Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:032/13
Data do Acordão:01/08/2014
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:FRANCISCO ROTHES
Descritores:EXECUÇÃO FISCAL
FALTA DE CITAÇÃO
INCIDENTE ANÓMALO
Sumário:I – Na interpretação das peças processuais são aplicáveis, por força do disposto no art. 295.º do CC, os princípios da interpretação das declarações negociais, valendo, por isso, aquele sentido que, segundo o disposto nos arts. 236.º, n.º 1, do CC, o declaratário normal ou razoável deva retirar das declarações escritas constantes do articulado, sendo também de observar que os rigores formalistas na interpretação das peças processuais estão hoje vedados pelos princípios do moderno processo civil e bem assim pelo princípio constitucional da tutela jurisdicional efectiva (cfr. art. 20.º da CRP), motivo por que o tribunal deve extrair do pedido que lhe é feito o sentido mais favorável aos interesses do peticionante, indagando da sua real pretensão.
II – A execução fiscal é um processo de natureza judicial (art. 103.º da LGT), motivo por que os interessados que se sintam lesados por algum acto ou omissão do órgão da execução fiscal têm a possibilidade de suscitar a intervenção do juiz do processo.
III – A jurisprudência consolidada vai no sentido de que a nulidade do processo executivo por falta de citação do executado nos termos do n.º 6 do art. 190.º do CPPT tem de ser primariamente arguida perante o órgão de execução fiscal, intervindo o tribunal na apreciação da questão se, na sequência do indeferimento dessa arguição, a sua intervenção for requerida através de reclamação judicial deduzida nos termos dos arts. 276.º e seguintes do CPPT.
IV – A inércia da Administração tributária na apreciação da nulidade por falta de citação arguida perante o órgão da execução fiscal permite que o executado solicite a intervenção do tribunal, através de incidente inominado da execução fiscal, pedindo ao juiz que conheça da nulidade arguida.
Nº Convencional:JSTA00068519
Nº do Documento:SA220140108032
Data de Entrada:01/11/2013
Recorrente:A...
Recorrido 1:FAZENDA PÚBLICA
Votação:UNANIMIDADE
Meio Processual:REC JURISDICIONAL
Objecto:SENT TAF LOULÉ
Decisão:PROVIDO
Área Temática 1:DIR PROC TRIBUT CONT
Legislação Nacional:CPPTRIB99 ART188 N1 ART98 N4 ART276
LGT98 ART97 N3
CPC013 ART193
CPPTRIB99 ART165 ART190 N6
Jurisprudência Nacional:AC STAPLENO PROC0923/08 DE 2010/02/24; AC STA PROC0873/11 DE 2012/07/05; AC STA PROC01211/13 DE 2013/07/24; AC STA PROC024634 DE 2000/09/27
Aditamento:
Texto Integral: Recurso jurisdicional da decisão de absolvição da Fazenda Pública da instância proferida no processo de incidente inominado da execução fiscal com o n.º 731/11.0BELLE

1. RELATÓRIO

1.1 A………………… (a seguir Executado ou Recorrente), na sequência da falta de resposta ao seu requerimento endereçado ao órgão da execução fiscal, de que fosse reconhecida a nulidade por falta da sua citação, anulado o processado ulterior a essa omissão e ordenada a citação, foi junto do Juiz do Tribunal Administrativo e Fiscal de Loulé, mediante incidente inominado da execução fiscal, formular idêntico pedido.

1.2 O Juiz do Tribunal Administrativo e Fiscal de Loulé, julgando verificado o erro na forma do processo e a impossibilidade de convolação para meio processual próprio, absolveu a Fazenda Pública da instância.

1.3 Inconformado com essa decisão, o Executado dela interpôs recurso para este Supremo Tribunal Administrativo, apresentando com o requerimento de interposição do recurso as respectivas alegações, que resumiu em conclusões do seguinte teor:
«
A) É manifestamente errónea a fundamentação da sentença recorrida, cuja fundamentação constitui afirmação de uma verdadeira denegação de justiça.

B) Em processo de execução fiscal o acto de citação tem natureza judicial, muito embora sendo da competência do órgão de execução fiscal.

C) O executado pode suscitar a intervenção do juiz no processo de execução fiscal, sempre que tal se mostre necessário para assegurar a efectivação dos seus direitos e interesses legítimos.

D) Em situação de silêncio do órgão de execução fiscal, o meio processual próprio para suscitar a intervenção judicial é a dedução de um incidente inominado.

E) No caso, mostra-se ultrapassado o prazo em que, razoavelmente, o órgão de execução deveria ter apreciado e decidido do requerimento apresentado pelo ora Recorrente, onde este alega a falta de citação.

F) A manutenção desta situação de “não decisão”, com o consequente prosseguimento do processo de execução, consubstancia uma lesão grave dos direitos e interesses legítimo do ora executado.

G) Cabe ao Juiz, no silêncio do órgão de execução fiscal, conhecer e, depois de efectuadas as diligências instrutórias a tal necessárias, decidir da invocada nulidade processual (falta de citação).

H) O meio processual utilizado foi o próprio, foi tempestivo e o tribunal recorrido era competente para conhecer do pedido.

Termos em que deve ser revogada a sentença recorrida e ordenado que o tribunal recorrido, no incidente inominado, conheça do mérito da causa (da invocada falta de citação), e – concluindo pela procedência do pedido – anule todo o processado no processo de execução».

1.4 O recurso foi admitido a subir imediatamente, nos próprios autos e com efeito devolutivo.

1.5 Não foram apresentadas contra alegações.

1.6 Recebidos os autos neste Supremo Tribunal Administrativo e dada vista ao Ministério Público, o Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer no sentido de que o recurso merece provimento, devendo revogar-se a decisão recorrida e devolver-se o processo à 1.ª instância, a fim de aí ser apreciada a questão suscitada no incidente. Isto com a seguinte fundamentação:

«1. No acórdão proferido pelo STA-SCT em 12 Janeiro 2011 afirmou-se que a questão da alegada nulidade do processo executivo por falta de citação deveria ser apreciada pelo órgão da execução fiscal (fls. 223/231).
Seguindo esta indicação o recorrente requereu em 26 Janeiro 2011 a sua citação no processo de execução fiscal onde apresentara a reclamação julgada improcedente, em última instância, pelo citado acórdão.

2. De acordo com doutrina qualificada que merece a adesão do Ministério Público:

a) a inércia da administração tributária na apreciação da arguição de nulidade perante o órgão da execução fiscal, na medida em que pode provocar uma lesão imediata dos interesses do requerente, justifica a convocação da imediata intervenção do tribunal, como manifestação do direito à tutela jurisdicional efectiva, onde se inclui a determinação da prática de actos administrativos legalmente devidos (arts. 20.º n.º 1 e 268.º n.º 4 CRP);
b) a ficção do indeferimento tácito por desrespeito do prazo legal de 10 dias para prolação de despachos no processo de execução fiscal é adequadamente invocada para a apreciação de situações de inércia da administração tributária de que resulte violação do princípio da decisão (arts. 56.º e 57.º n.º 5 LGT aplicáveis por analogia; art. 21.º al. a) CPPT);
c) a possibilidade de apreciação da questão pelo tribunal tributário por via da suscitação de incidente inominado tem fundamento normativo consistente (arts. 151.º CPPT; arts. 49.º n.º 1 al. d), 49.º-A n.ºs 1 al. c), 2 al. c) e 3 al. c) ETAF 2002)
(Jorge Lopes de Sousa Código de Procedimento e de Processo Tributário anotado e comentado 6.ª edição 2011 Volume IV pp. 271/272 / no sentido propugnado acórdãos STA 28.06.1995 processo n.º 19.033; 8.07.1999 processo n.º 23.345; 27.09.2000 processo n.º 24.634)».

1.7 Colhidos os vistos dos Conselheiros adjuntos, cumpre apreciar e decidir, sendo a questão a de saber se a decisão recorrida fez correcto julgamento quando considerou verificado o erro na forma do processo, o que, como procuraremos demonstrar, passa por indagar se o incidente inominado da execução fiscal é ou não o meio processual próprio para o executado reagir contra a falta de decisão do requerimento pelo qual arguiu junto do chefe do órgão da execução fiscal a nulidade por falta de citação.


* * *

2. FUNDAMENTAÇÃO

2.1 DE FACTO

2.1.1 Pese embora a decisão recorrida não tenha procedido de forma destacada ao julgamento da matéria de facto – o que bem se compreende em face do respectivo teor (absolvição da instância por impropriedade do meio processual utilizado e não ser possível a convolação) –, nela descortinamos a seguinte factualidade dada como assente:

«Em 26 de Janeiro de 2011, o Requerente solicitou ao Chefe do Serviço de Finanças de Lagoa que, verificada a sua falta de citação no processo executivo, aí fosse ordenada a sua citação»;

«Fê-lo na sequência do acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 12 de Janeiro de 2011 – recurso n.º 969/10, que afirmou que nada obsta a que a questão da nulidade possa ainda ser apreciada pelo órgão da execução fiscal, pois que tal nulidade pode ser arguida até ao trânsito em julgado da decisão final».

2.1.2 Com interesse para a decisão a proferir, os autos revelam ainda o seguinte circunstancialismo processual (Note-se que, embora o Supremo Tribunal Administrativo não tenha competência em matéria de facto nos recursos que lhe são submetidos das decisões dos tribunais de 1.ª instância (cfr. art. 26.º, alínea b), do Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais), não está impedido e, pelo contrário, está obrigado a considerar as ocorrências processuais reveladas pelos autos, apreensíveis por mera percepção e que são do conhecimento oficioso. Neste sentido, JORGE LOPES DE SOUSA, Código de Procedimento e de Processo Tributário anotado e comentado, Áreas Editora, 6.ª edição, volume IV, anotação 23 h) ao art. 279.º, pág. 369.):

a) O Serviço de Finanças de Lagoa, em 2 de Agosto de 2008, instaurou uma execução fiscal contra a sociedade denominada “B……………….. Limited” para cobrança de uma dívida de IRC do ano de 2005 (cfr. fls. 1 e 2);

b) Por despacho de 18 de Maio de 2009, o Chefe do Serviço de Finanças de Lagoa ordenou que a execução fiscal prosseguisse contra A………………….., que considerou responsável solidário pela dívida exequenda (cfr. fls. 19);

c) Em 8 de Abril de 2010, o Serviço de Finanças de Lagoa penhorou uma fracção autónoma registada em nome de A…………………. (cfr. fls. 22 a 24);

d) Em 23 de Abril de 2010, A………………… fez dar entrada no Serviço de Finanças de Lagoa uma petição endereçada ao Juiz do Tribunal Administrativo e Fiscal de Loulé, ao abrigo dos arts. 276.º e segs. do CPPT, pedindo que fosse declarada a nulidade por falta de citação e ilegalidade da penhora (cfr. fls. 42 a 49);

e) Por sentença de 14 de Outubro de 2010, o Juiz do Tribunal Administrativo e Fiscal de Loulé julgou improcedente a reclamação (cfr. fls. 187 a 198);

f) O Supremo Tribunal Administrativo, por acórdão de 12 de Janeiro, negou provimento ao recurso interposto dessa sentença, que confirmou, afirmando, em síntese, que a nulidade por falta de citação «tem de ser primariamente arguida perante o órgão de execução fiscal, intervindo o tribunal na apreciação da questão se, na sequência do indeferimento administrativo dessa arguição, a sua intervenção for requerida através de reclamação judicial deduzida nos termos dos artigos 276.º e seguintes do CPPT» e que «não é possível operar a convolação da petição de reclamação apresentada em requerimento de arguição de nulidade a ser junto ao processo executivo tendo em vista a sua apreciação perante o órgão da execução fiscal (artigos 97.º n.º 3 da Lei Geral Tributária e 98.º n.º 4 do CPPT), se o reclamante peticiona também a ilegalidade da penhora, para conhecimento da qual a reclamação é meio processual adequado (artigo 278.º n.º 3 do CPPT)», sendo que «nada obsta a que a questão da nulidade [por falta de citação] possa ainda ser apreciada pelo órgão da execução fiscal, pois que tal nulidade pode ser arguida até ao trânsito em julgado da decisão final» (cfr. o acórdão de fls. 223 a 231 e o respectivo sumário doutrinal (Sumário publicado com o acórdão no Apêndice ao Diário da República de 11 de Agosto de 2011 (http://www.dre.pt/pdfgratisac/2011/32210.pdf), págs. 72 a 76, e também disponível em
http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/1cdd7825da7a79208025781f0053acc5?OpenDocument.));

g) Em 26 de Janeiro de 2011, A……………….. solicitou ao Chefe do Serviço de Finanças de Lagoa que, verificada a sua falta de citação no processo executivo, aí fosse ordenada a sua citação, sendo que concluiu o requerimento com o seguinte pedido
«O ora Reclamante impetra a V. Ex.a se digne:
1. Reconhecer que:
1.1 Se verificou falta de citação do signatário no processo de execução fiscal, maxime nos termos do n.º 6 do art. 190.º, n.º 6, do CPPT e, bem assim, nos do art. 195.º, n.º 1, al. e), do CPC, subsidiariamente aplicável ex vi do do art. 2.º, al. g) [sic], do CPPT.
1.2 Tal falta de citação prejudicou, de forma grave, os direitos de defesa do citando.
1.3 Se verifica, assim, em tal processo, uma nulidade insanável (art. 165.º, n.º 1, al. a), do CPPT).
1.4 Esta tem por efeito a anulação dos termos subsequentes do processo que dependem absolutamente de tal falta de citação (art. 165.º, n.º 2, do CPPT), incluindo, portanto, a penhora do referido imóvel.
1.5 Tal nulidade é de conhecimento oficioso e pode ser alegada até trânsito em julgado da decisão final (art. 165.º, n.º 4, do CPPT).
Assim sendo,
2. Ordenar que o signatário seja (de novo) citado no processo de execução fiscal, assim lhe sendo dada efectiva oportunidade de exercer o seu direito de defesa.
[…]»
(cfr. fls. 260 a 265);

h) Em 25 de Outubro de 2011, A…………………. fez dar entrada no Serviço de Finanças de Lagoa, um requerimento endereçado ao Juiz do Tribunal Administrativo e Fiscal de Loulé e no qual, invocando a falta de decisão sobre o seu requerimento dito em g), formulou o pedido nos seguintes termos:
«Deverá o presente incidente ser recebido, devendo subir imediatamente e em separado, julgado totalmente procedente, revogando o indeferimento tácito praticado pela Administração Fiscal e em consequência
1. Reconhecer que:
2.1 Se verificou falta de citação do signatário no processo de execução fiscal, maxime nos termos do n.º 6 do art. 190.º, n.º 6, do CPPT e, bem assim, nos do art. 195.º, n.º 1, al. e), do CPC, subsidiariamente aplicável ex vi do do art. 2.º, al. g) [sic], do CPPT.
2.2 Tal falta de citação prejudicou, de forma grave, os direitos de defesa do citando.
2.3 Se verifica, assim, em tal processo, uma nulidade insanável (art. 165.º, n.º 1, al. a), do CPPT).
2.4 Esta tem por efeito a anulação dos termos subsequentes do processo que dependem absolutamente de tal falta de citação (art. 165.º, n.º 2, do CPPT), incluindo, portanto, a penhora do referido imóvel.
2.5 Tal nulidade é de conhecimento oficioso e pode ser alegada até trânsito em julgado da decisão final (art. 165.º, n.º 4, do CPPT).
Assim sendo,
3. Ordenar que o signatário seja (de novo) citado no processo de execução fiscal, assim lhe sendo dada efectiva oportunidade de exercer o seu direito de defesa.
[…]»
(cf. fls. 255 a 259);

i) Por sentença de 17 de Outubro de 2012, o Juiz do Tribunal Administrativo e Fiscal de Loulé julgou verificada a excepção de erro na forma do processo e, considerando que «o pedido formulado pelo Requerente – ordenar a sua citação no processo executivo – não pode ser alcançado através do presente Incidente Inominado nem de qualquer outro meio processual», o que impossibilita a convolação e determina a anulação de todo o processado, absolveu a Fazenda Pública da instância (decisão de fls. 314 a 317).


*

2.2 DE DIREITO

2.2.1 A QUESTÃO A APRECIAR E DECIDIR

O Executado requereu ao Chefe do Serviço de Finanças de Lagoa que reconhecesse a verificação da nulidade por falta da sua citação e que ordenasse a repetição da diligência. Fê-lo após lhe ter sido julgada improcedente por sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Loulé uma reclamação, que deduziu ao abrigo do art. 276.º e segs. do CPPT, na qual pediu ao Juiz daquele Tribunal que fosse declarada a nulidade por falta de citação e a ilegalidade da penhora. Essa sentença foi confirmada por acórdão deste Supremo Tribunal Administrativo em que, após se reiterar que a nulidade por falta de citação «tem de ser primariamente arguida perante o órgão de execução fiscal, intervindo o tribunal na apreciação da questão se, na sequência do indeferimento administrativo dessa arguição, a sua intervenção for requerida através de reclamação judicial deduzida nos termos dos artigos 276.º e seguintes do CPPT» e que «não é possível operar a convolação da petição de reclamação apresentada em requerimento de arguição de nulidade a ser junto ao processo executivo tendo em vista a sua apreciação perante o órgão da execução fiscal (artigos 97.º n.º 3 da Lei Geral Tributária e 98.º n.º 4 do CPPT), se o reclamante peticiona também a ilegalidade da penhora, para conhecimento da qual a reclamação é meio processual adequado (artigo 278.º n.º 3 do CPPT)», se deixou dito que «nada obsta a que a questão da nulidade [por falta de citação] possa ainda ser apreciada pelo órgão da execução fiscal, pois que tal nulidade pode ser arguida até ao trânsito em julgado da decisão final».
O referido requerimento para que fosse reconhecida a nulidade por falta de citação deu entrada no Serviço de Finanças de Lagoa em 26 de Janeiro de 2011 e não foi decidido até 25 de Outubro de 2011, data em que o Executado, invocando essa falta de decisão, pediu ao Juiz do Tribunal Administrativo e Fiscal de Loulé, mediante incidente inominado, que “revogasse o indeferimento tácito” do requerimento e, “em consequência”, que declarasse verificada a arguida nulidade por falta de citação, anulasse todo o processado ulterior àquela omissão, incluindo a penhora, e ordenasse nova citação do Executado no processo de execução fiscal.
O Juiz do Tribunal Administrativo e Fiscal de Loulé, considerando, em síntese, que a citação, como acto processual que é, não está sujeita ao instituto do indeferimento tácito e que a citação, de acordo com o disposto no art. 188.º, n.º 1, do CPPT, é um acto da competência do órgão da execução fiscal, concluiu que «o pedido formulado pelo Requerente – ordenar a sua citação no processo executivo – não pode ser alcançado através do presente Incidente Inominado nem de qualquer outro meio processual», motivo por que julgou verificado o erro na forma do processo e, na impossibilidade de convolação para meio processual próprio, absolveu a Fazenda Pública da instância.
É dessa decisão que o Executado vem agora recorrer para este Supremo Tribunal Administrativo. Alega, em síntese, que o não conhecimento pelo Serviço de Finanças de Lagoa da arguida nulidade por falta de citação consubstancia uma lesão grave dos seus direitos e interesses legítimos, cuja defesa tem como meio processual próprio o incidente inominado pelo qual veio suscitar ao Juiz do Tribunal Administrativo e Fiscal de Loulé que conheça dessa nulidade.
Ou seja, não está em causa que, como decidiu este Supremo Tribunal Administrativo pelo acórdão proferido nos autos em 12 de Janeiro de 2011, a nulidade por falta de citação tem de ser primariamente arguida perante o órgão de execução fiscal, intervindo o tribunal na apreciação da questão se, na sequência do indeferimento administrativo dessa arguição, a sua intervenção for requerida através de reclamação judicial deduzida nos termos dos arts. 276.º e seguintes do CPPT; o que está em causa é saber como pode reagir o executado contra a inércia da Administração tributária consubstanciada na falta de decisão do órgão da execução fiscal do requerimento de arguição da nulidade por falta de citação, designadamente se o pode fazer através de incidente inominado em que suscita o conhecimento da questão ao juiz.
Assim, antes do mais, cumpre averiguar se o Juiz do Tribunal Administrativo e Fiscal de Loulé fez correcto julgamento quando julgou verificado o erro na forma do processo.

2.2.2 DO ERRO NA FORMA DO PEDIDO - DA INTERPRETAÇÃO DO PEDIDO FORMULADO EM JUÍZO

O Juiz do Tribunal Administrativo e Fiscal de Loulé considerou verificado o erro na forma do processo porque considerou que o pedido formulado pelo ora Recorrente foi o de que se ordenasse a sua citação no processo de execução fiscal, pedido que considerou não poder ser alcançado através do meio processual utilizado – incidente inominado da execução fiscal –, uma vez que a citação constitui um acto processual da competência do órgão da execução fiscal, nos termos do disposto no art. 188.º, n.º 1, do CPPT («Instaurada a execução, mediante despacho a lavrar no ou nos respectivos títulos executivos ou em relação destes, no prazo de 24 horas após o recebimento e efectuado o competente registo, o órgão da execução fiscal ordenará a citação do executado».), motivo por que nunca poderia tal acto ser ordenado pelo tribunal.
Assim, e porque, pelo mesmo motivo, considerou que a pretensão do Executado também não poderia ser satisfeita por qualquer outro meio processual (O Tribunal a quo não ponderou a possibilidade de convolar o incidente em requerimento endereçado ao órgão da execução fiscal, possibilidade que tem vindo a ser generalizadamente admitida pela jurisprudência. Se o tivesse feito, talvez se tivesse dado conta de que, caso o órgão da execução fiscal persistisse no não conhecimento nulidade, poderia estar a colocar o Executado numa situação de indefesa.), o que inviabiliza a possibilidade de convolação, considerou que o verificado erro na forma do processo «importa a anulação de todo o processado (artigo 199.º do CPC) que, nos termos da alínea b) do artigo 494.º deste último diploma constitui excepção dilatória e leva à absolvição da instância nos termos da alínea b) do n.º 1 do artigo 288.º do mesmo compêndio legal».
O Executado discorda desse entendimento, que sustenta reconduzir-se a uma verdadeira denegação de justiça e defende que, em face da inércia do órgão da execução fiscal – na decisão da arguida nulidade por falta de citação –, competirá ao juiz conhecer da questão. A não ser assim, ficaria indefeso, com grave prejuízo dos seus direitos e interesses legítimos.
Note-se que, quanto a esses prejuízos, o Juiz do Tribunal a quo, reconhecendo a possibilidade da sua existência, parece ter entendido que só restaria ao Executado pedir o ressarcimento dos mesmos em sede de acção de responsabilidade civil extracontratual a instaurar contra o Estado, como decorre da sua afirmação de que «[…] a inércia da Administração poderá eventualmente ser geradora de responsabilidade civil extra-contratual do Estado (cfr. JORGE DE SOUSA, Sobre a Responsabilidade Civil da Administração Tributária por Actos Ilegais – notas práticas, Áreas, 2010, máxime pp. 148-149)».
Vejamos, pois, se se verifica ou não o erro na forma do processo.
Como é sabido, o erro na forma do processo constitui uma nulidade de conhecimento oficioso decorrente do uso de um meio processual inadequado à pretensão de tutela jurídica formulada em juízo, que impõe a convolação do processo para a forma adequada [art. 97.º, n.º 3, da Lei Geral Tributária (LGT) e art. 98.º, n.º 4, do CPPT], apenas com a anulação dos actos que não possam aproveitar-se para a forma processual adequada sem a diminuição das garantias de defesa (art. 199.º, n.ºs 1 e 2, do CPC; actualmente art. 193.º do novo CPC (Aprovado pela Lei n.º 41/2013, de 26 de Junho, rectificada pela Declaração de Rectificação n.º 36/2013, de 12 de Agosto. )).
O erro na forma do processo afere-se pela adequação do meio processual utilizado ao fim por ele visado: se o pedido formulado pelo autor não se ajusta à finalidade abstractamente figurada pela lei para essa forma processual ocorre o erro na forma do processo (Cfr. ALBERTO DOS REIS, Código de Processo Civil Anotado, volume II, Coimbra Editora, 3.ª edição – reimpressão, págs. 288/289. No mesmo sentido, RODRIGUES BASTOS, Notas ao Código de Processo Civil, volume I, 3.ª edição, 1999, pág. 262, e ANTUNES VARELA, Revista de Legislação e Jurisprudência, ano 100.º, pág. 378.).
No caso sub judice os pedidos formulados em juízo – que deixámos transcritos na alínea h) do ponto 2.1.2 – são de (i) “revogação” do “indeferimento tácito” do requerimento por que o Executado pediu ao Chefe do Serviço de Finanças de Lagoa que declarasse a nulidade por falta de citação, de (ii) declaração de que se verifica tal nulidade, de (iii) que seja anulado o processado ulterior àquela omissão e de (iv) que seja ordenada nova citação do Executado no processo executivo.
Pese embora a panóplia de pedidos ( Eventualmente, porque o pedido formulado na petição inicial reproduz o pedido que o Executado tinha efectuado junto do órgão da execução fiscal.), o que o Executado pretende é que seja reconhecida judicialmente a nulidade por falta de citação, uma vez que, tendo arguido tal nulidade junto do órgão da execução fiscal, este não decidiu a questão.
Na verdade, na interpretação das peças processuais são aplicáveis, por força do disposto no art. 295.º do Código Civil («Aos actos jurídicos que não sejam negócios jurídicos são aplicáveis, na medida em que a analogia das situações o justifique, as disposições do capítulo precedente».) (CC), os princípios da interpretação das declarações negociais (comuns à interpretação das leis), valendo, por isso, aquele sentido que, segundo o disposto no art. 236.º, n.º 1, do CC («A declaração negocial vale com o sentido que um declaratário normal, colocado na posição do real declaratário, possa deduzir do comportamento do declarante, salvo se este não puder razoavelmente contar com ele».), o declaratário normal ou razoável deva retirar das declarações escritas constantes do articulado (Por outro lado, vale também aqui o princípio aplicável aos negócios formais – denominado do mínimo de correspondência verbal –, de que «não pode a declaração valer com um sentido que não tenha um mínimo de correspondência no texto do respectivo documento, ainda que imperfeitamente expresso» (art. 238.º, n.º 1 do CC).), para além de que não podemos olvidar que os rigores formalistas na interpretação das peças processuais estão hoje vedados pelos princípios do moderno processo civil e bem assim pelo princípio constitucional da tutela jurisdicional efectiva [cfr. arts. 20.º e 268.º, n.º 4, da Constituição da República Portuguesa (CRP)], motivo por que o tribunal deve extrair do pedido que lhe é feito o sentido mais favorável aos interesses do peticionante, indagando da sua real pretensão (Neste sentido, os seguintes acórdãos desta Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:
– de 20 de Junho de 2001, proferido no processo n.º 26.033, publicado no Apêndice ao Diário da República de 8 de Julho de 2003 (http://www.dre.pt/pdfgratisac/2001/32220.pdf), págs. 1747 a 1754, também disponível em
http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/16e101327c22a42980256b0300568149?OpenDocument;
– de 16 de Outubro de 2002, proferido no processo n.º 841/02, publicado no Apêndice ao Diário da República de 12 de Março de 2004 (http://www.dre.pt/pdfgratisac/2002/32240.pdf), págs. 2299 a 2303, também disponível em
http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/aa1d1e4b6bf79c1980256c68004c82fa?OpenDocument;
– de 15 de Maio de 2013, proferido no processo n.º 154/13, ainda não publicado no jornal oficial, mas disponível em
http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/9fd626d6071eab7780257b7f0054b163?OpenDocument.).
Ora, numa leitura integral da petição, o sentido que se nos afigura mais consentâneo com os critérios supra referidos é o de que o Executado, inconformado com a omissão de decisão do requerimento por que pediu ao Chefe do Serviço de Finanças de Lagoa que declarasse verificada a nulidade por falta de citação, pretende que o Juiz do Tribunal Administrativo e Fiscal de Loulé conheça dessa questão, isto é, da arguida nulidade por falta de citação.
Assim, salvo o devido respeito, não podemos subscrever o entendimento adoptado na sentença recorrida, de que o pedido formulado foi, sem mais, o de que fosse ordenada a citação. É certo que o Executado também pediu ao Juiz do Tribunal Administrativo e Fiscal de Loulé que ordenasse a sua citação, mas a pretensão do Executado, como se extrai da petição inicial numa interpretação que salvaguarde os seus interesses, é a de que seja conhecida judicialmente – uma vez que o não foi pelo Serviço de Finanças de Lagoa – a arguida nulidade por falta de citação.
Relativamente a esse pedido, afigura-se-nos que o meio processual escolhido é o adequado. Vejamos:
É certo que, como ficou dito no primeiro acórdão proferido nos autos, a nulidade por falta de citação tem de ser primariamente arguida perante o órgão de execução fiscal, intervindo o tribunal na apreciação da questão se, na sequência do indeferimento administrativo dessa arguição, a sua intervenção for requerida através de reclamação judicial deduzida nos termos dos arts. 276.º e seguintes do CPPT. Aliás, essa posição constitui hoje jurisprudência consolidada do Supremo Tribunal Administrativo (Vide os seguintes acórdãos do Pleno da Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:
– de 24 de Fevereiro de 2010, proferido no processo n.º 923/08, publicado no Apêndice ao Diário da República de 3 de Março de 2011 (http://www.dre.pt/pdfgratisac/2010/32410.pdf), págs. 58 a 62, também disponível em
http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/6603a143389bd257802576dd00504304?OpenDocument;
– de 5 de Julho de 2012, proferido no processo n.º 873/11, publicado no Apêndice ao Diário da República de 8 de Maio de 2013 (http://www.dre.pt/pdfgratisac/2012/32430.pdf), págs. 159 a 168, também disponível em
http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/4bb3a5d51765e00680257a3a00584450?OpenDocument.). Só assim não será se a nulidade funcionar como vício invalidante do acto reclamado ao abrigo do art. 276.º do CPPT (Neste sentido, por mais recente, vide o acórdão desta Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo de 24 de Julho de 2013, proferido no processo n.º 1211/13, ainda não publicado no jornal oficial, mas disponível em
http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/82adb55f8f76134180257bdd003f30c7?OpenDocument.).
No entanto, não podemos perder de vista que, nos termos do disposto no art. 165.º do CPPT, a falta de citação – que implica a alegação e prova pelo citando de que não teve conhecimento do acto por facto que não lhe seja imputável (cfr. n.º 6 do art. 190.º do CPPT) –, quando possa prejudicar a defesa do interessado constitui uma nulidade insanável [n.º 1, alínea a)], de conhecimento oficioso e que pode ser arguida até ao trânsito em julgado da decisão final (n.º 4). O que significa que essa nulidade pode (e deve) ser conhecida em qualquer fase do processo executivo quer pelo órgão da execução fiscal quer pelo juiz do processo.
Caso a nulidade seja arguida perante o órgão da execução fiscal e este não conheça a questão ou não a conheça em tempo, o princípio da tutela jurisdicional efectiva impõe que o executado disponha de um meio processual adequado a reagir contra essa omissão, que constitui uma violação dos seus direitos processuais da qual lhe poderão advir prejuízos (designadamente, a efectivação ou a manutenção da penhora sobre os seus bens), e a conseguir que a questão seja efectivamente decidida. Na tese da sentença, parece considerar-se que tal imposição se satisfaz com o facto de o executado poder instaurar acção contra a Administração tributária para efectivar eventual responsabilidade civil extracontratual decorrente dessa omissão.
Mas, salvo o devido respeito, o princípio da tutela jurisdicional efectiva não fica plenamente assegurado com a possibilidade de a posteriori, após a verificação dos prejuízos para o executado resultantes da falta da sua citação, este poder instaurar acção contra a Administração tributária para efectivar eventual responsabilidade civil extracontratual. Na verdade, o referido princípio impõe que, sempre que possível, se obste à produção desses prejuízos, designadamente através da prática dos actos legalmente devidos.
Assim, deve permitir-se ao cidadão obter uma decisão judicial acerca de toda e qualquer questão que o oponha à Administração, devendo garantir-se os meios necessários para esse efeito. Existirá sempre um meio contencioso apto a satisfazer as pretensões do administrado, ou seja, nunca este poderá ver o seu direito não satisfeito com base na inexistência de meio processual adequado para o fazer valer, sendo que se tal meio não estiver expressamente previsto, haverá o juiz de “criar” o meio processual necessário para assegurar a tutela judicial efectiva.
Mas não é esse o caso dos autos. Na verdade, a lei processual prevê a possibilidade de os interessados poderem reagir judicialmente contra os comportamentos – actos ou omissões – da Administração tributária em sede de execução fiscal, seja no âmbito das funções administrativas ou das funções processuais (de natureza não jurisdicional) que aí lhe estão cometidas [cfr. arts. 101.º, alínea d), e art. 103.º, n.º 2, da LGT, art. 97.º, n.º 1, alínea n), do CPPT, e arts. 49.º, n.º 1, alínea a), subalínea iii) e alínea d), e 49.º-A, nºs 1, alínea c), 2, alíneas a), subalínea iii), e c), e 3, alíneas a), subalínea iii) e c), do Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais].
Em regra, o meio processual para reagir contra actos ou decisões da Administração tributária em sede de execução fiscal que sejam lesivos dos seus direitos ou interesses legalmente protegidos, isto é, que tenham repercussão negativa imediata na esfera jurídica dos interessados, é a reclamação prevista nos arts. 276.º e segs. do CPPT.
É certo que, como adverte JORGE LOPES DE SOUSA, «relativamente a omissões de actos não será possível, em princípio, reclamar imediatamente para o juiz, pelo que o interessado deverá fazer a respectiva arguição de nulidade perante o órgão da execução fiscal e só da decisão deste que não satisfaça a sua pretensão poderá reclamar.
Porém, se ocorrer inércia da administração tributária em apreciar a arguição ou se se tratar de uma situação em que a omissão provoca, só por si, uma lesão imediata dos interesses do requerente, não poderá deixar de reconhecer-se a este interessado o direito de solicitar imediatamente a intervenção do tribunal, como exige a garantia constitucional do direito à tutela judicial efectiva (art. 20.º, n.º 1, da CRP). Aliás, é precisamente para garantia deste direito constitucional que se prevê a ficção de indeferimento tácito, como objecto de impugnação perante os tribunais em situações de inércia indevida da administração (arts. 57.º, n.º 5, da LGT e 106.º do CPPT). Por isso, embora o processo de execução fiscal tenha natureza judicial na sua totalidade (em face do n.º 1 do art. 103.º da LGT), na parte em que nele se desenvolve actividade administrativa deverá aplicar-se, directamente ou por analogia, o regime do indeferimento tácito referido no art. 57.º, n.º 5, da LGT, formado após o decurso do prazo legal de decisão, que é de 10 dias para a prolação de despachos no processo de execução fiscal pelo órgão da execução fiscal [art. 22.º, alínea a), do CPPT], aplicação esta que é imposta por aquela garantia constitucional.
Aliás, se se aceitar que há um direito global de os particulares solicitarem a «intervenção do juiz no processo», como decorre da alínea 29) do art. 2.º da Lei n.º 41.198, de 4 de Agosto, que autorizou o Governo a aprovar a LGT, parece ter de deixar-se em aberto a possibilidade de os particulares acederem ao tribunal mesmo quando não há qualquer decisão da administração tributária, inclusivamente para reagirem contra a inércia desta. Isto é, para além da reclamação prevista no art. 276.º do CPPT que será o meio adequado para impugnar actos praticados no processo de execução fiscal pela administração tributária, deverá reconhecer-se aos interessados a possibilidade de formularem directamente pedidos para os quais não seja adequado aquele meio, designadamente para verem satisfeitos direitos em situações em que não há uma decisão da administração tributária. Esta possibilidade terá cobertura nos arts. 151.º do CPPT e 49.º, n.º 1, alínea d), e 49.º-A, n.ºs 1, alínea c), 2, alínea c), e 3, alínea c), do ETAF de 2002, que atribuem ao tribunal a competência para decidir os incidentes, a par da impugnação de actos lesivos, nada havendo na lei que obste a que os interessados gerem os incidentes inominados que entenderem adequados, que caberão necessariamente na competência do tribunal quando tiverem por objecto um litígio, mesmo que implícito, entre a administração tributária e os interessados» (Código de Procedimento e de Processo Tributário Anotado e Comentado, Áreas Editora, 6.ª edição, IV volume, anotação 4 b) ao art. 276.º, págs. 271/272.)-(Neste sentido, vide os seguintes acórdãos desta Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo, referidos na anotação supra referida:
– de 28 de Junho de 1995, proferido no processo n.º 19.033, publicado no Apêndice ao Diário da República de 14 de Agosto de 1997 (http://www.dre.pt/pdfgratisac/1995/32220.pdf), págs. 1919 a 1924, com sumário disponível em
http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/9d7be82b463022f4802568fc0039a0a6?OpenDocument;
– de 8 de Julho de 1999, proferido no processo n.º 23.345, publicado no Apêndice ao Diário da República de 18 de Julho de 2002 (http://www.dre.pt/pdfgratisac/1999/32230.pdf), págs. 2852 a 2857, com sumário disponível em
http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/52ce94d1982bfae4802568fc003a0bd9?OpenDocument;
– de 27 de Setembro de 2000, proferido no processo n.º 24.634, publicado no Apêndice ao Diário da República de 17 de Janeiro de 2003 (http://www.dre.pt/pdfgratisac/2000/32230.pdf), págs. 3213 a 3215, com sumário disponível em
http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/dd820f89c22fbb26802569ae0058e71f?OpenDocument.).
Subscrevendo integralmente este entendimento, afigura-se-nos que a inércia da Administração tributária na apreciação da nulidade por falta de citação arguida perante o Serviço de Finanças de Lagoa permite que o Executado solicite a intervenção do Tribunal Administrativo e Fiscal de Loulé, através de incidente inominado da execução fiscal, pedindo ao Juiz que conheça da nulidade arguida.
Sendo essa, na interpretação que fizemos do pedido formulado na petição inicial, a verdadeira pretensão do Executado e sendo o incidente inominado o meio processual por este escolhido, não se verifica o erro na forma do processo, motivo por que a decisão recorrida deve ser revogada, como decidiremos a final, e o processo regressar à 1.ª instância, a fim de aí prosseguir, se a tal nada mais obstar.
Note-se que não se coloca a possibilidade deste Supremo Tribunal efectuar o julgamento em substituição, nos termos do art. 665.º do novo CPC (antigo art. 715.º), pois o Tribunal a quo não fixou os factos relativos à questão da falta de citação.

2.2.3 CONCLUSÕES

Preparando a decisão, formulamos as seguintes conclusões:
I - Na interpretação das peças processuais são aplicáveis, por força do disposto no art. 295.º do CC, os princípios da interpretação das declarações negociais, valendo, por isso, aquele sentido que, segundo o disposto nos arts. 236.º, n.º 1, do CC, o declaratário normal ou razoável deva retirar das declarações escritas constantes do articulado, sendo também de observar que os rigores formalistas na interpretação das peças processuais estão hoje vedados pelos princípios do moderno processo civil e bem assim pelo princípio constitucional da tutela jurisdicional efectiva (cfr. art. 20.º da CRP), motivo por que o tribunal deve extrair do pedido que lhe é feito o sentido mais favorável aos interesses do peticionante, indagando da sua real pretensão.
II - A execução fiscal é um processo de natureza judicial (art. 103.º da LGT), motivo por que os interessados que se sintam lesados por algum acto ou omissão do órgão da execução fiscal têm a possibilidade de suscitar a intervenção do juiz do processo.
III - A jurisprudência consolidada vai no sentido de que a nulidade do processo executivo por falta de citação do executado nos termos do n.º 6 do art. 190.º do CPPT tem de ser primariamente arguida perante o órgão de execução fiscal, intervindo o tribunal na apreciação da questão se, na sequência do indeferimento dessa arguição, a sua intervenção for requerida através de reclamação judicial deduzida nos termos dos arts. 276.º e segs. do CPPT.
IV - A inércia da Administração tributária na apreciação da nulidade por falta de citação arguida perante o órgão da execução fiscal permite que o executado solicite a intervenção do tribunal, através de incidente inominado da execução fiscal, pedindo ao juiz que conheça da nulidade arguida.


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3. DECISÃO

Face ao exposto, os juízes da Secção do Contencioso Tributário deste Supremo Tribunal Administrativo acordam, em conferência, conceder provimento ao recurso, revogar a decisão recorrida e ordenar que os autos regressem ao Tribunal Administrativo e Fiscal de Loulé, para aí prosseguirem, se a tal nada mais obstar.

Sem custas.


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Lisboa, 8 de Janeiro de 2014. – Francisco Rothes (relator) – Dulce NetoIsabel Marques da Silva.