Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:02748/13.0BEPRT
Data do Acordão:11/18/2021
Tribunal:1 SECÇÃO
Relator:TERESA DE SOUSA
Descritores:APRECIAÇÃO PRELIMINAR
REVISTA
INFARMED
FARMACIA PRIVATIVA
Sumário:É de admitir revista na qual está em causa o regime jurídico respeitante à abertura de farmácias privativas resultante da Lei nº 2125 que foi alterado pelo DL nº 307/2007, de 31/8, afigurando-se o assunto jurídico como complexo e não isento de controvérsia, bem como socialmente relevante.
Nº Convencional:JSTA000P28559
Nº do Documento:SA12021111802748/13
Data de Entrada:09/18/2020
Recorrente:ASSOCIAÇÃO NACIONAL DAS FARMÁCIAS E OUTROS
Recorrido 1:................. – ASSOCIAÇÃO MUTUALISTA
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Formação de Apreciação Preliminar

Acordam no Supremo Tribunal Administrativo


1. Relatório

Infarmed – Autoridade Nacional do Medicamento e Produtos de Saúde, IP (INFARMED) interpõe revista, nos termos do art. 150º do CPTA, do acórdão proferido pelo TCA Norte, em 15.05.2020, que concedeu parcial provimento ao recurso que havia sido interposto pela Autora .................. – Associação Mutualista da sentença do TAF do Porto proferida na acção que intentou e na qual foi peticionada a anulação do despacho do Réu de 20.08.2013, que indeferiu a pretensão da A. para licenciamento e emissão de alvará para instalação e funcionamento de uma farmácia social e que se condene o Réu na emissão do alvará de farmácia social.
O Recorrente motiva a admissão da sua revista na relevância social e jurídica da questão em causa nos autos.

A Recorrido contra-alegou defendendo que o recurso deve improceder.

2. Os Factos
Os factos dados como provados são os constantes do acórdão recorrido para onde se remete.

3. O Direito
O art. 150º, nº 1 do CPTA prevê que das decisões proferidas em 2ª instância pelo Tribunal Central Administrativo possa haver, excepcionalmente, revista para o Supremo Tribunal Administrativo “quando esteja em causa a apreciação de uma questão que, pela sua relevância jurídica ou social, se revista de uma importância fundamental” ou “quando a admissão do recurso seja claramente necessária para uma melhor aplicação do direito”.
Como resulta do próprio texto legal, e a jurisprudência deste STA tem repetidamente sublinhado, trata-se de um recurso excepcional, como, aliás, o legislador sublinhou na Exposição de Motivos das Propostas de Lei nºs 92/VIII e 93/VIII, considerando o preceito como uma “válvula de segurança do sistema”, que só deve ter lugar, naqueles precisos termos.

Na presente acção intentada pela aqui Recorrida está em causa um pedido de licenciamento e emissão de alvará para instalação e funcionamento de uma farmácia social, ao abrigo do nº 4 da Base II da Lei 2125, de 20.03.1965.
Em síntese útil, pede-se a anulação do acto de indeferimento proferido pelo INFARMED - despacho de 20.08.2013 -, que indeferiu a pretensão da A. para licenciamento e emissão de alvará para instalação e funcionamento de uma farmácia social [com fundamento, nomeadamente, na expressa revogação da Lei nº 2125, de 20.03.1965 e do DL nº 48547, de 27.08.1967, pelo art. 3º da Lei nº 16/2013, de 8/2, pelo que tal pretensão não tem fundamento legal], e, que se condene o Réu na emissão do alvará de farmácia social destinada à venda de medicamentos sujeitos a receita médica aos seus associados, beneficiários e pensionistas, bem como o reconhecimento do direito de venda de medicamentos de “venda livre”, mesmo ao público em geral e que o Tribunal lhe reconheça o direito de porta de acesso ao exterior e de colocação de cruz verde assinalando ao público a sua localização.


O TAF do Porto julgou a acção totalmente improcedente, fundando-se em boa medida no Ac. deste STA de 05.07.2018, Proc. nº 0879/17.

O TCA Norte revogou a sentença de 1ª instância, e, julgou a acção procedente nos seguintes termos: “B 1. Anulam o acto impugnado por aplicação de norma que viola a proibição de excesso ínsito no princípio do Estado de Direito consagrados nas disposições conjugadas dos artigos 2.º e 63.º, nº 5 da Constituição da República Portuguesa. 2. Condena-se o Infarmed a apreciar o requerimento da Autora, nos termos supra expostos. 3. No mais julga-se a acção improcedente, e, consequentemente, também nessa parte improcedente o recurso.
Entendeu, para tanto, o acórdão que a declaração de inconstitucionalidade, com força obrigatória geral, dos arts. 14º, nº 1, 47º, nº 2, alínea a) e 58º do DL nº 307/2007, de 31/8, pelo Acórdão do Tribunal Constitucional nº 612/2011, determina a repristinação das normas que, eventualmente, haja revogado (art. 298º, nº 1 da CRP).
Ora, o segmento das normas do actual regime jurídico das farmácias que foi declarado inconstitucional foi aquele que veda a possibilidade de ser proprietário de uma farmácia a uma entidade do sector social, como a Autora, ora Recorrente, sem se constituir em sociedade comercial.
Pelo que não se impõe repristinar todo o regime da Lei 2.125 de 20.03.1965 e do Decreto-Lei 48.547, de 27.08.1968, mas apenas o n.º 4 da Base II da Lei 2.125 e os artigos 45º, n.º 2, e 46º, ambos do Decreto-Lei 48.547, e estas normas apenas na parte em que permitem a uma entidade do sector social ser proprietária de uma farmácia se constituir em sociedade.

O Recorrente defende que a Lei nº 16/2013, além de ter alterado e harmonizado o DL nº 307/2007, de 31/8, com o Ac. nº 612/2011 do TC, revogou “novamente” a Lei nº 2125 e 0 DL nº 48547, sendo que aquele acórdão opôs-se à obrigatoriedade de transformação das entidades do sector social em sociedades comerciais para se manterem proprietárias de farmácias privativas abertas ao abrigo da Lei nº 2125, tendo o acórdão recorrido incorrido em erro de julgamento, ao não ter entendido que toda a Lei nº 2125 e o DL nº 48457 foram revogados pelo DL nº 307/2007. Isto porque este diploma não contém qualquer habilitação legal que permita a abertura de novas farmácias privativas, sendo que tal possibilidade viola o próprio regime legal contido neste diploma, que se destinou a criar um mercado competitivo e regulado de farmácias de oficina.

Como se viu as instâncias decidiram a questão dos autos de forma divergente.
E, como alega o Recorrente torna-se necessário um melhor esclarecimento da vontade do legislador sobre o regime jurídico respeitante à abertura de farmácias privativas resultante da Lei nº 2125 que foi alterado pelo DL nº 307/2007, de 31/8, afigurando-se o assunto jurídico como complexo e não isento de controvérsia, bem como socialmente relevante.
O esclarecimento desta problemática tem inegável relevo, pois uma maior definição desta matéria por este Supremo tenderá a prevenir o surgimento de conflitos futuros sobre idênticas situações que ainda possam estar em discussão nos tribunais, sendo certo que este STA já se debruçou sobre a mesma no ac. de 05.07.2018, Proc. 0879/17 ou designado 0153/13.8BEPRT, em sentido contrário ao aqui decidido (do qual o acórdão recorrido discorda – cfr. pág. 39 do acórdão) - cfr. o recente ac. desta Formação de 21.10.2021, Proc. nº 527/09.9BEAVR.

4. Decisão
Pelo exposto, acordam em admitir a revista.
Sem custas.


Lisboa, 18 de Novembro de 2021

Lisboa, 18 de Novembro de 2021. – Teresa de Sousa (relatora) – Carlos Carvalho – José Veloso.