Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0491/15.5BEMDL 0420/18
Data do Acordão:02/03/2021
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:GUSTAVO LOPES COURINHA
Sumário:I – A nulidade da sentença por falta de fundamentação só ocorre quando se verifica uma ausência absoluta de fundamentação e não quando existe uma fundamentação ainda que muito concisa e pouco convencional.
II – A omissão de pronúncia tem lugar quando o tribunal não tome posição sobre qualquer questão que devesse conhecer, não justificando o seu não conhecimento e que tal não conhecimento não se mostre prejudicado pelo conhecimento dado a outras questões.
Nº Convencional:JSTA000P27109
Nº do Documento:SA2202102030491/15
Data de Entrada:04/26/2018
Recorrente:AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA (AT)
Recorrido 1:A............
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Acórdão da Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo


I – RELATÓRIO

I.1 Alegações
Fazenda Pública, vem recorrer da decisão do Tribunal Administrativo e Fiscal de Mirandela, datada de 10 de março de 2017, a qual julgou a procedente a impugnação judicial deduzida por A………….. contra o indeferimento da reclamação graciosa interposta contra a liquidação adicional de IRS e respetivos compensatórios do exercício de 2009, no montante global de € 348,946,56.
Apresenta as suas alegações de recurso, formulando as seguintes conclusões:
I. Nos autos a margem melhor identificados, foi proferida sentença, julgando a impugnação judicial procedente e, em consequência, de harmonia com o pedido formulado pela IMPUGNANTE, anulando as liquidações impugnadas, aresto contra o qual vem dirigido o presente recurso jurisdicional.
II. Para tanto, o Tribunal a quo entendeu que, por um lado, não poderia ter havido lugar à emissão das liquidações impugnadas enquanto não houvesse decisão definitiva ou transitada em julgado que pusesse termo final ao recurso judicial da fixação da matéria tributável por métodos indirectos interposto pela IMPUGNANTE e que, por outro lado, as liquidações impugnadas estão feridas de vício de forma de falta de fundamentação.
III. Contudo, sempre com elevado e devido respeito por melhor opinião, que é muito, e com a devida vénia, a douta sentença sob recurso ferida de nulidade, por omissão de pronúncia não especificação dos fundamentos de direito que justificaram a decisão e ambiguidade e obscuridade que tornam a decisão ininteligível (cfr. artigo 615º,nº1, alíneas b),c) e d) do Código de Processo Civil (CPC)).
IV. Por outro lado, há omissão de pronúncia, porque o Tribunal a quo não se pronunciou sobre todas as questões suscitadas pelas partes, designadamente, em primeiro lugar e para o que aqui importa, sobre questão da cessação do efeito anulatório do vício que imputou às liquidações impugnadas, em face da norma contida no artigo 163º, nº5, do CPA, designadamente da inexistência de decisão definitiva ou transitada em julgado no recurso judicial da decisão de fixação da matéria tributável por métodos indirectos interposto pela impugnante.
V. Em segundo lugar, porque não se pronunciou sobre a posição sustentada pela FAZENDA PÚBLICA, quanto à alegada falta de fundamentação das liquidações impugnadas, designadamente que, em face de todo o processado desde a acção de inspecção tributária de que a IMPUGNANTE foi alvo até à emissão das liquidações impugnadas, emitidas com fundamento nas conclusões vertidas no relatório de tal inspecção tributária, com as correcções impostas pelas subsequentes decisões proferidos pelo poder jurisdicional, a Impugnante era perfeita conhecedora dos fundamentos de facto e de direito das liquidações impugnadas, não estando o seu direito a uma defesa totalmente esclarecida minimamente posto em causa.
VI. Por outro lado, há não especificação dos fundamentos de direito que justificaram a sua decisão, porque eles pura e simplesmente inexistem, não sendo possível, através do respectivo argumentário, perceber em que medida é que, à luz do direito e no caso concreto, não cessou o efeito anulatório do vício de inexistência de uma decisão definitiva ou transitada em julgado que tivesse posto termo ao recurso judicial da decisão de fixação da matéria tributável por métodos indiretos, que seria impeditivo da emissão das liquidações impugnadas ou em que medida, à luz do direito e no caso concreto, as liquidações estão feridas do vício de forma de falta de fundamentação.
VII. Finalmente, há ambiguidade e obscuridade, porque o Tribunal a quo, chamado a dirimir o conflito entre as partes, ao invés de se pronunciar ou, por assim dizer, responder às questões por elas suscitadas, limita-se a suscitar outras questões ou a fazer perguntas, que no final deixa sem resposta, oque, em face do argumentário, torna a decisão ininteligível.
VIII. Tanto basta para que a douta sentença sob recurso seja reputada de nula, com todas as consequências legais.
IX. Ainda que assim não fosse, o que apenas por hipótese académica se deixa sugerido, sempre diríamos que o Tribunal a quo incorreu em errada interpretação e aplicação do direito, pois está em causa, por um lado, o princípio do aproveitamento do acto administrativo, que tem a sua génese nos princípios da economia dos actos públicos, da boa administração e do interesse público.
X. De facto, constando-se como se constata que, independentemente da sua emissão ter tido lugar antes ou depois de haver decisão definitiva ou transitada em julgado do recurso judicial da decisão da fixação da matéria tributável por métodos indirectos interposto pela impugnante, as liquidações impugnadas teriam sempre e exactadamente o mesmo conteúdo, não podia haver lugar à sua anulação, pois isso redundaria em actos desnecessários e evitáveis, tendentes à morosidade e à ineficiência da actividade administrativa, bem como inobservância do interesse público, porquanto os actos de liquidação impugnados seriam anulados para, em seu lugar, serem emitidas novas liquidações, em tudo iguais às anteriores.
XI. Dai que a norma do artigo 163º, nº5, do (novo) CPA determine a cessação do efeito anulatório de quaisquer vícios, formais o materiais, quando se verifique que, sem margem para quaisquer dúvidas, como aqui se verificou, que, mesmo sem o vício, os actos teriam exactamente o mesmo conteúdo decisório.
XII. Por outro lado, não podem as liquidações impugnadas ser reputadas de não fundamentadas, pois, mais do que saber no que se concretizava, em concreto, a fundamentação das mesmas, o primeiro critério para se aferir a correcta ou incorrecta fundamentação de um acto administrativo, ainda que em matéria tributária, será o de saber se o seu destinatário tinha assegurado o seu direito a uma defesa totalmente esclarecida, por ser bem conhecedor de todos os fundamentos de facto e de direito que estiveram na sua génese.
XIII. No caso concreto verificamos que, num quadro mais alargado, a IMPUGNANTE recorreu judicialmente da decisão de fixação da matéria tributável por métodos indirectos, recorreu ainda do acórdão proferido pelo TCAN, tendo tido, em todo esse percurso, conhecimento do teor integral do relatório da inspecção tributária de que foi alvo, da douta sentença proferida pelo TAF de Mirandela, do douto acórdão proferido pelo TCAN e da decisão sumária do TC.
XIV. Mais, emitidas as liquidações, apresento, sucessivamente reclamação graciosa e impugnação judicial das mesmas, com o consequente conhecimento do teor integral de decisão de indeferimento da reclamação graciosa.
XV. Serve isto para dizer que, nesta altura, não é seriamente defensável ou admissível que a IMPUGNANTE não tenha cabal conhecimento de todos os fundamentos de facto e de direito que estiveram na base da emissão das liquidações impugnadas, com prejuízo para o seu direito a uma defesa esclarecida.
XVI. Razões pelas quais, não vindo a douta sentença sob recurso a ser declarada nula, sempre os argumentos da impugnante seriam de proceder.

I.2 – Contra-alegações
Foram produzidas contra-alegações no âmbito da instância de recurso com o seguinte quadro conclusivo:

A) O que estava em apreço nestes autos eram os vícios imputados pela Recorrida à liquidação impugnada: (i) nulidade por violação do artigo 89.º-A, n.º 7 da Lei Geral Tributária (LGT) e (ii) a nulidade por falta de fundamentação. Ambos foram devidamente apreciados pelo Tribunal a quo, que entendeu que ambos se verificam, secundando o entendimento da Recorrida e deixando claros os seus motivos.
B) A discordância da Recorrente com essa apreciação é algo que não gera a nulidade da sentença, seja por omissão de pronúncia, seja por ambiguidade ou obscuridade.
C) A Recorrente assume que errou ao proceder à liquidação impugnada no momento em que o fez, ou seja, assume a violação do artigo 89.º-A, n.º 7 da LGT, da qual resulta a sua invalidade.
D) Contrapõe, no entanto, a não produção do efeito anulatório, nos termos do artigo 163.º, n.º 5 do Código de Procedimento Administrativo (CPA), na sua redação atual. Argumento que não procede.
E) Primeiro, porque a invalidade da liquidação aqui em causa é uma nulidade e não uma anulabilidade. O vício da liquidação afeta de forma clara o conteúdo de um direito fundamental: o de acesso ao direito e tutela jurisdicional efetiva (v. artigo 20.º da Constituição da República Portuguesa).
F) A interpretação do artigo 89.º-A, n.º 7 da LGT no sentido de que o ato de liquidação praticado em violação do efeito suspensivo padece de mera nulidade é inconstitucional por violação desse direito fundamental de acesso ao direito e tutela jurisdicional efetiva.
G) Segundo, porque a liquidação impugnada foi emitida ainda no ano de 2014, ou seja, antes da entrada em vigor do atual CPA, sendo aplicável a anterior redação em que a norma agora invocada não tinha paralelo, designadamente os artigos 135.º e 136.º. Inexiste por isso fundamento legal para a não produção do efeito anulatório.
H) Quanto ao não fundamentação do ato, a verdade é aqui muito simples: da decisão final de fixação da matéria coletável para os valores constantes da liquidação impugnada dá-se um salto não justificado, numa operação matemática não explicada. Uma operação só com resultado, sem matéria coletável nem taxa de imposto.
I) É omisso o valor do rendimento tributável, assim como é omisso o valor da taxa de imposto aplicada. O ato impugnado na verdade não contém nenhuma operação de liquidação de imposto, mas unicamente o valor a pagar. Falta-lhe, por isso, os elementos mais básicos descritos no artigo 77.º, n.º 2 da LGT: as operações e apuramento da matéria tributável e do tributo.
J) É evidente que isto não é um ato fundamentado, pelo que esteve bem o Tribunal a quo na sua decisão. O mesmo se verifica quanto à liquidação de juros compensatórios.

I.3 – Remetido os autos ao Tribunal Central Administrativo, este por acórdão exarado a fls. 388 a 400 do SITAF veio julgar procedente a excepção de incompetência absoluta do tribunal, para conhecer o recurso sob apreciação e indicou como tribunal competente para o efeito a Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo ao qual os autos foram remetidos.

I.4 – Parecer do Ministério Público
O Exmo. Representante do MP junto deste tribunal emitiu Parecer com o seguinte teor:
“I.1. Inconformada, veio a Impugnante AT interpor recurso jurisdicional da sentença proferida em 10/03/201, pelo M.mº Juiz de Direito do tribunal a quo, que julgou totalmente procedente a presente impugnação e, consequentemente, anulou o ato de liquidação adicional de IRS com o número 20145005407334, de 12/12/2014, e a correspondente liquidação de juros compensatórios com o número de compensação 201400002244724, de 16/12/2014, no valor total de € 348.946, 56, cuja reclamação graciosa, com o número 2380201504000218, foi indeferida por despacho de que a Impugnante/Recorrida foi notificada a 05/06/2015, através do ofício nº 2040 da Direção de Finanças de Vila Real (cfr. a sentença recorrida, constante de fls. 91 e 92 e as alegações, ínsitas de fls. 111 a 120 verso do processo em suporte físico, abreviadamente, p.f.)
I.2 Analisadas as conclusões alegatórias em presença, constata-se que a Recorrente AT veio insurgir-se contra a sentença recorrida por, alegadamente, i) enfermar das nulidades por falta de especificação dos fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão, por ambiguidade ou obscuridade que torna ininteligível a mesma decisão e por omissão de pronuncia, invalidade essas previstas nas alíneas b), c) e d) do nº 1 do artigo 615º do CPC e, outrossim, ii) padecer de erros de julgamento na interpretação e aplicação do direito, com que se mostraria violado o principio do aproveitamento do acto, consagrado no artigo 163.º, nº5, do Código do Procedimento Administrativo, aprovado pelo artigo 1º do Decreto-Lei nº 4/2015, de 07 de Janeiro (v. as conclusões alegatórias, ínsitas de fls. 119 a 120 verso do p. f.).
Cumpre ao Ministério Público emitir parecer, o que fará de seguida.
II. DAS NULIDADES DA SENTENÇA RECORRIDA
II.1.Veio a Recorrente AT arguir a nulidade da sentença proferida pelo tribunal a quo, já que, alegadamente, não especificou os respectivos fundamentos de facto e de direito e revela obscuridade e/ou ambiguidade que obsta à sua compreensão, com o que teria violado nas alíneas b) e c) do citado nº1 do artigo 615º do CPC (vide as conclusões III a VI a VIII da motivação, constante de fls. 119 e 119 verso do p.f.).
O M.mº Juiz de Direito do tribunal a quo refutou a argumentação tecida pela Recorrente, pronunciando-se inequivocamente no sentido da sua improcedência (v. fls. 129 do p.f.).
Ora, consigna-se, desde já, que não assiste razão à Recorrente quando pugna pela verificação in casu das assacadas nulidades.
Assim conforme doutrina pacífica e reiterada dos tribunais superiores desta jurisdição administrativa, só a falta absoluta de fundamentação e já não a meramente deficiente, medíocre ou errada, é que é passível de gerar a arguida nulidade (nesse sentido v.g. o douto Acórdão do STA, de 14/02/2013, no Processo nº 03/13, disponível in www.dgsi.pt, tal como os demais a citar, de futuro).
Ora, analisada a decisão em crise, verifica-se que nela foram exarados os fundamentos fácticos e jurídicos que alicerçam a decisão final.
A ser assim, o repúdio da bondade das razões ai expressas e/ou o dissentimento da fundamentação da solução encontrada pelo tribunal a quo não legitimam a invocação da nulidade da sentença em crise.
II. 2 Acresce que não se vislumbra nem a Recorrente logrou densificar a arguição da ininteligibilidade da sentença, de morde a permitir-nos intuir em que consiste e onde reside.
Conforme ensina ALBERTO DOS REIS, “A sentença é obscura quando contem algum passo cujo sentido seja ininteligível; é ambígua quando alguma passagem se preste a interpretações diferentes. Num caso não se sabe o que o juiz quis dizer, no outro hesita-se entre dois sentidos diferentes e porventura opostos. É evidente que, em ultima análise, a ambiguidade é uma forma especial de obscuridade. Se determinado passo da sentença é susceptível de duas interpretações diversas não se sabe ao certo, qual o pensamento do juiz” (in Código de Processo Civil Anotado, Volume V, página 151).
Sucede o discurso utilizado pelo julgador, na análise da questão da falta de fundamentação das liquidações, embora sob a forma interrogativa, foi compreensível e a resposta dada a essa questão, pese embora extremamente linear e sucinta, revela-se perfeitamente inteligível para um destinatário médio, pressuposto pela ordem jurídica.
Nesta conformidade, perante a concreta decisão em crise, face à configuração legal e jurisprudencial da questão da nulidade as decisões judiciais, propendemos para a inverificação destas imputadas nulidades.
Destarte, sem necessidade de ulteriores considerandos por supérfluos, no nosso modesto parecer, o recurso deverá improceder, nesta parte.
II.3 O Recorrente veio, ainda, arguir a nulidade da sentença recorrida por invocada omissão de pronúncia, ao abrigo do disposto no artigo 615º, nº1, al. d), do CPC, aqui aplicáveis ex vi artigo 2º, al. e), do CPPT (cfr. as conclusões III a V da motivação, ínsitas a fls. 119 e 119 verso do p.f.).
Desde já, antecipamos que, na nossa ótica, nesta sede, a razão a companha a Recorrente AT.
Assim, sobre esta matéria, a jurisprudência firmou, uniforme e pacificamente, o entendimento segundo o qual as questões a que se referem os artigos 608º e 615º nº1, alínea d) do CPC, respeitam aos vícios ou causas de invalidade assacadas ao acto tributário impugnado, carecendo o julgador de se deter a analisar as razões ou argumentos invocados pela parte, em ordem à procedência da concreta causa de pedir (neste sentido vide o douto aresto do STA de 14/02/2013, tirado no Processo nº 01436/12).
Ora, munidos destes ensinamentos, uma vez examinada a douta sentença em crise, constata-se que ocorre, de facto, a arguida nulidade por omissão de pronúncia.
Assim, no caso em presença, a Impugnante/Recorrida veio imputar às liquidações impugnadas (i) a nulidade por violação do artigo 89º-A, nº7, da Lei Geral Tributária (LGT), (ii) a nulidade por falta de fundamentação das liquidações e (iii) a inexistência de ilicitude, relativamente aos juros compensatórios.
No âmbito da contestação que deduziu, a Impugnada AT, no que tange à primeira nulidade, veio, ao abrigo do disposto no nº5 do artigo 163º do CPA, invocar a verificação de um facto impeditivo da produção do efeito anulatório almejado pela impugnante, traduzido no carácter vinculado dos atos impugnados e na constatação de os mesmos materializam a única solução possível, face ao concreto procedimento independentemente do montante da sua prática.
Por seu turno, no que concerne à alegada ausência de fundamentação dos atos de liquidação sindicados, a Impugnada fez apelo a toda a tramitação anterior que deu corpo às liquidações, mormente o Relatório de Inspeção Tributária, que fixou o rendimento colectável por métodos indirectos e a sentença proferida no âmbito do Recurso Judicial que, sob o nº 402/13.2BEMDL, correu termos pelo TAF de Mirandela, posteriormente confirmada pelo Venerando Tribunal Central Norte (cfr. os pontos 1 a 4 do probatório, insertos a fls. 91 do p.f.)
O que significa que veio invocar a existência de uma fundamentação “per remissionem” ou “per relationem”, questão que o julgador, pura e simplesmente desconsiderou (sobre a fundamentação por remissão, expressamente prevista no artigo 125º, nº1, do CPA de 1991, vide por todos, o douto Acórdão do STA (Pleno da Secção do CA), de 14/05/1997, no Recurso nº 029952 e do STA, de 02/12/2010, no Recurso nº0554/10).
Na verdade, a sentença recorrida versou, embora telegraficamente, sobre apenas algumas questões decidendas suscitadas pela Impugnante, tendo, inclusive, omitido a apreciação da questão da falta de fundamentação da liquidação dos juros compensatórios, a que, em toda a argumentação jurídica aduzida em prol doseu entendimento, dedicou, a final, a singela expressa “também no que tange aos juros compensatórios “ (cfr. fls. 92verso in fine do p. f.)
Sem embargo, no ponto 7 do probatório (cfr. fls. 91 verso do p.f.), consta a menção a um documento designado como “Demonstração da liquidação de juros”, cuja ponderação não foi minimamente efetuada, à luz da imputada ausência de fundamentação, vício formal que, de resto, viria a proceder, sem qualquer exame prévio, para além da já citada alusão “também no que tange aos juros compensatórios”.
De todo o modo, se a sentença nem sequer abordou todas as questões alegadas pela Impugnante, é inegável que, também, não curou de analisar - ainda que sucinta, mas suficientemente- todas as demais questões deduzidas pela Impugnada AT, no âmbito da contestação, cujo conhecimento se lhe impunha, já que assumiam inequívoco relevo para a decisão final a proferir.
Assim, se é certo que não era exigível ao julgador da 1ª instância esgotar o manancial de argumentos de facto e de razões de direito, invocados pelas partes, cumpria-lhe emitir pronuncia, não apenas sobre os factos constitutivos do direito a que se arrogava a Impugnante, mas também, sobre os factos impeditivos, modificativos ou extintivos desse direito, o que não fez.
Nesta conformidade, forçoso é concluir que a sentença recorrida se mostra eivada de nulidade por omissão de pronúncia, merecendo, pois, na nossa ótica, censura, por banda deste Colento STA.
Destarte, deverá o presente recurso jurisdicional proceder, quanto a este segmento recursivo, julgando-se nula a sentença em crise.
II.4 Face ao entendimento do Ministério Público, quanto à verificação da nulidade por omissão de pronúncia, incumbiria a este Colendo Supremo Tribunal decidir em substituição do tribunal de 1ªinstância, uma vez verificados os respetivos pressupostos plasmados no artigo 665º do CPC.
Contudo, sendo este STA um tribunal de revista, está-lhe arredada a selecção, a ponderação e a cognição da pertinente matéria de facto e, outrossim, a formulação de juízos assentes na materialidade dos factos considerados relevantes para a decisão final.
Ademais, apreciação pela primeira vez, por este Colendo STA, das questões suscitadas nos autos, mas cujo conhecimento foi omitido pelo TAF a quo, implicaria a preterição de um grau de jurisdição, o que reverteria em prejuízo para a posição processual das partes em litígio, de harmonia coma norma do nº2 do mencionado preceito.
Efetivamente os recursos jurisdicionais têm por função a refutação da bondade da decisão judicial recorrida, visando o reexame, por banda do tribunal ad quem, das questões aí versadas e decididas, estando-lhe vedada a apreciação de questões novas que não sejam do conhecimento oficioso do tribunal (neste sentido, por todos, v. o douto Acórdão deste STA, de 14/02/2013, no Processo nº 01436/12).
Tudo ponderado, o Ministério Público propende para o não conhecimento, em substituição, do thema decidendum em causa nos presentes autos, por banda deste Tribunal ad quem, e pela baixa dos autos ao tribunal de 1ª instancia para que profira nova decisão, expurgada da nulidade que afetou a sentença recorrida.
III. CONCLUSÃO
Destarte, nos termos e com os fundamentos acima sucintamente expostos, somos do parecer de que deverá ser concedido provimento ao presente recurso jurisdicional, e, em consequência, declarar-se nula a decisão judicial recorrida e determinar-se a baixa dos autos para os fins assinalados supra.

I.5 - Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir.


II - FUNDAMENTAÇÃO

II.1 – De facto
A sentença recorrida julgou provada a seguinte matéria de facto a fls. 316 e seguintes do SITAF:
1. 04.10.2013, foi emitida e expedida, para a Impugnante, a notificação do relatório de inspecção tributária, através do ofício n.º 6883, que fixou o rendimento colectável por métodos indirectos – fls. 12 do PA (uma das folhas assim numeradas do PA);
2. A 17.10.2013, a Impugnante apresentou, junto do Tribunal Administrativo e Fiscal de Mirandela, recurso judicial das conclusões vertidas naquele relatório, nos termos conjugados dos artigos 89.º-A da LGT e 146.º-B do CPPT, ao qual coube o Processo n.º 402/13.2BEMDL – cfr. fls. 1 (SITAF) desse processo;
3. Da sentença proferida pelo TAF de Mirandela, que julgou o recurso judicial parcialmente procedente, a Impugnante interpôs recurso jurisdicional para o Tribunal Central Administrativo Norte (TCAN), da parte em que decaiu – Fls. 8 do PA ( também identificada como fls. 13) e ss ;
4. Por acórdão proferido a 30.10.2014, o TCAN negou provimento ao recurso, mantendo a decisão recorrida ( Fls. 26 e ss do PA);
5. Em 19/11/2014 apresenta recurso, desse acórdão, para o Tribunal Constitucional (TC)– Cfr.
fls. 817 (SITAF) do processo 402/13.2BEMDL;
6. Antes, em 12.12.2014, foi emitida a Liquidação n.º 2014.5005407334 em nome da Impugnante relativa a IRS do ano 2009, e demonstração de acerto de contas, no valor de € 340.946,56 – docs. 1, 2 e 3 dos autos, que aqui se dão por reproduzidos, com o seguinte destaque:


7. A 22.12.2014, a Impugnante foi notificada daquela liquidação, da “Demonstração da liquidação de Juros” e da “Demonstração de acerto de contas”, indicando a data limite de pagamento 21.01.2015 – Fls. 22 dos autos.
8. Em 02.02.2015, o TC, por decisão sumária, decide não tomar conhecimento do recurso identificado em 5. – cfr. fls. 818-852 (SITAF) do Proc. 402/13.2BEMDL, que aqui se dá por reproduzida.

II.2 – De Direito
I. Recorre para este Supremo Tribunal, a Fazenda Pública da sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Mirandela, de 10.03.2017, a qual julgou procedente a impugnação judicial apresentada pela impugnante ora recorrida e, por conseguinte, anulou a liquidação adicional de IRS e a correspondente liquidação de juros compensatórios.
Da análise do segmento decisório da decisão recorrida e dos fundamentos invocados pela recorrente FP para pedir a sua alteração, podemos concluir que são as seguintes as questões colocadas no presente recurso:
a) A invocada nulidade da decisão recorrida por falta de especificação dos fundamentos de facto e de direito que tiveram na base da decisão sob recurso e também pela sua obscuridade e ambiguidade que tornaram a decisão do Tribunal a quo ininteligível, violando o disposto nas alíneas b), c) e d) do n.º 1 do artigo 615.º do CPC;
b) A invocada omissão de pronúncia, em violação do disposto no n.º 1 do artigo 125.º do CPPT, na alínea d) do artigo 615.º Código de Processo Civil e no n.º 2 do artigo 608.º do CPC, por não ter sido apreciada questões que foram apresentada pelas partes, nomeadamente quanto à ”…questão da cessação do efeito anulatório do vício que imputou às liquidações impugnadas, face da norma contida no artigo 163º, nº5 do CPA….” assim como, quanto à questão levantada pela FP sobre a alegada falta de fundamentação das liquidações impugnadas.

II. Comecemos pela primeira questão: falta de fundamentação e/ou obscuridade e ininteligibilidade da sentença. E, desde logo, já esclarecemos que não assiste razão á Recorrente a tal respeito.
A decisão recorrida possui, é certo, uma fundamentação muito concisa e, até, pouco convencional, além de assente numa leitura muito exigente do princípio da fundamentação do ato administrativo tributário. Acresce, porventura, que a mesma pode encontrar-se errada, quando confrontada com os elementos juntos ao processo – e é, ademais, evidente que a Recorrente dela discorda integralmente.
Mas o que já não é possível daqui extrair é que inexista qualquer fundamentação da sentença ou que a respectiva fundamentação seja incompreensível para o leitor médio colocado na posição concreta das Partes.
Ora, a este respeito, este Supremo Tribunal já teve oportunidade de se pronunciar, no Acórdão proferido no Processo n.º 03/13, de 14 de fevereiro de 2013, no sentido de que: “A nulidade da sentença por falta de fundamentação só ocorre quando se verifica uma ausência absoluta de fundamentação, e não já quando se verifique a sua deficiência ou incongruência e, muito menos, quando haja erro na subsunção dos factos à norma jurídica ou erro na interpretação desta.” e, no Acórdão proferido no Processo n.º 01109/12, de 7 de Novembro de 2012, de que “A nulidade da sentença por violação da alínea b) do n.º 1 do art. 668.º do CPC [actualmente, artigo 615.º, n.º 1, alínea b) do CPC] só ocorre quando se verifica falta absoluta de fundamentação, e não quando a fundamentação enunciada é insuficiente, medíocre, contraditória ou errada.” (ambos disponíveis em www.dgsi.pt)
É, por isso, inequívoco que este vício gerador da mais séria sanção em abstracto aplicável à sentença – a nulidade – não se verifica no presente caso.
O mesmo se diga da alegada obscuridade ou ininteligibilidade da sentença: na leitura que faz do dever de fundamentação, o Exmo. Juiz do Tribunal a quo considera, na conclusão que retira do processo instrutório, que a AT não cumpriu com os vários items por si elencados como exigíveis por lei; e, por conseguinte, considerou o ato de liquidação não fundamentado.
Nada há de obscuro na presente sentença a tal respeito.

III. Mas já pode haver algo de errado na mesma. O que nos leva à segunda questão: a omissão de pronúncia.
E aqui chegados já nos vemos obrigados a acompanhar a Recorrente nas suas alegações e conclusões.
Comecemos por recordar os termos precisos em que este Supremo Tribunal tem aceitado a verificação do vício de Omissão de Pronúncia, na sua reiterada jurisprudência.
Assim, no Acórdão proferido no Processo n.º 01109/12, de 7 de Novembro de 2012, estabeleceu-se, em termos cristalinos, que: “só pode ocorrer nulidade da sentença por omissão de pronúncia quando o juiz não toma posição sobre questão colocada pelas partes, não emite decisão no sentido de não poder dela tomar conhecimento, nem indica razões para justificar essa abstenção de conhecimento, e da sentença também não resulta, de forma expressa ou implícita, que esse conhecimento tenha ficado prejudicado em face da solução dada ao litígio, tal nulidade não se verifica se o juiz evoca razões para justificar a abstenção de conhecimento de questão que lhe foi colocada.”; e esta posição tem sido reiterada uniformemente desde então, em muitas outras decisões, como se pode constatar no acórdão, já mais recente, proferido no Processo n.º 01193/17, de 21 de Fevereiro de 2018: “Haverá omissão de pronúncia, susceptível de demandar a nulidade de sentença (artsº 125º do Código de Procedimento e Processo Tributário e 615º n.º 1 al. d) do Código de Processo Civil) sempre que o tribunal não tome posição sobre qualquer questão que devesse conhecer e que se não mostre prejudicada pelo conhecimento e decisão porventura dado a outras, nomeadamente não decidindo explicitamente que não pode dela tomar conhecimento.” – ambos disponíveis em www.dgsi.pt.
É a posição que, também nós, aqui reiteramos

IV. Ora, assim definido este vício, forçoso é concluir que o mesmo se verificou na sentença recorrida. Ainda que apenas sucedendo por uma vez.
Houve, com efeito, omissão de pronúncia quando o Tribunal a quo optou por não levar em consideração a hipótese de aplicação ao caso do disposto no artigo 163.º, n.º 5 do CPA. E não o fez por entender ser de considerar o contra-argumento de que tal norma não vigorava à data da prática do ato administrativo em causa – como sustenta a Recorrida – ou por qualquer uma outra eventual justificação. Quer dizer, não apresentou qualquer justificação que suportasse ou explicasse o não conhecimento da questão levantada pela então Impugnada AT: a sentença omitiu sem mais.
E note-se que a necessidade de conhecimento de tal questão não fica prejudicada nem pelo conhecimento nem pelo sentido decisório dado na sentença recorrida a qualquer outra questão, o que permite atestar a verificação de efetiva omissão de pronúncia.
Ora, tal omissão fere, forçosamente, de nulidade a dita sentença, nos termos do artigo 615.º, n.º 1, alínea d), 1.ª parte do CPC.

V. Mas o mesmo já não se pode dizer do argumento utilizado pela Recorrente AT para obstar à alegação de que inexistia fundamentação do ato de liquidação. É que esta, então Impugnada, avançou na contestação que: “(a liquidação) consistiu do que na aplicação da taxa de IRS à matéria tributável apurada por metidos indirectos, em sede de acção inspectiva, em que todos os direitos e garantias da Impugnante foram escrupulosamente observados e que foi profusamente sindicada pelo poder jurisdicional, não se pode chegar a outra conclusão que não seja a de que a fundamentação da liquidação deve ter-se efectuada por remissão para as conclusões vertidas no RIT, corrigidas pelas decisões judiciais proferidas pelo TAF de Mirandela e pelo TCAN, no que a Impugnante sempre revelou, como revela, estar perfeitamente ciente…” (cfr. artigo 19.º da Contestação).
Segundo o Parecer do Ministério Público junto aos autos, tratar-se-ia de uma questão inultrapassável e que se impunha fosse expressamente respondida pela sentença recorrida ou, em alternativa, se lograsse avançar com justificações para não o fazer; o que, supostamente, não teria sucedido.
Ora, discordando de tal leitura, entendemos antes que, ao avançar com uma leitura própria do nível de fundamentação exigido para o ato tributário – expresso na lista de questões que coloca acerca das exigências de fundamentação do ato tributário – a sentença recorrida está já, ainda que implicitamente, a assumir uma opção interpretativa que passa pela recusa de aceitação da fundamentação por remissão alegada pela AT.
Se o fez correta ou incorrectamente é questão distinta.
Pelo que se impõe declarar a nulidade da sentença, por omissão de pronúncia apenas quanto à questão de saber se o artigo 163.º, n.º 5 do CPA tem aplicação no presente caso, devendo o processo baixar para haver lugar ao exigível conhecimento da mesma.


III. CONCLUSÕES
I – A nulidade da sentença por falta de fundamentação só ocorre quando se verifica uma ausência absoluta de fundamentação e não quando existe uma fundamentação ainda que muito concisa e pouco convencional.
II – A omissão de pronúncia tem lugar quando o tribunal não tome posição sobre qualquer questão que devesse conhecer, não justificando o seu não conhecimento e que tal não conhecimento não se mostre prejudicado pelo conhecimento dado a outras questões.


IV. DECISÃO
Termos em que, face ao exposto, acordam o juízes da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo em conceder provimento ao recurso e anular a sentença recorrida, ordenando a baixa dos autos à 1.ª instância, para que aí se proceda à reforma da sentença nos termos do estatuído no artigo 684.°, n.º 2 do Código de Processo Civil.

Custas pela Recorrida.


Lisboa, 3 de Fevereiro de 2021. – Gustavo André Simões Lopes Courinha (relator) – Anabela Ferreira Alves e Russo – José Gomes Correia.