Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0860/08.7BEPRT 0349/18
Data do Acordão:07/11/2019
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:PEDRO DELGADO
Descritores:OPOSIÇÃO À EXECUÇÃO FISCAL
FUNDAMENTOS
FALTA DE REQUISITOS ESSENCIAIS DO TÍTULO EXECUTIVO
Sumário:A falta de requisitos do título executivo, que, quando não puder ser suprida por prova documental, constitui nulidade insanável do processo de execução fiscal - artº 165º, nº 1, al. b) do CPPT -, não constitui fundamento de oposição, não sendo enquadrável na al. i) do nº 1 do seu artº 204º.
Nº Convencional:JSTA000P24813
Nº do Documento:SA2201907110860/08
Data de Entrada:04/11/2018
Recorrente:AT - AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA
Recorrido 1:A........
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Acordam na Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo

1 – Vem a Fazenda Publica recorrer da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto que julgou procedente a oposição à execução fiscal intentada por A…….., melhor identificado nos autos, na qualidade de responsável subsidiário, contra a sociedade B…….– …………, Ldª por dívidas de IRC, IVA e coimas de 1999 a 2006, no montante global de € 149.118,19.

Apresenta as suas alegações de recurso, formulando as seguintes conclusões:

«A. A douta sentença recorrida foi emanada em manifesta oposição à orientação jurisprudencial do STA prevista nos Acórdãos n.º 0715/16 de 16-11-2016 e n.° 0430/08 de 19-11-2008.
B. Efectivamente, a decisão recorrida considerou, erradamente, que a efectivação de responsabilidade tributária do sócio de sociedade irregular através de reversão constitui uma nulidade insanável do título — art.º 163° n.º 1 d) e 165° n.º 1 b) do CPPT, que não é suprível por prova documental e, nessa medida, constitui fundamento de oposição ao abrigo do disposto no art.º 204°, n.°1, al. i), do CPPT.
C. Alicerçando o silogismo judiciário nos doutos Acórdãos do TCAS, processo n.º 00360/03 de 24/06/2003 e processo n.º 00428/05 de 08/03/2005.
D. Todavia, a nulidade da falta de requisitos essenciais do título executivo, nos termos do disposto no artº. 165º n.º 1 al. b) do CPPT, não é fundamento de oposição à execução por não ser enquadrável no art.º 204.°, n.º 1, al. i), também do CPPT, tal como foi uniformemente decidido no douto aresto do STA de 16.11.2016, proc. n.º 715/16.
E. Pelo que, incorreu a douta sentença recorrida em erro de julgamento em matéria de direito, quando considera que a falta de requisitos do titulo executivo, em particular dos responsáveis directos pela divida exequenda, constitui nulidade insanável do título, a qual, não podendo ser suprida por prova documental, é fundamento de oposição à execução fiscal, enquadráveis no art.º 204° n.º 1 i) do CPPT.
F. Constituindo por isso uma errada interpretação e aplicação do direito, sendo que nunca poderia ser fundamento de oposição, ao abrigo do disposto no art.º 204º n.º 1, i) do CPPT, mas sim fundamento de reclamação nos termos do art.º 276º do CPPT.
Deve ser concedido provimento ao presente recurso jurisdicional e, em consequência, ser revogada a douta sentença recorrida, com as legais consequências.»


2 – O recorrido apresentou contra alegações com o seguinte quadro conclusivo:

«1ª- A Oposição foi julgada procedente pelo conhecimento Oficioso da nulidade insanável do título.
2ª - As razões para tal decisão estão amplamente explanadas na douta decisão recorrida e não abaladas pelo entendimento da Recorrente.
3ª - Razão pela qual se adere integralmente a tais razões, que se dão por reproduzidas.
4ª -Por mera cautela:
O Recorrido funda a sua Oposição no facto de nunca ter praticado qualquer acto enquadrável no conceito de Gerência efectiva.
5ª - E a Fazenda Pública não fez qualquer prova da Gerência de facto, ónus que é seu.
6ª. - A acrescer o Recorrido fez prova de nunca ter exercido a Gerência de facto.
7ª - Assim e quando por mais não seja, por ser afectado a questão material, por razões eminentemente formais impõe-se a ampliação do âmbito do recurso.
8º - E, a tal acontecer, ser a Oposição julgada procedente pelas razões aduzidas pelo Recorrido.»

3 – O Exmº Magistrado do Ministério Público emitiu parecer no sentido do provimento do recurso, pelas razões vertidas no acórdão do Pleno da Secção de Contencioso Tributário de 16/11/2016, recurso 715/16 e no acórdão de 22/11/2017, proc. 0833/17, reiterando a doutrina acolhida naqueles arestos no sentido de que a nulidade insanável do título executivo não é passível de conhecimento em sede de oposição, mas apenas em sede de execução fiscal, mediante requerimento dirigido ao órgão de execução fiscal.
Conclui assim, que a sentença recorrida padece do vício que lhe é assacado pela Recorrente, motivo pelo qual entende ser de revogar tal decisão, determinando-se a baixa dos autos a fim de o tribunal “a quo” conhecer dos demais fundamentos invocados pelo oponente e aqui recorrido.

4 – Colhidos os vistos, cumpre apreciar e decidir.

5 – A decisão sob recurso deu como provada a seguinte matéria de facto:
A) Encontra-se a correr termos no Serviço de Finanças de Vila Nova de Gaia 3 o processo de execução fiscal n.º 3581200501071696 e apensos, em que é devedora originária «B……. — ………., Lda.», encontrando-se em causa dívidas provenientes de IRC, IVA de 1999 a 2006 e coimas de 2006 e 2007, no montante global de € 149.118,19— cfr. certidão de dívidas de fls. 62 a 68 dos autos, aqui reproduzidas;
B) Em 17 de Junho de 1999, no Cartório Notarial de Espinho foi constituída a sociedade comercial por quotas designada «B…… — …….., Lda.», que se regerá pelo contrato social constante de documento complementar — cfr. certidão de fls 32 a 38 dos autos;
C) No documento complementar à escritura referida em B) sob a designação “Pacto Social” no seu artigo Décimo — primeiro consta o seguinte:
Um- A gerência da sociedade é exercida por todos os sócios, que desde já ficam designados gerentes (..)“— cfr. fls. 39 a 44 dos autos;
D) Em 17-10-2007 foi proferido despacho de audição prévia à reversão — fls 49 e 50 dos autos;
E) Em 03-03-2008 foi proferido despacho de reversão que se transcreve a parte mais relevante:
Face aos elementos que antecedem e estando concretizada a audição do responsável subsidiário A………… (..)
Porque os dados suscitados nas respectivas audições o executado apenas alegou não fazer parte da gerência não tendo apresentado provas admissíveis em Processo Gracioso, isto é Acta da Administração e registo na Conservatória Comercial, factos esses sim relevantes para o processo pelo que: Prossiga-se com a reversão da execução fiscal contra A………, n° Fiscal (…), na qualidade de responsáveis subsidiários, pela divida abaixo discriminada (…)
Mais determino o prosseguimento dos autos para citação dos revertidos e mais termos.
(...)
Fundamentos da reversão: Inexistência de bens penhoráveis da executada.
- fls 56/57 dos autos;
F) Em 24-11-2017 foi emitida pela Conservatória do Registo Comercial de Vila Nova de Gaia certidão negativa de registo da sociedade B……. — ………, LDA, NIPC ……….— cfr fls 149 e 155 dos autos;


6. Da admissibilidade do pedido de ampliação do objecto do recurso
Nas suas contra-alegações o recorrido pede, de forma sumária, a ampliação do objecto do recurso.
A possibilidade de ampliação do objecto do recurso, prevista no art.º 636º, n.º 1, do CPC, visa permitir ao recorrido a reabertura da discussão sobre determinados pontos (fundamentos) que foram por si invocados na acção (e julgados improcedentes) - (cf. neste sentido Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, 1ª secção de 12.04.2007, recurso 1207/06, e de 23.9.99, recurso 41187, e acórdão STJ de 17.6.99 no recurso 98B1051, entre muitos outros).
Assim, a ser julgado procedente o recurso, o pedido de ampliação do objecto do recurso deve restringir-se à apreciação dos demais fundamentos que foram invocados pelo recorrido na oposição e que foram julgados improcedentes.
No caso vertente a decisão recorrida, porém, julgou procedente a oposição apenas com fundamento na nulidade insanável do título executivo e considerou prejudicado o conhecimento dos demais vícios invocados, deles não tomando conhecimento – cf. sentença a fls. 168.
Como assim, caso o recurso seja julgado procedente, e atento o disposto no art.º 679º do Código de Processo Civil, não pode este tribunal de recurso conhecer dos fundamentos não apreciados pelo tribunal recorrido, sob pena de proceder ao conhecimento em primeira instância, privando as partes do seu direito ao recurso das decisões judiciais que afectem os seus interesses.
Ademais o artigo 679.° do Código de Processo Civil, exclui a aplicação remissiva de todo o preceituado no artº 665.° do mesmo diploma legal, incluindo o seu nº 2 (cf. Abrantes Geraldes, Recursos no Novo Código de Processo Civil, ed-Almedina, pág. 341).
Não se admite, pois, pelos indicados fundamentos a requerida ampliação do objecto do recurso.

7. Do objecto do recurso
A questão a decidir reconduz-se a saber se padece de erro de julgamento a sentença recorrida ao julgar que a nulidade insanável por falta de requisitos essenciais do título executivo (al. b) do nº 1 do art. 165° do CPPT) é passível de conhecimento oficioso em sede de oposição à execução fiscal.
O Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto deu como assente que o Recorrido foi chamado à execução fiscal para responder, na qualidade de responsável subsidiário, por dívida tributária de sociedade comercial, que embora constituída regularmente não chegou a ser registada.
Para se decidir pela procedência da oposição considerou a decisão recorrida, aderindo à jurisprudência do TCA Sul (Acórdãos de 16/12/2015, proc. 07804/14 e de 24/06/2003, proc. 0360/03) que citou e transcreveu, que «a efectivação e responsabilidade tributária do sócio de sociedade irregular através de reversão constitui nulidade insanável do título — artigo 163°/l/d) e 165°/1/b), do CPPT -,... a qual, não podendo ser suprida por prova documental, constitui fundamento da oposição à execução fiscal (artigo 204°/a/i), do CPPT)».
E em consequência, conhecendo oficiosamente de tal questão, determinou a extinção da execução fiscal.


Não conformada com o assim decidido alega a Fazenda Pública que a nulidade da falta de requisitos essenciais do título executivo, nos termos do disposto na al. 165º n.º 1 al. b) do CPPT, não é fundamento de oposição à execução por não ser enquadrável no art.º 204.°, n.º 1, al. i), do CPPT mas sim fundamento de reclamação nos termos do art.º 276º daquele diploma legal.
Como bem nota o Ministério Público neste Supremo Tribunal Administrativo a Fazenda Pública não põe em causa o entendimento sufragado na sentença recorrida de que a efectivação de responsabilidade tributária de sócio de sociedade irregular através de reversão consubstancia nulidade insanável do título, nos termos dos artigos 163º, n°1, alínea d), e 165°, n°1, alínea b), ambos do CPPT.
Apenas considera que tal nulidade deve ser arguida na execução fiscal, em requerimento dirigido ao órgão de execução fiscal, cuja decisão é susceptível de reclamação para o tribunal.

Assiste razão à recorrente.
De facto, independentemente do acerto do entendimento acolhido na decisão recorrida de que a efectivação da responsabilidade tributária do sócio de sociedade irregular através de reversão, constitui nulidade insanável do título nos termos dos arts. 163º, nº 1, al. d) e 165º, nº 1, al. b) do CPPT (Como se sublinhou no Acórdão deste Supremo Tribunal Administrativo de 16.11.2016, recurso 715/16, deve entender-se que tal situação configura não uma nulidade do título executivo por falta de requisitos, mas uma indevida reversão da execução contra o oponente.) , o certo é que a nulidade insanável do processo de execução fiscal (por alegada falta de requisitos essenciais do título executivo), quando não puder ser suprida por prova documental, não constitui fundamento de oposição à execução fiscal, não sendo enquadrável na al. i) do nº 1 do art. 204º do mesmo CPPT: deve, antes, ser arguida perante o órgão da execução fiscal (OEF), com a inerente possibilidade de reclamação para o Tribunal Tributário de eventual decisão desfavorável (cfr. a al. b) do nº 1 do art. 165º e o art. 276º, ambos do CPPT, como vem afirmando a jurisprudência mais recentemente firmada, entre outros, nos acórdãos do Pleno desta Secção do STA, de 16/11/2016, no proc. nº 0715/16 e de 06/05/2009, no proc. nº 0632/08 e no Acórdão, também desta Secção de Contencioso Tributário de 22.11.2017, proferido no recurso 833/17 de 22.11.2017.
Como se disse neste último aresto «(…) o artigo 165.º do CPPT considera nulidade insanável em processo de execução fiscal “a falta de requisitos essenciais do título executivo, quando não puder ser suprida por prova documental”.
E estabelece o respectivo regime, e efeitos: a anulação dos termos subsequentes do processo que do acto anulado dependam absolutamente, sendo (a nulidade) de conhecimento oficioso e podendo ser arguida até ao trânsito em julgado da decisão.
A lei elegeu, pois, tipicamente, o respectivo regime legal: trata-se de uma nulidade.
E, como tal, estabelece-se igualmente o seu regime de arguição.
Assim sendo, foi propósito legal desconsiderá-la como fundamento de oposição, ainda que seja a mesma, substancialmente, a consequência resultante: a extinção da execução consubstanciada na nulidade do próprio título.
Por outro lado, a tutela jurídica concedida à nulidade é, até, mais consistente do que a resultante da oposição, na medida em que pode ser arguida até ao trânsito em julgado da decisão final, que não apenas no prazo de 30 dias contados da citação – cfr. artigo 203.º, n.º 1, do CPPT.
Aliás, a entender-se dever ser conhecida pelo Chefe do Serviço de Finanças (ou, porventura, pelo juiz – cfr. o artigo 151.º, n.º 1, do CPPT), sempre o respectivo processo seria urgente – artigo 278.º, n.º 5 – o que é mais consentâneo com a celeridade querida para o processo de execução fiscal, atenta essencialmente a sua finalidade de cobrança de impostos que visam “a satisfação das necessidades financeiras do Estado e de outras entidades públicas” e a promoção da justiça social, da igualdade de oportunidades e das necessárias correcções das desigualdades na distribuição da riqueza e do rendimento – artigo 5.º, n.º 1, da Lei Geral Tributária.
Nada, pois, parece justificar a apontada dualidade – em termos de nulidade processual da execução fiscal e de fundamento de oposição à mesma -, aliás proibida nos termos do referido artigo 2.º do Código de Processo Civil.
Conclui-se, assim, que a nulidade da falta de requisitos essenciais do título executivo – nos termos do artigo 165.º, n.º 1, alínea b), do CPPT – não é fundamento de oposição à execução fiscal por não enquadrável no seu artigo 204.º, n.º 1, alínea i).»
É este o entendimento que aqui, concordantemente, se reitera.
Razão pela qual, desde logo, não se pode manter na ordem jurídica a sentença recorrida que considerou que se verifica nulidade insanável do título executivo que não pode ser suprida por prova documental e que da mesma conheceu oficiosamente por entender que constitui fundamento de oposição, enquadrável na al. i) do nº 1 do art. 204º do CPPT.
E por isso se concluiu que sentença recorrida padece do vício que lhe é assacado pela Recorrente, motivo pelo qual se impõe a sua revogação, julgando-se procedente o recurso, e determinando-se a baixa dos autos a fim de o tribunal “a quo” conheça dos demais fundamentos invocados pelo oponente, se a tal nada mais obstar.

8. Decisão:

Termos em que, face ao exposto, acordam os juízes da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo em conceder provimento ao recurso, revogar a sentença recorrida e ordenar que os autos regressem ao Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto, a fim de aí prosseguirem com o conhecimento dos demais fundamentos invocados pelo oponente, se a tal nada mais obstar.

Custas pelo recorrido.

Lisboa,11 de Julho de 2019. – Pedro Delgado (relator) – Ascensão Lopes – Isabel Marques da Silva.