002 e em que a rte foi citada a 15 de maio de 2003, esclareçam da respetiva tramitação, a partir da data em que foi autuado, por, potencialmente, estar abrangido pelo disposto no art. 49.º n.º 2 da Lei Geral Tributária (LGT), na redação anterior à introduzida, a partir de 1.1.2007, pela Lei n.º 53-A/2006 de 29 de dezembro. Ora, estatutariamente, o STA não pode intervir neste quadrante…

Sem prejuízo de outras realidades que possam (ou devam) ser versadas, em consequência do tratamento deste aspeto, para o consciencioso julgamento deste recurso, é manifesto que, havendo precisão de dirimir controvérsia factual/probatória, não estamos defronte de apelo cujo único, exclusivo, fundamento, é matéria de direito.

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# III.

Pelo exposto, acordamos declarar o Supremo Tribunal Administrativo incompetente, em razão da hierarquia, para conhecer do corrente recurso jurisdicional.


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Custas pela recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 2 UC.

*

Oportunamente, remeta-se (cf. art. 18.º n.º 1 do CPPT) o processo, ao Tribunal Central Administrativo Sul (TCAS).

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[Texto redigido em meio informático e revisto, com versos em branco ]

Lisboa, 16 de setembro de 2020 – Aníbal Ferraz (relator) – Paula Fernanda Cadilhe Ribeiro – Francisco Rothes.