Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0815/16.8BEBRG 0707/18
Data do Acordão:03/13/2019
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:ISABEL MARQUES DA SILVA
Descritores:RECURSO DE REVISTA EXCEPCIONAL
PRESSUPOSTOS
NÃO ADMISSÃO DO RECURSO
Sumário:I - Constitui jurisprudência pacífica deste STA que, atento o carácter extraordinário da revista excepcional prevista no artigo 150.º do CPTA, não pode este recurso ser utilizado para arguir nulidades do acórdão recorrido, devendo as mesmas ser arguidas em reclamação para o tribunal recorrido, nos termos do artigo 615.º n.º 4 do Código de Processo Civil.
II - O erro na apreciação das provas e na fixação dos factos materiais da causa não pode ser objecto de revista, salvo havendo ofensa de uma disposição expressa de lei que exija certa espécie de prova para a existência do facto ou que fixe a força de determinado meio de prova, o que manifestamente não é o caso dos autos.
Nº Convencional:JSTA000P24301
Nº do Documento:SA2201903130815/16
Data de Entrada:07/11/2018
Recorrente:A...
Recorrido 1:AT - AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Acordam na Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:
- Relatório -

1 – A…………., com os sinais dos autos, vem, ao abrigo do disposto nos artigos 144.º e 150.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos (CPTA) interpor para este Supremo Tribunal recurso de revista excepcional do acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte, de 11 de Janeiro de 2018, que negou provimento ao recurso por si interposto da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga que julgara improcedente a reclamação judicial por si deduzida do despacho do Chefe do Serviço de Finanças de Valença que lhe indeferiu os pedidos formulados no âmbito do processo de execução fiscal n.º 2330201001012509 e apensos, instaurados para cobrança coerciva de €7.331.907,56 (sete milhões e trinta e um mil, novecentos e sete euros e cinquenta e seis cêntimos), para o que apresentou as seguintes conclusões (aperfeiçoadas, após promoção do Ministério Público nesse sentido):

i) DOS PRESSUPOSTOS DA REVISTA

1.ª O presente recurso é de REVISTA EXCEPCIONAL e a sua apreciação claramente necessária para uma melhor aplicação do direito, pelas razões seguintes:

2.ª Está em causa uma reversão da execução fiscal, contra a ora Recorrente, na qualidade de responsável subsidiária.

3.ª A Recorrente nunca foi notificada para intervir nas formalidades da reversão, nem foi citada na qualidade de responsável subsidiária.

4.ª A Recorrente não é objectiva nem subjectivamente responsável pelas dívidas contra si revertidas.

5.ª Mas, até hoje tem sido, obstinadamente, impedida de se defender.

6.ª A Recorrente arguiu perante o órgão da execução fiscal de Valença a nulidade relativa à falta de citação pessoal.

7.ª O órgão de execução fiscal não reconheceu a nulidade invocada com o argumento de que a Recorrente fora citada na pessoa da sua representante fiscal.

8.ª Em face desta recusa a recorrente lançou mão da reclamação prevista no art. 276.º do CPPT, a qual, foi julgada improcedente pelo Tribunal Tributário de Braga por ter dado como provado, por confissão da autora (?), que, inter alia, a Recorrente fora citada em Espanha, por reversão, ao abrigo da Directiva n.º 2010/24/EU, do Conselho, sobre assistência Mútua na cobrança de Créditos na União Europeia – (facto H) do probatório)

9.ª Desta sentença foi interposto recurso para o TCAN onde se alegou erro de julgamento da matéria de facto, designadamente, quanto ao citado (facto H) do probatório), porquanto a Autora aqui Recorrente não fora citada em Espanha na qualidade de responsável subsidiária.

10.º Facto, este, insusceptível de confissão, por se tratar de uma questão de direito (confessam-se factos. Não o direito).

11.ª O TCAN absteve-se de conhecer da questão da citação efectuada em Espanha por entender que estava em causa a nulidade da citação realizada pela AT espanhola, consubstanciando uma questão nova(cf. pág. 18, 3.º parágrafo e seg., do acórdão recorrido).

12.ª A Recorrente pretende submeter à Revista este segmento do, aliás, douto acórdão recorrido, por entender que o mesmo contém uma decisão que afronta a lei substantiva e processual.

13.ª Com efeito, a Recorrente não colocou perante as instâncias a questão da nulidade da citação efectuada em Espanha.

14.ª A intervenção processual da recorrente em todas as instâncias foi no sentido de invocar a falta de citação pessoal na qualidade de responsável subsidiária, o que é bem distinto da nulidade da citação (há citação, mas enferma de irregularidades).

15.ª A Recorrente não suscitou perante as instâncias a questão da nulidade da citação efectuada em Espanha, porquanto, isso implicaria a análise da validade dessa citação, questão que não cabia (não cabe) na competência material nem internacional dos tribunais tributários portugueses, já que estava em causa a apreciação da validade jurídica de um acto processual praticado em Espanha, de acordo com a lei espanhola, pela Autoridade Tributária Espanhola,

16.ª Na sentença da 1.ª instância foi dado como provado o seguinte: (facto H) “Em Julho de 2013 a AT espanhola citou a executada por reversão …”- (Cf. articulado 19 das alegações no TCAN).

17.ª No TCAN foi alegado que, contrariamente ao decidido pelo tribunal a quo, tal facto não se mostrava provado (Cf. articulados 21 a 33 das alegações de recurso).

18.ª Ou seja, não se mostrava provado que a Recorrente tivesse sido citada por reversão porque a AT portuguesa não requereu à AT espanhola esse tipo de diligência processual.

19.ª O que, efectivamente, requereu à AT espanhola foi que procedesse à cobrança da dívida. Nada mais. – (cf. Documentos mencionados nos articulados 27 a 32 das alegações de recurso perante o TCAN)

20.ª Resulta destes documentos que a citação na qualidade de responsável subsidiária chegou a estar programada, mas a Autoridade Tributária portuguesa desistiu da mesma, optando por solicitar apenas que se procedesse à cobrança.

21.ª Não obstante a clareza das alegações da recorrente, no acórdão do TCAN, ora recorrido, afirma-se: “Vem agora a Recorrente, já em sede de recurso, invocar “ex novo” a nulidade da citação efectuada pela Autoridade Espanhola a pedido da Autoridade Portuguesa …” (Cf. pág. 18, 3.º parágrafo do acórdão recorrido).

22.ª Face a esta interpretação, o TCAN absteve-se de conhecer da questão por considerar que estava em causa uma questão nova. E não estava.

23.ª Ainda que se possa entender que o TCAN enquadrou correctamente a questão da citação efectuada em Espanha como uma questão de nulidade da citação, ainda assim, estava obrigado a conhecer da mesma.

24.ª Ao equacionar a questão da nulidade da citação efectuada em Espanha o tribunal teria de analisar a validade dessa citação, questão que não cabia (não cabe) na competência material nem internacional dos tribunais tributários portugueses, como ficou dito acima.

25.ª Tratando-se, como se trata, de uma incompetência absoluta isso quer dizer que a mesma tinha de ser conhecida oficiosamente pelo TCAN. E não foi.

26.ª Uma vez que a incompetência absoluta pode ser arguida ou conhecida oficiosamente até ao trânsito em julgado da decisão sobre o fundo da causa, nos termos do art. 97.º, n.º 1 do CPC, isso significa que ainda é possível o conhecimento dessa questão, o que justifica a admissão da revista.

27.ª Parece evidente a violação da lei processual a justificar, igualmente, a admissão da revista.

28.ª Dada a circunstância de existirem inúmeras empresas espanholas a operar na região do Alto Minho, é possível que este problema se volte a colocar no futuro, o que serve igualmente para justificar a admissão da revista.

ii) DOS FUNDAMENTOS DO RECURSO

29.ª A Recorrente aponta ao, aliás, douto acórdão do TCAN, os seguintes vícios:

i) Omissão de pronúncia sobre questão de conhecimento oficioso, qual seja a da incompetência absoluta dos tribunais tributários portugueses, quer material quer internacional, nos termos do disposto nos arts. 96.º- alínea a) e 97.º n.º 1 do CPC.

ii) Violação da proibição do non liquet constante do art. 8.º, n.º 1 do CCivil, por se recusar a conhecer de questão suscitada pela própria decisão recorrida, tratada como uma questão nova pelo douto acórdão recorrido.

30.ª A douta sentença proferida em 1.ª instância deu como assente a validade da citação da Recorrente, enquanto responsável subsidiária, efectuada pela Autoridade Tributária de Espanha.

31.ª A validade de um acto processual (citação) efectuada pela autoridade Tributária de Espanha, segundo a lei espanhola, versa matéria excluída da competência material e internacional dos tribunais tributários portugueses.

32.ª Pelo que, tendo o tribunal de 1.ª instância conhecido de tal questão violou as regras de competência aplicáveis, vício que determina a incompetência absoluta, susceptível de conhecimento oficioso até ao trânsito em julgado da decisão de mérito, nomeadamente, pelo tribunal de recurso.

33.ª Por outro lado, a questão da validade da citação pelo recorrente em Espanha não foi discutida pelas partes no processo, tanto mais que o tribunal a quo não procedeu à abertura de uma fase para alegações.

34.ª Por conseguinte, esta questão resulta da própria decisão de 1.ª instância, o que a torna recorrível.

35.ª O TCAN ao recusar o conhecimento desta questão por ter entendido tratar-se de uma questão nova, violou o disposto no art. 8.º, n.º 1 do Código Civil.

36.ª Se o TCAN tivesse conhecido desta questão (caso se entenda que existia o dever de conhecer) certamente iria concluir que a Recorrente não foi, nem poderia ser, citada em Espanha, na qualidade de responsável subsidiária, porquanto a Autoridade Tributária portuguesa não solicitou à autoridade Tributária de Espanha uma diligência desse tipo.

37.ª O que ficou provado nos autos foi que a Autoridade Tributária Portuguesa apenas solicitou à Autoridade Tributária de Espanha que procedesse à cobrança.

38.ª Assim, se, por um lado, os tribunais tributários portugueses não dispõem de competência para ajuizar da validade da citação efectuada em Espanha, e se, por outro, a recorrente não foi citada em Espanha na qualidade de responsável subsidiária, como é que decai em todas as instâncias?

39.ª A Recorrente apenas pretende ser citada na qualidade de responsável subsidiária – o que nunca aconteceu, nem em Portugal, nem em Espanha – abrindo-se, desse modo, a possibilidade de se defender através da oposição judicial, o que seria de inteira JUSTIÇA!

2 – Não foram apresentadas contra-alegações.

3 - O Excelentíssimo Procurador-Geral Adjunto junto deste Tribunal emitiu o parecer de fls. 340/341 dos autos, no sentido da admissão do recurso, dado que a questão em causa – a da validade da citação por reversão que foi efectuada em Espanha, conforme consta do facto H do probatório e ao abrigo da Directiva n.º 2010/24/EU do Conselho, sobre Assistência Mútua na Cobrança de Créditos da União Europeia - tem relevo jurídico e é de considerar como de importância fundamental, porquanto emerge de nova legislação, sendo no mínimo discutível o referido entendimento de recusar o seu conhecimento com fundamento em ser questão nova, por suscitada em sede de alegações, sabido que a invocada incompetência absoluta (…) pode ser arguida até ao trânsito em julgado, conforme previsto no dito art. 97.º n.º 3 do CPC, e sem que seja indicada a forma de o efetuar.

4 – É do seguinte teor o probatório fixado no acórdão recorrido:

A) A AT instaurou o PEF n.º 2330201001012509 e aps. Contra a sociedade “B………….., LDA”, com o NIPC ……….., por dívidas de coimas, IRC e IVA dos anos de 2007 a 2011 no valor de €7.331.907,56 (sete milhões, trezentos e trinta e um mil, novecentos e sete euros e cinquenta e seis cêntimos – cf. PEF apenso.

B) No dia 13-10-2011, pelo chefe do SF de Valença foi proferido despacho de reversão do processo identificado em A. contra a aqui autora/reclamante – A…………., NIF ……….;

C) A autora é de nacionalidade espanhola, e reside na cidade de Santiago de Compostela (Espanha), mais concretamente na Calle ……….., n.º …… – ….. – …… SANTIAGO DE COMPOSTELA;

D) A autora está inscrita na AT como contribuinte não residente em Portugal com o NIF ………..;

E) O documento denominado “Confirmação de dados de Identificação – Inscrição” com a data nele aposta de 25.03.2004, encontra-se assinado com duas rúbricas idênticas quer no local destinado ao “Representante”, quer no local destinado ao “Contribuinte” (cfr. fls. 55 dos presentes autos).

F) No dia 10-05-2012 a AT procedeu ao envio de nota de citação, para o PEF mencionado em A., cujo teor aqui se dá por reproduzido, endereçada a C…………, na qualidade de legal representante da autora – cfr. doc. de fls. 205 do PEF;

G) A AT solicitou a intervenção da Comissão Interministerial para Assistência Mútua em Matéria de Cobrança, com vista à citação da responsável subsidiária e regularização das dívidas em execução no PEF identificado em A;

H) Em Julho de 2013 a AT espanhola citou a executada por reversão para os PEF`s indicados em A: - cf. fls. 120 e ss. do PEF, facto confessado pela aqui autora em requerimento dirigido ao OEF e que deu entrada no SF de Valença em 25-09-2013;

I) Na citação mencionada na al. anterior consta a seguinte morada: Calle …………, n.º ….. – ….. – …… SANTIAGO DE COMPOSTELA;

J) No dia 25-09-2013 a aqui autora apresentou um requerimento dirigido ao PEF identificado em A:, a requerer a suspensão do mesmo, juntando como doc. n.º 1, a citação mencionada em H. – facto admitido pelas partes quanto à data e constante de fls. 115 e ss. do PEF apenso;

K) No requerimento mencionado na al. anterior a autora indicou a seguinte morada: Calle …………, n.º ….. – ….. – ….. SANTIAGO DE COMPOSTELA;

L) O requerimento mencionado na al. J foi indeferido, pela AT;

M) No dia 31-10-2013, a AT (SF de Viana do Castelo) procedeu à emissão do ofício n.º 1821, dirigido à autora, para a notificar do despacho de indeferimento, mencionado na al. anterior, enviado sob registo postal, com o n.º RM956697015PT, com A/R, para a morada Calle ……….., n.º …… – ……. – ………. SANTIAGO DE COMPOSTELA – cf. fls. 137 e 138 do PEF apenso;

N) O ofício mencionado na al. anterior foi devolvido ao SF sem especificar o motivo da devolução – cf. fls. 137 e 139 do PEF apenso;

O) Em 24.02.2014 a RR, agora através de mandatária constituída vem apresentar novo requerimento no qual solicita a notificação das liquidações que deram origem aos PEFs, assim como dos projectos e despachos de reversão (fls. 141 a 146 do PED);

P) Fazendo novo requerimento em 14.07.2014 (fls. 166 do PEF);

Q) Através do ofício 1454 de 18.09.2014 foi a RR notificada, na pessoa da sua mandatária do despacho que recaiu sobre os requerimentos de 24.02.2014 e 14.07.2014 (fls. 168 do PEF);

R) No despacho mencionado na al. anterior, consta no que releva para estes autos que:

“(…)

No que se refere ao requerimento entregue em 25 de Setembro de 2013, foi dada a resposta a coberto do nosso ofício n.º 1821 de 31-10-2013, remetido para a morada indicada no requerimento apresentado, posteriormente devolvido pelos CTT com a indicação de “ausente”.

Por se ter verificado a inexistência de bens suficientes da sociedade “B………….., Lda”, para penhora, foi proferido despacho de reversão para o responsável subsidiário, a gerente A………….”

(…);

S) No dia 12-02-2016 a aqui autora apresentou um requerimento no SF de Valença, dirigido ao PEF identificado em A, a solicitar:

a. A Anulação do despacho de reversão contra si dirigida e a consequente restituição dos valores entretanto pagos indevidamente, através de transferência bancária para o IBAN ………...

Ou, caso assim não venha a ser entendido:

b. O reconhecimento da falta de citação com a notificação desse reconhecimento para a morada indicada, em Espanha, através dos CTT, para que se torne possível a interposição de um processo de oposição à execução;

- cf. fls. 170 a 178 do PEF apenso;

T) Por despacho, datado de 18-03-2016, do Chefe de Finanças de Valença, notificado à reclamante através do ofício n.º 3611, de 22.03-2016, recebido pela sua mandatária em 31.03.2016, aquele pedido foi indeferido na totalidade, cf. fls. 204 a 207 do PEF apenso;

U) É contra o despacho mencionado em T., que vem a presente reclamação para que a pretensão formulada pela Reclamante seja reapreciada pelo Tribunal Tributário, nos termos do disposto nos arts. 276.º e seg. do CPPT;

V) A autora deduziu impugnação que, por despacho datado de 12-09-2016, foi convolada em oposição à execução, a qual corre os seus termos neste Tribunal sob o n.º 1288/15.8BEBRG – facto parcialmente admitido pela autora no ponto da PI, e cf. despacho de 12-09-2016, cuja junção foi aqui ordenada;

W) Na oposição mencionada na al. anterior está em causa o PEF n.º 2330201001015044 e apensos, onde está incluído o PEF mencionado na al. A.

Colhidos os vistos legais, cumpre decidir da admissibilidade do recurso.


- Fundamentação -

5 – Apreciando.

5.1 Dos pressupostos legais do recurso de revista.

O presente recurso foi interposto e admitido como recurso de revista excepcional, havendo, agora, que proceder à apreciação preliminar sumária da verificação in casu dos respectivos pressupostos da sua admissibilidade, ex vi do n.º 5 do artigo 150.º do CPTA.

Dispõe o artigo 150.º do CPTA, sob a epígrafe “Recurso de Revista”:

1 – Das decisões proferidas em segunda instância pelo Tribunal Central Administrativo pode haver, excepcionalmente, revista para o Supremo Tribunal Administrativo quando esteja em causa a apreciação de uma questão que, pela sua relevância jurídica ou social, se revista de importância fundamental ou quando a admissão do recurso seja claramente necessária para uma melhor aplicação do direito.

2 – A revista só pode ter como fundamento a violação de lei substantiva ou processual.

3 – Aos factos materiais fixados pelo tribunal recorrido, o tribunal de revista aplica definitivamente o regime jurídico que julgue mais adequado.

4 – O erro na apreciação das provas e na fixação dos factos materiais da causa não pode ser objecto de revista, salvo havendo ofensa de uma disposição expressa de lei que exija certa espécie de prova para a existência do facto ou que fixe a força de determinado meio de prova.

5 – A decisão quanto à questão de saber se, no caso concreto, se preenchem os pressupostos do n.º 1 compete ao Supremo Tribunal Administrativo, devendo ser objecto de apreciação preliminar sumária, a cargo de uma formação constituída por três juízes de entre os mais antigos da secção de contencioso administrativo.

Decorre expressa e inequivocamente do n.º 1 do transcrito artigo a excepcionalidade do recurso de revista em apreço, sendo a sua admissibilidade condicionada não por critérios quantitativos mas por um critério qualitativo – o de que em causa esteja a apreciação de uma questão que, pela sua relevância jurídica ou social, se revista de importância fundamental ou quando a admissão do recurso seja claramente necessária para uma melhor aplicação do direito – devendo este recurso funcionar como uma válvula de segurança do sistema e não como uma instância generalizada de recurso.

E, na interpretação dos conceitos a que o legislador recorre na definição do critério qualitativo de admissibilidade deste recurso, constitui jurisprudência pacífica deste Supremo Tribunal Administrativo - cfr., por todos, o Acórdão deste STA de 2 de abril de 2014, rec. n.º 1853/13 -, que «(…) o preenchimento do conceito indeterminado de relevância jurídica fundamental verificar-se-á, designadamente, quando a questão a apreciar seja de elevada complexidade ou, pelo menos, de complexidade jurídica superior ao comum, seja por força da dificuldade das operações exegéticas a efectuar, de um enquadramento normativo especialmente intricado ou da necessidade de concatenação de diversos regimes legais e institutos jurídicos, ou quando o tratamento da matéria tem suscitado dúvidas sérias quer ao nível da jurisprudência quer ao nível da doutrina. Já relevância social fundamental verificar-se-á quando a situação apresente contornos indiciadores de que a solução pode constituir uma orientação para a apreciação de outros casos, ou quando esteja em causa questão que revele especial capacidade de repercussão social, em que a utilidade da decisão extravasa os limites do caso concreto das partes envolvidas no litígio. Por outro lado, a clara necessidade da admissão da revista para melhor aplicação do direito há-de resultar da possibilidade de repetição num número indeterminado de casos futuros e consequente necessidade de garantir a uniformização do direito em matérias importantes tratadas pelas instâncias de forma pouco consistente ou contraditória - nomeadamente por se verificar a divisão de correntes jurisprudenciais ou doutrinais e se ter gerado incerteza e instabilidade na sua resolução a impor a intervenção do órgão de cúpula da justiça administrativa e tributária como condição para dissipar dúvidas – ou por as instâncias terem tratado a matéria de forma ostensivamente errada ou juridicamente insustentável, sendo objectivamente útil a intervenção do STA na qualidade de órgão de regulação do sistema.».

Vejamos, pois.

O acórdão do TCA-Norte do qual a recorrente requer revista excepcional negou provimento ao recurso por ela interposto da sentença do TAF de Braga que julgara improcedente a reclamação judicial que deduzira do despacho do Chefe do Serviço de Finanças de Valença que lhe indeferiu os pedidos formulados no âmbito do processo de execução fiscal n.º 2330201001012509 e apensos, a saber, de anulação do despacho de reversão contra si dirigida e consequente restituição dos valores que entretanto havia pago ou de reconhecimento da falta de citação.

O acórdão do TCA-Norte sob escrutínio deu razão à recorrente no que respeita ao alegado erro de julgamento relativamente ao facto vertido na alínea E) do probatório, nos termos do qual o Tribunal a quo julga provado que a Reclamante no dia 25-03-2004, constituiu C………….., (…), como sua representante junto da AT, expurgando-o do probatório fixado em 1.ª instância e alterando a matéria de facto fazendo constar da nova alínea E) do probatório que “E) O Documento denominado “confirmação de dados de Identificação – Inscrição” com a data nele aposta de 25.03.2004, encontra-se assinado com duas rúbricas idênticas quer no local destinado ao “Representante”, quer no local destinado ao “Contribuinte” (cfr. fls. 55 dos presentes autos)”. Não lhe deu, porém, razão, no que respeita ao outro fundamento do recurso, o alegado erro de julgamento ao inserir na matéria assente o facto indicado sob a alínea H) nos termos do qual o tribunal a quo (erroneamente) deu como provado que em Julho de 2013 a AT Espanhola citou a executada por reversão para os processos executivos que estão na génese dos autos, ancorada nos documentos de fls. 120 ss., uma vez que, como alega, estes não permitem concluir que a Recorrente tenha sido citada por reversão pela AT espanhola, porquanto considera que os mencionados documentos revelam tão só que a Recorrente foi notificada pela AT espanhola para pagamento da dívida exequenda a pedido da AT portuguesa. Entendeu o TCA-Norte que, sob a designação de “falta de citação”, a recorrente invocara, “ex novo” no recurso, a “nulidade da citação” efectuada pela Autoridade Espanhola a pedido da Autoridade Portuguesa, não podendo o tribunal dela conhecer por se tratar de questão nova (art. 627.º, n.º 1 do CPC). Decidiu, por isso, que neste segmento não se conhece do presente recurso e consequentemente do invocado erro de julgamento quanto à alínea H da matéria de facto assente, uma vez que este facto apenas relevaria para a apreciação da eventual nulidade da citação, questão que como referido foi suscitada, apenas, em sede de recurso – cfr. acórdão do TCA-Norte, a fls. 248, verso, 249 dos autos. Prossegue, porém, o acórdão, apreciando a alegação que afirmou não dever apreciar, para concluir pela respectiva improcedência – cfr. acórdão, a fls. 249 dos autos -, concluindo pela confirmação da sentença recorrida, embora com distinta fundamentação.

Perante a interposição de recurso excepcional de revista para este STA, no qual se imputa ao acórdão do TCA Norte omissão de pronúncia sobre questão de conhecimento oficioso e violação da proibição do non liquet constante do art. 8.º, l n.º 1 do C. Civil, por se recusar a conhecer de questão suscitada pela própria decisão recorrida – cfr. fls. 277 dos autos -, veio o TCA Norte, por acórdão de fls. 294 a 297 dos autos –, consignar que o acórdão não padece das nulidades que lhe são assacadas, mantendo-o inalterado.

Ora, constitui jurisprudência pacífica deste STA que, atento o carácter extraordinário da revista excepcional prevista no artigo 150.º do CPTA, não pode este recurso ser utilizado para arguir nulidades do acórdão recorrido, devendo tais nulidades ser arguidas perante o tribunal recorrido mediante reclamação, nos termos do artigo 615.º, n.º 4 do Código de Processo Civil – cfr., entre muitos outros, os Acórdãos de 26 de Maio de 2010, rec. n.º 097/10, de 12 de Janeiro de 2012, rec. n.º 0899/11, de 8 de Janeiro de 2014, rec. n.º 01522/13, de 29 de Abril de 2015, rec. n.º 01363/14, de 7 de Março de 2018, rec. n.º 55/18.

No caso dos autos, as arguidas nulidades foram já apreciadas oficiosamente pelo TCA-Norte, por acórdão de 7 de Junho de 2018 (a fls. 294 a 297 dos autos), pelo que a questão se encontra resolvida e pelo Tribunal competente para o fazer.

No fundo, pretende a recorrente com o recurso excepcional de revista o que pretendera já no recurso para o TCA, a saber alteração ou eliminação da alínea H) do probatório fixado, o que não conseguiu no TCA. Olvida, porém, que, por expressa disposição legal – cfr. o n.º 4 do artigo 150.º do CPTA – o eventual erro na apreciação das provas e na fixação dos factos materiais da causa não pode ser objecto de revista, salvo havendo ofensa de uma disposição expressa de lei que exija certa espécie de prova para a existência do facto ou que fixe a força de determinado meio de prova, o que manifestamente não é o caso dos autos.

Entende o Excelentíssimo Procurador-Geral Adjunto que o recurso deve ser admitido, dado que a questão em causa – a da validade da citação por reversão que foi efectuada em Espanha, conforme consta do facto H do probatório e ao abrigo da Directiva n.º 2010/24/EU do Conselho, sobre Assistência Mútua na Cobrança de Créditos da União Europeia - tem relevo jurídico e é de considerar como de importância fundamental, porquanto emerge de nova legislação, sendo no mínimo discutível o referido entendimento de recusar o seu conhecimento com fundamento em ser questão nova, por suscitada em sede de alegações, sabido que a invocada incompetência absoluta (…) pode ser arguida até ao trânsito em julgado, conforme previsto no dito art. 97.º n.º 3 do CPC, e sem que seja indicada a forma de o efetuar.

Entendemos, porém, que as instâncias não emitiram juízo sobre a validade ou invalidade da citação efectuada em Espanha, daí que nenhuma regra de competência internacional tenha sido violada, nenhum juízo de valor tendo emitido sobre a regularidade ou irregularidade da dita citação. E entende a recorrente que aos Tribunais portugueses estaria vedada tal pronúncia, daí que a revista não deva ser admitida para apreciação de uma questão para a qual os Tribunais portugueses carecem de competência.

A revista não será, pois, admitida.


- Decisão -

6 - Termos em que, face ao exposto, acorda-se em não admitir o presente recurso de revista, por não se mostrarem preenchidos os respectivos pressupostos legais.


Custas do incidente pela recorrente.

Lisboa, 13 de Março de 2019. – Isabel Marques da Silva (relatora) – Dulce Neto – Ascensão Lopes.