Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:084/14.4BEBJA
Data do Acordão:01/29/2020
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:ARAGÃO SEIA
Sumário:
Nº Convencional:JSTA000P25489
Nº do Documento:SA220200129084/14
Data de Entrada:12/10/2018
Recorrente:AT – AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA
Recorrido 1:A... E OUTROS
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Acordam os juízes da secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:


A AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA (ATA), inconformada, interpôs recurso da decisão do Tribunal Administrativo e Fiscal de Beja (TAF de Beja) datada de 16 de Maio de 2018, que julgou procedente a impugnação judicial deduzida por A……….... e B……….., contra o indeferimento da reclamação graciosa apresentada sobre a liquidação emitida pela ATA, relativa a IRS dos rendimentos do ano de 2011, no montante de € 11.664,55.

Alegou, tendo apresentado as seguintes conclusões:
A) No seguimento da reforma da tributação do rendimento alcançada pela Lei 30-G/2000, de 29 de dezembro, em sede de determinação do rendimento tributável da categoria B de IRS, foram criados dois regimes de determinação do rendimento tributável, sendo eles o Regime Simplificado e o Regime de Contabilidade Organizada;
B) Destinando-se o Regime Simplificado a albergar os sujeitos passivos de menor dimensão ou mesmo menor capacidade organizativa, aplicável a sujeitos passivos com volume de negócios inferior a 150.000,00 euros
C) E o Regime de Contabilidade Organizada aos sujeitos passivos com volume de negócios superior a 150.000,00 euros ou ainda, aqueles outros contribuintes que por ele venham a optar,
D) Efetuando-se o enquadramento, excluído o exercício do direito de opção, em função do volume de negócios do exercício imediatamente anterior, ou, no exercício do início de actividade, em função da previsão de volume de negócios, expressamente declarado pelo sujeito passivo, na declaração de registo,
E) Sendo que no que respeita ao caso concreto, o sujeito passivo fez constar da declaração de inicio de actividade, no campo destinado a elucidar os serviços tributários para efeitos de enquadramento em IR, um volume de negócios esperado de 195.000,00,
F) O que, não obstante o sujeito passivo ter mencionado a opção pelo regime de determinação do rendimento tributável, pela contabilidade organizada, determinou o seu enquadramento, no exercício de início de actividade (exercício de 2010), nesse mesmo regime, não pela opção manifestada, mas por imposição legal,
G) De onde, e constatando-se pela declaração de rendimentos do sujeito passivo, desse mesmo ano, que o volume de negócios havia sido inferior ao limite legal de imposição da aplicação do regime de contabilidade organizada e ainda a inexistência da manifestação prescrita na norma fiscal de opção pelo regime de contabilidade organizada, até 31 de março de 2011,
H) Aplicação evidente do disposto no n.º 2 do artigo 28.º do CIRS, na redacção atribuída pela Lei n.º 3-B/2010-28/04, quando determina que ficam abrangidos pelo regime simplificado os sujeitos passivos que, no exercício da sua actividade, não tenham ultrapassado no período de tributação imediatamente anterior um montante anual ilíquido de rendimentos desta categoria de (euro) 150 000,
Termos em que, deve o venerando Tribunal reconhecer o erro na decisão ora sob recurso, revogando a decisão do Tribunal Administrativo e Fiscal de Beja, substituindo-a por outra que declare a improcedência da impugnação deduzida e a consequente manutenção, na ordem jurídica, da liquidação efetuada, aliás, na esteira do douto Parecer da Procuradora da Republica no douto Tribunal, como é de inteira justiça.

Não houve contra-alegações.

O Ministério Público notificado, pronunciou-se pela improcedência do recurso.

Colhidos os vistos legais cumpre decidir.

Na sentença recorrida deu-se como assente a seguinte factualidade concreta:
A) O Impugnante marido, A…………., iniciou a actividade de Comércio a Retalho de Combustível, com o CAE 47300, na categoria B de rendimentos empresariais, em 02/08/2010;
B) Aquando do início de actividade o Impugnante enquadrou-se no regime de contabilidade organizada para efeitos de IRC assinalando o campo 19 da declaração com tal opção;
C) No campo 9 da sobredita declaração, relativo aos dados da actividade esperada, os Impugnantes preencheram o espaço respeitante ao volume de vendas anual esperado com o montante de 195.000,00 €;
D) O campo 10 da declaração veio a ser preenchido pelo Serviço de Finanças no regime de contabilidade organizada mas não por opção;
E) Os rendimentos auferidos pelo Impugnante no ano de 2010 foram de 84.375,22 €;
F) Até 31/03/2011 o Impugnante não apresentou declaração expressa junto da ATA de opção pelo regime de contabilidade organizada igualmente para esse exercício de 2011;
G) Em 28/05/2012 o Impugnante apresentou declaração de rendimentos relativa ao exercício de 2011;
H) Em tal declaração o Impugnante preencheu o anexo C relativamente ao lucro da sua actividade empresarial apurado segundo o regime de contabilidade organizada;
I) Pelos serviços da ATA a referida declaração foi qualificada como errada e apurado que o sujeito passivo se enquadrava no regime simplificado de tributação;
J) A ATA notificou o Impugnante para apresentar declaração com anexo B relativo ao regime simplificado em substituição do anexo C;
K) Em 12/06/2012 o Impugnante apresentou pedido de reapreciação do seu enquadramento em sede de IRS, esclarecendo ter optado pelo regime de contabilidade organizada;
L) A tal pedido obteve resposta de rejeição em 15/06/2012 sendo invocada alteração legislativa aplicável ao caso;
M) Em 19/11/2012 o Impugnante apresentou pedido de revisão de enquadramento em IRS para os anos de 2011 a 2013 solicitando a sua manutenção no regime de contabilidade organizada;
N) Este pedido foi indeferido pelo Director de Finanças por despacho de 08/04/2013;
O) O Impugnante procedeu conforme notificação em 11/09/2013;
P) Em 24/09/2013 os Impugnantes foram notificados da liquidação de IRS relativa ao ano de 2011 com o nº 20135005414399, com o valor a pagar de 11.664,55 €;
Q) Com ela não se conformando os Impugnantes apresentaram, em 18/12/2013, reclamação graciosa;
R) Esta Reclamação Graciosa mereceu despacho de indeferimento nos seguintes termos: “Atenta a matéria do pedido e as informações e pareceres, a objectividade da lei é incontornável ao reclamante. Igualmente apoiado nos comandos superiores indefiro o pedido. Notifique-se igualmente sem direito de audição por inaplicável como expressa a informação.”;
S) Sustenta-se tal despacho na informação prestada pela Divisão de Tributação e Justiça Tributária da DF de Beja com o seguinte teor:
O contribuinte acima identificado vem deduzir reclamação graciosa contra a liquidação do IRS/2011 n° 20135005414399, relativamente à situação factual que é a seguinte:
(i) No início da atividade (ago/2010), foi enquadrado no regime de contabilidade organizada por obrigação face ao total dos rendimentos estimados (€ 195.000);
(ii) Porém, nesse ano de 2010 apenas obteve os rendimentos de € 84.375,22 e, deste modo, não tendo sido ultrapassado o limite de € 150.000 previsto no art. 28°/2 do CIRS, e não tendo formulado a opção pelo dito regime de contabilidade até 31 de Março de 2011, foi enquadrado no regime simplificado;
(iii) com o que se não conforma atentos os elementos da declaração de início e a vontade declarada de ser tributado pelo regime de contabilidade organizada.
Estes, os factos nucleares.
Que merecem o seguinte comentário:
1. Em primeiro lugar, não é propriamente verdade que os serviços tenham alterado ou corrigido elementos que estão para além dos meros lapsos - como alega -, porque o enquadramento em 2011 no regime simplificado é automático e resulta diretamente do incumprimento de uma disposição legal, ct. ert. 28°/2 do C/RS;
2. O que, noutro passo da reclamação, o contribuinte acaba por aceitar tacitamente uma vez que vem dizer (e aqui com alguma propriedade) que talvez se verifique uma lacuna no articulado do CIRS na medida em que se deveria prever a situação em que a atividade tem início alguns meses depois de se iniciar o ano civil e, deste modo, os rendimentos (em certos casos) ficam necessariamente aquém do limite a partir do qual o regime de contabilidade organizada se torna obrigatório;
3. Apesar disso, em bom rigor não existe discriminação, nem os serviços impõem - por mecanismos automáticos - uma modalidade de tributação à revelia da vontade dos contribuintes porque lhes é concedida a faculdade de fazerem a opção, e num prazo dilatado, que obsta portanto à aplicação daqueles automatismos;
4. O que o reclamante não fez e, deste modo, não tem a mínima razão para dizer que lhe foi imposto um regime de tributação que ele não desejava;
5. Os argumentos vários em que se estriba para contestar a liquidação, desde a "análise" aos elementos que constam ou que se omitiram na declaração de início e comentários sobre as normas legais, de jure constituto ou de jure constituendo, são irrelevantes face à moldura consagrada no CIRS no que tange às implicações do volume de rendimento no 1° ano da atividade para efeitos de determinação do regime de tributação no 2° ano porque, concordemos ou não, é a lei vigente a que todos devemos obediência;
6. Assim sendo, como é, temos apenas e só de respeitar o quadro legal vigente e esse é o que o reclamante bem conhece e que nada fez, podendo fazer, para que não fosse aplicado;
7. Acresce que os Serviços Centrais já se pronunciaram sobre esta questão e, consequentemente, o arrastamento do litígio só terá cabimento tendo em conta o direito de esgotamento dos meios legais de reação.
8. Assim, e em conclusão, propõe-se o indeferimento da presente reclamação, por manifesta falta de cobertura legal, e, ao mesmo tempo, propõe-se a dispensa da formalidade do art. 60° da LGT, porque o contribuinte já participou na decisão (superior) que foi emitida pela DSIRS, não trazendo agora aos autos factos novos, aliás, como não podia trazer, porque toda esta questão gira à volta de uma baliza legal claramente definida: no ano do início da atividade foi ou não atingido o patamar que impõe o regime de contabilidade organizada? Ora, a resposta a esta questão é pacífica e as consequências previstas no art. 28° também não deixam margens para dúvidas - independentemente do que se pensar dos comandos legais e dos elementos que se levaram ou omitiram em quaisquer formulários.
T) Este despacho foi notificado ao Impugnante através do ofício nº 75 de 17/01/2014;
U) Mantendo a sua inconformação, em 05/02/2014, os Impugnantes apresentaram a petição inicial que deu origem aos presentes autos;
V) A actividade descrita em A) foi desenvolvida no ano de 2010 entre agosto e dezembro de 2010;
W) Não era esperado nesse ano de 2010 pelos Impugnantes ou pela Técnica de contabilidade responsável pela organização contabilística um volume de negócios que atingisse os 150 mil euros;
X) Era pretensão dos Impugnantes que os seus rendimentos para a citada actividade fossem tributados de acordo com o regime de contabilidade organizada.
Nada mais se deu como provado.

Há que conhecer do recurso que nos vem dirigido.
A Autoridade Tributária e Aduaneira, em discordância com a sentença proferida no TAF de Beja, que julgou procedente a impugnação, declarou nula a liquidação com o n.º 20135005414399, oficiosamente determinada, e a opção a ela conducente e manteve a pretensão dos impugnantes, nos termos do disposto no art. 28.º n.ºs 1 al. b), 3, 4 al. a) e 5 do C.I.R.S., recorre para este Supremo Tribunal imputando-lhe erro de julgamento; coloca, assim a questão, de saber se o regime simplificado deve ser aplicado, não por opção, mas por imposição legal, nos termos do disposto no n.º 2 do dito art. 28.º, na redação atribuída pela Lei n.º 3-B/2010, de 28/4.
À data dos factos encontrava-se previsto no art. 28.º do C.I.R.S. que os rendimentos empresariais e profissionais fossem determinados por diversas formas para efeitos de I.R.S.:
1 - A determinação dos rendimentos empresariais e profissionais, salvo no caso da imputação prevista no artigo 20.º, faz-se:
a) Com base na aplicação das regras decorrentes do regime simplificado;
b) Com base na contabilidade.
2 - Ficam abrangidos pelo regime simplificado os sujeitos passivos que, no exercício da sua actividade, não tenham ultrapassado no período de tributação imediatamente anterior um montante anual ilíquido de rendimentos desta categoria de (euro) 150 000.
3 - Os sujeitos passivos abrangidos pelo regime simplificado podem optar pela determinação dos rendimentos com base na contabilidade.
4 - A opção a que se refere o número anterior deve ser formulada pelos sujeitos passivos:
a) Na declaração de início de actividade;
b) Até ao fim do mês de Março do ano em que pretendem alterar a forma de determinação do rendimento, mediante a apresentação de declaração de alterações.
5 - O período mínimo de permanência em qualquer dos regimes a que se refere o n.º 1 é de três anos, prorrogável por iguais períodos, excepto se o sujeito passivo comunicar, nos termos da alínea b) do número anterior, a alteração do regime pelo qual se encontra abrangido.
6 - A aplicação do regime simplificado cessa apenas quando o montante a que se refere o n.º 2 seja ultrapassado em dois períodos de tributação consecutivos ou, quando o seja num único exercício, em montante superior a 25 %, caso em que a tributação pelo regime de contabilidade organizada se faz a partir do período de tributação seguinte ao da verificação de qualquer desses factos.


No caso dos autos, resulta que os contribuintes apresentaram declaração segundo o regime geral, a 2/8/2010, o que está de acordo com o previsto no acima transcrito n.º 1 al. b).
Por outro lado, não alteraram tal forma de liquidação por opção segundo o regime simplificado, conforme poderiam.
Aliás, tendo estimado a obtenção de rendimentos de 195.000€ em 2011, à A.T. só seria possível alterar a forma de tributação, nos termos do n.º 6, pois o regime inicial mantém-se válido por 3 anos, conforme previsto no n.º 5.
A jurisprudência do S.T.A. tem decidido de modo uniforme nesse sentido em casos semelhantes assim, para além dos acórdãos referidos na sentença recorrida, há vários posteriormente proferidos, acessíveis em www.dgsit.pt, de que é exemplo o de 03.07.2019, proferido no processo n.º 01277/14.0BEALM, onde se acentuou, mais uma vez que, o regime simplificado de tributação (artigo 28.º do Código do IRS) constitui um regime não vinculativo, válido somente para quem não tenha optado pelo regime de contabilidade organizada.
Tendo-se decidido em conformidade com esta jurisprudência não ocorre erro no decidido quanto à aplicação e interpretação que foi efetuada do disposto no referido art. 28.º n.ºs 1 al. b) e 5.

Em face do exposto, os juízes da Secção do Contencioso Tributário deste Supremo Tribunal Administrativo acordam em negar provimento ao recurso.
Custas pela Recorrente.
D.n.

Lisboa, 29 de Janeiro de 2020. – Aragão Seia (relator) – Suzana Tavares da Silva – Aníbal Ferraz.