Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:01585/02
Data do Acordão:01/15/2004
Tribunal:1 SUBSECÇÃO DO CA
Relator:PAIS BORGES
Descritores:EXPROPRIAÇÃO POR UTILIDADE PÚBLICA.
EXPROPRIAÇÃO URGENTE.
FUNDAMENTAÇÃO.
Sumário:I - A fundamentação é um conceito relativo, que varia consoante o tipo legal de acto administrativo em concreto, havendo que entender a exigência legal em termos hábeis, dada a funcionalidade do instituto e os objectivos essenciais que prossegue: habilitar o destinatário a reagir eficazmente pelas vias legais contra a respectiva lesividade, e assegurar a transparência e a reflexão decisórias.
II - Está suficientemente fundamentado o despacho que declarou a utilidade pública, com carácter de urgência, da expropriação de parcelas de terreno necessárias à construção de uma auto-estrada, uma vez que, considerando o tipo de acto em causa, nele se mostram explicitadas as razões em que se baseia a "declaração da utilidade pública com carácter de urgência" da expropriação, atendendo ao condicionalismo vertido no processo gracioso para que remete, e aos motivos que constam do próprio despacho, nomeadamente (e em especial) a referência ao "prazo de 6 meses previsto para o início da obra", e ao consequente "interesse público subjacente à célere e eficaz execução da obra projectada", para além, naturalmente, da referência ao quadro legal aplicável.
Nº Convencional:JSTA00060202
Nº do Documento:SA12004011501585
Data de Entrada:10/14/2002
Recorrente:A...
Recorrido 1:SE DAS OBRAS PÚBLICAS
Votação:UNANIMIDADE
Meio Processual:REC CONT.
Objecto:DESP SE DAS OBRAS PÚBLICAS DE 2002/07/02.
Decisão:NEGA PROVIMENTO.
Área Temática 1:DIR ADM ECON - EXPRO UTIL PUBL.
Legislação Nacional:CEXP99 ART12 N1 A ART14 N1 ART15.
L 2037 DE 1949/08/19 ART161.
Jurisprudência Nacional:AC STA PROC34024 DE 1996/03/26.
Aditamento:
Texto Integral: Acordam, em conferência, na Secção do Contencioso Administrativo do Supremo Tribunal Administrativo:
(Relatório)
I. A..., residente na ...,Touguinha, Vila do Conde, interpôs recurso contencioso de anulação do despacho do SECRETÁRIO DE ESTADO DAS OBRAS PÚBLICAS, de 02.07.2002, publicado no DR II Série, nº 179, de 29.07.2002, que declarou a utilidade pública, com carácter de urgência, da expropriação de três parcelas de terreno, de que o recorrente é proprietário, para execução da A7/IC25 - Póvoa de Varzim/Famalicão - Nó com o IC1.
Imputou ao acto recorrido vícios de forma por falta de fundamentação e por preterição de formalidade essencial.
Notificado para produzir alegações, veio o recorrente apresentar o requerimento de fls. 87, no qual refere “que oferece como alegações, as já produzidas com a alegação de recurso.
Notificado para o efeito, nos termos do art. 690º, nº 4 do CPCivil, veio formular as seguintes conclusões:
A-O procedimento de expropriação constitui um procedimento típico, impondo a lei, no caso concreto, as formas de processo a seguir;
B- A proposta de aquisição formulada pela Expropriante na primeira missiva dirigida aos expropriados configura a tentativa de aquisição por via do direito privado, sem que contudo tenha sido dada sequência ao processo de expropriação por via negociada;
C- Com efeito, a entidade expropriante tomou a resolução de proceder à expropriação da parcela em momento anterior à proposta de aquisição da parcela, tendo desde logo tomado a decisão de fazer seguir o processo como sendo processo de urgência;
D- Só após ter sido tomada a resolução de proceder à expropriação sob a forma urgente, houve lugar à apresentação de proposta de aquisição por via negocial, tendo sido notificado, ainda antes da declaração de utilidade pública, o expropriado da proposta de aquisição;
E- O Art. 161º do Estatuto das Estradas Nacionais tinha como pressuposto o anterior procedimento expropriativo, sendo que a atribuição de urgência tinha como referência um procedimento que obedecia a princípios diversos dos hoje em vigor, enquadrado numa diferente ordem constitucional, sendo que, em relação a tal processo, o Tribunal Constitucional se veio a pronunciar por diversas vezes, declarando de forma sucessiva a inconstitucionalidade. Por outro lado, o referido Estatuto das Estradas não tem sequer primazia sobre o regime expropriativo;
F- Com efeito, o actual Art. 15º do Cód. Das Expropriações impõe a fundamentação do acto de expropriação, como sendo obrigatória, sendo em relação ao Estatuto das Estradas Nacionais lei posterior, sendo que tal lei, por se afigurar desde logo incompatível com a norma actual (na medida em que a anterior dispensa de fundamentação a atribuição do carácter de urgência e a actual impõe tal urgência) deve considerar-se a norma do Art. 161º do Estatuto das Estradas Nacionais como tacitamente derrogado por lei posterior;
G-Ainda que assim não se conclua, ou seja, que não ocorre revogação tácita, o que não pode decerto concluir-se é pela dispensa de fundamentação da atribuição do carácter de urgência à expropriação, sendo certo que a existirem razões para a declaração de urgência, tal não pode deixar de ser plasmado no acto em crise;
H- E se a urgência não se mostra fundamentada, igualmente não se mostra minimamente fundamentada a decisão de expropriar, desconhecendo-se em absoluto as razões que a determinam, sendo certo que não basta a declaração simples de que vai ser construída uma via, no caso uma via equiparada a Auto Estrada; Com efeito, as razões que determinam o traçado da via devem constar do acto ou da resolução, sob pena de ser a actuação da administração insindicável, com especial incidência na actividade expropriativa; Como poderão ser sindicadas as razões que determinam que o traçado seja A e não B? São razões técnicas ou de mera conveniência? O Expropriado perde a posse porque tal é da conveniência da entidade expropriante, ou porque é de manifesto interesse público?
I- Não obstante o disposto no Art. 161º do Estatuto das Estradas Nacionais, não ocorre por esta via a dispensa de fundamentação do acto em recurso, sendo manifesto que o acto não se encontra fundamentado e que tal falta corresponde a vício que determina a sua anulação, como deve ser a final.
J- Igualmente, não se vislumbra o porquê do recurso à tentativa de aquisição, quando a resolução seguia no sentido de se operar a expropriação por processo urgente e com imediata posse administrativa da parcela em causa.
Termos em que deve assim concluir-se pela procedência do recurso e consequente anulação do acto.
II. A autoridade recorrida contra-alegou nos termos dos articulados de fls. 91 e segs. e 110 e segs., concluíndo, em suma, que não deverá conhecer-se do recurso por o recorrente não ter cumprido o ónus de apresentar conclusões da alegação, ou, subsidiariamente, negar-se provimento ao recurso pelas razões apontadas na resposta, que se dão por reproduzidas, devendo, neste caso, circunscrever-se as conclusões formuladas a fls. 203 e segs. às matérias e argumentos tratados nas alegações.
III. O Exmo magistrado do Ministério Público neste Supremo Tribunal emitiu parecer no sentido de apenas dever ser apreciado o vício de falta de fundamentação, uma vez que o recorrente se limitou, nas alegações, a reproduzir os argumentos da p.i., e veio posteriormente, nas conclusões apresentadas, a alegar factos e razões de direito que não constam daquela peça processual, em violação do disposto no art. 690º, nº 4 do CPCivil.
E refere, nesse contexto, que aquele vício não se verifica, por o acto estar devidamente fundamentado, devendo ser negado provimento ao recurso.
*
Colhidos os vistos, cumpre decidir.
(Fundamentação)
OS FACTOS
Face aos elementos dos autos e do PI apenso, consideram-se provados, com relevância para a decisão, os seguintes factos:
1. O Conselho de Administração do Instituto das Estradas de Portugal (IEP), em reunião de 31.05.2002, deliberou, “nos termos e para os efeitos do previsto no nº 1 do artigo 10º do Código das Expropriações, aprovado pela Lei nº 168/99, de 18 de Setembro, requerer a declaração de utilidade pública, com carácter de urgência, da expropriação das parcelas necessárias à construção do empreendimento A7/IC25 – Póvoa de Varzim/Famalicão – Nó com o IC1”, dando conta de que “O CA, estando asseguradas as dotações orçamentais para pagamento das indemnizações, aprovou ainda as plantas parcelares e os mapas de expropriações, com a identificação dos bens a expropriar, dos proprietários e demais interessados conhecidos” (Extracto de Acta de fls. 1 do PI, cujo conteúdo se dá por reproduzido);
2. Por despacho do Secretário de Estado das Obras Públicas, de 02.07.2002, publicado no DR, II Série, Nº 173, de 29.07.2002, foi declarada a utilidade pública, com carácter de urgência, da expropriação das parcelas de terreno necessárias à execução da obra da A7/IC25 – Póvoa de Varzim/Famalicão – Nó com o IC1, nos seguintes termos:
Despacho nº 16 833-F/2002 (2ª série). – Nos termos do disposto na alínea a) do nº 1 do artigo 14º e no nº 2 do artigo 15º do Código das Expropriações, aprovado pela Lei nº 168/99, de 18 de Setembro, atenta a resolução do conselho de administração do Instituto das Estradas de Portugal de 31 de Maio de 2002, que aprovou a planta parcelar e o mapa de expropriações das parcelas necessárias à construção da obra da A7/IC25 – Póvoa de Varzim-Famalicão – nó com o IC1, com início previsto no prazo de seis meses, declaro, no uso da competência que me foi delegada pelo despacho nº 12 403/2002 (2ª série), de 3 de Maio, do Ministro das Obras Públicas, Transportes e Habitação, publicado no Diário da República, 2ª série, nº 125, de 31 de Maio de 2002, ao abrigo do art. 161º do Estatuto das Estradas Nacionais, aprovado pela Lei nº 2037, de 19 de Agosto de 1949, atendendo ao interesse público subjacente à célere e eficaz execução da obra projectada, a utilidade pública, com carácter de urgência, da expropriação das parcelas de terreno necessárias à execução da obra da A7/IC25 – Póvoa de Varzim-Famalicão – nó com o IC1, identificadas no mapa e na planta em anexo, com os elementos constantes da descrição predial e da inscrição matricial e dos direitos e ónus que sobre elas incidem e os nomes dos respectivos titulares.
Os encargos com as expropriações em causa serão suportados pelo Instituto das Estradas de Portugal.
(doc. de fls. 3 a 8 do PI, cujo conteúdo se dá por reproduzido)
3. O recorrente é proprietário das parcelas de terreno identificadas no referido mapa de expropriações com os nºs 13, 17 e 22.
O DIREITO
Como se deixou referido, o recorrente, em sede de alegações, limitou-se a referir que “oferece como alegações as já produzidas com a alegação de recurso”, depreendendo-se que quis reportar-se às produzidas com a petição de recurso.
E, uma vez que a referida petição não continha formalmente conclusões, foi ele notificado, nos termos do art. 690º, nº 4 do CPCivil, para as formular, o que fez através do requerimento de fls. 103 e segs.
Cumpre, porém, sublinhar que as conclusões da alegação constituem, nos termos da disposição citada, uma súmula sintética indicativa dos fundamentos do recurso invocados no corpo da alegação, devendo pois cingir-se aos argumentos de facto e de direito ali versados, irrelevando tudo o que inovatoriamente delas constar.
Aliás, o recorrente não poderia, por virtude do princípio da estabilidade da instância, alegar vícios que não tenham sido invocados na petição de recurso, salvo o caso de conhecimento superveniente.
Ora, como bem sublinham a autoridade recorrida e o Ministério Público, o recorrente veio, nas conclusões formuladas, invocar factos e razões de direito que não constam da petição de recurso, e que, por via da reprodução desta como alegações, não foram igualmente abordadas no corpo da alegação, em violação do disposto no citado art. 690º, nºs 1 e 4 do CPCivil (v.g., a não vigência do art. 161º do Estatuto das Estradas Nacionais, que considera tacitamente derrogado pelo art. 15º do Código das Expropriações; o alargamento do vício de falta de fundamentação da declaração de utilidade pública urgente da expropriação à própria decisão de expropriar, etc.).
Dúvidas não restam, pois, de que o âmbito das conclusões formuladas tem necessariamente que circunscrever-se às matérias que constam do corpo da alegação, ou seja, que foram invocadas na petição de recurso (dada por reproduzida como peça alegatória).
Vejamos então.
1. Vem alegado o vício de falta de fundamentação do acto recorrido (que declarou a utilidade pública, com carácter de urgência, da expropriação de três parcelas de terreno, de que o recorrente é proprietário, para execução da A7/IC25 – Póvoa de Varzim/Famalicão – Nó com o IC1).
Como este Supremo Tribunal tem reiteradamente decidido, o conteúdo concreto da fundamentação exigível é variável segundo o tipo legal em causa ou a disciplina jurídica aplicável.
“A fundamentação é um conceito relativo, que varia consoante o tipo legal de acto administrativo em concreto, havendo que entender a exigência legal em termos hábeis, dada a funcionalidade do instituto e os objectivos essenciais que prossegue: habilitar o destinatário a reagir eficazmente pelas vias legais contra a respectiva lesividade, e assegurar a transparência e a reflexão decisórias” (Ac. de 26.03.96 – Rec. nº 34.024).
Na situação sub júdice, e atentos os elementos referidos, cremos que o acto em causa satisfaz minimamente a exigência legal de fundamentação, habilitando um destinatário normal a apreender com suficiente clareza o sentido e as razões determinantes da decisão administrativa, e habilitando-o a optar pela aceitação do acto ou pela sua impugnação legal.
Como se vê do respectivo teor (cfr. matéria de facto), o despacho recorrido, invocando “o disposto na alínea a) do nº 1 do artigo 14º e no nº 2 do artigo 15º do Código das Expropriações” e “atenta a resolução do conselho de administração do Instituto das Estradas de Portugal de 31 de Maio de 2002, que aprovou a planta parcelar e o mapa de expropriações das parcelas necessárias à construção da obra da A7/IC25 – Póvoa de Varzim-Famalicão – nó com o IC1, com início previsto no prazo de seis meses”, declarou “ao abrigo do art. 161º do Estatuto das Estradas Nacionais, aprovado pela Lei nº 2037, de 19 de Agosto de 1949, atendendo ao interesse público subjacente à célere e eficaz execução da obra projectada, a utilidade pública, com carácter de urgência, da expropriação das parcelas de terreno necessárias à execução da obra da A7/IC25 – Póvoa de Varzim-Famalicão – nó com o IC1, identificadas no mapa e na planta em anexo, com os elementos constantes da descrição predial e da inscrição matricial e dos direitos e ónus que sobre elas incidem e os nomes dos respectivos titulares -(...).
Afigura-se, com natural razoabilidade e equilíbrio, que o acto recorrido está suficientemente fundamentado, uma vez que, considerando o tipo de acto em causa, nele se mostram explicitadas as razões em que se baseia a “declaração da utilidade pública com carácter de urgência” da expropriação, atendendo ao condicionalismo vertido no processo gracioso para que remete, e aos motivos que constam do próprio despacho, nomeadamente (e em especial) a referência ao “prazo de 6 meses previsto para o início da obra”, e ao consequente “interesse público subjacente à célere e eficaz execução da obra projectada”, para além, naturalmente, da referência ao quadro legal aplicável.
Improcede, pois, a respectiva alegação.
2. Vem ainda alegada a ocorrência de um vício de preterição de formalidade essencial (cfr. arts. 9º e segs. da petição, reproduzida, como se disse, como peça alegatória).
O recorrente acaba, porém, por reconduzir tal alegação (feita, aliás, em termos vagos e pouco precisos) ao vício de falta de fundamentação, estendendo esta do acto sob recurso (que declarou a utilidade pública, com carácter de urgência, da expropriação) à própria decisão de expropriar (cfr. conclusão H da alegação).
Diz ele, a tal propósito, que “determina o art. 12º, nº 1, al. b) do Código das Expropriações que os elementos atinentes à aquisição por via amigável dos imóveis, ou a justificação da urgência e consequente preterição desta forma de aquisição (...) têm que estar presentes na resolução da entidade expropriante, o que no caso vertente não sucedeu”.
E, mais adiante, conclui que “a expropriante não só não tentou a aquisição por via de direito privado, como não justificou a razão pela qual não recorreu a esta, sendo esta razão, ou melhor, esta justificação, formalidade essencial para a prolação da urgência da expropriação”.
Ora, há uma evidente confusão na alegação do recorrente.
O invocado art. 12º, nº 1, al. b) do C.Expropriações impõe, na verdade, que o requerimento de declaração da utilidade pública contenha “todos os elementos relativos à fase de tentativa de aquisição por via do direito privado quando a ela haja lugar” (sublinhado nosso).
Ora, nos termos do art. 11º do mesmo diploma, a imposição à entidade interessada de, antes de requerer a expropriação, diligenciar pela aquisição por via do direito privado, é exceptuada justamente -nos casos do artigo 15º”, disposição em que se prevê que -no próprio acto declarativo da utilidade pública, pode ser atribuído carácter de urgência à expropriação para obras de interesse público”.
Ou seja, a dispensa das diligências para aquisição do prédio por via do direito privado, e de as mesmas constarem obrigatoriamente do requerimento da declaração de utilidade pública, resulta directamente, nos termos da lei, da atribuição do carácter de urgência.
A única coisa que deve em tais situações ser fundamentada, nos termos do nº 2 do citado art. 15º, é a atribuição de carácter urgente à expropriação, e essa imposição foi devidamente satisfeita, como atrás se deixou expendido.
Inexiste pois qualquer preterição de formalidade essencial, improcedendo, deste modo, a respectiva alegação.
(Decisão)
Com os fundamentos expostos, acordam em negar provimento ao recurso.
Custas pelo recorrente, fixando-se a taxa de justiça e a procuradoria, respectivamente, em 300 Euros e 150 Euros.
Lisboa, 15 de Janeiro de 2004.
Pais Borges - Relator - Rui Botelho - Azevedo Moreira