Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0708/02
Data do Acordão:11/27/2002
Tribunal:3 SUBSECÇÃO DO CA
Relator:JORGE DE SOUSA
Descritores:SUBSÍDIO DE DESEMPREGO.
ACTO CONFIRMATIVO.
RENDIMENTO ILÍQUIDO.
Sumário: I - Para que um acto se possa considerar confirmativo de outro, torna-se necessário não só que tenham por pressupostos a mesma situação fáctica e o mesmo regime jurídico, mas também que em ambos seja utilizada a mesma fundamentação.
II - Assim, não tem carácter meramente confirmativo o despacho de indeferimento de uma reclamação apresentada pelo interessado de um despacho de indeferimento de atribuição de subsídio social de desemprego, se na apreciação da reclamação foram considerados elementos fácticos e normativos não tidos em conta no primeiro despacho de indeferimento.
III - O reconhecimento do direito ao subsídio social de desemprego inicial, previsto no art. 18.º do Decreto-Lei n.º 119/99, de 14 de Abril, depende do preenchimento da condição de recursos à data do desemprego, condição esta que é definida em função dos rendimentos mensais per capita do agregado familiar, que não podem ser superiores a 80% do valor da remuneração mínima estabelecida por lei para a generalidade dos trabalhadores (n.ºs 1 e 2 deste artigo).
IV - No que respeita a trabalhadores por conta própria, para determinação destes rendimentos mensais per capita, relevam os rendimentos ilíquidos do agregado familiar, pelo que são ilegais orientações genéricas administrativas que dêem relevo a algumas despesas para esse cálculo.
V - Sendo ilegal a consideração de tais despesas, os interessados não têm direito a que sejam consideradas outras despesas, para além daquelas que a Administração entende deverem ser consideradas.
Nº Convencional:JSTA00058481
Nº do Documento:SA1200211270708
Data de Entrada:04/23/2002
Recorrente:A...
Recorrido 1:DIRECTORA DE SERVIÇOS DE REGIMES DO SERVIÇO SUB-REGIONAL DE LEIRIA (CRSS NORTE)
Votação:UNANIMIDADE
Meio Processual:REC JURISDICIONAL.
Objecto:DESP TAC COIMBRA DE 2001/07/06 E SENT TAC COIMBRA DE 2001/12/03.
Decisão:NEGA PROVIMENTO.
Área Temática 1:DIR SEG SOC - SUBSÍDIO DESEMPREGO.
Legislação Nacional:DL 119/99 DE 1999/04/14 ART18 N1 N2.
Jurisprudência Nacional:AC STA PROC29760 DE 2000/10/25.; AC STA PROC46046 DE 2000/11/14.; AC STA PROC37410 DE 2001/06/27.
Referência a Doutrina:BAPTISTA MACHADO INTRODUÇÃO AO DIREITO E AO DISCURSO LEGITIMADOR PAG182.
Aditamento:
Texto Integral: I
Acordam na Secção do Contencioso Administrativo do Supremo Tribunal Administrativo:
1 – A... interpôs no Tribunal Administrativo de Círculo de Coimbra recurso contencioso de anulação do despacho de indeferimento do pedido de atribuição do subsídio social de desemprego, previsto no Decreto-Lei n.º 119/99, de 14 de Abril, proferido, pela Exma. Sra. Directora de Serviços de Regimes do Serviço Sub-Regional de Leiria (Centro Regional de Segurança Social do Centro), em 14 de Dezembro de 2000.
Na sua resposta, a Autoridade Recorrida suscitou a questão prévia da extemporaneidade do recurso contencioso.
Por despacho de 6-7-2001, foi indeferida esta questão prévia.
Por sentença de 3-12-2001, o Tribunal Administrativo de Círculo de Coimbra negou provimento ao recurso.
A Autoridade Recorrida e a Recorrente interpuseram recursos jurisdicionais do despacho de 6-7-2001 e da sentença de 3-12-2001, respectivamente.
II
2 – No recurso jurisdicional que interpôs a Autoridade Recorrida apresentou alegações com as seguintes conclusões:
1 – O despacho que rejeitou a reclamação apresentada pela requerente, tem natureza de acto confirmativo, e é irrecorrível, designadamente porque aquela tem natureza meramente graciosa, não suspendendo o prazo de interposição de recurso contencioso de anulação do acto de indeferimento
2 – O recurso interposto em 19/02/2001, põe em questão, substantivamente e pela sua natureza, o acto de indeferimento praticado em 12 de Julho de 2000, que negou à requerente a atribuição de prestações de desemprego por esta requeridas em 27/03/2000.
3 – O Meritíssimo Juiz “a quo”, no que designa como a matéria a considerar para a decisão da questão prévia, não tomou em consideração a seguinte, que no entender da ora recorrente deveria ter sido intercalada entre os pontos 2º e 3º da respectiva ordem de estruturação: O prazo de dez dias úteis para o exercício do direito à audição prévia, terminou a 11 de Julho de 2000; A recorrente, nesse prazo, não praticou qualquer acto no procedimento; O despacho de indeferimento a que se alude em 2, tornou-se assim definitivo, em 12 de Julho de 2000, o primeiro dia útil seguinte. Deste modo se fixaria o acto de indeferimento, definitivo e executório praticado no processo.
4 – O recurso contencioso é, pois, manifestamente extemporâneo, atento o prazo de dois meses consagrado no artº 28º nº 1 al. a) da L.P.T.A., desde que se considere, como o entende a ora recorrente, apesar da forma como é configurado na petição de recurso, que o seu objecto é o acto de indeferimento praticado a 12 de Julho de 2000.
5 – Ou então, o acto objecto de recurso é irrecorrível, se for entendido que se trata do despacho que rejeitou a reclamação graciosa apresentada.
6 – Ao não decidir desta forma, o Despacho recorrido violou o disposto nos artigos 150º nº 1 al d), 163º nº 2 e 164º nº 2, todos do C.P.A., e dos arts. 25º nº 1 e 28º nº 1 al. a) da L.P.T.A.
Termos em que deve o presente recurso ser julgado procedente, revogando-se o Despacho recorrido e determinando-se a substituição do mesmo por outro que, em aplicação dos preceitos supra citados, julgue extemporâneo ou irrecorrível o acto objecto do recurso contencioso de anulação.
A Recorrente no recurso contencioso apresentou contra-alegações relativamente a este recurso jurisdicional interposto pela Autoridade Recorrida, concluindo da seguinte forma:
a) a recorrida interpôs recurso contencioso de anulação do acto praticado pela autoridade aqui recorrente, proferido em 14 de Dezembro de 2001;
b) este despacho foi proferido na sequência de uma reclamação administrativa apresentada contra um despacho anterior, proferido, ou melhor, convertido em definitivo em Junho de 2000, que havia indeferido um pedido de atribuição de subsídio social de desemprego;
c) o acto administrativo proferido em 14 de Dezembro de 2001, apesar de conduzir ao mesmo resultado que o acto primitivo, acolhe uma fundamentação legal – que faz parte do acto, nos termos do artigo 123.º, n.º 2, alínea a), do Código do Procedimento Administrativo – totalmente diferente;
d) o acto administrativo proferido em 14 de Dezembro de 2001, por não ter identidade de decisão, não é meramente confirmativo do acto administrativo proferido anteriormente sendo, por isso, contenciosamente recorrível;
e) a recorrida foi notificada do despacho de 14 de Dezembro de 2001 sem que se fizesse referência ou indicação sobre a subdelegação de competências ao abrigo da qual foi proferido;
f) a recorrida, perante a falta de elementos essenciais do acto administrativo, solicitou, nos termos e para efeitos do artigo 31.º, n.ºs 1 e 2, da LPTA, a passagem de uma certidão contendo a 'indicação dos despachos de delegação e de subdelegação de competências ao abrigo dos quais foi praticado o acto notificado e, bem assim, dos locais das respectivas publicações’’;
g) a contagem do prazo de interposição de recurso contencioso de anulação só se iniciou após a notificação dos elementos solicitados que, remetidos por ofício n.º ..., de 27 de Dezembro, apenas foram recebidos em 2 de Janeiro de 2001.
h) o acto administrativo proferido em 14 de Dezembro de 2000 é recorrível, sendo, pelo exposto, tempestivo o recurso contencioso de anulação apresentado em 19 de Fevereiro de 2001.
Termos em que com o douto suprimento de V. Exa. deve o presente recurso jurisdicional ser julgado improcedente, por não provado e, em conformidade, mantida a douta sentença recorrida e indeferida a excepção de intempestividade previamente deduzida.
Relativamente a este recurso jurisdicional, a Excelentíssima Procuradora-Geral Adjunta emitiu douto parecer nos seguintes termos:
O recurso contencioso tem por objecto o acto proferido a fls. 18 do processo instrutor, que indeferiu o requerimento de prestações de desemprego, após a audiência da interessada sobre o sentido provável da decisão; embora esta se tenha pronunciado, em sede de audiência, sob a forma de reclamação, tal não passou do exercício do direito consagrado no artº 100.º do CPA, sendo que é destituída de fundamento legal a construção de que com a falta de resposta sobre o projecto de indeferimento (no prazo estipulado de dez dias) este projecto de indeferimento converteu-se em definitivo.
A questão da extemporaneidade tem, assim, de ser aferida em relação àquele acto expresso de indeferimento – o acto recorrido - e não em relação a um acto implícito de indeferimento, ocorrido em 2001.07.12.
Acontece que só em data não anterior a 2000.12.19 (após o pedido de passagem de certidão constante de fls. 26 do instrutor) é que à interessada foi indicada a autora do acto, sendo que tal indicação é elemento essencial da notificação, sem a qual esta não poderia considerar-se efectuada, conforme tem vindo a entender uniformemente este STA.
Assim, tendo o recurso contencioso sido interposto em 2001.02.19, é o mesmo tempestivo à luz do artº 28º, nº 1, alínea a), da LPTA. Por outro lado, decorre igualmente do exposto que inexiste qualquer acto administrativo anterior de que o acto impugnado seja meramente confirmativo.
Improcedem, assim, as conclusões da alegação do recurso em análise.
3 – A matéria de facto fixada no despacho recorrido de 6-7-2001 é a seguinte:
1º – Em 2000-03-27 a recorrente requereu a atribuição do subsídio de desemprego;
2º – Em 2000-06-23 a recorrente foi notificada da intenção de indeferimento;
3º – Em 2000-07-18 a recorrente reclamou, contraditando o modo de apuramento do rendimento referido;
4º – Por despacho de 2000-12-14 o pedido foi indeferido;
5º – Em 2000-12-19 a recorrente requereu certidão dos despacho de delegação e subdelegação de competências ao abrigo dos quais aquele despacho foi proferido, bem como a indicação dos locais em que foram publicados;
6º – A autoridade recorria informou a requerente por ofício de 2000-12-27;
7º – O presente recurso deu entrada em tribunal em 2001-02-19.
Nos termos do art. 712.º, n.º 1, alínea a), do C.P.C., adita-se a seguinte matéria de facto:
8.º – Em 10-5-2000, foi elaborada pelos serviços da Segurança Social a «Informação para despacho de indeferimento» que consta de fls. 6 do processo instrutor, cujo teor se dá com reproduzido, em que se propõe o indeferimento do pedido de prestações de desemprego formulado pela ora Recorrente, por o rendimento mensal por pessoa do seu agregado familiar, à face da declaração de I.R.S. de 1998 que aquela apresentou ao formular o pedido, ser de 282.085$00;
9.º – Em 25-5-2000, a Autoridade Recorrida proferiu o despacho que consta de fls. 6 do processo instrutor, nos seguintes termos:
Concordo.
Proceda-se à audiência do interessado nos termos do art. 100º e seguintes do CPA, notificando-o de que na falta de resposta no prazo de 10 dias úteis a contar da data da notificação, o requerimento é indeferido considerando-se a data de indeferimento o 1º dia útil seguinte ao do termo do referido prazo.
Notifique-se, igualmente, o interessado dos prazos de reclamação e recurso.
10.º – Na sequência deste despacho foi feita à ora Recorrente a notificação referida em 2.º, nos termos do ofício de fls. 7 do processo instrutor, cujo teor se dá como reproduzido, de que consta, além do mais o seguinte:
Pelo presente ofício e nos termos do despacho de 25/05/00, da Directora de Serviços de Regimes, no uso da subdelegação de competências, fica notificado de que o requerimento acima indicado será indeferido se, no prazo de 10 dias úteis a contar da data de recepção deste ofício, não der entrada nestes serviços resposta por escrito, da qual constem elementos que possam obstar ao indeferimento, juntando meios de prova se for caso disso.
(...)
Mais se informa que, na falta de resposta, o indeferimento ocorre no primeiro dia útil seguinte ao do termo do prazo acima referido, data a partir da qual se inicia a contagem dos prazos de:
-15 dias úteis, para reclamar;
- 2 meses, para recorrer contenciosamente.
11.º – Na sequência da reclamação apresentada pela ora Recorrente, os serviços da Segurança Social pediram-lhe para apresentar a declaração modelo 3 de I.R.S. relativa aos anos de 1998 e 1999 (fls. 14 do processo instrutor);
12.º – A ora Recorrente apresentou cópias dessas declarações (fls. 15-17 do processo instrutor);
13.º – Ao ser apreciada a reclamação, os serviços da Segurança Social e a Autoridade Recorrida tomaram em consideração uma Orientação Técnica cujo teor consta de fls. 19 do processo instrutor, que se dá como reproduzida, nos termos da qual passou a ser possível, para efeitos de concessão de prestações de desemprego, abater ao total dos proveitos, as compras de mercadorias, as matéria primas, as despesas de remunerações de pessoal e encargos sobre remunerações (fls. 18 do processo instrutor);
14.º – Nessa apreciação, os serviços da Segurança Social constataram que, à face desta nova Orientação Técnica e das referidas declarações de I.R.S. de 1998 e 1999, o rendimento per capita do agregado familiar da ora Recorrente era de 77.806$00 e 89.189$00, respectivamente.
15.º – Foi sobre o documento em que foi feita esta apreciação que foi escrito pela Autoridade Recorrida o despacho de indeferimento da reclamação de 14-12-2000, cujo teor se dá como reproduzido, em que se baseia o indeferimento em «o rendimento mensal do agregado familiar» exceder «80% do salário mínimo nacional» (fls. 18 do processo instrutor). 4 – A tese da Autoridade Recorrida, no recurso jurisdicional que interpôs, é, em síntese, a seguinte:
na sequência do pedido formulado pela Recorrente contenciosa, ela foi notificada, em 23-6-2000 da intenção de indeferimento e de que, se não respondesse no prazo de 10 dias a contar da data da recepção do ofício, o indeferimento ocorreria no primeiro dia útil seguinte ao termo deste prazo;
a ora Recorrente nada disse nesse prazo, que se iniciou em 23-6-2000;
por isso, o prazo para a ora Recorrente se pronunciar terminou em 11-7-2000, tendo o indeferimento anunciado ocorrido em 12-7-2000;
assim, o recurso interposto em 19-12-2001 daquele acto de 12-7-2000, será extemporâneo;
a entender-se que o recurso tem por objecto o despacho de 14-12-2000, que rejeitou a reclamação apresentada pela ora Recorrente em 18-7-2000, o acto será irrecorrível, por ser confirmativo.
O acto impugnado é o acto de 14-12-2000, como resulta explicitamente da petição de recurso. Por isso, a questão da extemporaneidade colocada pela Autoridade Recorrida, reportada a um pretenso indeferimento de 13-7-2000, não tem qualquer pertinência. Por outro lado, relativamente ao acto de 14-12-2000, a tempestividade é manifesta, pois o presente recurso contencioso foi interposto em 19-1-2001.
Assim, só se pode colocar a questão da irrecorribilidade, por ter natureza de acto confirmativo, do despacho de 14-12-2000.
Esta questão da confirmatividade depende, desde logo, da existência de um acto administrativo anterior, designadamente o acto de indeferimento de 13-7-2000, que a Autoridade Recorrida pretende ter sido praticado, através de anúncio prévio, em 25-5-2000.
Porém, mesmo que se considerasse que existia um acto administrativo de indeferimento praticado nessa data, sempre estaria afastada a relação de confirmatividade entre o despacho recorrido e aquela.
Na verdade, para que um acto se possa considerar confirmativo de outro, torna-se necessário não só que tenham por pressupostos a mesma situação fáctica e o mesmo regime jurídico, mas também que em ambos seja utilizada a mesma fundamentação. (Neste sentido, podem ver-se os seguintes acórdãos:
de 17-5-1988, proferido no recurso n.º 25527, publicado no Apêndice ao Diário da República de 20-1-94, página 2583;
de 7-2-1991, proferido no recurso n.º 20787, publicado no Apêndice ao Diário da República de 14-7-95, página 654;
de 27-4-1995, proferido no recurso n.º 35431, publicado no Apêndice ao Diário da República de 20-1-98, página 3737;
de 3-10-1995, proferido no recurso n.º 37208, publicado no Apêndice ao Diário da República de 30-4-98, página 7321;
de 9-11-1995, proferido no recurso n.º 38060, publicado no Apêndice ao Diário da República de 30-4-98, página 8713;
de 26-3-1996, proferido no recurso n.º 38900, publicado no Apêndice ao Diário da República de 31-8-98, página 2259;
de 6-2-1997, proferido no recurso n.º 40626, publicado no Apêndice ao Diário da República de 25-11-99, página 916;
de 22-2-2000, proferido no recurso n.º 45277;
de 27-2-2002, proferido no recurso n.º 47932;
de 29-5-2002, proferido no recurso n.º 47541.
No mesmo sentido, podem ver-se
FREITAS DO AMARAL, Direito Administrativo, 1989, volume III, páginas 233-234;
MÁRIO ESTEVES DE OLIVEIRA, Direito Administrativo, Volume I, página 411.)
No caso em apreço, o despacho que apreciou a reclamação teve por base uma situação fáctica distinta da considerada no despacho de 25-5-2000, pois foram tidos em conta não só os rendimentos do agregado familiar da ora Recorrente no ano de 1998, mas também os dos ano de 1999. Por outro lado, a apreciação da situação da ora Recorrente foi totalmente distinta, tendo por base os critérios constantes da referida Orientação Técnica, o que não acontecera anteriormente, tendo-se chegado a valores completamente diferentes sobre o rendimento per capita do agregado familiar da ora Recorrente.
Assim, não só foram apreciadas em ambos os despachos situações fácticas distintas, como são diferentes os fundamentos do indeferimento em ambos os despachos.
Por isso, não havendo relação de confirmatividade entre o despacho de 14-12-2000 e o hipotético anterior despacho de indeferimento, a existir este anterior acto administrativo ele seria revogado, por substituição por aquele despacho (arts. 138.º e 147.º do C.P.A.).
Consequentemente, não pode basear-se em confirmatividade a rejeição do acto impugnado.
Improcedem, assim, as questões prévias suscitadas pela Autoridade Recorrida pelo que tem de ser negado provimento ao recurso que interpôs.
III
Recurso da Recorrente contenciosa.
5 – A Recorrente interpôs recurso da sentença do Tribunal Administrativo de Círculo para este Supremo Tribunal Administrativo, apresentando alegações com as seguintes conclusões:
I. A douta sentença recorrida limitou-se a indicar que o acto recorrido respeitava todos os critérios legalmente definidos para esta situação concreta.
II. Limitou-se também, por igualdade de razões, a sustentar que a circular interna, com base na qual os serviços da autoridade recorrida indeferiram o pedido de atribuição do subsídio social de desemprego, respeitava os critérios previstos no artigo 18.º, n.ºs 2 e 3, alínea a), da Lei n.º 119/99.
III. A douta sentença recorrida exteriorizou tal conclusão sem que, partindo dos vícios que a recorrente apontava a tal circular interna, revelasse as razões de facto e de direito que lhe permitiram defender tal entendimento e, por outro lado, sem que revelasse as razões de facto e de direito que lhe permitiram afastar a argumentação aduzida pela recorrente.
IV. Ao não revelar as razões de facto e de direito por que decidiu em determinado sentida e não noutro, a douta sentença recorrida é nula, nos termos do artigo 668.º, n.º 1, alínea b), do Código de Processo Civil.
V. A douta sentença recorrida, ao confirmar o acto recorrido e, com ele, o entendimento segundo o qual a ‘condição de recursos’ prevista no artigo 18.º, n.º 2, da Lei n.º 119/99 corresponde ao volume de proveitos deduzido do ‘custo das matérias primas’, ‘remunerações’ e ‘encargos com remunerações’, afasta-se manifestamente da intenção prosseguida pelo legislador.
VI. A condição de recursos pretende ser um critério de avaliação e graduação dos requerentes do subsídio social de desemprego em função do rendimento disponível no agregado familiar.
VII. O rendimento de um agregado familiar sempre foi encarado como a disponibilidade financeira e económica para enfrentar os encargos desse mesmo agregado familiar.
VIII. A facturação do titular de rendimentos da antiga categoria C – empresários em nome individual – não tem como destino o suporte dos custos e dos encargos do agregado familiar em que se insere o respectivo titular. Tem, sim, como propósito, suportar os custos inerentes a tal actividade, na expectativa de que o remanescente – esse, sim, rendimento – possa ficar na sua disponibilidade e do seu agregado.
IX. A douta sentença recorrida, ao concordar que determinadas despesas da actividade do empresário em nome individual aqui em causa não devem ser consideradas para efeitos de apuramento do rendimento do agregado familiar, considera que essas mesmas despesas são, afinal, custos pessoais de cada um dos membros de tal agregado. Não o são, contudo.
X. A douta sentença recorrida, ao não aceitar a relevância de outras despesas que não ‘os custos de matéria-prima’, ‘as remunerações’ e os ‘encargos com remunerações’, padece de vício de violação de lei, por ofensa ao disposto no artigo 18.º, n.ºs 2 e 3, alínea a), da Lei n.º 119/99), uma vez que atribui ao rendimento do agregado familiar importâncias despendidas, a título de custo, no exercício da actividade em nome empresarial prosseguida pelo cônjuge da recorrente.
Termina pedindo a revogação da sentença recorrida e a sua substituição por outra que confirme o direito que assiste à recorrente de beneficiar do subsídio social de desemprego.
A Autoridade Recorrida contra-alegou, concluindo da seguinte forma:
1 – Mantém a recorrida o interesse na apreciação do agravo que interpôs do Despacho que indeferiu a questão prévia da extemporaneidade do recurso contencioso de anulação interposto pela recorrente, a apreciar nos termos das disposições dos artigos 710º nº 1 m fine” e 725º, ambas do C.P.C,, aplicáveis nos termos do disposto no art. 102º da L.P.T.A..
2 – Ao sumariar os andamentos do recurso e ao contrapô-los à norma cuja correcta ou incorrecta aplicação está em causa e ao expor o entendimento que os elementos dessa norma foram cumpridos, a Sentença sob recurso encontra-se suficientemente fundamentada de facto e de direito.
3 – Atendendo aos fins que conduziram à regulamentação da atribuição do subsidio social de desemprego e bem assim ao circunstancialismo social que rodeou o surgimento da norma em apreço – artº 18º do Dec. Lei nº 119/99 -, concluir-se-á que o legislador, ao fazer referência a “valores ilíquidos”, quis considerar o volume global de negócios do empresário em nome individual como elemento relevante para análise da situação de carência do seu agregado familiar.
4 – A interpretação que a recorrente faz, nas suas aliás Doutas Alegações, da alínea a) do nº 3 do art 18º do Dec.Lei nº 119/99, ao pretender que a expressão ali consignada “valores ilíquidos”, seja interpretada como referindo-se a rendimentos líquidos antes de impostos, não pode colher atento o disposto no nº 2 do art. 9º do Código Civil.
5 – Com também não pode colher essa interpretação, considerando o disposto no nº 1 do mesmo art 9º, por virtude do necessário recurso aos elementos teleológico, sistemático em razão da conexão e histórico em razão da occasio legis.
6 – Assim, quaisquer dos critérios estabelecidos pela Direcção-Geral dos Regimes de Segurança Social, aplicados pela recorrida, não enfermam de qualquer vício de violação de lei, antes lhe estão conformes.
7 – Pelo que o acto administrativo de indeferimento é válido, como bem o determinou a Douta Sentença recorrida, a qual se deve manter.
O Meritíssimo Juiz pronunciou-se sobre a arguição de nulidade, feita pela Recorrente, entendendo que ela não ocorre, por a sentença ter fundamentação suficiente.
A Excelentíssima Procuradora-Geral Adjunta emitiu douto parecer sobre este segundo recurso nos seguintes termos:
Contrariamente ao defendido pela recorrente, a sentença contém a indicação dos fundamentos de facto e de direito em que assenta a decisão, elementos, aliás, reafirmados na parte final onde se refere:
“ ... aplicando em rigor o DL nº 119/99, de 14.04, com a orientação definida pela circular nº 7 e regras de apuramento difundidas em 2000.06.26 resulta que o rendimento per capita do agregado da recorrente é superior ao limite máximo estabelecido na lei; sendo certo que a autoridade recorrida aplicou os critérios legais que se lhe impõem em termos semelhantes, que os valores encontrados, depois de aplicados tais critérios, são superiores ao máximo legal permitido para atribuição do subsidio, então resulta que não se verifica vicio de violação de lei.
Ora, conforme se tem entendido na nossa jurisprudência, a nulidade da sentença por falta de motivação só ocorre se esta é absoluta e não se a motivação é apenas insuficiente ou medíocre (Cfr. v. g. Ac. da Rel. Coimb. de 04.11.80, BMJ 301, 395), pelo que é manifesta a falta de razão da recorrente quanto à invocada nulidade.
Por outro lado, também nos parece que carece de razão ao defender que no cálculo dos valores ilíquidos provenientes do trabalho por conta de outrem a que alude o artº 18º, nº 3, alínea a), do DL nº 119/99, de 14.04, deverão ser subtraídas despesas como as de água, electricidade e gás, deslocações e estadas, gastos das viaturas ao serviço da empresa, juros e encargos bancários, ferramentas e utensílios de reduzido valor, telecomunicações e correio, e subcontratos.
É certo que a própria Administração, interpretando esse normativo assumiu o entendimento, que foi circulado como orientação interna, de que para efeito o que interessa é o rendimento que uma pessoa aufere pelo exercício de uma actividade profissional, pois é com esse rendimento que o trabalhador pode contar para fazer face aos próprios encargos ou do agregado familiar, e de que no cálculo daqueles valores ilíquidos deveriam ser excluídas certas despesas, nomeadamente, as remunerações e encargos obrigatórios com empregados e os montantes gastos na compra de mercadorias ou matérias primas. Daí poder questionar-se se nas despesas a subtrair também não estariam as acima aludidas.
Parece-nos que à luz do nº 3, alínea a), conjugado com os nºs 1 e 2, do citado artº 18º, a Administração não estava obrigada a fazê-la.
Como refere a autoridade recorrida, na sua contra-alegação, o subsidio social de desemprego, contrariamente ao subsidio de desemprego, tem a natureza de uma prestação assistencial, que depende da condição de recursos, sendo que o legislador ao fazer referência a valores ilíquidos quis considerar o volume global de negócios do empresário em nome individual como elemento relevante para análise da situação de carência do seu agregado familiar.
Nestes termos, improcede a argumentação da recorrente.
3. Em razão de todo o exposto, emitimos parecer no sentido de que deverá ser negado provimento a ambos os recursos jurisdicionais.
Notificadas deste douto parecer, as partes nada vieram dizer.
6 – Na sentença recorrida deu-se como assente a seguinte matéria de facto:
1º – A recorrente requereu a atribuição de subsídio de desemprego em 2000-03-27.
2º – No pedido constam como fazendo parte do seu agregado familiar 3 pessoas (para além da recorrente).
3º – Para fazer o comprovativo do rendimento do agregado familiar juntou ao pedido a declaração de rendimentos, modelo 3, cuja cópia consta de fls. 18 e cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido.
4º – O sujeito activo de tal declaração é o marido da autora, construtor civil.
5º – Por despacho 2000-05-25 o pedido foi indeferido por o rendimento mensal, por pessoa, do agregado familiar ser superior a 80% do salário mínimo nacional.
6º – A recorrente reclamou para a autoridade recorrida.
7º – Por despacho de 2000-12-14 a autoridade recorrida indeferiu o pedido por o rendimento mensal do agregado exceder 80% do salário mínimo mensal, conforme art. 18º, nº 2, do D.L. 119/99, de 14/4.
Adita-se ainda a seguinte matéria de facto:
8.º – A Direcção-Geral dos Regimes da Segurança Social adoptou uma Orientação Técnica, veiculada pela Circular n.º 7, de 26-9-99, cujo teor parcial está a fls. 19 do processo instrutor, que se dá como reproduzido, de que consta, além do mais o seguinte:
Aplicação do Decreto-Lei n.º 119/99, de 14 de Abril, com a alteração introduzida peio Decreto-Lei n.º 186-B/99, de 31 de Maio.
I Exposição de motivos:
O Decreto-Lei n.º 119/99, de 14 de Abril. definiu um novo regime jurídico da protecção na eventualidade de desemprego no âmbito do regime geral de segurança social.
O referido diploma introduziu alterações significativas relativamente ao quadro normativo objecto de revogação.
Importa, pois, definir procedimentos que garantam uniformidade de tratamento das situações por parte das instituições de segurança social, os quais mereceram sancionamento da Sua Excelência o Secretário de Estado da Segurança Social e das Relações Laborais.
II Orientações:
1. Apuramento dos rendimentos ilíquidos (artigos 6.º n.º 2 e 18º n.º 3)
O apuramento dos rendimentos ilíquidos a considerar para a verificação do requisito de inexistência total de emprego bem como para a avaliação da condição de recursos, relativamente aos trabalhadores independentes tem em conta a declaração para efeitos do I.R.S., Modelo 3, e obedece aos seguintes critérios:
a) Para os profissionais livres corresponde ao apuramento constante do ponto 4 do quadro 4, Anexo B;
b) Para os empresários em nome individual que disponham de contabilidade organizada, corresponde ao apuramento constante do ponto 13 do quadro 9, Anexo C;
c) Para os empresários que não disponham de contabilidade organizada corresponde ao apuramento constante do ponto 14 do quadro 5, Anexo B1.
9.º Posteriormente, foi elaborado pela Direcção-Geral dos Regimes da Segurança Social, o ofício cuja cópia está a fls. 20 do processo instrutor, cujo teor se dá como reproduzido, em que se refere, além do mais, o seguinte:
Apuramento dos rendimentos ilíquidos dos trabalhadores independentes.
A orientação contida no ponto 1 das Circulara de Orientação Técnica n.ºs 7 e 22, de 29-06-99 e 18-12-1996, respectivamente, estabeleceu a forma de apuramento do rendimento ilíquido dos trabalhadores por conta própria.
Considera-se que é, por vezes, difícil averiguar qual o rendimento resultante do exercício de uma actividade por conta própria, atendendo às várias despesas e custos constantes das declarações fiscais, já que umas são deduzidas pela totalidade e sem limite e outras estão sujeitas a limites.
Deste modo, entende-se que as instituições de segurança social devem ter alguma flexibilidade na análise daquelas declarações, excluindo do total de rendimentos ou proveitos, nomeadamente, as remunerações e encargos obrigatórios com empregados e os montantes gastos na compra de mercadorias ou matérias primas.
Com efeito, o que interessa é o rendimento que uma pessoa aufere do exercício de uma actividade profissional, pois é com esse rendimento que o trabalhador pode contar para fazer face aos próprios encargos ou do agregado familiar, pelo que tais despesas não contribuem para qualquer enriquecimento da esfera patrimonial do trabalhador.
Porém, caso surjam dúvidas sobre os valores declarados, poderá ser confirmado o rendimento global e deduções especificas pela respectiva nota de liquidação do imposto enviada pela DGCI ao sujeito passivo, uma vez que este pode declarar despesas pela totalidade, mas cuja dedução obedece a limites fixados na lei fiscal.
10.º – Através das declarações de I.R.S. dos anos de 1998 e 1999, apresentadas pela ora Recorrente, a Autoridade Recorrida apurou que o rendimento per capita do seu agregado familiar, nos anos referidos, à face das instruções veiculadas pelos documentos referidos em 8.º e 9.º, foi de 77.806$00 e 89.198$00, respectivamente.
7 – A primeira questão suscitada no recurso jurisdicional da Recorrente contenciosa é a da nulidade da sentença recorrida, por falta de fundamentação.
A nulidade prevista de falta de fundamentação prevista na alínea b) do n.º 1 do art. 668.º do C.P.C., subsidiariamente aplicável (art. 1.º da L.P.T.A.), ocorre quando na sentença não se especifiquem os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão.
Como bem refere a Excelentíssima Procuradora-Geral Adjunta e vem entendendo uniformemente este Supremo Tribunal Administrativo, com apoio no próprio texto desta disposição, só se verifica tal nulidade quando ocorra falta absoluta de fundamentação. (Neste sentido, entre muitos, podem ver-se os seguintes acórdãos do Supremo Tribunal Administrativo:
de 9-3-1989, proferido no recurso n.º 26531, publicado em Apêndice ao Diário da República de 14-11-94, página 1965;
de 7-12-1989, proferido no recurso n.º 22854, publicado no Apêndice ao Diário da República de 30-12-94, página 7016;
de 29-5-1991, proferido no recurso n.º 24722, publicado no Apêndice ao Diário da República de 15-9-95, página 3414;
de 26-9-1991, proferido no recurso n.º 27802, publicado no Apêndice ao Diário da República de 29-9-95, página 5101;
de 17-3-1994, proferido no recurso n.º 33329, publicado no Apêndice ao Diário da República de 20-12-96, página 2094;
de 2-11-1994, proferido no recurso n.º 36039, publicado no Apêndice ao Diário da República de 18-4-97, página 7588;
de 18-1-1996, proferido no recurso n.º 34945, publicado no Apêndice ao Diário da República de 31-8-98, página 303;
de 23-5-1996, proferido no recurso n.º 39216, publicado no Apêndice ao Diário da República de 23-10-98, página 3957;
de 27-5-1998, proferido no recurso n.º 37068, publicado em Cadernos de Justiça Administrativa n.º 20, página 18;
de 21-3-2000, proferido no recurso n.º 41027;
de 25-10-2000, proferido no recurso n.º 29760;
de 14-11-2000, proferido no recurso n.º 46046;
de 27-6-2001, proferido no recurso n.º 37410. )
Não é isso o que sucede com a sentença recorrida em que, para além de se indicar a matéria de facto que se considerou provada, se indicam as razões jurídicas que justificam a decisão tomada, com indicação das normas legais que se entenderam aplicáveis.
Por isso, não ocorre a nulidade invocada.
8 – A Recorrente discorda da decisão recorrida, relativamente `^a interpretação feita do art. 18.º do Decreto-Lei n.º 119/99, de 14 de Abril, que estabelece o seguinte:
Artigo 18.º
Condições especiais de atribuição do subsídio social de desemprego
1 - O reconhecimento do direito ao subsídio social de desemprego depende ainda do preenchimento da condição de recursos à data do desemprego ou dentro do prazo fixado no presente diploma para a apresentação de provas, conforme se trate, respectivamente, de subsídio inicial ou subsequente.
2 - A condição de recursos é definida em função dos rendimentos mensais per capita do agregado familiar, que não podem ser superiores a 80% do valor da remuneração mínima estabelecida por lei para a generalidade dos trabalhadores.
3 - Para efeitos do disposto no número anterior, são considerados os seguintes rendimentos:
a) Os valores ilíquidos provenientes do trabalho por conta de outrem e ou por conta própria;
b) Os valores das pensões e outras prestações substitutivas de rendimentos de trabalho, incluindo prestações complementares das concedidas pelos regimes de segurança social;
c) Os valores ilíquidos de rendimento de capital ou de outros proventos regulares;
d) Os valores das pensões de alimentos judicialmente fixadas a favor do requerente da prestação.
A Recorrente defende que não foram e deveriam ser considerados para cálculo do rendimento per capita do agregado familiar despesas constantes das declarações de rendimentos que, se o fossem, fariam com que o rendimento fosse inferior ao salário mínimo nacional, o que possibilitaria a atribuição do subsídio social de desemprego, que requereu.
Esta posição não tem suporte legal.
Com efeito, por força do disposto no n.º 1 deste art. 18.º, a atribuição do subsídio social de desemprego inicial, que é dos autos, depende do preenchimento da condição de recursos à data do desemprego.
Esta condição de recursos é definida em função dos rendimentos mensais per capita do agregado familiar, que não podem ser superiores a 80% do valor da remuneração mínima estabelecida por lei para a generalidade dos trabalhadores.
Nos termos da alínea a) do n.º 3 deste art. 18.º, nos casos de rendimentos do trabalho por conta própria, que é o caso dos autos, são considerados como rendimentos os valores ilíquidos.
Na falta de outros elementos que induzam à eleição do sentido menos imediato do texto, o intérprete deve optar em princípio por aquele sentido que melhor e mais imediatamente corresponde ao significado natural das expressões verbais utilizadas, na pressuposição (imposta pelo nº 3 do artigo 9º do Código Civil, que vale até que se demonstre que não é correcta) de que o legislador soube exprimir o seu pensamento em termos adequados. ( Neste sentido, BAPTISTA MACHADO, Introdução ao direito e ao discurso legitimador, página 182. )
Assim, aquela referência aos valores ilíquidos tem como alcance referenciar o rendimento bruto, isto é, todos os proveitos obtidos pelos membros do agregado familiar, sem consideração de quaisquer descontos relativos a despesas ou quaisquer deduções, pois é esse o significado natural daquela expressão (Dicionário da Língua Portuguesa, da Porto Editora, 5.ª edição, página 786.).
Por outro lado, a consideração do rendimento ilíquido e não do líquido tem justificação a maior fiabilidade do mesmo como índice do rendimento real do agregado familiar, por ser mais fácil e exacta a sua determinação, como resulta linearmente do facto de o rendimento líquido ser calculado a partir do ilíquido e com consideração de muitos outros elementos quantitativos. Esta é uma solução legislativa cuja adopção se compreende sempre que haja dificuldade em determinar directamente o rendimento real, o que é particularmente evidente em relação aos trabalhadores por conta própria, quando os elementos a considerar são os utilizados para fins tributários, pois, como refere a Autoridade Recorrida (que tem fortes razões para ter informação privilegiada na matéria), e é também facto do domínio público, as deficiências da fiscalização tributária em Portugal têm conduzido a que haja «uma elevadíssima quantidade de empresários que em Portugal declaram fiscalmente prejuízos ou rendimentos mínimos apesar de evidenciarem manifestos sinais exteriores de riqueza».
Por isso, sendo certo que o rendimento ilíquido, resultante do volume de negócios, será mais fácil de calcular que o líquido, a utilização como índice dos rendimentos do montante ilíquido e não do líquido para efeito do subsídio social de desemprego será um meio de procurar evitar que, como complemento de situações de fraude fiscal, o recebam pessoas que dele não careçam realmente. Esta solução de considerar os rendimentos ilíquidos como base da indiciação dos líquidos foi, aliás, quase generalizada, nas relações dos empresários em nome individual e profissões liberais com a Administração Tributária através da implementação do regime simplificado de tributação constante actualmente do art. 31.º do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares.
Por outro lado, embora seja certo que o que deve relevar para efeitos de atribuição daquele subsídio é o rendimento real, também é certo que a consideração do rendimento ilíquido pode ser um meio razoavelmente idóneo para presumir o líquido e a percentagem de 80% que lhe é aplicada foi certamente fixada tendo em conta que o rendimento ilíquido será menor. Isto é, estando subjacente àquele art. 18.º do Decreto-Lei n.º 119/99 uma determinada disponibilidade pecuniária para atribuição dos subsídios sociais de desemprego, fixada no orçamento anual da Segurança Social, se em vez do rendimento ilíquido se considerasse o líquido, necessariamente se fixaria uma percentagem menor do salário mínimo nacional para determinação do limite máximo de rendimentos compatíveis com a atribuição daquele subsídio. Por isso, não pode considerar-se desajustada a consideração do rendimento ilíquido como índice do rendimento real, em face da enorme falibilidade da determinação directa deste.
Assim, é de concluir que não há razões que imponham que não se interprete aquela referência ao rendimento ilíquido com o sentido natural da expressão, que é o de rendimento sem consideração de quaisquer abatimentos ou deduções.
A esta luz, as orientações genéricas que, como se refere no probatório, a Administração adoptou em que considera que, para este efeito, podem ser abatidas algumas despesas, são ilegais.
Por isso, sendo ilegal o entendimento adoptado na Orientação Técnica e no ofício referidos nos pontos 8.º e 9.º do probatório quanto à admissibilidade de deduções ao rendimento para cálculo do rendimento ilíquido, não há suporte legal para serem consideradas mais deduções do que as que foram aplicadas, no cálculo do rendimento relevante para efeitos daquele art. 18.º.
Mesmo que se entenda que a adopção de uma prática generalizada de fazer tais abatimentos, que os referidos Orientação Técnica e ofício fazem presumir ter sido adoptada pela Administração, gera para esta a obrigação de não tratar discriminatoriamente os administrados, aplicando a todos as regras adoptadas (por força do princípio da igualdade, previsto no art. 266.º, n.º 2, da C.R.P., se se entender que ele vigora também no domínio de poderes vinculados), tal obrigação limitar-se-á, naturalmente, à aplicação das regras adoptadas e não imporá a extensão do princípio a situações não abrangidas por essa prática, pois só dentro dos limites desta se poderá colocar a possibilidade de discriminação que aquele princípio da igualdade proíbe.
Assim, não tendo que Recorrente demonstrado que no ano 2000 o rendimento per capita ilíquido do seu agregado familiar, mesmo à face das regras adoptadas pela Administração referidas nos pontos 8.º e 9.º da matéria de facto fixada, não foi superior a 80% do valor da remuneração mínima estabelecida por lei para a generalidade dos trabalhadores naquele ano (O salário mínimo nacional geral, no ano 2000, era o de 63.800$00, fixado pelo Decreto-Lei n.º 573/99, de 30 de Dezembro.), a pretensão que apresentou de atribuição do subsídio social de desemprego tinha de ser indeferida, como foi.
A tese sustentada pela Recorrente de que a referência ao rendimento ilíquido significa rendimento líquido antes de impostos não tem o mínimo de correspondência no texto da lei que permita a sua adopção na interpretação da lei (art. 9.º, n.º 2, do Código Civil).
Assim, o acto recorrido não enferma do vício de violação de lei que a Recorrente lhe imputa.
Termos em que acordam em negar provimento aos recursos e em confirmar as decisões recorridas, com a fundamentação que antecede.
Custas pela recorrente particular, com taxa de justiça de 200 euros
e procuradoria de 50 % (cinquenta por cento).
Lisboa, 27 de Novembro de 2002.
Jorge de Sousa – Relator – Costa Reis – Abel Atanásio