Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:01017/14
Data do Acordão:05/11/2016
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:DULCE NETO
Descritores:INSOLVÊNCIA
REVERSÃO
Sumário:I - A declaração de insolvência do responsável subsidiário não acarreta a impossibilidade legal do acto de reversão da execução contra si ou a irregularidade/ nulidade deste acto, o qual constitui, aliás, uma condição para que a administração tributária possa apresentar-se, perante os demais credores deste devedor, a reclamar e a cobrar o montante exequendo no respectivo processo de insolvência.
II - Só com o acto de reversão passa a dívida tributária exequenda a onerar o património do responsável subsidiário insolvente, dívida que sem esse acto nunca poderia obter pagamento no respectivo processo de insolvência. Antes da prolação desse acto, não existe sequer processo de execução contra o responsável subsidiário que importasse sustar, razão por que não tem cabimento legal a tese de que a reversão da execução contra responsável já declarado insolvente afronta o disposto no artigo 88º do CIRE.
III - O acto administrativo de reversão, enquanto acto lesivo, não pode deixar de ser levado ao conhecimento do revertido antes da remessa da execução fiscal para o seu processo de insolvência. Não só porque disso depende a efectiva produção de efeitos do acto de reversão, isto é, a eficácia deste acto e a exigibilidade da dívida que ele incorpora relativamente ao devedor subsidiário, como, também, porque só depois dessa notificação (que é necessariamente levada a cabo através do acto de citação) este adquire a qualidade de devedor e executado, ficando habilitado, por um lado, a apresentar os meios legais de defesa no que toca à legalidade da liquidação donde emerge a dívida exequenda (art. art.º 22º, nº 5, da LGT), e, por outro lado, a contestar a sua responsabilização por tal dívida (art. 204º do CPPT)
IV - O processo de reclamação previsto no artigo 276º e segs. do CPPT visa a apreciação da legalidade de actuação do órgão da execução fiscal à luz da fundamentação do acto que ele praticou. Controlo que tem de ser feito pelo tribunal no contexto do pedido e da causa de pedir gizada na petição de reclamação, não podendo o tribunal apreciar se o acto deve ser validado ou censurado à luz de questões que não foram colocadas a esse órgão ou que nunca foram por ele equacionadas e decididas, já que o tribunal não pode substituir-se a tal órgão e sancionar o acto com a argumentação jurídica que julgue mais adequada.
V - Tendo o executado pedido ao órgão da execução fiscal a nulidade do acto de reversão e de todos os actos consequentes exclusivamente com base na violação do artigo 88º do CIRE, e tendo sido essa a única questão analisada e decidida pelo órgão da execução, sendo essa, também, a única questão colocada na reclamação e que foi apreciada e decidida na sentença recorrida, bem como a única questão colocada no recurso jurisdicional que desta foi interposto, não pode conhecer-se neste recurso de outras eventuais nulidades praticadas na execução.
VI - Nunca tendo o executado imputado ao acto de citação em si qualquer vício autónomo, designadamente por dever ser feito de modo diverso ou realizado em pessoa distinta, e, como tal, nenhuma outra nulidade foi analisada e decidida pelo órgão competente ou sujeito a fiscalização pelo tribunal de 1ª instância (sendo que constitui jurisprudência pacífica que todas as nulidades do acto de citação, que podem ter várias causas e assumir diversos aspectos, têm de ser arguidas, em primeira linha, perante o órgão de execução), está o STA impedido de conhecer de outras eventuais nulidades cometidas na execução, conhecimento esse que, aliás, constituiria uma decisão surpresa, processualmente intolerável.
VII - Tal não significa, porém, que o executado não possa invocar, no processo executivo e a todo o tempo, qualquer nulidade insanável que nele tenha sido cometida, com possibilidade de reclamar para tribunal de eventual decisão desfavorável.
Nº Convencional:JSTA00069701
Nº do Documento:SA22016051101017
Data de Entrada:09/22/2014
Recorrente:A......
Recorrido 1:FAZENDA PÚBLICA
Votação:MAIORIA COM 1 VOT VENC
Meio Processual:REC JURISDICIONAL
Objecto:SENT TAF PORTO
Decisão:NEGA PROVIMENTO
Área Temática 1:DIR PROC TRIBUT CONT - EXEC FISCAL
Legislação Nacional:CIRE04 ART88.
CPPTRIB99 ART180 ART276 ART204 N1 B ART165 N4.
LGT98 ART23 ART22 N5.
Aditamento:
Texto Integral: Acordam na Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:

1. A………., com os demais sinais dos autos, recorre da sentença do TAF do Porto que julgou improcedente a reclamação que deduziu contra o acto do órgão de execução fiscal proferido em processo de execução instaurado contra a sociedade “B………., Ldª” e que contra si reverteu ao abrigo do disposto nos artigos 23º e 24º da LGT, acto esse que indeferiu o pedido que ali formulou no sentido de ser reconhecida e declarada a nulidade do despacho de reversão e de todos os actos processuais consequentes em face da norma contida no artigo 88º do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas, segundo o qual a declaração de insolvência do executado obsta à instauração ou ao prosseguimento de qualquer acção executiva intentada pelos seus credores.

Rematou as alegações do recurso com as seguintes conclusões:

I. O Serviço de Finanças Porto-5 procedeu à reversão da execução fiscal acima identificada contra o ora Recorrente, para cobrança coerciva de uma alegada dívida liquidada no valor de € 1.591,66 (mil quinhentos e noventa e um euros e sessenta e seis cêntimos), acrescida de juros de mora, custas e encargos, relativa à empresa B………, Lda, da qual era gerente.

II. O despacho de reversão da execução fiscal encontra-se datado de 29.08.2011, tendo a reversão sido comunicada ao ora Recorrente através da citação concretizada em 01.09.2011.

III. O Recorrente apresentou reclamação nos presentes autos, do despacho do Sr. Chefe do 5º serviço de Finanças do Porto, que indeferiu o pedido de declaração de nulidade do despacho de reversão proferido contra o executado, ora Recorrente, bem como da citação do mesmo e, em consequência, que o ora Recorrente fosse considerado parte ilegítima nos autos de execução.

IV. Acontece que a douta decisão de que se recorre julgou improcedente a reclamação apresentada pelo Recorrente, depreciando os argumentos legais e factuais apresentados e considerando legal o despacho de reversão proferido em 29.08.2011, entendendo que o art. 88º do C.I.R.E não se aplica aos presentes autos.

V. Entendemos que o Meritíssimo Juiz “a quo” fez uma interpretação confusa e errónea da lei - nomeadamente do art. 88º do C.I.R.E. - e dos factos.

VI. O Recorrente discorda em absoluto do teor e fundamentos da mencionada decisão, por entender ser nulo o despacho de reversão fiscal proferido em 29.08.2011, contra o executado, ora Recorrente, por violação do art. 88º do CIRE, bem como todos os actos praticados no processo após essa data.

VII. O ora Recorrente foi declarado insolvente por douta sentença transitada em julgado e publicada no portal CITIUS em 20.01.2011, no âmbito do processo que correu termos sob o nº 1326/10.0TBESP no 1º Juízo do Tribunal Judicial de Esposende.

VIII. O despacho de reversão da execução fiscal encontra-se datado de 29.08.2011, tendo o mesmo sido comunicado ao ora Recorrente através da citação concretizada em 01.09.2011.

IX. Em 17.07.2012 foi proferida douta sentença que declarou o encerramento do processo de insolvência nº 1326/10.0TBESP, referente ao ora Reclamante.

X. Ou seja, quer o despacho de reversão quer a citação, são posteriores à declaração de insolvência singular do Reclamante e do despacho de exoneração de passivo.

XI. Como corolário da finalidade do processo de insolvência que, enquanto processo de execução universal, se destina à liquidação do património de um devedor insolvente e repartição do produto obtido pelos credores, ou a satisfação destes pela forma prevista num plano de insolvência, preceitua o art. 88º do CIRE que: “A declaração de insolvência determina a suspensão de quaisquer diligências executivas ou providencias requeridas pelos credores da insolência que atinjam os bens integrantes da massa insolvente e obsta à instauração ou ao prosseguimento de qualquer acção executiva intentado pelos credores da insolvente...”. (sublinhado nosso).

XII. Esta disposição visa evitar que o património do devedor insolvente, depois de declarada a insolvência, possa vir a ser liquidado em execução, inviabilizando-se assim a liquidação universal no processo de insolvência, tratando-se de um efeito automático da declaração de insolvência, que não depende de requerimento de qualquer interessado.

XIII. No sentido da suspensão da execução pendente no caso de o devedor ser declarado insolvente, vai também Luís Manuel Telles de Menezes Leitão, in Direito de Insolvência, Almedina, pag. 167.

XIV. No mesmo sentido do disposto no citado preceito legal, dispõe o artº 180º do CPPT que: “Proferido o despacho judicial de prosseguimento da acção de recuperação da empresa ou declarada falência, serão sustados os processos de execução fiscal que se encontrem pendentes e todos os que de novo vierem a ser instaurados contra a mesma empresa, logo após a sua Instauração.”

XV. A prolação da declaração de insolvência do ora Recorrente implica a imediata suspensão quanto ao devedor de todas as acções para cobrança de dívida e obsta à instauração de novos processos executivos.

XVI. Ao nível da jurisprudência, todas as decisões conhecidas são inequívocas no sentido de que a declaração de insolvência produz como efeito automático a suspensão das execuções pendentes contra o Insolvente.

XVII. No acórdão da Relação do Porto de 21-06-2010, concluiu-se que “o artigo 88º veio impor expressamente a suspensão, ao definir os efeitos processuais da sentença de declaração de insolvência nas acções executivas”.

XVIII. Os efeitos da referida suspensão e do impedimento da instauração de novos processos executivos produzem-se automaticamente a partir da publicação da sentença de declaração de Insolvência, no caso, desde 20.01.2011.

XIX. Assim sendo, todos os processos executivos pendentes à data da declaração de insolvência deveriam ser imediatamente declaradas suspensos, bem como não poderiam ser intentados novos processos executivos.

XX. Neste sentido, a declaração de insolvência do ora Reclamante e executado nos autos em referência, obsta a concretização da reversão fiscal efectuada pelo Serviço de Finanças Porto-5, reversão esta análogo juridicamente à instauração de nova execução contra o executado.

XXI. Efectivamente, se tivermos em conta que a reversão para o oponente corresponde ao prosseguimento/instauração contra si de uma execução, somos forçados a concluir que tal acto não poderia ocorrer atento o disposto no art. 88º do C.I.R.E.

XXII. A reversão fiscal é um mecanismo que consiste no chamamento do responsável subsidiário á execução fiscal, e efetiva-se pela reversão do processo de execução fiscal.

XXIII. Pelo que, a reversão fiscal efectuada e a prática de quaisquer actos posteriores à declaração de insolvência (20.01.2011) se revelam ilegais, por violação do disposto no art. 88º do C.I.R.E., cuja declaração desde já se requer.

XXIV. Nos presentes autos, praticaram-se actos posteriores a 20.01.2011, nomeadamente os seguintes: - o despacho de reversão da execução fiscal datado de 29.08.2011 (análogo à instauração de processo executivo); - a citação do Executado, ora Recorrente, em 01.09.2011.

XXV. Em consequência, deveria ter sido declarado nulo o despacho de reversão fiscal proferido em 29.08.2011, contra o executado, ora Recorrente, por violação do art. 88º do C.I.R.E., bem como todos os actos praticados no processo após 29.08.2011, nomeadamente a citação do executado para a mencionada reversão, considerando-se sem efeito a citação efectuada ao Executado.

XXVI. De referir por último, que correu termos na Unidade Orgânica-3 do Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto, o processo nº 1414/13.1BEPRT, relativa a outra Reclamação de actos de órgão executivo fiscal, apresentada pelo ora Recorrente também contra a Fazenda Pública, pelos mesmos motivos apresentados na reclamação efectuada nos presentes autos, tendo sido proferida douta sentença que julgou a reclamação procedente e ordenou a revogação do despacho de reversão, efectuado após a declaração de insolvência do ora Recorrente, pelo mesmo serviço de finanças.

XXVII. O exposto é suficientemente claro para determinar a revogação do despacho reclamado e a ilegalidade dos actos praticado, o que desde já se requer.



1.2. A Fazenda Pública não apresentou contra-alegações.


1.3. O Exmo. Procurador-Geral-Adjunto junto do STA emitiu parecer no sentido de ser concedido provimento ao recurso, por entender, em suma, que é de reconhecer a ilegalidade do despacho de reversão e do consequente acto de citação em face da violação da norma contido no artigo 242º do CIRE.


1.4. Colhidos os vistos dos Exmºs Juízes Conselheiros Adjuntos, cumpre decidir.


2. Na sentença recorrida julgaram-se como provados os seguintes factos:

1. Em 27/9/2008 foi instaurado no SF do Porto-5, o processo executivo fiscal 3190200801112457, contra B………., Ldª, NIPC ……….., por dívida de IVA do ano 2008;

2. A sociedade B………., Ldª, devedora originária, foi declarada insolvente, com carácter restrito ou limitado, por sentença de 15/6/2011, do processo 899/10.2TYVNG;

3. O despacho de 7/4/2011, do chefe do serviço de finanças do Porto-5, determinou o procedimento de reversão contra o reclamante;

4. Em 29/8/2011, foi determinada contra o reclamante a reversão da execução fiscal 3190200801112457;

5. Em 1/9/2011 foi o reclamante citado da reversão.

6. Em 11/1/2013, a dívida exequenda revertida ao reclamante foi declarada em falhas, com fundamento na inexistência de bens penhoráveis ao reclamante.

7. O reclamante foi declarado insolvente por sentença de 18/1/2011, no processo 1362/10.0TBESP, e foi exonerado do passivo restante, de fls. 73/75.

8. A sentença e encerramento do processo 1362/10.0TBESP de insolvência do reclamante transitaram em julgado em 23/2/2011 e 24/9/2012 – cfr. teor do documento de fls. 210/217.


3. A questão a decidir no presente recurso jurisdicional, cujo objecto e âmbito se encontram delimitados pelas conclusões da alegação de recurso (cfr. artigos 608º, nº 2, 635º nºs 4 e 5, e 637º, nº 2º, todos do actual Código de Processo Civil), consiste em saber se a sentença incorreu em erro de julgamento em matéria de direito ao julgar que não merecia censura o acto reclamado, isto é, o acto do órgão de execução fiscal que indeferiu o pedido formulado pelo executado de declaração de nulidade do despacho de reversão e de todos os actos processuais consequentes a esse despacho.
Com efeito, na óptica do reclamante, ora recorrente, a sentença incorreu numa errada interpretação do artigo 88º do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas (CIRE) e, até, do artigo 180º do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT), ao validar a legalidade do acto reclamado, na medida em que tais preceitos determinam que a declaração de insolvência do executado obsta à instauração e prosseguimento de qualquer acção executiva intentada pelos seus credores e, por consequência, obstam à prática do acto de reversão da execução contra um responsável subsidiário que tenha sido já declarado insolvente.
Vejamos.
Antes de mais, importa salientar que o processo tributário de reclamação previsto no artigo 276º e segs. do CPPT constitui o meio processual de controlo judicial da legalidade da actividade do órgão da execução fiscal no quadro do processo executivo, visando a apreciação da legalidade de actuação desse órgão à luz da fundamentação do acto que ele praticou. Controlo que tem de ser feito pelo tribunal no contexto do pedido e da causa de pedir gizada na petição de reclamação, não podendo o tribunal apreciar se o acto deve ser validado ou censurado à luz de questões que não foram colocadas a esse órgão ou que nunca foram por ele equacionadas e decididas, já que o tribunal não pode substituir-se a tal órgão e sancionar o acto com a argumentação jurídica que julgue mais adequada.
Os poderes de cognição do tribunal não podem ir além dos fundamentos (factuais e jurídicos) de que o acto reclamado explicitamente partiu e das questões que nele foram apreciadas e decididas, cabendo-lhe unicamente uma função fiscalizadora da legalidade dos actos praticados pelo órgão administrativo incumbido de tramitar a execução, pelo que, no caso, o tribunal de 1ª instância só podia aferir (como efectivamente aferiu) da legalidade do acto reclamado à luz da sua motivação factual e jurídica e à luz dos vícios invalidantes que o reclamante lhe imputa.
No caso, constata-se que o sujeito que a administração tributária responsabilizou, a título subsidiário, pelo pagamento da dívida tributária em cobrança (reclamante, ora recorrente), suscitou perante o órgão da execução fiscal a nulidade do despacho de reversão, e, por consequência, a nulidade de todos os actos processuais subsequentes (onde se inclui o acto de citação), por entender que aquele despacho não podia ter sido praticado, porquanto ele já fora declarado insolvente quando a reversão ocorreu e a norma contida no artigo 88º do CIRE determina que a declaração de insolvência obsta à instauração ou ao prosseguimento de qualquer acção executiva intentada pelos credores.

Razão por que advogou que o acto de reversão e todos os que se lhe seguiram eram nulos por violação do artigo 88º do CIRE.

E foi essa a única questão analisada no acto proferido pelo órgão da execução, no qual se decidiu, por remissão para o teor de informação anteriormente prestada, que não assistia razão ao executado/revertido ao solicitar «a anulação do despacho de reversão por violar o disposto no Art. 88º do CIRE», porquanto, como se deixara expresso nessa informação:

«(…)
4º- O Art. 88º do CIRE refere que a declaração de insolvência determina a suspensão de quaisquer diligências executivas ou providências requeridas pelos credores da insolvência que atinjam os bens integrantes da massa insolvente.
O Art. 233º do CIRE refere que com o encerramento do processo de insolvência cessam todos os feitos que resultam da declaração de insolvência.
O Art. 245º nº 1 do CIRE refere que a exoneração do devedor importa a extinção de todos os créditos sobre a insolvência que ainda subsistam à data em que é concedida, referindo o nº 2-d) que a exoneração não abrange os créditos tributários.
Do referido, parece concluir-se que será de indeferir o solicitado, pois parece não haver nulidade do despacho de reversão e motivos que determinem a suspensão dos autos, mantendo-se os mesmos na fase 800 - declarados em falhas de acordo com o referido no Art. 272º do CPPT.».

E foi essa, também, a única questão colocada na reclamação e apreciada e decidida na sentença recorrida, na qual se julgou improcedente o pedido com a seguinte motivação:

«Invoca o reclamante a nulidade do despacho de reversão contra si proferido pelo chefe dos serviços de finanças por violação do artigo 88º do CIRE e a subsequente anulação de todos os atos subsequentes incluindo a sua citação.
Não tem razão.

O artigo 88º do CIRE refere que a declaração de insolvência determina a suspensão de quaisquer diligências executivas ou providencias requeridas pelos credores da insolvência que atinja os bens integrantes da massa insolvente e obsta à instauração ou ao prosseguimento de qualquer ação executiva intentada pelos credores da insolvência

(…)

Apesar de se verificar que a reversão e a citação foram actos posteriores à sentença de insolvência do reclamante, não inquina de nulidade qualquer dos referidos atos processuais,

Assim porque a decisão de reversão da execução fiscal 3190200801112457, proferida pelo chefe do serviços de finanças em 29/8/2011, contra o reclamante, teve como fundamento a situação de inexistência de bens penhoráveis da sociedade devedora originária, como vem descrito no teor da informação de fls. 40 dos autos, e consta do despacho de fls. 44/45 dos autos, e não se fundamenta em qualquer insuficiência de bens próprios do reclamante ou na sua situação pessoal em relação aos seus bens que pudessem compor a sua própria massa falida apreendida ou suscetível de ser apreendida para a insolvência. A insolvência que esta e estava em causa e os bens eram respeitantes à sociedade devedora originária cujas dívidas foram revertidas.

Ora, antes da reversão das dívidas em execução da devedora originária não existe qualquer processo de execução conta o reclamante que importava ter sido sustado nos termos dos artigos 85º ou 88º do CIRE.

Deste modo, o despacho de reversão, e a consequente citação, foi proferido em conformidade com os pressupostos de facto e de direito invocados no próprio despacho, de que a sociedade devedora originária não possui bens ou rendimentos penhoráveis, encontrando-se cessada desde 30/9/2009, e que, verificada a situação de inexistência de bens ou rendimentos penhoráveis da devedora originária, sendo a dívida de impostos devidos pela sociedade originária, e sendo o reclamante seu gerente de facto e direito, estavam verificados os pressupostos materiais e legais dos artigos 23º e 24º da LGT para a reversão da dívida, como veio a ser proferido despacho.

Decorre da leitura do artigo 88º do CIRE invocado pelo reclamante que nada impedia a tomada da decisão de reversão da dívida ao reclamante, pois, o que estava em causa no momento da decisão reclamada de nulidade, não eram os bens do próprio reclamante, ou a sua suficiência ou insuficiência, verificada em processo de insolvência, mas as dívidas da devedora originária e sua a insuficiência patrimonial, e a possibilidade legal da sua reversão ao reclamante.

(…)

Nada legalmente impedia o chefe dos serviços de finanças do Porto de determinar a reversão da dívida ao reclamante, sendo que a suspensão de diligências executivas não eram ainda dirigidas ao património do reclamante, nem estavam processos instaurados pelo credor fazenda nacional ou credores da insolvência do reclamante execuções que pudessem atingir a “massa insolvente” do reclamante.

(…)».


Neste recurso jurisdicional, o reclamante limita-se a insistir na tese sobre a nulidade do acto de reversão e, por consequência, de todos os actos processuais consequentes (como é o caso do acto de citação), sustentando que a sentença padece de erro de julgamento por errada interpretação dos artigos 88º do CIRE e 180º do CPPT.

Todavia, julgamos que não merece qualquer censura a sentença recorrida.

Como se sabe, a reversão em processo de execução fiscal das dívidas tributárias de uma pessoa coletiva contra os responsáveis subsidiários – a que se refere o artigo 24º da LGT – traduz-se numa modificação subjetiva da instância executiva, pela emissão, através de acto administrativo, de um novo título executivo e chamamento à execução de alguém que, não sendo o devedor que consta do título executivo e que não é, por isso, executado, se pretende que adquira, através desse acto, a qualidade de devedor. Representa, no fundo, a instauração ou redireccionamento da execução contra outro devedor, com base num título executivo diferente, consubstanciado no acto administrativo de reversão.

A reversão depende da inexistência de bens penhoráveis no património da devedora originária – artigo 23º da LGT – e não da existência de bens no património do responsável subsidiário; e, por isso, a declaração de insolvência do responsável subsidiário não acarreta a impossibilidade legal do acto de reversão ou a irregularidade/nulidade deste acto, o qual constitui, aliás, uma condição para que a administração tributária possa apresentar-se, perante os demais credores deste devedor (subsidiário) a reclamar e a cobrar o montante exequendo no respectivo processo de insolvência.

Trata-se, no fundo, de uma dívida tributária que com o acto administrativo de reversão passa a onerar o património do responsável subsidiário insolvente, dívida que sem esse acto nunca poderia obter pagamento no respectivo processo de insolvência. E, como muito bem se refere na sentença, antes da prolação do acto de reversão não existe sequer processo de execução contra o responsável subsidiário que importasse sustar, razão por que não tem cabimento legal a tese sustentada pelo recorrente no sentido de que a reversão afronta o disposto no artigo 88º do CIRE.

Por outro lado, tal acto administrativo de reversão, enquanto acto lesivo, não pode deixar de ser levado ao conhecimento do sujeito revertido antes da remessa da execução fiscal para o seu processo de insolvência. Não só porque disso depende a efectiva produção de efeitos do acto de reversão, isto é, a eficácia deste acto e a exigibilidade da dívida que ele incorpora relativamente ao devedor subsidiário, como, também, porque só depois dessa notificação (que é necessariamente levada a cabo através do acto de citação) este adquire a qualidade de devedor executado, ficando habilitado, por um lado, a apresentar os meios legais de defesa no que toca à legalidade da liquidação donde emerge a dívida exequenda (art. art.º 22º, nº 5, da LGT), e, por outro lado, a contestar a sua responsabilização por essa dívida, podendo dela defender-se pela demonstração da falta de pressupostos para a reversão e sequente falta de base legal para a “instauração” ou redireccionamento da execução contra si e, consequentemente, por falta de fundamento para a cobrança dessa dívida através dos bens que compõem a massa falida (art. 204º, nº 1, al. B) do CPPT).

Aliás, não se compreenderia, à luz dos mais elementares princípios relativos à proteção e efetividade dos direitos e garantias fundamentais das pessoas jurídicas, particularmente dos princípios da ampla defesa e do contraditório (que só se efetivam quando se mostra assegurado o conhecimento da demanda executiva por meio de acto formal de citação e se concede a oportunidade de ser contrariada a pretensão executiva formulada) que a administração tributária revertesse a execução contra alguém que não é o devedor que consta do título executivo e de imediato sustasse e remetesse essa execução fiscal para o seu processo de insolvência com vista a nele obter o pagamento da dívida, sem que a este fosse oportunamente dada a possibilidade de reagir contra o acto de reversão e a possibilidade de demonstrar que não ocorriam os pressupostos para a sua responsabilização subsidiária por tal dívida tributária e, por consequência, demonstrar a sua ilegitimidade para a execução, obstando, desse modo, a que a dívida obtivesse pagamento no seu processo de insolvência.

Nem se afirme que a situação deste devedor subsidiário é perfeitamente similar à do devedor originário e que, por isso, a execução deve ser sustada logo após a reversão sem que se proceda ao seu chamamento para a execução antes da remessa para o seu processo de insolvência, pois existe uma diferença essencial entre estes dois devedores: o originário foi notificado do acto de liquidação donde emerge a dívida exequenda, sendo esta certa e exigível relativamente a si na data da extração do título executivo e instauração da execução, o que não acontece com o devedor subsidiário, porquanto só com o acto de reversão e respectiva notificação através do mecanismo processual que a lei impõe (citação) a dívida se torna certa e exigível relativamente a este novo devedor.

Pelo exposto, e visto que a única nulidade que o executado arguiu na execução foi a do acto de reversão, a qual determinaria, na sua óptica, a nulidade de todos os actos consequentes, nunca tendo imputado ao acto de citação em si qualquer vício autónomo, designadamente por dever ser feito de modo diverso ou realizado em pessoa distinta, e, como tal, nenhuma outra questão foi analisada e decidida pelo órgão competente ou sujeito a fiscalização pelo tribunal (sendo que constitui jurisprudência pacífica que todas as nulidades do acto de citação, que podem ter várias causas e assumir diversos aspectos, têm de ser arguidas, em primeira linha, perante o órgão de execução, tal como acontece com todas as restantes nulidades cometidas na execução), nenhuma censura merece a sentença ao sancionar a legalidade do acto reclamado.

Aliás, a apreciação e decisão, apenas neste recurso, de outras eventuais nulidades do processo de execução fiscal constituiria uma decisão surpresa, processualmente intolerável. Tal não significa, porém, que o executado não possa invocar, no processo executivo e a todo o tempo, qualquer nulidade insanável que nele tenha sido cometida, com possibilidade de reclamar para tribunal de eventual decisão desfavorável (arts. 165º nº 4 e 276º do CPPT).

Termos em que, sem necessidade de mais considerações, não pode obter provimento o recurso.


4. Pelo exposto, acordam, em conferência, os juízes da Secção de Contencioso Tributário deste Supremo Tribunal Administrativo em negar provimento ao recurso

Custas pelo Recorrente.


Lisboa, 11 de Maio de 2016. - Dulce Neto – (relatora por vencimento) - Ascensão Lopes – Ana Paula Lobo, vencida segundo voto que segue em anexo.


VOTO DE VENCIDA

Não acompanho a decisão proferida na parte em que considera não poder nem dever apreciar a validade da citação do recorrente na qualidade de responsável subsidiário pelo pagamento da dívida exequenda.
Na conclusão III, o recorrente enunciou que:
«III. O Recorrente apresentou reclamação nos presentes autos, do despacho do Sr. Chefe do 5º serviço de Finanças do Porto, que indeferiu o pedido de declaração de nulidade do despacho de reversão proferido contra o executado, ora Recorrente, bem como, da citação do mesmo e, em consequência, que o ora Recorrente fosse considerado parte ilegítima nos autos de execução.»
Assim, partindo das conclusões que definem o objecto de recurso, nos termos do disposto nos arts. 684º, nº3, e 685º-A, nº 1, do Código de Processo Civil, a par do que entendeu também o Magistrado do Ministério Público entendo que a análise da legalidade da citação é uma questão colocada ao tribunal de recurso que este pode e deve conhecer.
Bem certo que na argumentação expendida pelo recorrente a citação que foi consequente ao despacho de reversão, deveria desaparecer se o despacho de reversão viesse a ser considerado ilegal, como ele pretendia, mas tal não significa que não tenha colocado em questão a legalidade da citação, porque ela foi efectuada e o recorrente a entende ilegal.
A sentença recorrida entendeu que sendo válido o despacho de reversão nada havia que determinar quanto à citação, mas a validade do despacho de reversão sendo uma condição necessária à validade da citação que se lhe seguiu não é, contudo condição suficiente.
Há, ao longo dos autos uma pequena confusão entre a declaração de insolvência da empresa B………. e a declaração de insolvência do recorrente. A primeira foi declarada com carácter limitado, o que se não demonstra quanto à segunda declaração de insolvência. Acresce que está em curso, tanto quanto pode apurar-se dos autos, o período que decorre do deferimento liminar do pedido de exoneração do pedido restante formulado pelo recorrente, pelo que nos termos do disposto no art.º 239º do CIRE decorre o período da cessão, no qual o rendimento disponível que o devedor venha a auferir se considera cedido ao fiduciário, escolhido pelo tribunal, com vista ao pagamento, segundo a ordem estabelecida no art.º 241.º do CIRE:
a) das custas do processo de insolvência ainda em dívida;
b) Ao reembolso ao Cofre Geral de Tribunais das remunerações e despesas do administrador da insolvência e do próprio fiduciário que por aquele tenham sido suportadas;
c) Ao pagamento da sua própria remuneração já vencida e despesas efectuadas;
d) À distribuição do remanescente pelos credores da insolvência, nos termos prescritos para o pagamento aos credores no processo de insolvência.»
Tal como realçado pelo Magistrado do Ministério Público no seu parecer, nos termos do disposto no art.º 242.º do CIRE, durante o período de cessão, para igualdade dos credores:
«1 - Não são permitidas quaisquer execuções sobre os bens do devedor destinadas à satisfação dos créditos sobre a insolvência, durante o período da cessão.
2 - É nula a concessão de vantagens especiais a um credor da insolvência pelo devedor ou por terceiro.
3 - A compensação entre dívidas da insolvência e obrigações de um credor sobre a insolvência apenas é lícita nas condições em que seria admissível durante a pendência do processo.»
Cremos que bem andou o tribunal recorrido ao considerar que nada obstava à reversão da execução contra o recorrente.
Não há qualquer norma tributária que expressamente regule a situação com que aqui nos deparamos de insolvência do responsável subsidiário antes de contra ele haver sido revertida a execução. Todavia, vários preceitos legais nos podem conduzir no caminho que deve ser seguido nesta situação.
Por um lado é indiscutível que foi opção do legislador colocar o responsável subsidiário numa posição tanto quanto possível similar à do devedor originário no que aos meios de defesa a utilizar diz respeito como decorre do art.º 22.º, n. 4 da Lei Geral Tributária, sendo que relativamente a ele a sua responsabilidade tributária, subsidiária, se efectiva por reversão no processo de execução fiscal, art.º 23.º, n.º 1 da Lei Geral Tributária, permitindo a equiparação da reversão contra o responsável subsidiário à instauração da execução contra o devedor originário. Ora, se assim é, nos termos do disposto no art.º 180.º do Código de Processo e Procedimento Tributário tal impõe que efectuada a reversão e verificada a declaração judicial de insolvência do revertido, se adopte o mesmo tratamento previsto na lei para a instauração da execução fiscal contra o devedor originário que, verificada a sua declaração de insolvência impõe a imediata sustação do processo logo após a sua instauração.
Assim, a circunstância de o responsável subsidiário estar já declarado insolvente se nenhuma repercussão tem relativamente ao despacho de reversão, impõe, necessariamente, a imediata suspensão da execução após a prolação desse despacho, em tudo equivalente à instauração da execução contra o devedor originário, isto é sem que no processo sejam praticados quaisquer outros actos para além daqueles inerentes à remessa do processo ao tribunal que declarou a insolvência.
Que o administrador de insolvência deve ser citado no processo de execução fiscal onde haja sido ordenada a reversão decorre das normas do CIRE mas, também de várias normas do Código de Processo e Procedimento Tributário.
O art.º 181.º, n.º 2 do Código de Processo e Procedimento Tributário ao definir os deveres tributários do administrador de insolvência estabelece um prazo de 10 dias a contar da citação que lhe tenha sido feita em processo de execução fiscal, para requerer a avocação dos processos em que o insolvente seja executado ou responsável, a fim de serem apensados ao processo de insolvência.
Também deve ter-se por aplicável ao responsável subsidiário o disposto no art.º 156.º do CPPP dado estarmos perante uma pessoa que pelo despacho de reversão assume a posição de executado devendo o órgão de execução fiscal ordenar que a citação se faça na pessoa do liquidatário judicial.
Ainda que conceitualmente a declaração de insolvência não gere uma verdadeira incapacidade do insolvente por não visar ela a defesa dos interesses do próprio devedor, mas uma “indisponibilidade relativa dos bens que constituem a massa falida” in Manuel A. Domingos de Andrade, Teoria Geral da Relação Jurídica, vol. II, reimpressão, Coimbra, 2003, pp. 115/116, verifica-se, contudo um despojamento dos poderes de actuação do insolvente sobre os seus bens que passam a integrar a massa insolvente, com a concomitante transferência desses mesmos poderes, e consequentemente dessas actuações, para a pessoa do administrador de insolvência, que abrange os factos processuais respeitantes a acções judiciais cujo resultado apresente aptidão para afectar a massa, como obviamente sempre será um processo de execução fiscal contra si revertida. Dificilmente haverá algo que contenda mais com as relações patrimoniais do insolvente que um processo de execução fiscal onde nada se discute das suas relações pessoais, estas, as únicas em que, na pendência do processo de insolvência, o insolvente pode litigar. A culpa, ou ausência dela, ou presunção de culpa pressuposta no despacho de reversão, não é uma culpa fundada em censura ético jurídica, mas uma culpa funcional, gestionária com reflexos exclusivamente patrimoniais que o administrador de insolvência há-de afastar ou não, consoante seja o interesse dos credores da insolvência, e, não o interesse individual do insolvente. O administrador de insolvência que tem poderes para confessar, transigir e desistir de todas as acções em que se discutem relações patrimoniais do insolvente, a quem são entregues todos os documentos e bens do insolvente tem também poderes para afastar a responsabilização a título subsidiário de um insolvente em processo de execução fiscal, tanto mais que o insolvente está adstrito a rigorosos deveres de colaboração com o administrador de insolvência em todos os assuntos que possam afectar a massa insolvente, como indiscutivelmente sempre será a sua responsabilização a título subsidiário em processo de execução fiscal.
A representação judiciária do insolvente passa a ser efectuada pelo administrador de insolvência, pelo que a citação do insolvente terá que se efectuar na pessoa deste mesmo administrador, garantindo-se assim, o conhecimento por este para que possa exercer a tutela concursal protegendo a integridade da massa insolvente dado que a execução, e eventualmente a dedução de impugnação do acto de liquidação ou oposição ao processo de execução pode influenciar o respectivo valor.
A substituição do insolvente pelo administrador da insolvência, declarada que tenha sido aquela, resulta automaticamente da lei, relativamente a “todas as acções em que se apreciem questões relativas a bens compreendidos na massa insolvente, intentadas contra o devedor, ou mesmo contra terceiros, mas cujo resultado possa influenciar o valor da massa…”, bem como a “todos os processos nos quais se tenha efectuado qualquer acto de apreensão ou detenção de bens compreendidos na massa insolvente”, cfr. art.º 85º, do C.I.R.E.
A massa insolvente destina-se “à satisfação dos credores da insolvência, depois de pagas as suas próprias dívidas” e abrange, “salvo disposição em contrário…todo o património do devedor à data da declaração de insolvência, bem como os bens e direitos que ele adquira na pendência do processo”, cfr. art.º 46º, n.º 1, do mesmo Cód.
A “… declaração de insolvência priva imediatamente o insolvente, (...), dos poderes de administração e de disposição dos bens integrantes da massa insolvente, os quais passam a competir ao administrador da insolvência”, vd. art.º 81º, n.º 1, do C.I.R.E.

Mesmo que assim não fosse, sempre a circunstância de o despacho de reversão ter sido considerado legal e sem padecer de qualquer vício, nunca o conhecimento da invocada nulidade da citação ficaria prejudicado, como foi entendido na decisão recorrida.
A validade do despacho de reversão, por si só, não assegura a regularidade do despacho de citação que lhe sucedeu, sendo que se trata de dois actos distintos, sujeitos a diversas regras jurídicas.
A razão jurídica que é indicada pelo recorrente como fundamentadora da ilegalidade do despacho de citação não é condicionante da possibilidade de o tribunal de recurso entender que a citação é legal ou ilegal por diverso fundamento jurídico do apontado pelo recorrente, sendo que o despacho de citação, na sua legalidade se apresenta, também, como objecto do recurso. Como expressa de forma unânime a doutrina e a jurisprudência, de que é mero exemplo o constante do acórdão deste Supremo Tribunal Administrativo proferido no proc. n.º 0433/13, de 05-06-2013, disponível em www.dgsi.pt , «Em matéria de direito, o tribunal não está sujeito à alegação das partes, nem sequer no que respeita à qualificação jurídica dos factos por elas efectuada, e goza de liberdade na indagação, interpretação e aplicação do Direito», competindo-lhe indicar, interpretar e aplicar as normas jurídicas correspondentes aos factos que considera provados, não estando sujeito às alegações das partes no tocante à indagação, interpretação e aplicação das regras de direito, art.º 5.º, n.º 3 do Código de Processo Civil, aqui aplicável por força do disposto no art.º 2.º do Código de Processo e Procedimento Tributário.
No momento em que foi efectuada a citação - 1/9/2011 - , encontrava-se já o recorrente insolvente – desde 18/1/2011 -, devendo ser mesmo à luz do direito tributário citado o administrador de insolvência. Tal decorre expressamente do disposto no art.º 23.º, n.º 7 da Lei Geral Tributária que impõe a reversão e a remessa imediata do processo para o Tribunal da insolvência sem determinar qualquer citação do revertido, mas dando por assente a citação do administrador de insolvência. A declaração de insolvência é um facto sujeito a publicidade, designadamente através do seu registo, pelo que a não citação do administrador da insolvência enquanto destinatário directo deste acto, traduz a inobservância das condições e formalidades estabelecidas na lei para a citação do recorrente, no caso concreto, sendo a irregularidade apta a prejudicar o exercício da defesa deste e dos interesses da massa insolvente. A intervenção do administrador de insolvência neste processo a quem foi atribuída por lei a representação em juízo do insolvente é uma questão fundamental da tutela concursal, incumbindo ao juiz o suprimento oficioso, a todo o tempo, da irregularidade de representação, neste caso definindo a invalidade da citação para que o órgão de execução fiscal providencie pela regularização, art.º 28.º, n.º 1 do Código de Processo Civil, aqui aplicável ex vi do art.º 2.º do Código de Processo e Procedimento Tributário.
O Supremo Tribunal Administrativo no Acórdão proferido no processo n.º 01354/14, de 10 de dezembro de 2014, considerou que: «É nula a citação de uma sociedade posterior à declaração de insolvência, se essa mesma citação é efectivada por via postal para a sede da referida sociedade, ao invés de ser dirigida ao Administrador da insolvência e para o seu domicílio constante da sentença de insolvência.», não havendo qualquer razão legal para considerar que tal nulidade se não verifica se se tratar não de um devedor originário, mas de um responsável subsidiário, igualmente declarado insolvente antes da determinação dessa citação.
O devedor originário conhece o montante do imposto em dívida desde que lhe foi notificado o acto de liquidação, mas só conhece o montante exequendo quando é citado para a execução.
A reversão coloca o responsável subsidiário numa situação nova, atribuindo-lhe a responsabilidade do pagamento pelas dívidas de outrem, mas após a sua declaração de insolvência as suas relações patrimoniais, e também estas, são geridas pelo administrador de insolvência, os seus interesses patrimoniais subordinados aos dos seus credores e as dívidas a pagar pela massa insolvente serão as que forem como tal definidas no apenso de reclamação e graduação de créditos.
Nos estritos limites a que se refere o presente recurso, tendo em conta que o responsável subsidiário está por lei, como mencionamos, equiparado ao responsável originário, também quando haja sido declarado insolvente, concluiria que sendo legal o despacho de reversão é ilegal a citação que se lhe seguiu, devendo o processo ser suspenso logo após o despacho de reversão.
A sentença recorrida, em meu entender, considerou erradamente que a questão da nulidade da citação se encontrava prejudicada, quando importava, face à legislação em vigor, e à declaração de insolvência do recorrente, declarar que a citação efectuada na pessoa do recorrente, no momento em que ocorreu, violava a um tempo o disposto no art.º 180º, n.º 1 e 156.º do Código de Processo e Procedimento Tributário, e o art.º 88.º do CIRE, o que constitui prática de um acto não admitido por lei que produz a nulidade do acto de citação por a irregularidade cometida poder influir no exame e decisão da coisa, e implicar desrespeito pelas normas legais aplicáveis ao processo de insolvência que se impõem a todos os credores do insolvente e, também à Administração Tributária.

Ana Paula Lobo