Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:01136/12
Data do Acordão:07/03/2013
Tribunal:PLENO DA SECÇÃO DO CT
Relator:ISABEL MARQUES DA SILVA
Descritores:DECISÃO ARBITRAL
RECURSO
RECURSO PARA UNIFORMIZAÇÃO DE JURISPRUDÊNCIA
ACÓRDÃO FUNDAMENTO
TRÂNSITO EM JULGADO
Sumário:I - O recurso da decisão arbitral a que se referem os n.ºs 2 e 3 do artigo 25.º do RJAT, ao contrário do recurso para uniformização de jurisprudência a que se refere o artigo 152.º do CPTA, não exige o trânsito em julgado da decisão, pois que o respectivo prazo de interposição se conta a partir da notificação da decisão arbitral, que impede o respectivo trânsito em julgado.
II - Não pode, porém, tal recurso ser admitido - este ou qualquer outro recurso destinado a prevenir ou solucionar conflitos de jurisprudência – se o acórdão invocado como fundamento não transitou em julgado, pois que seria contrário à razão de ser de tais recursos pretender-se uniformizar jurisprudência tendo como parâmetro uma decisão ainda não definitiva e que pode nunca vir a sê-lo.
III - Não tendo o recorrente, aquando da interposição do recurso, feito prova do trânsito em julgado do acórdão que invocou como fundamento da sua pretensão revogatória da decisão arbitral, por alegada oposição desta com o ali julgado, e vindo depois esclarecer que o acórdão que indicou como fundamento ainda não transitou em julgado, o recurso não pode ser admitido.
IV - Isto independentemente da verificação ou não dos demais requisitos de admissibilidade do recurso, porquanto a falta de qualquer deles tem por si só o efeito de o tornar inadmissível.
Nº Convencional:JSTA000P16047
Nº do Documento:SAP2013030701136
Data de Entrada:10/31/2012
Recorrente:DIRGER DA AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA
Recorrido 1:A........., LDA
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Acordam no Pleno da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:
- Relatório -
1 – O Director-Geral da Autoridade Tributária e Aduaneira vem, ao abrigo do disposto no n.º 2 do artigo 25.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro (Regime Jurídico da Arbitragem Tributária – RJAT), interpor recurso para este Supremo Tribunal da decisão arbitral proferida em 20 de Setembro de 2012 no processo n.º 7/2011-T, na sequência de pedido de pronúncia arbitral apresentado por “A…………, LDA”, ora recorrida, invocando para o efeito oposição quanto à mesma questão fundamental de Direito com o Acórdão proferido pelo tribunal Central Administrativo Sul, de 10.07.2012, no âmbito do processo n.º 05303/12 (cuja cópia se encontra junta a fls. 18 a 26 dos autos).
O recorrente termina as suas alegações de recurso formulando as seguintes conclusões:
a) O presente recurso, apresentado ao abrigo do disposto no n.º 2 do artigo 25.º do decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro (RJAT), tem por objecto a decisão final proferida por Tribunal Arbitral em matéria tributária, constituído sob a égide do Centro de Arbitragem Administrativa (CAAD), no âmbito do Proc. n.º 7/2011-T
b) Constitui fundamento de recurso, a oposição, quanto à mesma questão fundamental de direito, entre o decidido na decisão recorrida, e o Acórdão proferido pelo Tribunal Central Administrativo em 10.07.2012, no âmbito do Proc. n.º 05303/12 que se indica expressamente como Acórdão Fundamento.
c) De facto, relativamente à mesma questão fundamental de direito, num quadro de identidade substancial quer quanto a aspectos factuais quer quanto às disposições legais aplicáveis, a decisão recorrida e o acórdão fundamento consagraram soluções jurídicas opostas.
d) Na decisão recorrida considerou-se que “O thema decidendum consiste em aferir se o saldo devedor de €550.000,00, que consta do extracto de conta 26.8.9., e que resulta de um único registo contabilístico, não documentado, e datado de 30 de Setembro de 2009, pode ser qualificado como uma despesa não documentada para efeitos do artigo 88.º do CIRC.
e) De forma a responder à equacionada questão, a decisão recorrida sustentou a procedência da pretensão arbitral, e a consequente anulação das liquidações de imposto em causa, com a seguinte fundamentação, “Tudo ponderado, no caso em análise, as irregularidades na contabilidade do sujeito passivo, incluindo a existência de dúvidas, resultantes dessas irregularidades, sobre certas despesas foram incorridas ou não (se há dúvidas sobre se elas foram incorridas também não há documentação relevante), não podem cair na categoria de despesas não documentadas, mas antes são pressuposto de aplicação de métodos indirectos nos termos do art.º 87.º al. b) e 88º da LGT.
f) Por seu turno, o Acórdão Fundamento, partindo de factualidade em tudo idêntica, concluiu estar-se perante despesas não documentadas e como tal sujeitas a tributação autónoma, tendo resultado sumariado o seguinte: “Há lugar a tributação autónoma quando as despesas são de natureza confidencial ou não documentadas, ou seja nos casos em que não é possível identificar os reais beneficiários das mesmas”.
g) Em suma, perante situações de facto similares – a existência de despesas nas quais se desconhece e é manifestamente impossível identificar quais os reais beneficiários das mesmas – Enquanto na decisão recorrida se julgou que não se estava perante despesas não documentadas e, por esse facto, insusceptíveis de tributação autónoma, mas antes que, constituíam pressupostos de aplicação de métodos indirectos (nos termos do artigo 87.º al. b), e artigo 88.º da LGT);
h) no Acórdão Fundamento julgou-se a existência de despesas não documentadas, passíveis, por isso, de sujeição a tributação autónoma, atenta a circunstância de, relativamente às mesmas, não ser possível aferir quem verdadeiramente foram os seus reais beneficiários.
i) Ao decidir como decidiu, a decisão recorrida, consagra uma errada interpretação e aplicação do disposto no artigo 88.º, n.º 1, do CIRC.
j) Efectivamente, no caso concreto dos autos, conforme consignado na declaração de voto de vencido que acompanha a decisão, é inequívoco que “existe uma saída de caixa não sendo o destino da respectiva importância determinado nem determinável. Isto é, não sendo conhecida (o) a(s) operação (ões) subjacentes visto não existir documento de suporte admissível”.
k) Mais, ainda de acordo com o referido voto, «Houve pois, a realização de uma despesa não documentada cuja natureza não é revelada, algo que se ajusta à letra do artigo 88.º n.º 1 do Código de Imposto das Pessoas Colectivas (CIRC) e à finalidade da tributação autónoma nele estabelecida para as despesas não documentadas”.
l) Na mesma esteira, o acórdão do Tribunal Constitucional n.º 18/2011, de 12 de Janeiro, Processo n.º 204/10, refere que “A lógica do regime (não consideração como custo – o que agora não se coloca – e tributação autónoma) assenta na existência de um presumível prejuízo para a Fazenda Pública, por não ser possível comprovar, por falta de documentação, se houve lugar ao pagamento do IVA ou de outros tributos que fossem devidos em relação às transacções efectuadas, ou se foram declarados para efeitos de incidência do imposto sobre o rendimento os proventos que terceiros tenham vindo a auferir através das relações comerciais mantidas com o sujeito passivo do imposto. Para além disso, a tributação autónoma, não incidindo directamente sobre um lucro, terá ínsita a ideia de desmotivar uma prática que, para além de afectar a igualdade na repartição de encargos públicos, poderá envolver situações de ilicitude penal ou de menor transparência fiscal”.
m) Desta forma e ainda de acordo com o voto de vencido lavrado na decisão recorrida “Vê-se, assim, a amplitude do objectivo da norma, não se encontrando, face à sua letra e ao seu espírito e considerando a teoria da interpretação das leis fiscais – que hoje observa as regras e princípios gerais da interpretação das leis (artigo 11.º, n.º 1 LGT) -, razão para se limitar a respectiva aplicação aos casos de contabilização da despesa como gasto ou/e ser necessário afectar o resultado liquido do período de tributação, visto, desse modo, poder alcançar-se o que a lei não deseja, sem qualquer influência no respectivo resultado, como sucede no caso. Em conformidade, atentos a letra e espírito do artigo 88.º n.º 1 CIRC, devem ser incluídas na tributação autónoma em causa não apenas as despesas não documentadas, contabilizadas como gastos, mas também aquelas com as mesmas características, isto é, não documentadas que, devendo ter sido reconhecidas na contabilidade, como gastos, embora fiscalmente não dedutíveis, não o foram e, portanto, não afectaram o resultado, não existindo razão excludente das vias que, embora não sejam ou possam não ser as mais evidentes, não deixam de implicar despesas não documentadas. Aliás, a irrelevância da contabilização, como gasto, de encargos não dedutíveis resulta ainda do proémio do artigo 45.º do CIRC”.
n) Pelo que se deixou exposto, a solução jurídica propugnada pela decisão recorrida – para além de colidir frontalmente com o acórdão fundamento – consagra uma errada interpretação e aplicação do disposto no n.º 1 do artigo 88.º do CIRC, e como tal deve ser substituída por outra que considere a situação de facto gizada nos autos como subsumível à aludida norma, mantendo-se vigentes por legais e adequadas as liquidações indicadas como objecto da pronúncia arbitral.
o) Por outro lado, salvo melhor opinião a solução jurídica consagrada na decisão recorrida colide com a vasta jurisprudência firmada por esse Colendo Tribunal, relativamente à qualificação das despesas não documentadas e consequentemente, à tributação autónoma ver nomeadamente os Acórdãos do Pleno da secção de Contencioso tributário proferido no âmbito do Proc. n.º 55/06 de 26.09.2007, Proc. n.º 488/07 de 24.10.2007, Proc. n.º 0575/08 de 28.01.2009 e 600/08 de 18.02.2009, e da 2.ª Secção do STA referente ao Proc. n.º 893/08 de 28.01.2009, Proc. n.º 18/10 de 18.02.2009 e Proc. n.º 204/10 de 07.07.2010.
Termos em que e, com o douto suprimento de V. Exas., deve decidir-se no sentido de que existe oposição de julgados, conhecer-se do objecto do presente recurso e resolver-se o presente conflito de jurisprudência no sentido do deliberado no Acórdão fundamento, uma vez que a decisão recorrida fez uma incorrecta apreciação e aplicação do artigo 88º, n.º 1, do CIRC, aos factos em causa.

2 – Contra-alegou a recorrida, concluindo nos seguintes termos:
I. A Fazenda Pública interpôs recurso para uniformização de jurisprudência do acórdão do Tribunal Arbitral proferido no processo n.º 7/2011-T (“acórdão recorrido”) por alegada contradição com o acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul proferido no recurso n.º 5303/12 (“acórdão fundamento”), nos termos e para os efeitos do artigo 152.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos (“CPTA”), ex vi artigo 25.º do decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro (“RJAT”).
II. Está consolidada a jurisprudência sobre quais são, em geral, os requisitos de admissibilidade do recurso para uniformização de jurisprudência, e que, em consonância com o artigo 152.º do CPTA, são os seguintes: a) que haja contradição entre um acórdão de uma das Secções (do Contencioso Administrativo ou do Contencioso tributário) do TCA e um outro anterior, da mesma Secção do TCA ou do STA ou entre dois acórdãos da mesma Secção do STA; b) que essa contradição se verifique relativamente à mesma questão fundamental de direito; c) que tenham transitado em julgado quer o acórdão recorrido, quer o que seja invocado como fundamento do recurso; d) que a orientação perfilhada pelo acórdão impugnado não esteja de acordo com a jurisprudência mais recentemente consolidada do STA.
III. Acresce, como vem sendo uniformemente entendido por este Pleno, que se mantêm válidos os critérios jurisprudenciais firmados ainda no domínio na LPTA, pacificamente aceites, sendo ainda imprescindível à caracterização da “questão fundamental” sobre a qual deverá existir contradição. A) uma identidade substancial das situações de facto sobre que recaíram as decisões em confronto; b) que a oposição resulte de decisões expressas, e não apenas de julgamentos implícitos; c) que a oposição se verifique entre decisões e não entre a decisão de um e os fundamentos ou argumentos de outro.
IV. A Fazenda Pública apresenta como estando em oposição dois acórdãos cujas situações de facto não se confundem, manifestamente. A Fazenda Pública arrima a sua alegação em julgamentos meramente implícitos. A Fazenda pública contrapõe a decisão do acórdão fundamento aos fundamentos do acórdão recorrido. A Fazenda pública pretende ignorar a orientação mais recentemente consolidada neste STA, consonante com a decisão arbitral recorrida. a Fazenda pública tão-pouco se digna fazer prova do trânsito em julgado do acórdão fundamento.
V. O presente recurso para uniformização de jurisprudência não deverá assim ser admitido porque a tanto obstam cinco requisitos fundamentais de sua admissão, que doravante designaremos por “falhas”.
Primeira falha: falta de identidade de facto
VI. Para que se possa configurar contradição de julgados é, além do mais, imprescindível que perante idênticas situações de facto e sem que haja alteração do regime jurídico aplicável se chegue a soluções jurídicas opostas.
VII. Porem, nos presentes autos a necessária identidade substancial de situações de facto pressupostas nas decisões em confronto está longe de se verificar.
VIII. Não há oposição de julgados quanto à mesma questão de direito quando a diferente solução jurídica dada no acórdão recorrido e naquele que com este se diz estar em oposição resulta apenas da convicção dos juízes quanto à prova dos factos alegados, não idênticos. Se a diferença das respectivas decisões decorreu da diversidade das situações de facto a que respeitam, como sucedeu “in casu”, não deve o recurso o recurso para uniformização de jurisprudência ser admitido.
IX. As decisões ora em confronto não são consequência de uma diferente interpretação do quadro normativo aplicado, mas de situações diversas e de juízos concretos de avaliação da matéria de facto.
X. Qualquer divergência que nelas se pudesse detectar – que não se detecta – não pode ter resultado de uma diferente interpretação do preceito legal referido na alegação da Fazenda – o artigo 88.º do Código do IRC – mas de outra causa: falta de identidade substancial das questões consideradas em cada um dos casos.
XI. Qualquer contradição que nelas se pudesse detectar – que não se detecta – seria aparente, não real, já que situações de facto substancialmente diferentes exigem, ou pelo menos são compatíveis, com soluções jurídicas diversas.
XII. Sendo certo que a Fazenda pública não impugna a matéria de facto, nem este Pleno dela pode conhecer – cfr. artigo 12.º n.º 3 do ETAF.
XIII. Na verdade, no acórdão fundamento estava em causa um valor registado na demonstração de resultados do aí recorrente, com existência efectiva, utilizado por via de cheques, numerário e transferências para realizar pagamentos reais.
XIV. Ao contrário, no acórdão recorrido estava em causa um valor registado no balanço da recorrida, que era no entanto “anormal” e “inexistente” e que “não se encontrava disponível”, sendo por isso insusceptível de ser utilizado por qualquer via para realizar quaisquer pagamentos. Como tal, a sua “transferência através de um registo a crédito da conta 26.8.9 por contrapartida, a crédito, da conta 11.1 caixa, (consistiu numa) operação contabilística sem qualquer suporte documental, que não teve subjacente operações reais.”
XV. Nos autos de recurso que correram termos no Tribunal Central Administrativo Sul não era controvertido que o valor de €156.567,91 se encontrava na disponibilidade efectiva do aí recorrente.
XVI. Nos autos de recurso que correram termos no Tribunal Central Administrativo Sul não era sequer controvertido que o valor de €156.567,91 fora utilizado pelo aí recorrente para pagar qualquer coisa, para contrair ou realizar despesa.
XVII. É o próprio recorrente quem peticiona a baixa dos autos à 1.ª Instância para serem estes instruídos com os elementos de prova atinentes a identificar os destinatários de tais despesas confidenciais em que houve lugar à tributação autónoma. É ele, recorrente, que reconhece que realizou tais despesas no valor de €156.567,91.
XVIII. Apenas se insurge quanto à (não) identificação dos seus reais beneficiários, alegando ter feito prova nos autos da “origem, natureza e finalidade” de tais despesas que no seu entender foram assim indevidamente consideradas confidenciais pela administração tributária, chegando mesmo a afirmar que os ditos €156.567,91 se destinavam ao pagamento de salários de desportistas que se encontravam ao seu serviço (cfr. conclusão XIII e XV das suas alegações de recurso).
XIX. Mas jamais coloca em causa qualquer acto de tributação autónoma com fundamento na “inexistência da despesa”. Somente o faz com fundamento na por si alegada “inexistência de confidencialidade”. Coisas bem diferentes.
XX. Bem pelo contrário, no acórdão recorrido o Tribunal arbitral julgou provado, tal como a aqui recorrida oportunamente alegara, que o valor do saldo de caixa registado no balanço da sociedade era “anormal” e “inexistente” e que “não se encontrava disponível”. Julgou provado que aquela cifra, pura e simplesmente, não correspondia a nenhum valor comparável de dinheiro na disponibilidade da sociedade.
XXI. Daí que o Tribunal Arbitral tenha decidido não poder “cair na categoria de despesas não documentadas” uma falsa saída de caixa de um saldo não verdadeiro sem paralelo com qualquer valor de numerário na posse da empresa. Tratou-se, nas doutas palavras do Tribunal arbitral, de uma “operação contabilística que não teve subjacente operações reais” assente em “factos (que) não se enquadram, por conseguinte, no conceito de despesa não documentada”, mas que cumpririam, porventura, os “pressupostos de aplicação de métodos indirectos nos termos do art. 87.º al. b) e 88.º da LGT”.
XXII. E daí não se verificar a necessária identidade substancial de situações de facto pressupostas nas decisões em confronto. Tornar comparáveis estas duas situações de facto é confundir a Estrada da Beira com a beira da estrada.
Segunda falha: falta de oposição expressa
XXIII. Para que se possa configurar contradição de julgados é também imprescindível que a oposição resulte de decisões expressas, e não apenas implícitas.
XXIV. Ora, a questão da interpretação da norma que tributa a despesa não documentada prevista no artigo 88.º do Código do IRC é assumidamente “incidental” nos autos de recurso de que brota o acórdão fundamento.
XXV. A questão da interpretação do figurino da tributação autónoma de despesas não documentadas surgiu nesses autos apenas porque o aí recorrente suscitou, a título subsidiário, a baixa dos autos à 1.ª instância para serem estes instruídos com os elementos de prova atinentes a identificar os destinatários de tais despesas, alegando, a título principal, ter feito prova nos autos da 2origem, natureza e finalidade” de tais despesas, prova essa, continua o aí recorrente, não apreciada pelo Tribunal a quo.
XXVI. Ao contrário do que alega a Fazenda pública, o Tribunal central Administrativo Sul jamais tomou posição, expressa ou implícita, sobre a relevância ou irrelevância da contabilização, como gasto, das despesas do aí recorrente que a administração tributária tributou como confidenciais.
XXVII. E como vem sendo jurisprudência pacífica desta secção do STA, “para ocorrer a aventada oposição é indispensável pois que sejam idênticos os factos neles tidos em conta e que em ambos os arestos a decisão haja assumido forma expressa, não bastando a simples oposição entre razões ou argumentos enformadores das decisões finais ou a simples invocação de decisões implícitas” – por todos, cfr. o acórdão do Pleno da secção do CA de 27.02.1996, proc.º n.º 037323.
Terceira falha: falta de oposição das decisões
XXVIII. Para que se possa configurar contradição de julgados é ainda imprescindível que a oposição releve entre decisões e não entre a decisão de um e os fundamentos ou argumentos de outros desses acórdãos.
XXIX. Nos presentes autos, e ao contrário do que alega a Fazenda pública, a questão da relevância da contabilização, como gasto, foi apenas um dos fundamentos do acórdão recorrido, entre outros, que conduziu à decisão final sobre o mérito da causa.
XXX. Embora seja nesse fundamento que a Fazenda Pública alicerça a sua alegação, decalcada da declaração de voto que não acompanhou a decisão, a verdade é que a impugnação foi julgada procedente, máxime, porque “as irregularidades na contabilidade do sujeito passivo, incluindo a existência de dúvidas, resultantes dessas irregularidades, sobre se certas despesas foram incorridas ou não, não podem cair na categoria de despesas não documentadas, mas são antes pressupostos de aplicação de métodos indirectos.”
XXXI. Não pode a Fazenda Pública pretender contrapor em juízo a decisão do acórdão fundamento a um dos fundamentos do acórdão recorrido.
Quarta falha: falta de desacordo com jurisprudência recente
XXXII. Não é de admitir o recurso para uniformização de jurisprudência que acomete um acórdão conforme à jurisprudência consolidada do STA.
XXXIII. Nos presentes autos, e, mais uma vez, ao contrário do que alega a Fazenda Pública, a decisão recorrida está em perfeita sintonia com a jurisprudência mais recentemente consolidada do Supremo Tribunal Administrativo.
XXXIV. O acórdão proferido em 28/1/2009 (Pleno), no recurso nº 575/08, a propósito da tributação das despesas não documentadas, e bem assim todos os demais arestos deste STA identificados sob a conclusão o) com que a Fazenda Pública termina a sua alegação, são categóricos em afirmar e reafirmar, a propósito da tributação das despesas não documentadas, que “Em qualquer caso, porém, tratar-se-á de encargos ou despesas suportadas pelo sujeito passivo que em termos contabilísticos afectam o resultado líquido do exercício, diminuindo-o, sendo o objectivo daquela alínea h) o de estabelecer que essa diminuição não é relevante para efeitos de determinação do lucro tributável. (…) A apreciação da existência ou não da devida documentação e da confidencialidade da despesa é feita tendo por objecto o acto através do qual o sujeito passivo suporta o encargo ou a despesa que é susceptível de afectar o resultado líquido do exercício, para efeitos de determinação da matéria tributável de IRC.”
XXXV. É justamente este o fundamento da decisão recorrida que a Fazenda Pública acusa de ser contraditório com o acórdão fundamento do TCAS, na parte que julgou os factos do litígio arbitral como não subsumíveis ao conceito de despesa não documentada, por não afectarem o resultado líquido do exercício.
Quinta e última falha (a contra-gosto): falta de alegação do trânsito em julgado
XXXVI. Outro requisito exigido pelo art. 152.º do CPTA é o trânsito em julgado do acórdão fundamento. Se o acórdão fundamento não estava transitado à data da interposição do recurso não pode fundamentar, como é obvio, o recurso.
XXXVII. A Fazenda pública não se dignou alegar nem fazer prova do trânsito em julgado do acórdão fundamento. Não gostaria a Recorrida de ter de sustentar tal motivo para que o presente recurso não seja admitido, porque o seu objectivo é o de demonstrar a inexistência, entre os arestos em confronto, de qualquer oposição, mas os seus advogados, por dever de patrocínio, não podem deixar de colocar a questão.
XXXVIII. Tratando-se o acórdão fundamento de uma decisão muito recente, não conhecendo a recorrida (nem tendo a obrigação de conhecer) se transitou ou não em julgado, e nada tendo sido dito nesse sentido pela recorrente, como se impunha, não poderão os presentes autos prosseguir.
Nestes termos, e nos melhores de Direito que V. Exas doutamente suprirão, deve o recurso ser recusado, porque não verificados os respectivos pressupostos legais, ou, caso seja admitido, negado provimento, confirmado o douto acórdão recorrido e julgado improcedente o recurso, fixando-se jurisprudência que acompanhe o sentido do acórdão impugnado, tal como superiormente interpretado por V. Exas.

3 – O Excelentíssimo Procurador-Geral Adjunto junto deste Supremo Tribunal emitiu o parecer de fls. 68 a 70 dos autos, no qual conclui que “ressalvado melhor juízo, deve julgar-se por não verificada a contradição sobre a mesma questão fundamental de direito, por inexistência de identidade da questão de direito e dos pressupostos de facto, e julgar-se findo o recurso”.

4 – Por despacho da Relatora de 5 de Abril de 2013 (fls. 73, verso, dos autos) ordenou-se a notificação do recorrente para vir aos autos juntar prova do trânsito em julgado do acórdão fundamento, tendo o recorrente vindo responder nos seguintes termos (fls. 76/77 dos autos):
(…)
1.º - Aquando da interposição do presente recurso indagou-se junto da secção central do Tribunal Central Administrativo Sul, no sentido de apurar se o acórdão indicado como fundamento, havia ou não transitado em julgado.
2.º - Da informação então obtida, resultava já se encontrar transitado em julgado o aludido Acórdão.
3.º- Acontece que, das diligências encetadas junto do Tribunal Central Administrativo Sul, na sequência do douto despacho a que ora nos reportamos, resultou infirmada a informação anteriormente obtida.

Com efeito, das informações agora recolhidas resultou que o aludido aresto foi objecto de pedido de aclaração, seguido de recurso de revista e posterior renúncia ao mandato por parte do Ilustre causídico que subscreveu o recurso, encontrando-se a instância suspensa a aguardar a designação de novo mandatário.

Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.
- Fundamentação –

5 – Questão prévia: da admissibilidade de recurso para o Supremo Tribunal Administrativo de decisão arbitral de mérito em alegada oposição com Acórdão não transitado em julgado
Dispõe o n.º 2 do artigo 25.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro (Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária), ao abrigo da qual foi o presente recurso interposto, que: A decisão arbitral sobre o mérito da pretensão deduzida que ponha termo ao processo arbitral é ainda susceptível de recurso para o Supremo Tribunal Administrativo quando esteja em oposição, quanto à mesma questão fundamental de direito, com acórdão proferido pelo Tribunal Central Administrativo ou pelo Supremo Tribunal Administrativo.
Por sua vez, dispõe o n.º 3 do mesmo preceito legal que: Ao recurso previsto no número anterior é aplicável, com as necessárias adaptações, o regime do recurso para uniformização de jurisprudência regulado no artigo 152.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos, contando-se o prazo para o recurso a partir da notificação da decisão arbitral.

Ora, enquanto o recurso para uniformização de jurisprudência, previsto e regulado no artigo 152.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos (CPTA), porque constitui um recurso ordinário destinado a resolver a existência de um conflito de jurisprudência, pressupõe, para a sua admissão, o trânsito em julgado quer do acórdão recorrido, quer do acórdão fundamento, contando-se o prazo para a sua interposição do trânsito em julgado do acórdão impugnado (cfr. o n.º 1 do artigo 152.º do CPTA e MÁRIO AROSO DE ALMEIDA/ CARLOS ALBERTO FERNANDES CADILHA, Comentário ao Código de Processo nos Tribunais administrativos, 2.ª edição revista, 2007, p. 879 e 883), certo é que não é requisito do recurso da decisão arbitral a que se referem os n.ºs 2 e 3 do artigo 25.º do RJAT o trânsito em julgado desta (antes o é o seu não trânsito em julgado), pois que o respectivo prazo de interposição do recurso se conta a partir da notificação da decisão arbitral (cfr. a parte final do n.º 3 do artigo 25.º do RJAT), nisto se aproximando do recurso por oposição de acórdãos a que se refere o artigo 284.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT).
Manifesto é, porém, que o recurso - este ou qualquer outro destinado a prevenir ou solucionar conflitos de jurisprudência – não pode ser admitido (ou, tendo-o sido indevidamente, deve ser julgado findo) se o acórdão invocado como fundamento não transitou, também ele, em julgado, pois que tal seria contrário à razão de ser de tais recursos.
É que não pode pretender-se uniformizar jurisprudência tendo como parâmetro uma decisão ainda não definitiva e que pode nunca vir a sê-lo.
No caso dos autos, o recorrente não juntou aquando da interposição do recurso prova do trânsito em julgado do acórdão que invocou como fundamento da sua pretensão revogatória da decisão arbitral, por alegada oposição desta com o ali julgado. E, quando notificado para o vir fazer, veio dizer, a final, que o acórdão que indicou como fundamento ainda não transitou em julgado, ou seja, nem estava transitado à data da interposição do recurso, nem a data em que este deu entrada neste Supremo Tribunal, nem, que se saiba, por enquanto!
É quanto basta para que, independentemente da verificação ou não dos demais requisitos de admissibilidade do recurso - de que não importa já cuidar pois que a falta de qualquer dos requisitos de admissibilidade do recurso tem por si só o efeito de o tornar inadmissível -, este não possa ser admitido.

- Decisão -
6 - Termos em que, face ao exposto, acordam os juízes da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo em não admitir o recurso.

Custas pelo recorrente.

Lisboa, 3 de Julho de 2013. – Isabel Cristina Mota Marques da Silva (relatora) – Dulce Manuel da Conceição Neto - João António Valente Torrão - Joaquim Casimiro Gonçalves - José da Ascensão Nunes Lopes - Francisco António Pedrosa de Areal Rothes – Pedro Manuel Dias Delgado - Maria Fernanda dos Santos Maçãs.