Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:086/19.4BALSB
Data do Acordão:02/24/2021
Tribunal:PLENO DA SECÇÃO DO CT
Relator:FRANCISCO ROTHES
Descritores:UNIFORMIZAÇÃO DE JURISPRUDÊNCIA
DECISÃO ARBITRAL
JURISPRUDENCIA RECENTEMENTE CONSOLIDADA
Sumário:I - Tendo a decisão sob recurso sido proferida depois de 1 de Outubro de 2019, data da entrada em vigor da nova redacção dada ao n.º 2 do art. 25.º do RJAT pela Lei n.º 119/2019, de 18 de Setembro, é admissível o recurso para o Supremo Tribunal Administrativo de decisão arbitral de mérito por oposição quanto à mesma questão fundamental de direito com outra decisão do tribunal arbitral [cfr. arts. 1.º, alínea m), 17.º e 26.º, n.º 1, da referida Lei].
II - Esse recurso pressupõe que se verifique entre ambas as decisões arbitrais oposição quanto à mesma questão fundamental de direito (n.º 2 do art. 25.º do RJAT), mas não deve ser admitido se, não obstante a existência de oposição, a orientação perfilhada na decisão recorrida impugnado estiver de acordo com a jurisprudência mais recentemente consolidada do Supremo Tribunal Administrativo (n.º 3 do art. 152.º do CPTA, aplicável ex vi do n.º 3 do art. 25.º do RJAT).
III - É de considerar que existe jurisprudência recentemente consolidada da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo quando o Pleno da Secção se pronunciou há cerca de seis meses sobre a questão, em acórdão proferido com um único voto em sentido contrário e, entretanto, não houve alteração alguma na composição da Secção, nem a verificação de quaisquer outras circunstâncias que permitam antever a possibilidade de alteração do sentido decisório aí consignado.
Nº Convencional:JSTA000P27268
Nº do Documento:SAP20210224086/19
Data de Entrada:11/21/2019
Recorrente:A............, S.A.
Recorrido 1:AT - AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Recurso para uniformização de jurisprudência da decisão arbitral proferida pelo Centro de Arbitragem Administrativa - CAAD no processo n.º 615/2018-T
Recorrente: “A…………, S.A.”
Recorrida: Autoridade Tributária e Aduaneira (AT)

1. RELATÓRIO

1.1 A sociedade acima identificada veio, ao abrigo do disposto no art. 25.º, n.º 2, do Regime Jurídico da Arbitragem Tributária (RJAT), aprovado pelo Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro, interpor recurso para o Pleno da Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo de decisão arbitral proferida pelo Centro de Arbitragem Administrativa (CAAD) em 21 de Outubro de 2019 no processo n.º 615/2018-T (Disponível em
https://caad.org.pt/tributario/decisoes/decisao.php?s_processo=615%2F2018-T&s_data_ini=&s_data_fim=&s_resumo=&s_artigos=&s_texto=&id=4360.), invocando oposição, quanto à mesma questão fundamental de direito, com a decisão proferida pelo CAAD em 10 de Dezembro de 2018, no processo n.º 223/2018-T, já transitada em julgado (Disponível em https://caad.org.pt/tributario/decisoes/decisao.php?listPageSize=100&listPage=36&id=3713.).

1.2 Apresentou alegações, com conclusões do seguinte teor:

«a) Da oposição no âmbito da mesma questão fundamental de direito entre a decisão arbitral recorrida e a decisão arbitral fundamento

A) Na decisão arbitral ora recorrida estava em causa saber se era legal a autoliquidação de IRC (tributações autónomas) de 2015 da A…………, na medida correspondente à não dedução à parte da colecta do IRC produzida pelas taxas de tributação autónoma de incentivos fiscais em IRC, designadamente os benefícios fiscais apurados no âmbito SIFIDE.

B) De onde que a questão principal que a recorrente pretendia ver esclarecida era se tinha ou não a A………… o direito de proceder à dedução, também à colecta de IRC produzida pelas taxas de tributação autónoma, do referido SIFIDE.

C) A decisão arbitral decidiu, não obstante não negar que a tributação autónoma em IRC também é IRC, que a previsão normativa das deduções à colecta de IRC não se lhe aplicaria.

D) E não se aplicaria, se bem se entendeu – e isto já releva do plano da apreciação do mérito da decisão recorrida (erro de julgamento ou julgamento acertado?) – porque em razão da particular natureza do IRC constituído pela tributação autónoma, o parâmetro das deduções à colecta inserido no artigo 90.º do CIRC não se lhe aplicaria.

E) Este entendimento está em oposição com a decisão arbitral fundamento, proferida no processo arbitral n.º 223/2018-T.

F) Com efeito, esta decisão arbitral fundamento transitada em julgado, decidiu a mesma questão fundamental de direito (dedução de benefícios fiscais, e por coincidência SIFIDE também, à colecta da tributação autónoma em IRC) com respeito ao mesmo exercício fiscal de 2015 (entre outros), no âmbito do mesmo quadro legal, concluindo de modo oposto.

G) Constatando igualmente que a colecta da tributação autónoma em IRC é IRC (nesta conclusão coincidem as decisões arbitrais em colisão), mais concluiu a decisão arbitral fundamento que o artigo 90.º do CIRC (e não só) se aplica a todas as parcelas de IRC (colecta do IRC de base, colecta da derrama estadual e colecta da tributação autónoma), não havendo por conseguinte base legal para afastar a dedução à colecta da tributação autónoma em IRC de créditos de IRC detidos pelo contribuinte, designadamente créditos adquiridos no âmbito do SIFIDE.

H) Uma vez que a previsão do artigo 90.º (n.º 2) do CIRC de deduções à colecta de IRC de benefícios fiscais que operem desse modo não exclui parcela alguma da colecta de IRC.

b) A improcedência do argumentário específico da decisão arbitral recorrida, e seu contraste com o acórdão fundamento

I) A decisão arbitral recorrida esquece-se que o artigo 88.º do Código do IRC se limita à especificação da matéria tributável e das taxas das tributações autónomas, do mesmo modo que os artigos 87.º, e anteriores, do CIRC, recortam a matéria colectável e taxas do IRC sobre o lucro, e bem assim a matéria colectável e taxas da derrama estadual.

J) Daí que para todas as parcelas da colecta de IRC (as resultantes dos artigos até ao 87.º, e a resultante do artigo 88.º), seja incontornável a aplicação dos artigos 89.º e seguintes, incluindo por conseguinte o artigo 90.º do CIRC, ou de outra forma não haveria modo procedimental (e isso é reserva de lei) de proceder à liquidação das tributações autónomas.

K) Daí que, isso é incontornável, quando os artigos 89.º e 90.º do CIRC se referem ao IRC, designadamente ao seu apuramento, à liquidação da respectiva colecta, se estejam necessariamente a referir a todo o IRC, incluindo o gerado pelas tributações autónomas.

L) Nas palavras da decisão arbitral fundamento, citando e aderindo para o efeito ao que se raciocinou no acórdão arbitral proferido no processo n.º 134/2017-T (Conselheiro José Baeta de Queiroz, Dr. Luís Pereira da Silva e Dra. Eva Dias Costa), que se passam a transcrever (sublinhados nossos):
Há uma liquidação de IRC única que comporta duas partes: a liquidação das tributações autónomas e a do restante IRC, cada uma com matéria colectável determinada de modo próprio e com taxas de tributação próprias, mas ambas liquidadas nos termos do artigo 90.º do CIRC. Havendo uma liquidação única, conclui-se que a parte da colecta que provém das tributações autónomas é parte integrante da colecta de IRC.
Ao contrário, não se encontra em qualquer outro artigo do CIRC a referência à liquidação das tributações autónomas como processo distinto. (...)
Aceitar que a liquidação das tributações autónomas está fora do artigo 90.º n.º 1 do CIRC e, portanto, afastar da sua colecta a dedutibilidade do PEC prevista na alínea c) do n.º 2, seria obrigar o contribuinte a pagar um imposto cuja liquidação se não faz nos termos da lei, contrariando o n.º 3 do artigo 103.º da CRP e o princípio da legalidade tributária que a Lei Geral Tributária, no seu artigo 8.º, n.º 2, alínea a), estabelece.
Se a Autoridade Tributária e Aduaneira assumiu que a colecta das tributações autónomas se calculou fora do artigo 90.º do CIRC, deveria indicar a norma com base em que fez a liquidação.
Não havendo norma sobre liquidação das tributações autónomas separada, parece ter de aceitar-se que a colecta de IRC a engloba, incluindo-se no artigo 90.º, n.º 1 do CIRC, sendo, portanto, dedutível o pagamento especial por conta referido na alínea c) do n.º 2.”.

M) Este trecho diz muito. Sobretudo, para o que aqui agora interessa, mostra as fragilidades e falta de resposta da decisão arbitral recorrida para esta questão: se não considera que no artigo 90.º se fala da liquidação do IRC como um todo, onde estão então as normas que lidariam com a liquidação das tributações autónomas em IRC em especial?

N) Normas que se não confundem com as normas de incidência e taxas, que essas sabemos bem onde estão para as tributações autónomas (artigo 88.º do CIRC), e para as outras parcelas de IRC (artigos 87.º e anteriores do CIRC), nem isso alguma vez foi controvertido.

O) Recorde-se que a decisão arbitral recorrida começa por tomar posição acerca da natureza das tributações autónomas, no sentido de que estas são ainda IRC, em linha com a jurisprudência unânime, quer arbitral quer do STA.

P) Mas depois, num salto para o qual nenhuma base legal é capaz de apontar, acrescenta que a sua qualificação como IRC não tem de conduzir à conclusão de que o apuramento das tributações autónomas segue o regime-regra da liquidação do IRC. Que regime segue então, se nenhum outro há no IRC e estamos perante matéria de reserva de lei? Sobre isto, silêncio.

Q) A decisão arbitral recorrida parece igualmente não querer compreender que as por si chamadas normas instrumentais (de liquidação) são reserva de lei, e por conseguinte não podem ser consagradas senão por lei. Lei esta que consagrava à data dos factos um único e unitário processo de liquidação para todo o IRC (incluindo derramas e tributações autónomas), no seio do qual regulamentou também (sem excepcionar parte alguma do IRC) as deduções à colecta.

R) Um intérprete-tipo como o da decisão arbitral recorrida pode ir tão longe quanto quiser, pode ignorar as leis que quiser, bastando-lhe para tanto invocar a finalidade da tributação e corolários que daí subjectivamente lhe pareça ser de retirar, para afastar lei aplicável e pôr no seu lugar norma especial em matéria de reserva de lei, por si erigida em substituição da lei.

S) A este intérprete-tipo seria igualmente possível, por exemplo, assentar em que a derrama estadual foi criada para acudir a uma crise financeira e orçamental (e isso é inteiramente verdade), e por conseguinte não faz sentido aplicar-se-lhe deduções à colecta, ou, dito eufemisticamente, não seria de lhes aplicar o regime geral de liquidação do IRC, e por conseguinte não o aplicar, impedindo as deduções à colecta previstas por quem de direito, sem qualquer excepção até 2015 inclusive.

T) Faz algum sentido ir por aí? Isso não é um claro e grave erro de julgamento? Não configura isto uma substituição do legislador por potenciais dezenas ou centenas de aplicadores da lei e respectiva casuística de cada um?

U) Com a agravante de no caso da tributação autónoma não haver sequer aquela desculpa que se poderia arranjar para efeitos da derrama estadual.

V) Diz ainda a decisão arbitral recorrida que “a aplicação do regime geral das deduções à colecta não pode constituir obstáculo a que o objectivo subjacente às tributações autónomas seja atingido, sempre que a previsão da norma – existência de determinadas classes de despesas ou ocorrência de determinadas circunstâncias – seja preenchida.”.

W) Há aqui um equívoco, e grande.

X) O objectivo seja das tributações autónomas em IRC, seja de outras parcelas do IRC (IRC de base e derramas), seja em especial de quaisquer normas anti-abuso, especiais ou gerais, fica preenchido com a sua aplicação e consequente geração adicional de imposto.

Y) Estejamos a falar das regras de preços de transferência e imposto adicional por elas promovido, ou das regras que afastam a dedução de custos caso o destinatário da despesas esteja situado em offshore (e imposto adicional assim conseguido), ou da tributação das despesas com frota de automóveis que o legislador receie seja em parte usada também extra-empresa, e imposto adicional nesse âmbito gerado pela tributação autónoma em IRC.

Z) O evento verificou-se, a disposição anti-abuso ou anti-evasão aplicou-se, por via disso gerou-se imposto adicional a favor do Estado. Fim de conversa.

AA) O que se passa a seguir em nada anula este efeito anti-elisivo da tributação adicional aplicada.

BB) Com efeito, se o contribuinte tem um crédito de IRC sobre o Estado, seja porque pagou imposto em excesso em sede de pagamentos especiais por conta, seja porque, como no caso, fez investimentos em inovação e desenvolvimento que nos termos da lei (SIFIDE) geraram a seu favor um crédito de IRC, vai usar esse crédito de IRC contra IRC, seja ele IRC (i) de base, (ii) na modalidade de tributação autónoma ou (iii) na modalidade de derrama estadual.

CC) Porque a lei, a lei que rege unitariamente a liquidação de todo o IRC após a fase da aplicação das diversas taxas às diversas matérias colectáveis, assim o prevê, sem excluir (até 2016) coisa alguma (só com as mudanças operadas pelos artigos 133.º e 135.° da LOE 2016, cuja aplicação retroactiva foi já julgada inconstitucional, isso se alterou).

DD) Estamos agora no plano distinto da liquidação financeira do imposto gerado adicionalmente pela disposição anti-elisão A, B, C, D, ou por qualquer outra disposição em sede de IRC de base, derrama estadual ou tributação autónoma em IRC.

EE) Pagamento via acerto de contas com crédito de IRC sobre o Estado (seja ele crédito adveniente de PEC, da aplicação do SIFIDE, ou qualquer outro), pagamento via abatimento do montante deste crédito à colecta apurada (vulgo deduções à colecta).

FF) Pagamento este que, evidentemente, não anula o efeito da aplicação da disposição dita anti-elisiva, ou de qualquer outra geradora de (colecta de) IRC de base, derrama estadual ou tributação autónoma em IRC.

GG) Não ficou por pagar o imposto gerado ou adicionalmente gerado. Foi pago, a contrapartida é que pode ter sido uma diminuição do saldo bancário, ou uma diminuição ou extinção de crédito de IRC sobre o Estado (os créditos por PEC resultaram por sua vez de uma diminuição no passado, a favor do Estado cobrador de impostos, do saldo bancário; e os créditos de SIFIDE resultaram de um compromisso legal de atribuição dos mesmos pelo Estado Fiscal em contrapartida da realização dos investimentos previstos na lei).

HH) Sobre a aplicabilidade da previsão normativa do artigo 90.º, n.º 2, incluído, do IRC, à colecta das tributações autónomas em IRC, é de recordar o eloquente voto de vencido do Conselheiro Jorge Lopes de Sousa na decisão arbitral proferida no processo arbitral n.º 649/2018-T (págs. 40 a 80 da versão PDF publicada no site do CAAD, que para facilidade de consulta atrás se juntou como Doc. n.º 6) onde se faz uma magnífica síntese e demonstração do que se vem falando (cfr. em especial as págs. 42 a 45).

c) Improcedência dos argumentários utilizados ao longo do tempo, excludentes da dedução de créditos de IRC à colecta da tributação autónoma em IRC

II) A conclusão de que a norma do Código do IRC que prevê as deduções à colecta em IRC (artigo 90.º, n.º 2) abrange a colecta em IRC das tributações autónomas, é uma exigência, em primeiro lugar, da própria letra da lei, tal como entendida pela própria AT e por avassaladora jurisprudência tributária: conforme relatado supra, quer a AT, quer os tribunais arbitrais em dezenas de decisões arbitrais que deram razão à AT, entendem que a colecta da tributação autónoma em IRC é IRC, inclusive nos propósitos ou função que aquela serve (combate, através de tributação compensatória, a despesas e encargos de duvidosa empresarialidade, pelo menos na sua totalidade).

JJ) E é também uma exigência do princípio da coerência e da interpretação sistemática: não se pode simultaneamente concluir (sem lei que, previamente, crie a dissonância) que quando o Código do IRC se refere à colecta do IRC no seu artigo 45.º, n.º 1, alínea a) (na redacção e numeração em vigor até 2013), aí se inclui, sem necessidade de nomeação própria, a colecta da tributação autónoma em IRC (e assim concluiu avassaladora jurisprudência tributária, a pedido da AT, conforme supra relatado),

KK) e nuns artigos mais à frente (artigo 90.º, n.º 2, do Código do IRC) concluir, em oposição, que a colecta do IRC não abrange a colecta da tributação autónoma em IRC.

LL) E a natureza anti-abuso da tributação autónoma em IRC em nada é capaz de alterar esta conclusão. Não se pode, designadamente, pegar acriticamente no chavão “função anti-abuso da tributação autónoma em IRC”, para se negar a dedução de créditos fiscais em IRC a esta colecta, sem que se seja capaz de explicar por que razão o substituto do IRC de base (a tributação autónoma) haveria de ter um regime diferente para a sua colecta.

MM) Se se substitui colecta de IRC de base, que se presume ter sido indevidamente diminuída, por tributação autónoma em IRC, que razão há, atingido esse objectivo (geração de colecta de IRC substitutiva via tributação autónoma) para travar a dedução de créditos fiscais utilizáveis contra a colecta de IRC?

NN) A este evidente impedimento lógico ao afastamento de deduções de créditos fiscais à colecta da tributação autónoma, não se dá qualquer resposta, nem se tenta dá-la. Reproduz-se mecanicamente o pregão da AT, “medida anti-abuso”, e abracadabra, fez-se magia!

OO) Sublinha-se ainda que sendo a tributação autónoma IRC, porque visa atingir substitutivamente o rendimento real, não é pelo facto de ser deduzida a esta colecta da tributação autónoma em IRC um crédito por benefício fiscal (ou um pagamento por conta de IRC), que a tributação autónoma deixou de ser suportada. O imposto é suportado, o que há é paralelamente um crédito fiscal, adquirido por razões acolhidas pelo sistema fiscal, que opera por dedução à colecta do IRC. A colecta da tributação autónoma em IRC, sempre devida, é paga por acerto de contas com o crédito fiscal.

PP) Como se mostrou supra ainda, as restantes tentativas argumentativas usadas desgarrada e caoticamente, e com recurso a acidentes (por oposição à estrutura e à essência), para afastar a colecta da tributação autónoma em IRC da norma que prevê as deduções à colecta, não são persuasivas. Falham na tentativa de justificar a dissonância interpretativa que procuram sustentar, falham na tentativa de justificar o rompimento com o que é exigido pelo princípio da coerência e da interpretação sistemática, e as particularidades que de vários ângulos tentam invocar para distinguir, não resistem também ao exame.

QQ) Improcedem pois, como se analisou supra, a invocação (i) de um putativo âmbito restrito da colecta a que se dirigiriam os benefícios fiscais, a invocação (ii) da existência de várias colectas constitutivas de IRC, a invocação (iii) da base de cálculo dos pagamentos por conta, a invocação do (iv) âmbito de aplicação dos créditos por dupla tributação internacional, e a invocação (v) de considerações em torno da transparência fiscal.

RR) Finalmente, mais entende a recorrente que a atribuição pelo artigo 135.º da LOE 2016 (Lei n.º 7-A/2016, de 30 de Março) de natureza interpretativa também à parte 2 do novo n.º 21 do artigo 88.º do CIRC, isto é, também ao segmento normativo “não sendo efectuadas quaisquer deduções ao montante global [de tributação autónoma em IRC] apurado”, introduzido pela mesma LOE 2016 (pelo seu artigo 133.º), (ii) e consequente atribuição de carácter retroactivo a esta nova norma fiscal,

SS) configura uma inconstitucionalidade material do referido artigo 135.º da LOE 2016, por violação da proibição de retroactividade em matéria de impostos prevista no artigo 103.º, n.º 3, da Constituição, quer se tenha concluído, quer não (e entende-se que não), estar-se perante uma lei materialmente interpretativa.

TT) E por violação, também, do princípio da separação entre poderes legislativo e judicial e do princípio da independência do poder judicial, reforçados que são sempre que se esteja perante matéria sujeita à proibição constitucional de retroactividade de novas leis.

UU) Violação, pois, também, em articulação com a proibição de retroactividade, do artigo 2.º (Estado de direito democrático, e separação e interdependência de poderes, sendo que quanto a este último aspecto no caso está em causa a perspectiva da interdependência – e por conseguinte negação de excessos e de ocupação de espaço que não lhe pertence – do poder político-legislativo face ao poder judicial), do artigo 111.º, n.º 1 (separação e interdependência dos órgãos de soberania, que é ainda um limite material de revisão – artigo 288.º, alínea j), da Constituição), e do artigo 203.º (independência dos tribunais, outro limite material de revisão – artigo 288.º, alínea m), da Constituição), todos da Constituição.

VV) Sobre isto já se pronunciou o supra citado acórdão do Tribunal Constitucional n.º 267/2017, de 31 de Maio de 2017, que julgou inconstitucional a norma aqui em causa, e este juízo de inconstitucionalidade foi já reafirmado num outro processo, na decisão sumária do Tribunal Constitucional n.º 11/2018, confirmada pelo acórdão do Tribunal Constitucional n.º 107/2018.

WW) Da mesma inconstitucionalidade padece a atribuição pelo artigo 233.º da LOE 2018 (Lei n.º 114/2017, de 29 de Dezembro) de natureza interpretativa, rectius retroactiva, ao aditamento ao n.º 21 do artigo 88.º do CIRC, do segmento normativo “ainda que essas deduções resultem de legislação especial”, introduzido pela mesma LOE 2018 (pelo seu artigo 231.º).

Termos em que, e nos mais de direito que v. Exas. doutamente suprirão,

- deve ser admitido o presente recurso por se verificarem os pressupostos legais para o efeito,

- deve ser anulada a decisão arbitral recorrida,

- e deve ser emitido acórdão por este tribunal decidindo a questão controvertida nos termos peticionados, com a consequente anulação parcial da autoliquidação de IRC do exercício de 2015 da A…………, no que respeita ao montante de € 19.709,32, por violação de lei, com todas as consequências legais, designadamente o reembolso à recorrente deste montante de imposto indevidamente pago, acrescido de juros indemnizatórios à taxa legal contados, até integral reembolso, desde 1 de Setembro de 2016 (dia subsequente à data limite, 31.08.2016, para o reembolso do IRC pago em excesso – cfr. artigo 104.º, n.º 6, do código do IRC).».

1.3 A Fazenda Pública apresentou contra-alegações, com conclusões do seguinte teor:

«A. O presente recurso para uniformização de jurisprudência, interposto por A…………, S.A. (adiante somente Recorrente) tem por base alegada oposição entre decisão proferida por Tribunal Arbitral em matéria Tributária, constituído sob a égide do Centro de Arbitragem Administrativa (CAAD), no âmbito do processo arbitral que correu termos sob o 615/2018-T (doravante decisão arbitral recorrida) e a decisão prolatada no âmbito do processo arbitral n.º 223/2018-T (adiante decisão fundamento), nos termos e para os efeitos do n.º 2 do art. 25.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro – Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária (RJAT).

B. A matéria que foi objecto de pronúncia na decisão arbitral recorrida, proferida no Processo n.º 615/2018-T e na decisão arbitral fundamento, proferida no processo n.º 223/2018-T, prende-se com a dedutibilidade do benefício fiscal resultante do Sistema de Incentivos Fiscais à Investigação e Desenvolvimento Empresarial II (“SIFIDE II) aprovado pelo art. 133.º da Lei n.º 55-A/2010, de 31 de Outubro, à colecta referentes às colectas das tributações autónomas (TA).

C. Os dois arestos divergem no entendimento do enquadramento da seguinte questão:
É, sobre a colecta produzida pelas tributações autónomas, susceptível de efectuar qualquer dedução, em concreto dos créditos gerados pelos benefícios fiscais - SIFIDE II?

D. Desde já se adiante que, desde a criação das TA, no início da década de 90, e a sua evolução legislativa, sempre foi pacífico por parte de todos os operadores no mundo fiscal que as tributações autónomas não admitiam qualquer dedução.

E. Ora, na temática que aqui nos ocupa, estamos perante uma controvérsia que nunca existiu, aliás, só passou a existir a partir do momento em que diversos sujeito passivos, promoveram junto do CAAD teses que desafiavam a estabilidade interpretativa que sempre existiu em torno do tema, teses às quais o CAAD, embora muito minoritariamente, deu acolhimento.

F. Veja-se que desde o nascimento das Tributações Autónomas, não foi questionada a não dedutibilidade das mesmas à colecta de IRC, até que desde finais de 2013, começaram a surgir massivamente interpretações que punham em causa uma estabilidade de décadas, e não consta que tenham havido contribuintes que impugnassem a interpretação vigente e pacífica até àquela data (2013).

G. Altura em que, foi ensaiada a interpretação de que os valores pagos a título de tributação autónoma seriam dedutíveis à colecta do IRC. Pretensão que falhou por unanimidade, pois que o CAAD não acolheu tal interpretação.

H. Neste ensejo, e vetada ao insucesso de que as tributações autónomas não poderiam ser dedutíveis à colecta do IRC, novamente com a intervenção do tribunal arbitral (não há conhecimento destas temáticas serem discutidas junto dos tribunais judiciais) é que surgiu uma nova leva de processos, pugnando então, desta feita, pela dedução do PEC e dos benefícios fiscais à colecta produzida por tributações autónomas, o que levou a que em 2014 e 2015 - decisões do CAAD, umas no sentido de que o PEC e os benefícios fiscais podiam ser deduzidos à colecta das tributações autónomas e outras em sentido contrário.

I. Perpassemos, com a atenção devida pelo entendimento propugnado pela Recorrida e que vem vertido na decisão recorrida:

J. impõe-se desde já fazer 3 ressalvas,
1) Não obstante a convergência na forma de liquidação regulada nos artigos 89.º e 90.º do CIRC, a montante as tributações autónomas e o IRC stricto sensu provêm de geografias profundamente distintas;
2) Divergências que se reflectem nas soluções a jusante ou seja a de inexistência de unicidade de IRC e TA;
3) As tributações autónomas evidenciam disparidade teleológica e funcional.

K. Os erros de julgamento apontados pela Recorrente à decisão recorrida assentam em premissas inquinadas por erros ao nível dos conceitos, mormente de benefício fiscal, e erros de interpretação das normas fiscais relevantes e da interacção entre o regime do SIFIDE II e o Código do IRC.

L. Da concatenação do estabelecido nestes normativos resulta que a dedução a que se refere o citado normativo opera nos termos em que as deduções, previstas no n.º 2 do art. 90.º operam, atenta a subsunção dos créditos de imposto por benefícios fiscais, como é o caso do SIFIDE II, na alínea b) – anterior alínea c) - desta norma.

M. Com a inserção das tributações autónomas no Código do IRC, pela Lei n.º 30-G/2000, de 29/12, mediante o aditamento do art. 69.º-A (actual art. 88.º) passaram a coexistir, neste Código, dois sistemas de tributação com natureza e finalidades distintas, sem que o legislador haja introduzido as necessárias adaptações que tais diferenças impunham, não obstante tal inclusão ter constituído, “um entorse à luz das características próprias do IRC, enquanto imposto directo que incide sobre o rendimento das pessoas colectivas” (cfr., HELENA MARTINS, “O imposto sobre o rendimento das pessoas colectivas, in Lições de Fiscalidade, Almedina, 2012, pág. 280). Negrito nosso

N. Ou seja, a transmutação do regime legal do IRC numa realidade jurídica complexa e multifacetada acabou por relegar para o intérprete a tarefa de indagar quais as normas do CIRC que contendem com a especial forma de incidência e finalidades das tributações autónomas, socorrendo-se das normas sobre interpretação e aplicação das leis, conforme prescreve o n.º 1 do art. 11.º da LGT ao fazer uma remissão para o artigo 9.º do Código Civil.

O. A assunção de propósito é expressa nos seguintes termos em ordem a obter aquilo que seja a leitura juridicamente mais correcta do texto, seja necessário realizar determinados testes ao nível do edifício sistemático onde a norma interpretanda se enquadra, de modo a validar, face ao mesmo, e à luz dos critérios de racionalidade, congruência e razoabilidade que necessariamente norteiam aquela estrutura normativa, a interpretação literalmente sugerida.

P. Sendo as TA, uma forma especial de tributação, especialidade que advém da delimitação dos factores geradores, regras de quantificação, taxas aplicáveis, e finalidades associadas, é redutor concluir, como base numa interpretação meramente literal e simplificadora, como sucede na decisão arbitral fundamento, que, por partilharem as regras de liquidação, definidas no art. 89.º e n.º 1 do art. 90.º do CIRC, as respectivas colectas devem ter o mesmo destino da colecta do IRC stricto sensu.

Q. Enquanto a liquidação da colecta do IRC consiste na aplicação das taxas previstas no art. 87.º à matéria colectável determinada segundo as regras constantes do Capítulo III do CIRC, a liquidação das tributações autónomas assenta nas taxas e nos valores tributáveis das diversas realidades contempladas no art. 88.º do mesmo Código, dualidade que reflecte necessariamente a diferente natureza e finalidades do IRC stricto sensu e das tributações autónomas.

R. Ou seja, embora integrando o mesmo edifício legislativo – o CIRC – e partilhando de algumas regras comuns, a unicidade não é completa, conforme, aliás, afirma o Tribunal Constitucional no Acórdão n.º 197/2016.

S. A coexistência do IRC stricto sensu e das TA no mesmo Código conduziu à edificação de uma estrutura de natureza dual ou híbrida, compreendendo um núcleo principal correspondente ao IRC tradicional, e uma parte adjacente, conexionada com aquele e fazendo parte da mesma realidade normativa global, com especificidades próprias das quais resulta um afastamento, em vários e substanciais aspectos, do regime principal, em termos de os princípios e soluções gerais, não obstante, por vezes, se aplicarem, por outras vezes, serem contraditórios, e como tal, inaplicáveis, com a natureza própria dessa tal “normação adjacente” que se consubstancia nas designadas TA.

T. Estrutura dual da qual decorre o afastamento da aplicação às TA normas das normas próprias do sistema base, sempre que tal se justifique à luz da coerência do próprio sistema e das razões que justificam o seu tratamento autónomo e que, leva a qualificar as TA como IRC, mas apenas em sentido lato, constituindo um sistema periférico da tributação do rendimento das pessoas colectivas, com teleologia, finalidades e mecânicas próprias, que justificam, em determinadas situações, a sua autonomia, em relação ao referido sistema de IRC stricto sensu.

U. Finalidades que manifestamente são inconciliáveis com a natureza das deduções previstas no n.º 2 do art. 90.º, mormente com as referentes aos benefícios fiscais em geral e ao SIFIDE em particular.

V. É que, ao contrário do que propugna a Recorrente ao longo da sua dissertação, em concreto nos artigos 67.º e seguintes (vide em concreto o artigo 72.º), a tese por si aventada colide frontalmente com os fins intrínsecos às TA, na medida em que produz um efeito autofágico de resultado zero.

W. Ou seja, como se nunca tivesse havido tributação autónoma.

X. Para a Recorrente, a aplicação da disposição anti-abusiva ou anti-elisiva, que a mesma não refuta, basta-se com o mero apuramento ou quantificação do quantum num primeiro momento

Y. Postergando, depois, o seu efectivo pagamento, ou seja, a consequência da TA, o imposto adicional gerado pelas mesmas.

Z. Em bom rigor, nas palavras da Recorrente, somente o cálculo do imposto gerado pelas TA releva.

AA. Por outras palavras, só se calcula, mas não se paga, ao pretender efectuar deduções a esta colecta, que nunca o legislador quis e que contendem directamente com as finalidades das TA e, bem assim, dos próprios benefícios fiscais, como infra demonstraremos.

BB. Sintetizando, as finalidades intrínsecas às TA ficam completamente esvaziadas e afastadas através desta errática tese, na medida em que a consequência pretendida por aquela norma deixa de existir, porquanto se obsta ao pagamento do montante apurado a título de TA.

CC. Por seu turno, não é despiciendo relembrar à Recorrente, que o crédito produzido pelos benefícios fiscais, in casu, o SIFIDE II, continua a estar na esfera do sujeito passivo, através da modalidade de reporte para os anos subsequentes.

DD. O n.º 1 do art. 2.º do EBF define benefícios fiscais como «medidas de carácter excepcional instituídas para tutela de interesses públicos extrafiscais relevantes que sejam superiores aos da própria tributação que impedem», conceito que encerra como características essenciais a derrogação de natureza excepcional à tributação-regra e a prossecução de finalidade extrafiscal com relevante interesse público.

EE. Deste modo, deve estar subjacente a qualquer benefício fiscal ao investimento – como o SIFIDE II – o reconhecimento económico e social justificativo da perda de receita fiscal que o mesmo implica, in casu, as despesas de investimento em I&D estão associados à prossecução do objectivo de incremento da produtividade e consequente reforço da competividade das empresas.

FF. Existe, portanto, uma ligação indissociável entre o benefício fiscal – SIFIDE – e as regras de determinação da matéria colectável do IRC, pelo método directo, que tomam como base o lucro revelado pela contabilidade e para cuja formação concorrem as chamadas “despesas elegíveis”.

GG. Com efeito, cabe lembrar que estão afastados deste benefício fiscal, pelo art. 5.º do Regime do SIFIDE II, aprovado pelo art. 133.º da Lei n.º 55-A/2010, de 31/12 (e art. 39.º do Código Fiscal do Investimento) os sujeitos passivos cujo lucro tributável seja determinado por métodos indirectos, regra que denuncia bem que se o legislador tivesse concebido o SIFIDE por forma a que o crédito de imposto fosse deduzido às colectas das TA, não faria qualquer sentido esta regra de exclusão.

HH. Sendo de acrescentar que o próprio legislador extraiu consequências a jusante do apuramento de duas colectas distintas, em diversos normativos que remetem para o «montante apurado nos termos do n.º 1 do art. 90.º” ou para o “o imposto liquidado nos termos do art. 90.» sinalizando sempre de forma forma explícita ou implícita que a referência abrangia apenas a colecta do IRC stricto sensu, o que, aliás, só suscitou controvérsia desde há meia dúzia de anos, na sequência de pronúncias dos tribunais arbitrais sobre a não dedutibilidade ao lucro tributável das colectas das TA.

II. Uma leitura holística das normas do CIRC revela a coexistência de um sistema de tributação com base no rendimento com o regime especial das TA, como já antes referido, circunstância que coloca um esforço exigente ao legislador para destrinçar os normativos que regulam aspectos que colidem com a natureza e características das TA.

JJ. Na verdade, o próprio CIRC fornece pistas orientadoras que auxiliam nesse esforço interpretativo, como se dará conta de seguida.

KK. É assim, no n.º 1 do art. 92.º, ao reportar-se ao imposto liquidado nos termos do n.º 1 do art. 90.º, líquido das deduções previstas nas alíneas a) a c) do n.º 2 do mesmo artigo, não pode ser inferior a 90% do montante que seria apurado se o sujeito passivo não usufruísse de benefícios fiscais (...)» indica de modo expresso que se refere à colecta do IRC stricto sensu, porquanto as deduções das alíneas a) e b) do n.º 2 do art. 90.º, por força do disposto no número 1 dos artigos 91.º e 91.º-A que impõem a inclusão dos rendimentos obtidos no estrangeiro na matéria colectável que serve de base à liquidação.

LL. Igualmente, o n.º 1 do art. 105.º do CIRC estabelece que «Os pagamentos por conta são calculados com base no imposto liquidado nos termos do n.º 1 do art. 90.º (…)», Ora, é consabido que o cálculo dos pagamentos por conta não pode senão ter por referência o apuramento do IRC baseado nas regras de determinação do lucro tributável e da matéria colectável (do Capítulo III do CIRC) e, nunca, o apuramento feito com base nas regras de incidência das taxas de tributação autónoma (do art. 88.º do CIRC).

MM. A norma do n.º 5 do artigo 90.º do Código do IRC. Uma vez que as entidades transparentes estão sujeitas a TA (cf. art.º 12.º do Código do IRC) e apenas imputam aos respectivos sócios a matéria colectável determinada com base no lucro, o entendimento adoptado pela Decisão fundamento de que as deduções previstas no n.º 2 do art. 90.º são efectuadas à colecta do IRC que inclui as TA, então os sócios ou membros das entidades transparentes estariam impedidos, por via do referido artigo 90.º, n.º 5, de deduzir aos montantes liquidados a título de tributação autónoma, as deduções previstas no n.º 2 do mesmo artigo, limitação que não resulta da lei.

NN. Faz sentido aludir também ao disposto no n.º 6 do art. 90.º, ora, o «montante apurado relativamente ao grupo» só pode respeitar à colecta determinada com base na matéria colectável do grupo em conformidade com o disposto nos artigos 70.º e 71.º do CIRC, porquanto as TA são apuradas, individualmente, por cada sociedade do grupo na declaração periódica de rendimentos a que se refere a alínea b) do n.º 6 do art. 120.º, ainda que o cálculo possa ser corrigido por força do n.º 20 do art. 88.º.

OO. Os exemplos apresentados bastariam para sustentar a conclusão de que a expressão contida no corpo do n.º 2 do art. 90.º do Código do IRC «o montante apurado nos termos do número anterior» a que reportam as deduções enunciadas nas alíneas deste número, em que se inclui a dedução por benefícios fiscais (alínea b), actual alínea c)) e expressões equivalentes utilizadas noutros artigos quer do Código do IRC, quer de outros institutos legais (e.g., art. 4.º do Regime do SIFIDE II ou Código Fiscal do Investimento) devem ter um sentido unívoco e coerente, que é o do corresponder à colecta do IRC stricto sensu apurada com base na matéria colectável que tem como ponto de partida o lucro.

PP. Por conseguinte, a interpretação literal propugnada pela decisão fundamento e na qual a Recorrente escora a sua tese, encerra em si mesma uma limitação insanável, porquanto, aparentemente, apenas seria válida para as deduções previstas no art. 4.º do Regime do SIFIDE II, bem como na alínea b) (ou alínea c)) do n.º 2 do artigo 90.º do Código do IRC, abstraindo por completo de uma análise de todas as consequências sistemáticas decorrentes de tal entendimento.

QQ. O que vale por dizer que, à luz dos critérios de interpretação que convocam os elementos de interpretação histórico, sistemático e teleológico, as expressões «Ao montante apurado nos termos do número anterior», ou «o montante apurado nos termos do artigo 90.º do Código do IRC» a que faz referência o n.º 2 do art. 90.º e o n.º 1 e o n.º 3 do art. 4.º do Regime do SIFIDE, só pode ser entendido como respeitando ao IRC liquidado mediante a aplicação das taxas previstas nos números 1 e 2 do art. 87.º à matéria colectável determinada segundo as regras enunciadas no capítulo III do CIRC e não ao montante apurado a título de TA, assim se devolvendo à norma o seu sentido original, que era o que correspondia à sua redacção textual antes da introdução das TA no CIRC.

RR. A interpretação estritamente literal daquela expressão conduziria a resultados absurdos e perversos, do ponto de vista da natureza e objectivos associados a um benefício fiscal, porquanto abriria a porta a que sujeitos passivos com prejuízos fiscais mas com TA sobre despesas não documentadas ou despesas com veículos de elevado valor ou despesas de representação, usufruíssem da dedução a título do SIFIDE.

SS. Sendo, assim, de rejeitar a tese interpretativa vertida na decisão fundamento porque se atém em exclusivo ao elemento literal das normas e abstrai das repercussões da mesma no quadro mais amplo da relação entre o IRC stricto sensu e as TA nesse imposto.

TT. Posto isto, e porque a arquitectura do sistema de apuramento do IRC não sofreu alterações significativas desde a sua criação em 1989, impõe-se concluir que a norma clarificadora aditada ao artigo 88.º pela Lei n.º 7-A/2016, de 30/03 e alterada pela Lei n.º 114/2017, de 29/12, veio no fundo explicitar o que já resultava da interpretação da lei, e que foi objecto de entendimento pacificamente aceite até à litigância em sede de arbitral, sobre a não dedutibilidade das TA ao lucro tributável, conforme, aliás, tem sido reconhecido por várias decisões arbitrais.

UU. Nesse conspecto atente-se no acórdão arbitral proferido na decisão n.º 473/2017-T.

VV.Este acórdão, cuja Recorrente bem conhece, mas faz por o obnubilar, lapidarmente conclui pela inadmissibilidade da dedução de quaisquer montantes à colecta produzida pelas TA.

WW. Ora, num aturado e cuidado exercício de hermenêutica jurídica paulatinamente desenvolvido, que pela sua clareza deverá ser lido com todo o cuidado, disponível para consulta em
https://caad.org.pt/tributario/decisoes/decisao.php?listPageSize=100&listPage=32&id=3319.

XX. Sintetizando, da interpretação da expressão contida no corpo do n.º 2 do art. 90.º do CIRC à luz dos critérios gerais enunciados no art.º 9.º do Código Civil, resulta a não dedução às colectas das TA de benefícios fiscais, incluindo a título do crédito de imposto do SIFIDE II, porquanto aquelas colectas de TA não admitem outras deduções que não sejam a prevista no n.º 12 do art. 88.º do CIRC.

YY. Importa ainda, e quanto ao efeito interpretativo conferido pelo artigo 135.º constante da Lei do Orçamento de Estado para 2016, apelemos à boa jurisprudência exarada, entre inúmeros outros, nos processos arbitrais n.ºs 722/2015 – T CAAD; 727/2015 – T CAAD; 785/2016 – T CAAD e, bem assim, no voto vencido lavrado pela insigne Conselheira Fernanda Maçãs no processo n.º 5/2016 – T CAAD.

ZZ. E, mais importante, atente-se ao Acórdão do TC n.º 107/2018 de 22 de Fevereiro que se pronuncia, manifesta e esclarece sobre esta temática e sobre entendimento vertido no Acórdão do TC n.º 267/2017 sobre o carácter interpretativo atribuído pelo art. 135.º da Lei n.º 7-A/2016 ao disposto no n.º 21 do art. 88.º.

AAA. Posto isto, resulta que o próprio efeito interpretativo conferido por aquela Lei é, per si, desnecessário, porquanto, conforme se demonstrou, nenhuma outra interpretação seria passível de ser efectuada tendo em consideração a teleologia e hermenêutica jurídica das normas em apreço,

BBB. como aliás resulta expressamente dos acórdãos supra citados.

CCC. Por fim, liste-se, novamente, a título meramente exemplificativo, e sem penosidade, as decisões arbitrais que à questão que ora nos ocupa, i.e., se são admissíveis quaisquer deduções à colecta produzida pelas tributações autónomas?, decidiram em sentido negativo e, por conseguinte, diverso da decisão que ora se recorre 697/2014-T; 113/2015-T; 669/2015-T; 535/2015-T; 781/2015-T; 736/2015-T; 745/2015-T; 780/2015-T; 722/2015-T; 767/2015-T; 769/2015-T; 783/2015-T; 670/2015-T; 750/2015-T; 779/2015-T; 785/2015-T; 746/2015-T; 752/2015-T; 639/2015-T; 34/2016-T; 727/2015-T; 19/2016-T 774/2015-T; 122/2016-T; 174/2016-T; 443/2016-T; 567/2016-T; 629/2016-T; 504/2016-T; 524/2016-T; 302/2016-T; 506/2016-T; 612/2016-T; 587/2016-T; 670/2016-T; 575/2016-T; 627/2016-T 638/2016-T; 578/2016-T; 605/2016-T; 749/2016-T; 505/2016-T; 668/2016-T; 704/2016-T; 671/2016-T; 733/2016-T; 83/2017-T; 66/2017-T; 99/2017-T; 384/2017-T; 203/2017-T; 241/2017-T; 192/2017-T; 385/2017-T; 473/2017-T; 511/2017-T; 641/2017-T; 525/2017-T; 542/2017-T; 7/2018-T; 13/2018-T; 41/2018-T; 124/2018-T; 9/2018-T; 229/2018-T; 111/2018-T; 242/2018-T; 402/2018-T; 353/2018-T; 363/2018-T e 406/2018-T.

DDD. Em total dissonância com a alegada pela Recorrente «numerosíssima jurisprudência» e «claramente maioritária».

EEE. Em suma, a tese propugnada pela Recorrente assenta numa pura falácia interpretativa, que não encontra respaldo quer na letra, quer na mens legislatoris e, bem assim, na mens legis conforme se demonstrou supra.

Nestes termos, e nos mais de Direito, peticiona-se pela improcedência do pedido apresentado pela Recorrente, desde logo porque se não encontram reunidos os requisitos que permitem a admissão do recurso para efeitos de uniformização de jurisprudência, nos termos do disposto no artigo 145.º do CPTA».

1.4 Dada vista ao Ministério Público, a Procuradora-Geral-Adjunta neste Supremo Tribunal Administrativo emitiu parecer no qual sustentou que o recurso não deve ser admitido, com a seguinte fundamentação: «[…]

Diz-nos o disposto no n.º 2 do art. 25.º do Regime Jurídico da Arbitragem Tributária que a decisão arbitral sobre o mérito da pretensão deduzida que ponha termo ao processo arbitral é apenas susceptível de recurso para o Supremo Tribunal Administrativo quando esteja em oposição, quanto à mesma questão fundamental de direito, com acórdão proferido pelo Tribunal Central Administrativo ou pelo Supremo Tribunal Administrativo.
Sendo que no caso vertente a recorrente invocava oposição com o decidido em duas decisões arbitrais proferidas pelo CAAD, não prevendo o regime de recurso da decisão arbitral (art. 25.º n.º 2 do DL n.º 10/2011, de 20 de Janeiro) qualquer competência do Supremo Tribunal Administrativo para conhecer de recursos por oposição de julgados entre decisões arbitrais. Neste sentido o Ac. proferido pelo Pleno da Secção do CT proc. 0164/18.7BALSB de 11.08.2018.
I - De harmonia com o disposto no n.º 2 do art. 25.º do RJAT (DL n.º 10/2011, de 20/1) a decisão arbitral sobre o mérito da pretensão deduzida que ponha termo ao processo arbitral é apenas susceptível de recurso para o Supremo Tribunal Administrativo quando esteja em oposição, quanto à mesma questão fundamental de direito, com acórdão proferido pelo Tribunal Central Administrativo ou pelo Supremo Tribunal Administrativo.
II - O regime de recurso da decisão arbitral previsto no aludido art. 25.º n.º 2 do DL n.º 10/2011, de 20 de Janeiro não prevê qualquer competência do Supremo Tribunal Administrativo para conhecer de recursos por uniformização de jurisprudência entre decisões arbitrais.
Assim, em face de todo o exposto e em conclusão, emito parecer no sentido de que o presente recurso de uniformização de jurisprudência não pode ser admitido por inadmissibilidade legal do seu objecto».

1.5 A Recorrente e a Recorrida foram notificadas do parecer e apenas aquela veio pronunciar-se, salientando que a decisão de que recorre foi proferida já no âmbito da nova redacção dada ao RJAT pela Lei n.º 119/2019, que veio prever a possibilidade do presente recurso.

1.6 Cumpre apreciar e decidir, sendo que, primeiro, há que verificar se estão verificados os requisitos da admissibilidade do recurso para uniformização de jurisprudência: primeiro, os requisitos processuais e, depois, os requisitos substanciais.
Só se concluirmos pela verificação desses requisitos, passaremos a conhecer do mérito do recurso, ou seja, da infracção imputada à decisão arbitral recorrida [cfr. art. 152.º, n.º 3, do Código de Processo nos Tribunais Administrativos (CPTA)].


* * *
2. FUNDAMENTAÇÃO
2.1 DE FACTO

2.1.1 A decisão arbitral recorrida deu como provada a seguinte matéria de facto:

«A. A Requerente entregou no dia 31 de Maio de 2016 a declaração de rendimentos Modelo 22 de IRC referente ao exercício de 2015, tendo apresentado em 1 de Agosto de 2016 declaração de substituição, tendo apurado um montante de tributações autónomas em IRC de € 19.709,32.

B. O montante de SIFIDE disponível para utilização no final do exercício de 2015 ascendia a € 3.006.708,51, conforme certificação acompanhada de Declarações da Comissão Certificadora do SIFIDE.

C. O sistema informático da AT não permitiu que a Requerente abatesse à colecta das tributações autónomas em IRC os benefícios atribuídos através do SIFIDE, no exercício de 2015.

D. O lucro tributável da Requerente foi apurado através da apresentação da declaração de rendimentos Modelo 22.

E. A Requerente não era entidade devedora ao Estado nem à Segurança Social de impostos ou contribuições.

F. Em 08-02-2017 a Requerente apresentou reclamação graciosa contra a autoliquidação de IRC do exercício de 2015, efectuada na declaração de rendimentos mod. 22 apresentada em 31-05-2016, a qual foi substituída por uma 2.ª declaração mod. 22 em 01-08-2016.

G. Por ofício datado de 07-09-2018 a Requerente foi notificada do indeferimento da reclamação graciosa apresentada».


*

2.1.2 A decisão arbitral fundamento deu como provada a seguinte factualidade:

«a. A Requerente efectuou dois pagamentos especiais por conta no valor de € 35000,00 nos exercícios de 2013, 2014 e 2015, no montante global de € 210.000,00;

b. E, relativamente a esses períodos de tributação, dispunha de créditos fiscais no âmbito do Sistema de Incentivos Fiscais à Investigação e Desenvolvimento Empresarial (SIFIDE), nos montantes de € 188.876,18, € 44.508,04 e € 47.478,31, respectivamente;

c. No exercício de 2013, foi apurado um montante de imposto a pagar, a título de tributação autónoma, de € 25.889,000;

d. No exercício de 2014, foi apurado um montante de imposto a pagar, a título de tributação autónoma, de € 41.190,47;

e. No exercício de 2015, foi apurado um montante de imposto de € 17.928,97, correspondente a derrama municipal (€ 1.609,98) e a tributação autónoma (€ 17.547,47), deduzida a retenção na fonte (€ 1.228,48);

f. No ano de 2013, os pagamentos especiais por conta, no montante global de € 70.000,00, e o crédito fiscal decorrente do SIFIDE, no valor de € 188.876,18, eram suficientes para compensar, através da dedução à colecta de IRC, o imposto apurado a título de tributação autónoma que correspondia a € 25.889,00;

g. No ano de 2014, os pagamentos especiais por conta, no montante global de €70.000,00, e o crédito fiscal decorrente do SIFIDE, no valor de € 44.508,04, eram suficientes para compensar, através da dedução à colecta de IRC, o imposto apurado a título de tributação autónoma que correspondia a € 41.190,47;

h. No ano de 2015, os pagamentos especiais por conta, no montante global de €70.000,00, e o crédito fiscal decorrente do SIFIDE, no valor de € 47.478,31, eram suficientes para compensar, através da dedução à colecta de IRC, o imposto apurado a título de tributação autónoma que correspondia a € 17.547,47;

i. Nesses três períodos de tributação, por impossibilidade de dedução dos pagamentos especais por conta e dos créditos fiscais referentes ao benefício fiscal do SIFIDE, foi apurado o imposto total de € 84.626,94, a título de tributações autónomas;

j. A Requerente apresentou um pedido de revisão oficiosa dos actos de liquidação de IRC relativos aos períodos de tributação de 2013 e 2014, que foi indeferido pelo chefe de divisão da Unidade de Grandes Contribuintes, com delegação de competências, por despacho de 2 de Março de 2018;

k. A Requerente apresentou um pedido de reclamação graciosa do acto de liquidação de IRC relativo quanto ao exercício de 2015, que foi indeferido pelo chefe de divisão da Unidade de Grandes Contribuintes, com delegação de competências, por despacho de 16 de Fevereiro de 2018;

l. A decisão de indeferimento do pedido de revisão oficiosa e da reclamação graciosa baseou-se na não dedutibilidade à colecta da tributação autónoma dos créditos resultantes dos pagamentos especiais por conta e dos benefícios fiscais do SIFIDE».


*

2.2 DE DIREITO

2.2 DE DIREITO

2.2.1 DA ADMISSIBILIDADE DO RECURSO

2.2.1.1 Antes do mais, cumpre averiguar da admissibilidade do recurso, atenta a posição assumida pela Procuradora-Geral-Adjunta neste Supremo Tribunal Administrativo.
No caso dos autos, o recurso vem interposto ao abrigo do disposto no n.º 2 do art. 25.º do RJAT, por oposição do acórdão recorrido com anterior acórdão do CAAD, transitado em julgado, relativamente à mesma questão fundamental de direito.
Note-se que, até 1 de Outubro de 2019, o recurso de decisão arbitral sobre o mérito da pretensão deduzida que ponha termo ao processo arbitral para o Supremo Tribunal Administrativo por oposição, quanto à mesma questão fundamental de direito, só estava previsto quando essa oposição fosse com acórdão proferido pelo Tribunal Central Administrativo ou pelo Supremo Tribunal Administrativo e já não quando a oposição fosse com decisão proferida pelo CAAD. Após 1 de Outubro de 2019, data em que entrou em vigor a redacção dada ao n.º 2 do art. 25.º do RJAT pela Lei n.º 119/2019, de 18 de Setembro, o legislador alargou o âmbito do recurso de modo a nele passar a admitir a oposição entre decisões do CAAD [cf. arts. 1.º, alínea m), 17.º e 26.º, n.º 1, da referida Lei]. O n.º 2 do art. 25.º do RJAT passou a dizer: «A decisão arbitral sobre o mérito da pretensão deduzida que ponha termo ao processo arbitral é ainda susceptível de recurso para o Supremo Tribunal Administrativo quando esteja em oposição, quanto à mesma questão fundamental de direito, com outra decisão arbitral ou com acórdão proferido pelo Tribunal Central Administrativo ou pelo Supremo Tribunal Administrativo».
Porque a decisão recorrida foi proferida em 21 de Outubro de 2019, ou seja, depois da entrada em vigor da nova redacção do n.º 2 do art. 25.º do RJAT, nenhuma dúvida subsiste quanto à sua admissibilidade.

2.2.1.2 Constituem requisitos de admissibilidade do presente recurso à data em que o mesmo foi interposto:
i) que a decisão arbitral se tenha pronunciado sobre o mérito da pretensão deduzida e tenha posto termo ao processo arbitral (art. 25.º, n.º 2, primeira parte, do RJAT);
ii) que esteja em oposição, quanto à mesma questão fundamental de direito, com outra decisão arbitral ou com acórdão proferido pelo Tribunal Central Administrativo ou pelo Supremo Tribunal Administrativo (art. 25.º, n.º 2, segunda parte, do RJAT);
iii) que a orientação perfilhada na decisão arbitral não esteja de acordo com a jurisprudência mais recente consolidada do Supremo Tribunal Administrativo [art. 152.º, n.º 3, do Código de Processo nos Tribunais Administrativos (CPTA), aplicável ex vi do n.º 3 do art. 25.º do RJAT].
iv) que a decisão arbitral fundamento tenha transitado em julgado [art. 688.º, n.º 2, do Código de Processo Civil (CPC), aplicável por força do disposto no art. 140.º, n.º 3, do CPTA e no art. 281.º do CPPT].
Quanto ao requisito enunciado em ii), entende-se que a questão fundamental de direito é a mesma quando as situações fácticas em ambas as decisões arbitrais sejam substancialmente idênticas, entendendo-se, como tal, para este efeito, as que sejam subsumidas às mesmas normas legais e o quadro legislativo seja também substancialmente idêntico, o que sucederá quando seja o mesmo o regime jurídico aplicável ou quando as alterações legislativas a relevar num dos acórdãos não interfira, nem directa nem indirectamente, na resolução da questão de direito controvertida; entende-se também que as duas decisões arbitrais estão em oposição entre si quando se opõem as decisões respectivas, não bastando que se oponham os seus fundamentos.
Atenta a complexidade destes requisitos o legislador impõe, além do mais, que na petição do recurso sejam identificados, de forma precisa e circunstanciada, os aspectos de identidade que determinam a contradição alegada – n.º 2 do art. 152.º do CPTA, aplicável por força do n.º 3 do art. 25.º do RJAT (e que reproduz o que actualmente consta do n.º 2 do art. 284.º do Código do Procedimento e do Processo Tributário).

2.2.2 DA OPOSIÇÃO

Da leitura das alegações de recurso verifica-se que a Recorrente cumpriu o ónus de identificação precisa e circunstanciada dos aspectos de identidade que determinam a contradição alegada e que existe uma efectiva oposição entre a decisão arbitral recorrida e a decisão arbitral fundamento no que respeita à questão da admissibilidade ou não da dedução dos benefícios fiscais previstos no SIFIDE - Sistema de Incentivos Fiscais em Investigação e Desenvolvimento Empresarial (SIFIDE) à colecta de IRC derivada de tributações autónomas. Vejamos:
A oposição refere-se à mesma questão fundamental de direito, uma vez que em ambos os arestos estamos perante: i) a admissibilidade de dedução à colecta (resultado da liquidação) de tributações autónomas de montantes provenientes de benefícios fiscais de SIFIDE; e ii) as normas aplicáveis são as mesmas, pois apesar de na decisão arbitral recorrida estar em causa a liquidação de IRC do ano de 2015 e na decisão arbitral fundamento os actos em causa serem as liquidações de IRC dos ano de 2013, 2014 e 2015, ambas as liquidações se regem, no que interessa para este efeito, pela mesma redacção do disposto nos arts. 88.º e 90.º do CIRC, a redacção prévia à modificação introduzida pelo art. 133.º da Lei n.º 7-A/2016, de 30 de Março (Orçamento do Estado para o ano de 2016) (ELI: https://data.dre.pt/eli/lei/7-a/2016/03/30/p/dre/pt/html.), e ambas são abrangidas pela alegada norma interpretativa do art. 135.º da mesma Lei.
Existe, pois, identidade quanto ao quadro legislativo aplicado.
Sobre a questão da dedutibilidade do benefício fiscal do SIFIDE ao montante global apurado em sede de tributações autónomas as decisões arbitrais em confronto decidiram em sentido oposto:
Na decisão recorrida não se admitiu a dedução das despesas de investimento que beneficiam do SIFIDE às quantias devidas a título de tributações autónomas em IRC relativas ao exercício de 2015; isto porque tais deduções não eram admissíveis, atendendo à própria natureza jurídica das tributações autónomas, que é diversa do IRC.
Por seu turno, na decisão fundamento admitiu-se o direito à referida dedução à colecta; isto, em síntese, porque se considerou que o imposto cobrado com base em tributações autónomas previstas no CIRC tem a natureza de IRC.
Concluímos, portanto, que existe identidade substancial entre as questões fácticas, uma vez que em ambos os arestos está em causa a admissibilidade ou não da dedução à colecta das tributações autónomas de montantes respeitantes ao benefício fiscal SIFIDE II e que o quadro legislativo aplicado é o mesmo, bem como que existe contradição entre a decisão arbitral recorrida e a decisão arbitral fundamento.

2.2.3 DA ORIENTAÇÃO DE ACORDO COM A JURISPRUDÊNCIA MAIS RECENTEMENTE CONSOLIDADA

Antes, porém, de concluir pela admissibilidade ou não do recurso importa ainda verificar se se encontra preenchido, in casu, o requisito do art. 152.º, n.º 3, do CPTA, aplicável ex vi do n.º 3 do art. 25.º do RJAT (e hoje, igualmente, consagrado no n.º 3 do art. 284.º do CPPT), ou seja, importa verificar se existe ou não jurisprudência consolidada do Supremo Tribunal Administrativo que seja coincidente com a decisão arbitral impugnada. Um requisito que, quando está em causa a divergência entre duas decisões arbitrais adquire especial relevância, pois visa assegurar a uniformidade da jurisprudência em matéria tributária a partir do parâmetro fixado por este Supremo Tribunal Administrativo (art. 284.º, n.º 3 do CPPT e art. 8.º, n.º 3 do Código Civil), o que é, também, pedra angular da igualdade tributária, rectius, da igualdade perante os encargos públicos.
De acordo com os critérios que têm vindo a ser definidos pela Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo no preenchimento do conceito de jurisprudência mais recentemente consolidada do Supremo Tribunal Administrativo, esta «deve transparecer ou do facto de a pronúncia respectiva constar de acórdão do Pleno assumido pela generalidade dos Conselheiros em exercício na Secção (consoante prevê o art. 17.º, n.º 2, do actual ETAF) ou do facto de existir uma sequência ininterrupta de várias decisões no mesmo sentido, obtidas por unanimidade em todas as formações da Secção» (Vide, por todos, o acórdão do Pleno da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo, 12 de Dezembro de 2012, proferido no processo com o n.º 932/12, disponível em
http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/49948aac0e4e5dec80257ae80057f692.).
A questão da natureza jurídica das tributações autónomas tem vindo, desse há muito, a ser objecto de apreciação por este Supremo Tribunal (Vide, entre outros, os seguintes acórdãos da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:
- de 6 de Julho de 2011 proferido no processo com o n.º 281/11, disponível em
http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/ba7837d0a2a6ca1f802578cb0037cf09;
- de 27 de Setembro de 2017, proferido no processo com o n.º 146/16, disponível em
http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/67be49041750e222802581aa003f5cca.), sempre no sentido de que «[e]stas tributações autónomas […] embora liquidadas no âmbito do IRC, constituem uma imposição fiscal materialmente distinta deste». A concreta questão que se suscita nos presentes autos foi também ela já apreciada por este Supremo Tribunal, que, pelo recente acórdão do Pleno de 8 de Julho de 2020, proferido no processo com o n.º 10/20.1BALSB (ELI: https://data.dre.pt/eli/acsta/5/2020/12/16/p/dre.
Também disponível em
http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/941442b2062cf485802585a40048e9bd.) – que foi votado por todos os 12 Conselheiros que integram actualmente a Secção, com um único voto de vencido –, uniformizou jurisprudência no sentido de que: «Não são admitidas deduções à colecta das tributações autónomas relativas aos montantes apurados a título do benefício fiscal SIFIDE II, aprovado pelo artigo 133.º da Lei n.º 55-A/2010».
O que significa que a decisão recorrida está em conformidade com aquela que é a jurisprudência mais recentemente consolidada do Supremo Tribunal Administrativo e, assim, que não se encontra preenchido o requisito de admissão do recurso previsto no n.º 3 do art. 152.º do CPTA, o que determina que dele não se conheça(Quanto à não verificação desse requisito e sua consequência, vide, entre muitos outros e por mais recentes, os seguintes acórdãos da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:
- de 20 de Janeiro de 2021, proferido no processo com o n.º 71/20.3BALSB, disponível em
http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/9b2beb93661d86ea8025866600491bab;
- de 20 de Janeiro de 2021, proferido no processo com o n.º 108/20.6BALSB, disponível em
http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/dad02b6cf38c1ac780258668004da7f4.).

2.2.4 CONCLUSÕES

Preparando a decisão, formulamos as seguintes conclusões:

I - Tendo a decisão sob recurso sido proferida depois de 1 de Outubro de 2019, data da entrada em vigor da nova redacção dada ao n.º 2 do art. 25.º do RJAT pela Lei n.º 119/2019, de 18 de Setembro, é admissível o recurso para o Supremo Tribunal Administrativo de decisão arbitral de mérito por oposição quanto à mesma questão fundamental de direito com outra decisão do tribunal arbitral [cfr. arts. 1.º, alínea m), 17.º e 26.º, n.º 1, da referida Lei].

II - Esse recurso pressupõe que se verifique entre ambas as decisões arbitrais oposição quanto à mesma questão fundamental de direito (n.º 2 do art. 25.º do RJAT), mas não deve ser admitido se, não obstante a existência de oposição, a orientação perfilhada na decisão recorrida impugnado estiver de acordo com a jurisprudência mais recentemente consolidada do Supremo Tribunal Administrativo (n.º 3 do art. 152.º do CPTA, aplicável ex vi do n.º 3 do art. 25.º do RJAT).

III - É de considerar que existe jurisprudência recentemente consolidada da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo quando o Pleno da Secção se pronunciou há cerca de seis meses sobre a questão, em acórdão proferido com um único voto em sentido contrário e, entretanto, não houve alteração alguma na composição da Secção, nem a verificação de quaisquer outras circunstâncias que permitam antever a possibilidade de alteração do sentido decisório aí consignado.


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3. DECISÃO

Em face ao exposto, os juízes do Pleno da Secção do Contencioso Tributário deste Supremo Tribunal Administrativo acordam em não tomar conhecimento do mérito do recurso.

Custas pela Recorrente.

Comunique-se ao CAAD.


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Assinado digitalmente pelo relator, que consigna e atesta que, nos termos do disposto no art. 15.º-A do Decreto-Lei n.º 10-A/2020, de 13 de Março, aditado pelo art. 3.º do Decreto-Lei n.º 20/2020, de 1 de Maio, têm voto de conformidade com o presente acórdão os Conselheiros integrantes da formação de julgamento.

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Lisboa, 24 de Fevereiro de 2021. - Francisco António Pedrosa de Areal Rothes (relator) - Isabel Cristina Mota Marques da Silva – Jorge Miguel Barroso de Aragão Seia – José Gomes Correia - Joaquim Manuel Charneca Condesso - Nuno Filipe Morgado Teixeira Bastos - Aníbal Augusto Ruivo Ferraz - Paulo José Rodrigues Antunes – Gustavo André Simões Lopes Courinha – Paula Fernanda Cadilhe Ribeiro – Pedro Nuno Pinto Vergueiro - Anabela Ferreira Alves e Russo.