Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0116/14
Data do Acordão:05/20/2015
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:CASIMIRO GONÇALVES
Descritores:NULIDADE DE SENTENÇA
EXCESSO DE PRONÚNCIA
DESPACHO DE REVERSÃO
FUNDAMENTAÇÃO
ILEGITIMIDADE
Sumário:Verifica-se a nulidade da sentença, por excesso de pronúncia, se o tribunal exceder os seus poderes de cognição quanto à causa de pedir, em violação da regra da identidade de causa de pedir e de causa de julgar.
Nº Convencional:JSTA000P19023
Nº do Documento:SA2201505200116
Data de Entrada:01/31/2014
Recorrente:IGFSS - SECÇÃO DE PROCESSO EXECUTIVO DE COIMBRA,I.P.
Recorrido 1:A.......
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral:
Acordam na Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:

RELATÓRIO
1.1. O Instituto de Gestão Financeira da Segurança Social – Secção de Processo de Coimbra – recorre da sentença que, proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Coimbra, julgou procedente a oposição à execução fiscal deduzida por A… …….., com os demais sinais dos autos, contra a execução fiscal nº 0601200301005731 e apensos, instaurada para cobrança de dívidas de contribuições e cotizações, do ano de 2001, no montante global de € 4.635,49, inicialmente instaurada contra a sociedade B……., Lda., e posteriormente revertida contra o recorrido/oponente.

1.2. Alega e termina com a formulação das conclusões seguintes:
1. A Secção de Processo Coimbra não se conforma com a sentença proferida em 30 de Abril pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Coimbra,
2. O despacho de reversão não pode ser considerado anulável por falta de fundamentação no que respeita à proveniência da dívida;
3. No facto provado nº 4 ficou assente que o Oponente foi notificado do projecto de decisão de reversão contra si das dívidas no processo 0601200301006053 e apensos e que nesse projecto constava a identificação das certidões de dívida, o tributo (contribuições/cotizações), o valor de capital de juros de mora em causa;
4. Em sede de direito de exercício do direito de audição prévia à reversão o Oponente não questionou a inteligibilidade da dívida;
5. O mesmo sucedendo em sede de Oposição à reversão onde teve perfeito conhecimento da desapensação dos processos de execução, tendo apresentado duas oposições autónomas, distinguindo-as por número de processo e valor de acção;
6. O Meritíssimo Juiz não tomou em consideração que existem dois processos titulados por certidões de dívida distintas;
7. O processo que deu origem à presente oposição é o processo 0601200301005731 que tem na sua base as certidões 102 e 104 relativas a contribuições e com o valor de capital de € 2.898,40 a que acrescem juros de mora;
8. Certidões identificadas no projecto de decisão de reversão com indicação do tributo, valor em dívida (capital e juros de mora);
9. O Oponente apreendeu o teor do despacho de reversão, designadamente no que respeita à proveniência da dívida, de forma que até mencionou na oposição que “a devedora originária não deixou de entregar contribuições retidas porque nunca houve esse dinheiro.”
10. De acordo com o acórdão do STA de 14/02/2013, processo 642/12 “É, porém, também incontroverso que as exigências de fundamentação não são rígidas, variando de acordo com o tipo de acto e as circunstâncias concretas em que este foi proferido (...)
11. Deste modo, o acto estará suficientemente fundamentado quando o administrado, colocado na sua posição de destinatário normal – o bonus pater familiae de que fala o artigo 487º, nº 2, do C.Civil – possa ficar a conhecer as razões factuais e jurídicas que estão na sua génese, de modo a permitir-lhe optar, de forma esclarecida, entre a aceitação do acto ou o accionamento dos meios legais de impugnação.” in www.dgsi.pt).
12. Pelo que não estamos perante qualquer omissão ou confusão susceptível de levar à anulabilidade do despacho de reversão.
Termina pedindo a procedência do recurso e a revogação da decisão recorrida, a ser substituída por outra que reconheça a validade do despacho de reversão por devidamente fundamentado, mantendo-se a reversão operada.

1.3. O recorrido apresentou contra-alegações, formulando as conclusões seguintes:
1ª - A decisão em crise não enferma de qualquer vício.
2ª - Devendo ser mantida integralmente.

1.4. Tendo o recurso sido interposto para o TCA Norte, este Tribunal veio, por acórdão de 20/12/2013 (fls. 235-245), a declarar-se incompetente, em razão da hierarquia, para dele conhecer, por versar apenas matéria de direito, declarando, consequentemente, a competência deste STA.

1.5. O MP emitiu Parecer nos termos seguintes:
«O recorrente acima identificado vem sindicar a decisão do Tribunal Administrativo e Fiscal de Coimbra, exarada a fls. 174/178, em 30 de Abril de 2013.
A sentença recorrida julgou procedente oposição judicial deduzida contra o PEF que tem por escopo a cobrança coerciva de dívida de contribuições e quotizações para a Segurança Social relativas ao período de Abril a Outubro de 2001, no entendimento de que o despacho de reversão não se encontra devidamente fundamentado no que concerne à proveniência da dívida.
A recorrente termina as suas alegações com as conclusões de fls. 206/207, que, como é sabido, delimitam o objecto do recurso, nos termos do estatuído nos artigos 684º/3 e 685º-A/1 do CPC, e que aqui se dão por inteiramente reproduzidas.
Não houve contra-alegações.
A nosso ver o recurso merece, manifestamente, provimento.
Como resulta da simples leitura da PI, o recorrido, apenas coloca duas questões ao tribunal, a saber:
1. Ilegitimidade resultante do não exercício efectivo das funções de gerência na devedora originária;
2. Ilegitimidade por não ter sido, durante o período a que respeita a dívida, o possuidor das quantias que originaram a dívida exequenda, nos termos do disposto no artigo 204º/1/b) do CPPT.
Daí que apenas tenha invocado, como fundamento da oposição o estatuído no artigo 204º/1/ b) do CPPT.
Não obstante, a sentença recorrida analisou a falta de fundamentação do despacho de reversão, no que concerne à proveniência da dívida e, julgando verificado tal vício de forma, julgou a oposição procedente por ilegitimidade passiva do recorrido.
Diga-se que o vício de forma do despacho de reversão constitui fundamento de oposição à execução, a enquadrar no artigo 204º/l/ i) do CPPT.
Como muito bem refere a recorrente nas suas conclusões 2, 4 e 5, a sentença recorrida não podia anular o despacho de reversão por falta de fundamentação no que respeita à proveniência da dívida, pois que o recorrido nunca questionou a ininteligibilidade/fundamentação do despacho de reversão, nomeadamente em sede de oposição judicial e uma vez que tal questão não é de conhecimento oficioso.
Ora, nos termos do disposto no artigo 660º/2 do CPC, ex vi do artigo 2º e) do CPPT, o juiz não pode ocupar-se senão das questões suscitadas pelas partes, salvo se a lei lhe permitir o conhecimento ofícios de outras.
Como já se viu o vício formal de falta de fundamentação não é de conhecimento oficioso e o recorrido nunca questionou a proveniência da dívida.
Ao conhecer de questão de que não podia conhecer, a decisão recorrida é nula, por excesso de pronúncia, nos termos do disposto nos artigos 125º do CPPT e 668º/1/d) do CPC.
A ilegitimidade invocada pelo recorrido nada tem que ver com a alegada falta de fundamentação do despacho de reversão.
O facto da recorrente ter invocado erro de julgamento, quando o vício deve ser qualificado como nulidade de sentença, não impede o STA de apreciar a discordância que a arguição exprime com o decidido na sentença recorrida, uma vez que não está sujeito à qualificação jurídica atribuída pelas partes, como decorre do estatuído no artigo 664º do CPC. ((1) Código de Procedimento e de Processo Tributário, anotado e comentado, 6ª edição 2011, II volume, página 375, Conselheiro Jorge Lopes de Sousa.)
Termos em que deve dar-se provimento ao recurso, anular-se a sentença recorrida, baixando os autos à 1ª instância para conhecimento das questões suscitadas na oposição.»

1.6. Notificados para se pronunciarem, querendo, sobre a questão suscitada pelo MP (nulidade da sentença por excesso de pronúncia), a recorrente e o recorrido nada disseram.

1.7. Corridos os vistos legais, cabe decidir.

FUNDAMENTOS
2.1. Na sentença recorrida julgaram-se provados e não provados os factos seguintes:
1 - Na secção de processos de Coimbra do IGFSS, com base nas certidões de dívida de fs. 5 a 8 do traslado apenso, que aqui dou como reproduzidas, foram instaurados os processos de execução fiscal n.ºs 0601200301005731 e seus apensos, para cobrança de contribuições e cotizações para a segurança social do ano de 2001, juros e custas, devidas pela sociedade comercial “B…… Lda.” acima melhor identificada, ali certificadas.
2 - Em 27/3/2003, 11/4/2003, 27/5/2003 o OEF efectuou as diligências tendentes a identificar bens penhoráveis da sociedade, objecto dos autos cuja cópia é fs. 20, 25 e 27 do traslado apenso, cujo teor aqui se dá como reproduzido.
3 - Procedendo a solicitação do OEF, o serviço de Finanças de Cantanhede emitiu e remeteu-lhe em 20/6/2003 a informação sobre bens penhoráveis da sociedade e dos seus sócios gerentes cuja cópia é fs. 30 a 36 do translado apenso e aqui se dá como reproduzida.
4 - Por carta registada de 12/7/2006 o oponente foi notificado para se pronunciar em 10 dias sobre o projecto de decisão de reversão da execução contra si cujo teor a fs. 48 do apenso aqui se dá como reproduzido, destacando o seguinte excerto:
2. DA CITAÇÃO DO EXECUTADO
O executado foi citado a 3/31/2003. No prazo legal que dispunha para o efeito, não requereu o pagamento em prestações, não pagou voluntariamente, nem deduziu oposição.
3. OUTROS ELEMENTOS
Não são conhecidos quaisquer bens sujeitos a registo, registados em nome do executado, nem tendo este indicado nenhum bem móvel suficiente, pelo que, nos termos do art. 219º nº 3 do C.P.P.T. permite ao órgão de execução fiscal presumir a insuficiência ou inexistência de bens móveis.
Da informação constante nas Declarações de Remuneração entregues pela executada originária, constata-se que A………, NISS nº ………., é responsável subsidiário, tendo desenvolvido actividade de gerente na empresa executada no período entre 2001-03/2001-10.
5 - O Oponente apresentou a pronúncia cuja cópia a fs. 51 do apenso aqui se dá como reproduzida, destacando o seguinte excerto:
A……. foi efectivamente sócio-gerente da Executada B…….., Limitada (sendo-o, ainda, embora a empresa haja deixado de operar);
Todavia, as funções relativas a movimentações de dinheiro, incluindo pagamento a funcionários, e efectivação de descontos para a Segurança Social couberam sempre ao outro sócio-gerente C……. (..);
Muito embora este C…. (...), depois de elencar os pagamentos e de dar ordem de pagamento, por vezes deixasse os cheques para A……. assinar, o que este fazia sem questionar:
Mas, na verdade, toda a parte económica esteve sempre a cargo do outro sócio-gerente.”
6 - E indicou como testemunhas o tal C…. e sua mulher.
7 - O OEF remeteu cartas registadas com AR, convocando as testemunhas, para o domicílio indicado pelo aqui Oponente, mas aquelas foram devolvidas, por motivo ignoto.
8 - Em 29/1/2007 a Srª Coordenadora da Secção de processos emitiu, a fs. 71 a 72 do processo de execução principal, o despacho cuja cópia a fs. 71 a 72 do traslado apenso (e da execução) aqui se dá como reproduzido, destacando o seguinte excerto:
Da resposta do notificado:
Da resposta apresentada por A…… não resulta o não exercício pelo mesmo da gerência da executada durante o período da dívida constante dos autos.
Quanto às testemunhas cuja audição o mesmo requer, tendo para o efeito sido notificadas, não recepcionaram as notificações que lhes foram dirigidas.
Dos factos
a) Consta do cadastro da executada na Segurança Social e nas Finanças relativos à sociedade B……, Lda., que, são gerentes, à data legal de pagamento ou entrega dos montantes em dívida à Segurança Social, A……. e C……..;
b) A situação definida é a resultante do registo comercial da sociedade sendo gerência nominal ou de direito. Provada esta, infere-se a gerência efectiva ou de facto;
Em conclusão não logrou provar o notificado de que não se verificam quanto a si os pressupostos de reversão da dívida constante dos autos, pelo que, mantendo-se os pressupostos balizadores da reversão contra o gerente,
1. Indefiro o pedido de não prosseguimento da reversão de A……. apresentado em sede de direito de audição;
2. Reverto as execuções contra o mesmo;
3. Reverto ainda as execuções contra C………..;
4. Citem-se os revertidos do presente despacho;
5. 30 dias após, devolvam-se os autos a despacho com informação de eventuais descontos enquanto TCO’s dos revertidos.
9 - Em 7/02/07 a mesma coordenadora emitiu novo despacho intitulado “despacho (reversão)”, cuja cópia a fs. 76 do traslado apenso aqui se dá como reproduzido, destacando a seguinte parte:







10 - Seguiu-se a citação do oponente para os termos da execução, pela nota de citação cuja cópia a fs. 74 do traslado aqui se dá como reproduzida.
11 - O oponente foi e é titular da gerência da devedora originária, desde a sua constituição.
12 - É necessário o concurso da sua assinatura, segundo o pacto social, para obrigar a sociedade.
2.2. Não se provou:
Que o Oponente não estava ao corrente dos pagamentos a efectuar pela gerida, que assinava os cheques que o outro sócio lhe apresentava, sem questionar, que a gerida nunca teve os dinheiros retidos e que foi essa falta de meios que levou ao encerramento da empresa.

3.1. Começando por enunciar que o oponente assenta a oposição na alegação de que não é parte legítima por nunca ter sido gerente de facto da sociedade originariamente executada e que, de todo o modo, esta nunca dispôs de dinheiro alegadamente retido (o que, subentende-se, afastaria a sua responsabilidade subsidiária cujos pressupostos constam do nº 1 do art. 24º da LGT), a sentença recorrida acaba por enveredar pela apreciação da fundamentação do despacho de reversão, referindo o seguinte: «Porém, a montante desta questão é incontornável a da insuficiência de fundamentação – paredes-meias com a ininteligibilidade – da decisão de reversão em que assenta a sua legitimidade aqui posta em causa».
E considerando que «Desta falta de fundamentação decorre, obviamente, uma absoluta impossibilidade de sindicar a legalidade material da decisão de reversão, pelo que não pode o tribunal apreciar a mesma» decide-se na sentença o seguinte: «Pelo exposto, anulo, por insuficientemente fundamentado, o despacho de reversão da execução contra o Oponente e, em consequência, julgo a oposição procedente por ilegitimidade passiva do mesmo oponente, nos termos do artigo 204º nº 1 b) do CPPT».

3.2. Discordando do assim decidido, a entidade recorrente (IGFSS) convoca um apelidado erro de julgamento direito por parte da sentença recorrida, ao anular por insuficiente fundamentação (atendendo à não indicação da proveniência da dívida) o despacho de reversão, em violação do disposto no nº 1 do art. 77º da LGT e no art. 124º do CPA.
Todavia, o que em substância a recorrente invoca é o vício atinente à própria sentença por ter apreciado oficiosamente (mas em excesso de pronúncia) aquela questão, como resulta, aliás, quer da respectiva alegação, onde sustenta que “Em momento algum o Oponente questionou a origem da dívida, antes pelo contrário, elaborou a sua defesa alegando que «a devedora originária não deixou de entregar contribuições retidas porque nunca houve esse dinheiro»”, quer da leitura da PI, da qual se constata (constatação que, conforme acima se disse, também a própria sentença assume) que o recorrido apenas coloca duas questões ao tribunal: (i) ilegitimidade resultante do não exercício efectivo das funções de gerência na devedora originária e (ii) ilegitimidade por não ter sido, durante o período a que respeita a dívida, o possuidor das quantias que originaram a dívida exequenda, tudo nos termos do disposto no art. 204º, nº 1, al. b) do CPPT.
Ora, como pondera o MP, o facto de a recorrente ter invocado erro de julgamento, quando o vício deve ser qualificado como nulidade de sentença, não impede o STA de apreciar a discordância que a arguição exprime com o decidido na sentença recorrida, uma vez que não está sujeito à qualificação jurídica atribuída pelas partes (cfr. o art. 664º do CPC).
Além de que, como se deixou dito, as partes, notificadas para se pronunciarem sobre a apreciação da questão assim delimitada, nada disseram e, de todo o modo, as «partes é que circunscrevem o thema decidendum, através do pedido e da defesa» e haverá também excesso de pronúncia «se o tribunal, apesar de se limitar a apreciar um pedido que foi formulado, exceder os seus poderes de cognição quanto à causa de pedir, violando a regra da identidade de causa de pedir e de causa de julgar, por exemplo, anulando um acto com base em vício não invocado».(() Jorge Lopes de Sousa, Código de Procedimento e de Processo Tributário, Anotado e Comentado, vol. II, 6ª ed., Lisboa, Áreas Editora, 2011, anotação 5 ao art. 123º, pp. 318 e 319; e anotação 12 ao art. 125º, p. 366.
Cfr. também o ac. desta Secção do STA, de 28/1/2015, proc. nº 01879/13.)
Sobre o que deve entender-se pelo vocábulo «questões» inserto no art. 660º do CPC, já o Prof. Alberto dos Reis também ensinava que «O juiz, para se orientar sobre os limites da sua actividade de conhecimento, deve tomar em consideração, antes de mais nada, as conclusões expressas nos articulados», pois a função específica dos articulados consiste exactamente em fornecer ao juiz a delimitação nítida da controvérsia e é pelos articulados que o juiz há-de aperceber-se dos termos precisos do litígio e da «questão ou questões, substanciais ou processuais, que as partes apresentam ao juiz para que ele as resolva», sendo que para «caracterizar e delimitar, com todo o rigor, as questões postas pelas partes, não são suficientes as conclusões que elas tenham formulado nos articulados; é necessário atender também aos fundamentos em que elas assentam. Por outras palavras: além dos pedidos, propriamente ditos, há que ter em conta a causa de pedir», não bastando «que haja coincidência ou identidade entre o pedido e o julgado: é necessário, além disso … que haja identidade entre a causa de pedir (causa petendi,) e a causa de julgar (causa judicandi)» devendo «anular-se, por vício de ultra petita, a sentença em que o juiz invoca, como razão de decidir, um título, ou uma causa ou facto jurídico, essencialmente diverso daquele que as partes, por via de acção ou de excepção, puseram na base das suas conclusões».
E, continua o ilustre mestre, a «palavra “questões”, que se lê no art. 660º e no nº 4º do art. 668º ... designa não só o pedido, propriamente dito, mas também a causa de pedir. Desta maneira, quando o juiz julga procedente a acção com fundamento em causa de pedir diversa da alegada pelo autor, conhece de questão que o autor não submeteu à sua apreciação, isto é, de questão de que não devia tomar conhecimento, atento o disposto no art. 660º; a sentença, incorre, portanto, na nulidade prevista na 2ª parte do nº 4º do art. 668º. (...) Desde que a questão se caracteriza pelo pedido e pela causa de pedir, é claro que uma questão fundada em causa de pedir diversa da invocada pela parte … é questão diferente da que a parte submeteu ao conhecimento do tribunal...».(() Cfr. A. Reis, CPC Anotado, Vol. V, anotações ao art. 661º, pp. 53 e ss.)

3.3. Refira-se, ainda, que tendo o recurso sido inicialmente interposto para o TCA Norte e tendo ali sido declarada a respectiva incompetência, em razão da hierarquia, para conhecer do recurso, considerando competente o STA, dado estar em causa apenas matéria de direito, também aqui se entende que, na perspectiva considerada pelo TCAN, o recurso tem por exclusivo objecto matéria de direito (nº 1 do art. 280º do CPPT) pois as partes não contestam os factos constantes do probatório, divergindo apenas quanto à interpretação das regras jurídicas aplicáveis.
Vejamos, pois.

3.4. Como se viu o recorrido deduziu a presente oposição à execução fiscal, invocando como fundamento a sua ilegitimidade resultante do não exercício efectivo das funções de gerência na devedora originária e por não ter sido, durante o período a que respeita a dívida, o possuidor das quantias que originaram a dívida exequenda (al. b) do nº 1 do art. 204º do CPPT).
Não obstante, a sentença convocou e apreciou a falta de fundamentação do despacho de reversão, no que concerne à proveniência da dívida e, julgando verificado tal vício de forma, julgou a oposição procedente por ilegitimidade passiva do recorrido.
Ora, em primeiro lugar, o pretenso vício de forma do despacho de reversão, a verificar-se, constituiria fundamento de oposição à execução, a enquadrar na al. i) do nº 1 do art. 204º do CPPT e como bem refere a recorrente (conclusões 2, 4 e 5), a sentença não podia apreciar tal questão e anular o despacho de reversão por falta de fundamentação no que respeita à proveniência da dívida, pois que, não sendo questão de conhecimento oficioso, também o recorrido não questionou a ininteligibilidade/fundamentação do despacho de reversão, nomeadamente em sede de oposição judicial.
A nulidade por excesso de pronúncia (nº 1 do art. 125º do CPPT e segmento final da al. d) do nº 1 do art. 615º do NCPC) relaciona-se com a segunda parte do nº 2 do art. 608º e com o nº 1 do art. 609º, do mesmo código, em que se estabelece que o juiz nem pode ocupar-se senão de questões suscitadas pelas partes, salvo se a lei lhe permitir ou impuser o conhecimento oficioso de outras, nem pode condenar em quantidade superior ou em objecto diverso do que se pedir.
No caso, como se viu, a ilegitimidade invocada pelo recorrido nada tem que ver com a proclamada falta de fundamentação do despacho de reversão; ou seja, o vício formal de falta de fundamentação do despacho de reversão, além de não ser de conhecimento oficioso, também consubstancia causa de pedir distinta da ilegitimidade invocada pelo recorrido, que também nunca questionou, sequer, a proveniência da dívida.
Portanto, ao conhecer de questão de que não podia conhecer, a decisão recorrida é nula, por excesso de pronúncia, nos termos do disposto nos arts. 125º do CPPT e da al. d) do nº 1 do art. 615º do Novo CPC (que corresponde ao anterior art. 668º do CPC).

DECISÃO
Pelo exposto, acorda-se em, dando provimento ao recurso, anular, por excesso de pronúncia, nos preditos termos, a sentença recorrida e ordenar a baixa dos autos ao TAF de Coimbra para conhecimento das demais questões suscitadas na oposição, se a tanto nada mais obstar.
Custas pelo recorrido, que contra-alegou.

Lisboa, 20 de Maio de 2015. – Casimiro Gonçalves (relator) – Francisco Rothes Isabel Marques da Silva.