Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0604/02
Data do Acordão:01/16/2003
Tribunal:1 SUBSECÇÃO DO CA
Relator:JOÃO CORDEIRO
Descritores:PROCESSO DISCIPLINAR.
INFRACÇÃO DISCIPLINAR.
INFRACÇÃO CONTINUADA.
PRESCRIÇÃO.
PRAZO.
Sumário:I - Os recursos jurisdicionais são meios de obtenção do reexame, da reforma das decisões do tribunais inferiores e não vias de obtenção de decisões novas
II - Sem embargo, serão de considerar na decisão os factos constitutivos, modificativos ou extintivos do direito invocado, com influência sobre a existência ou conteúdo da relação controvertida e que se hajam produzido ou de que só haja conhecimento posteriormente à interposição do recurso contencioso.
III - Para que tal conhecimento se realize mister é que a parte que invoque tais factos demonstre a sua superveniência ou o seu conhecimento só depois de findarem os prazos da sua normal invocação e que a invocação se realize antes do início do prazo de vistos.
IV - Embora não especialmente prevista no ED/84, a figura da infracção continuada é de admitir no direito disciplinar, designadamente no direito disciplinar administrativo, aplicando-se, aqui, subsidiariamente a norma do art. 300 do C Penal;
V - Na infracção disciplinar continuada, o prazo de prescrição inicia-se, apenas com a prática do último acto que integra a continuação.
VI - O bem jurídico protegido no direito administrativo disciplinar é o interesse do serviço em que o funcionário se insere e que pode ser ofendido com a violação dos deveres gerais ou especiais decorrentes das funções exercidas.
VII - Não obsta à consideração da continuação infraccional a existência de várias pessoas que possam ter sido lesadas pela conduta do arguido, podendo ser irrelevante o requisito de conexão temporal, se se mantiverem as condições externas em que ocorrerem as infracções;
VIII - Os prazos referidos nos arts. 45°, 57°, 64°, 65° e 66° do ED/84 têm natureza meramente ordenadora e disciplinadora do procedimento e o seu excesso não determina a caducidade do procedimento ou a extinção do direito de punir;
IX - A localização temporal da infracção com alguma imprecisão não constitui nulidade se não tiver sido possível localizá-la com maior exactidão.
Nº Convencional:JSTA00058666
Nº do Documento:SA1200301160604
Data de Entrada:04/08/2002
Recorrente:A...
Recorrido 1:SE DAS OBRAS PÚBLICAS
Votação:UNANIMIDADE
Meio Processual:REC JURISDICIONAL.
Objecto:AC TCA.
Decisão:NEGA PROVIMENTO.
Área Temática 1:DIR ADM GER - FUNÇÃO PUBL DISCIPLINAR.
Legislação Nacional:CPC96 ART676 N1 ART680 N1 ART690.
DL 84/84 DE 1984/03/16 ART48 ART81.
CONST89 ART32 N10.
EDF84 ART4 N3 ART45 ART59 N5 ART62.
CP82 ART30 ART118 N2 B.
Jurisprudência Nacional:AC STA PROC47147 DE 2002/01/24.; AC STA PROC47261 DE 2002/01/15.; AC STA PROC36594 DE 2000/02/18.
Aditamento:
Texto Integral: Acordam em conferência, na 1ª secção do STA:
No TCA, A... interpôs recurso contencioso de anulação do despacho de 29-6-99 do SECRETÁRIO DE ESTADO DA OBRAS PÚBLICAS que, no termo de processo disciplinar lhe impôs a pena de aposentação compulsiva, imputando ao acto vícios de violação de lei.
O processo correu os seus regulares e ulteriores termos, vindo, a final e por acórdão de 22-11-01 , aqui a fls. 92-98, a ser negado provimento ao recurso.
De tal acórdão vem interposto o presente recurso jurisdicional, formulando-se, no termo das respectivas alegações as seguintes conclusões:
I. Considerando o artigo 4° ED e as datas da instauração do processo de averiguações e disciplinar (12/05/98 e 03/06/98) devem considerar-se prescritas todas as infracções ocorridas antes de 12/05/1995;
II. Ficam assim prescritas onze das catorze infracções de que o recorrente é acusado;
III. E não é aplicável aos autos o conceito penalístico de "crime continuado", pois não se trataram de factos consubstanciadores de uma única infracção, mas de catorze, como vem o recorrente acusado, além de que esse conceito é intransponível para o direito disciplinar por no direito penal visar favorecer o arguido e aqui pretender-se o contrário;
IV. Também, porque no direito disciplinar existe o artigo 14° ED que afasta aquela aplicação do conceito penalístico;
V. A douta decisão recorrida violou o artigo 4° ED;
VI. Os artigos 45°, 57°, 64°, 65° e 66° ED contêm prazos cujo cumprimento é imposto pela lei e pela garantia constitucional de uma decisão célere (art. 32°/10. CRP), prazos que não foram cumpridos pela autoridade recorrida;
VII. A douta decisão recorrida, ao entender que tais prazos não relevam para a legalidade do acto recorrido, violou esses normativos e o artigo 32°/10. CRP;
VIII. Esses prazos visam proteger os direitos do arguido à sua dignidade pessoal, que ficou assim violada;
IX. Os direitos de defesa do recorrente foram violados ainda, pelo menos, de quatro formas:
acusação vaga e imprecisa; negação da confiança do processo; negação da prorrogação do prazo de defesa; não audição de todas as testemunhas de defesa;
X. A decisão recorrida ao não o entender violou os artigos 42º/1., 59°/4., 61°/5. e 62° ED;
XI. Também, devido às interpretações que a decisão recorrida fez desses normativos, que aplicou, tornaram-se inconstitucionais por violação do artigo 32°/10.CRP os artigos 45°, 57º , 59º , 64°, 65º e 66° (no que se refere aos prazos), 42°/1. e 59º/4. (no que se refere à especificação do tempo), 59º/5., 61°/5. e 62° (no que se refere à confiança do processo, prorrogação do prazo de defesa e audição das testemunhas de defesa), todos do ED;
XII. Ao aplicar esses artigos de forma inconstitucional, a decisão recorrida violou o artigo 204° CRP;
XIII. Depois das alegações complementares foram conhecidos factos novos como o arquivamento do inquérito criminal aberto contra o recorrente;
XIV. Não foram assim encontrados quaisquer ilícitos criminais na conduta do recorrente;
XV. Pelo contrário ficaram demonstrados sérios indícios de falsas declarações da principal testemunha de acusação que claramente emitiu no inquérito criminal declarações contraditórias;
XVI. O inquérito criminal provou que não eram verdadeiras as acusações feitas no processo disciplinar contra o recorrente e que tudo não passou de um acto de ciúme.
A autoridade recorrida pede a confirmação do julgado.
O EMMP emitiu parecer no sentido do improvimento do recurso.
O recorrente, a fls. 151 e ss. vem, como "facto novo", juntar parecer datado de 13-3-02, do Conselho Distrital de Lisboa da Ordem dos Advogados considerando ilegal, por violadora do sigilo profissional, a prestação de depoimento no processo disciplinar do advogado, Dr. B....
O processo correu os vistos legais, cumprindo-nos a decisão:
Nos termos do disposto no art. 713°/6 do CPC, dá-se, aqui, por reproduzido o julgamento da matéria de facto realizado no tribunal recorrido.
Passando-se à análise dos fundamentos do recurso jurisdicional, é ocasião de se lembrar que o objecto deste recurso é tão somente a decisão judicial recorrida, proferida sobre o objecto do recurso contencioso e, salvo as questões de conhecimento oficioso, ou que a lei expressamente mande atender, não é possível conhecer de outras questões que não sejam as já conhecidas pelo tribunal recorrido, com vista à sua eventual revogação ou alteração.
É que, nos termos designadamente dos arts. 676°/1, 680°/1 e 690° do CPC, os recursos são meios de obtenção do reexame, da reforma de decisões dos tribunais inferiores e não vias de obtenção de decisões novas, pelo que, neste recurso haverá de se proceder à reapreciação do julgamento realizado no tribunal a quo e não da legalidade do acto contenciosamente recorrido (Cf. ac. Pleno de 18-2-00 - rec. 36.594, in BMJ 494,377.).
Ora, com ressalva dos recursos de revista, o art. 663°, aqui aplicável, por força do art. 713°/2 ambos do CPC, impõe a consideração dos factos constitutivos, modificativos ou extintivos do direito com influência sobre a existência ou conteúdo da relação controvertida e que se hajam produzido posteriormente à propositura da acção (aqui, da interposição do recurso contencioso), de modo a que a decisão corresponda à situação existente no momento da discussão.
Porém e para que tal conhecimento se haja de realizar, haverá a parte que os invoque de demonstrar a superveniência dos factos e/ou do seu conhecimento só depois de findarem os prazos da sua normal invocação.
Ora, há neste recurso duas situações de superveniência invocadas pelo recorrente:
Começando, precisamente pelo "fim", e como já referido supra, o recorrente, a fls. 151 e ss. vem, como "facto novo", juntar parecer datado de 13-3-02, do Conselho Distrital de Lisboa da Ordem dos Advogados considerando ilegal, por violadora do sigilo profissional, a prestação de depoimento no processo disciplinar do advogado, Dr. B... .
Ora este depoimento foi prestado logo na fase inicial do processo disciplinar, em 10-7-98, confirmando, no essencial o que constava da queixa que, em 3-6-98, apresentara como mandatário de 4 funcionários.
Pelo menos, desde a notificação da 1ª acusação o ora recorrente teve conhecimento da prestação daquele depoimento ou declarações, pedindo, em 30-10-98 a passagem de certidão para efeitos de participação à Ordem dos Advogados, por considerar a ilegalidade ou irregularidade da respectiva prestação.
Perante tal situação assistiria ao ora recorrente o direito à invocação da respectiva nulidade, até à decisão final do procedimento disciplinar, nos termos do disposto no art. 42°/2 do ED/84, o que se não mostra feito, impugnando, no recurso contencioso uma eventual decisão desfavorável em tal matéria.
Não o fazendo e nos termos de tal normativo, a irregularidade verificada haverá de considerar-se suprida, sendo extemporânea a sua arguição, neste recurso jurisdicional, nas condições descritas.
Porém, aceitando-se que o acórdão do CD da OA só foi proferido em 13-2-02, ou seja, já depois do acórdão recorrido, datado de 22-11-01; considerando que a competência para a declaração de violação do sigilo profissional pertence ao presidente do CD/OA, nos termos das disposições conjugadas dos arts. 48° e 81° do EOA, aprovado pelo DL 84/84 de 16-3, não fazendo prova em juízo as declarações prestadas por advogados com violação do sigilo, nos termos do n.º 5 do art. 81° cit.; verificando-se, no entanto que tais declarações não tiveram qualquer relevo no apuramento dos factos apurados com base, nomeadamente na prestação de mais de 45 declarações e depoimentos, a irregularidade praticada não seria susceptível de determinar a anulação do procedimento disciplinar, conforme o a que se dispõe no art. 201°/1 do CPC, dado não ter tido influência na decisão final do procedimento disciplinar.
Outra situação de invocada superveniência é a que se reporta às conclusões XII a XVI, aí se invocando o arquivamento do inquérito criminal, demonstrando a insubsistência da matéria dada como provada no processo disciplinar.
O despacho de arquivamento de um dos inquéritos criminais relativos a factos que são também objecto do processo disciplinar foi proferido em 23-4-01, sendo que o acórdão recorrido foi proferido em 22-11-01, pelo que, primo conspectu poderíamos concluir pela extemporaneidade da arguição deste facto superveniente.
Porém, tendo em atenção que a fase de vistos se iniciara em 3-5-01, dada a proximidade desta data com a da prolação do despacho de arquivamento e tendo em conta, ainda o limite temporal de juntada de documentos p. no art. 706°, nº 2 do CPC , teremos de aceitar que a invocação de tal facto superveniente só haja sido possível neste recurso jurisdicional.
E quanto à questão invocada, é inequívoca a jurisprudência deste STA no sentido da irrelevância do facto invocado, dada a independência e autonomia do processo disciplinar, que não é um minus, mas um alliud em relação ao processo crime, sendo diferentes os respectivos fundamentos, pressupostos da respectiva responsabilidade, fins e sanções, pelo que mesmo a absolvição em processo crime, não prejudica a censura feita com base em idênticos factos que se consideram provados no processo disciplinar (Neste sentido I.a. cf. acs STA de 18-2-99 - rec. 37.476; de 25-11-98- rec. 32.232; de 15-1-02 - rec. 47.261; de 24-1-02- rec. 48.147, sendo que esta orientação é sancionada pelo TC, designadamente nos seus acs. 263/94 de 23-3-94 - rec.566/92; ou 161/95 de 23-5-95- rec. 498/92).
Improcedem, assim esta conclusões.
Passando-se, agora à análise das restantes questões suscitada nas conclusões das alegações:
Nas conclusões I a V o recorrente vem criticar o julgado, na medida em que não foi atendida a sua pretensão de ver declaradas prescritas 11 das 14 infracções por que fora acusado e depois punido.
Impugna ainda o julgado pela aceitação da qualificação dos factos como infracções disciplinares continuadas.
No julgamento desta questão, no acórdão recorrido, foi afastada a prescrição das infracções praticadas antes de 12-5-95, por as mesmas integrarem os elementos típicos de crimes continuados de coacção sexual e de injúrias, com grave abuso de autoridade p. pelos arts. 163°, 181º e 184° do C Penal.
Na análise desta problemática interessará a ponderação do quadro-resumo da situação traçado nos arts. 1º a 10º da acusação aí, se concluindo que o arguido, licenciado em Direito, desempenhando funções de Chefe de Repartição, em regime de substituição desde 22-9-87 até 22-3-98 e, a partir de 9-8-88, a título definitivo, no Quadro de Pessoal da JAE, colocado na Repartição de Expediente Geral da Direcção de Serviços Gerais era por inerência de funções, superior hierárquico e chefe de todo o pessoal administrativo, incluindo auxiliares administrativos que ali prestavam serviço, assim como do pessoal de limpeza dos bares da casa de pessoal e refeitório afectos àquela direcção de serviços.
Também, em tal período, o arguido desempenhou funções de presidente da direcção da Casa do Pessoal e da Cooperativa de Habitação da mesma Casa de Pessoal, sendo, por inerência também chefe do pessoal que aí prestava serviço.
Aproveitando-se do desempenho de tais funções, da sua formação académica, reiterada e continuadamente, desde Outubro de 1987 até Maio de 1998, nas instalações afectas aos respectivos serviços, assediou e perseguiu sexualmente várias funcionárias, suas subordinadas obrigando-as, mediante coacção física, psicológica e moral, a manterem consigo e com terceiros relações sexuais, perseguindo profissionalmente as que não cederam aos seus assédios.
No mesmo período e locais, ameaçou, injuriou e perseguiu profissionalmente funcionários seus subordinados por não colaborarem em factos que nada tinham a ver com o serviço.
Estas conclusões fácticas têm adequada discriminação nos artigos 13° a 79º da acusação e nos pontos 11 a 24 do relatório final da Instrutora, aí se concluindo, integrarem tais factos a prática, em acumulação de 14 infracções disciplinares continuadas, com violação dos deveres gerais de imparcialidade, isenção, zelo, lealdade e correcção, p. nas alíneas a), b), d) e f) do art. 3° do ED/84 e ainda dos princípios de legalidade, responsabilidade, integridade, isenção e imparcialidade e probidade consignados na Carta Deontológica do serviço público a que se refere a Resolução do Conselho de Ministros 18/93 de 18-2, correspondendo, em acumulação, a pena de aposentação compulsiva, uma vez que com todas as infracções cometidas o arguido revela comprovada
incompetência profissional e falta de idoneidade moral para o exercício de funções que vinha desemprenhando, inviabilizando, com o seu comportamento a manutenção da relação funcional.
Com interesse específico na discussão da questão suscitada de prescrição, importará realçar as infracções relativas às funcionárias ... que se prolongaram desde finais de 1988 até Dezembro de 1993, mas com um último episódio, ainda, em Dezembro de 1997. (arts. 13º a 17º da acusação); as relativas à funcionária ... que decorreram entre Outubro de 1987 e Abril de 1995 (arts. 21-26 acusação e pontos 11 e 12 do relatório); as relativas à funcionária ... (arts. 37º a 45° da acusação e ponto 14 do relatório), ocorridas entre 1991 e princípios de 1993; as relativas à funcionária ... (arts. 49 a 53 da acusação e ponto 16 do relatório) ocorridas entre 1988 e meados de 1995.
Em relação a tais infracções, para além de as mesmas poderem integrar elementos típicos de crimes continuados pp. nos arts. 205°, nºs 1 e 3 , 165° e 168º do C Penal de 1982, vigente ao tempo dos factos, (não parecendo, aqui, pertinente a qualificação à luz do C Penal de 1995 adoptada no acórdão recorrido), impondo-se, por isso o alargamento do prazo prescricional, nos termos do art. 4°, nº 3 do ED, também as mesmas se inserem num quadro de continuação infraccional, como se concluiu na o acórdão impugnado.
A problemática da infracção criminal continuada, desenvolvida, inicialmente, entre nós, pelo Prof. Eduardo Correia, na sua tese de doutoramento (Unidade e Pluralidade de Infracções - Coimbra 1945) e depois, nas suas lições (Lições de Direito Criminal, pg. 208 e ss.), foi ganhando apoio jurisprudencial, vindo a obter consagração legislativa no art. 30º do CPena1/82, onde se define o crime continuado como "a realização plúrima do mesmo tipo ou de vários tipos de crime que fundamentalmente protejam o mesmo bem jurídico, executada de forma essencialmente homogénea e no quadro da solicitação de uma mesma situação exterior que diminua consideravelmente a culpa do agente".
Prescindindo-se, para já, de outras precisões e discussões, em relação a um outro aspecto debatidos na doutrina e na jurisprudência criminal, o que interessa referir é que este conceito de infracção continuada veio a ser aceite na jurisprudência em relação ao procedimento disciplinar, quer no âmbito do direito disciplinar de trabalho, quer no domínio do procedimento disciplinar administrativo.
Desta forma, no ac. da Secção Social do STJ de 14-5-97 - rec. 96S217 concluiu-se que "a lei laboral não estabelece um conceito de infracção disciplinar continuada, pelo que deverão aplicar-se no âmbito do direito disciplinar do trabalho, por analogia, os princípios de direito penal quanto àquela figura, ou seja, nomeadamente, o art. 30º do C. Penal" (No mesmo sentido e do mesmo tribunal, cf. acs. STJ de 26-1-98 - rec. 99S297 ; de 14-1-98 - rec. 97S110; de 22-6-98 - rec. 98S361; de 23-2-95- rec. 47647; de 29-3-00- rec. 99S297 e de 3-10-90- BMJ 400, 240).
Na jurisprudência administrativa a figura da infracção disciplinar continuada começando por não merecer aceitação (Ver, v. g .ac. STA de 29-3-90 - rec. 25.187.) acaba, também por ser aceite nos acórdãos de 27-9-00, confirmado pelo ac. Pleno de 9-7-92 ambos no rec. 20.399; de 20-10-92 e do Pleno de 19-12-95 ambos proferidos no pº 27026; do Pleno de 25-1-96- rec. 16.526; de 21-1-97- rec. 37.360.
Em qualquer das jurisdições consideradas, o início do prazo da prescrição, por aplicação analógica da al. b) do nº 2 do art. 118° do CPenal/82 (ou do art. 119º do CPenal/95) foi fixado na cessação da execução, ou seja, na prática do último acto que integra a continuação.
Neste quadro, não é pertinente a censura da decisão feita pelo recorrente, quanto à aceitação no procedimento disciplinar da figura da infracção disciplinar continuada inserindo-se a orientação seguida no acórdão recorrido, como demonstrado, na jurisprudência dos tribunais superiores, tendo, ainda o apoio doutrinal, v.g. de Marcello Caetano (In Manual... 10ª ed., vol. II, pg. 807 e 809) que, definindo a infracção disciplinar, como um facto voluntário praticado por um agente administrativo, com violação de algum dos deveres que, nessa qualidade lhe caibam, refere poder o facto consistir numa acção, numa omissão isoladas ou numa conduta prolongada, continuada e sucessiva.
Desta definição, bem como do respectivo conceito legal contido no art. 3°, n.º 1. do ED/84 vemos que o bem jurídico protegido no direito administrativo disciplinar é o interesse do serviço em que o funcionário se insere e que pode ser ofendido com a violação dos deveres gerais ou especiais decorrentes das funções exercidas.
Isto sugere e impõe, e aqui contrariando um pouco a orientação que foi seguida no processo disciplinar, que a continuação infraccional não é, necessariamente prejudicada pela protecção de bens jurídicos eminentemente pessoais, não tendo de existir tantas infracções tantas as pessoas ofendidas.
Este conceito de ofendido, sendo central no direito criminal em que em cada infracção tipificada se protegem bens jurídicos, designadamente de pessoas, não terá a relevância semelhante no procedimento disciplinar em que a infracção, sendo, normalmente atípica (Como refere Marcello Caetano, loc. cit., pg. 810, só em certos casos a lei define as condições de existência da infracção, criando então um tipo.) se dirige, em exclusivo à violação de deveres profissionais.
Desta forma nada impediria uma mais ampla construção jurídica de continuação infraccional, em relação a todas as situações de assédio e relacionamento sexual com as diversas funcionárias nos locais de trabalho, no período de 1988 a Janeiro de 1998, como aliás vem referido no relatório da senhora instrutora, designadamente nos pontos 9.6 e 11.7.
Para além do mais e como se decidiu no acórdão deste STA de 27-9-00 - rec. 20.399, aliás já citado, "a pedra angular da infracção continuada reside na substancial redução da culpa do agente (redução reportada ao concurso real de infracções) justificada por uma certa disposição exterior das coisas para o facto, pela existência de uma relação que, de fora, e de maneira considerável, facilitou a repetição da actividade ilícita, tornando cada vez menos exigível ao agente um comportamento conforme ao direito"
"no tocante à conexão temporal entre as diversas condutas ilícitas..., não se lhe poderá atribuir qualquer relevância especial.
Apenas será de tomar em conta, na medida (e só nessa medida) em que a distância temporal que medeia entre os vários actos seja tão extensa que afaste a possibilidade de perdurar a mesma configuração exterior das coisas, deixando assim de presidir à actuação plúrima do agente as mesmas circunstâncias exógenas que fundamentam a atenuação da pena".
De tudo o exposto resulta a sem razão do recorrente no que tange matéria das conclusões I a V das alegações.
Passando-se, agora análise da questão de caducidade do processo, por incumprimento dos prazos p. nos arts. 45°, 57°,64°, 65° e 66° do ED.
Esta questão foi desatendida no acórdão ora recorrido na consideração de que os prazos referidos em tais normativos têm carácter meramente disciplinador da actividade administrativa, não implicando a sua não observância qualquer efeito externo, designadamente o pretendido pelo recorrente.
Este juízo não nos merece censura estando, aliás em consonância com a jurisprudência deste STA (Para além do acórdão do Pleno de 9-7-97 citado no texto do acórdão, poderemos, na mesma orientação, citar os acs. de 6-11-97- rec. 28.566; de 24-9-96 - rec. 38.304; de 10-10-85- rec. 20.490, de 25-11-98- rec. 32.232)
Sem embargo se acrescentará que a dilatação dos prazos procedimentais referidos, no caso presente até colhe justificação pela complexidade do processo disciplinar , com dez grossos volumes, com audição de diversas pessoas, sendo que só a requerimento do ora recorrente, contrariando, então, o ora manifestado desejo de celeridade, foram ouvidas 81 pessoas, algumas das quais residentes fora da localidade onde o processo corria e que o ora recorrente se não prontificou a apresentar ou, até, a auxiliar na sua localização.
A ora pretendida celeridade também não deixou de ser prejudicada pelos incidentes processuais referidos nos autos.
Finalmente, nas conclusões IX a XI, o recorrente vem suscitar a apreciação dos seus direitos de defesa, com violação da lei ordinária e constitucional.
Neste campo, aponta que tais direitos foram violados em quatro campos, a saber:
-Dedução de acusação vaga e imprecisa, com violação do art. 42°/1 do ED e do art. 32° da CRP;
- negação da confiança do processo ao seu advogado, com violação do art. 62° do ED
- recusa de prorrogação do prazo de defesa, com violação do art. 59º/5 do ED;
- não audição de todas as testemunhas indicada pela defesa, em violação do art. 61°/5 do ED.
No que toca a estas conclusões, compulsados os autos, vemos que apenas a primeira das quatro questões foi apreciada no acórdão ora recorrido que, não se pronunciou sobre as três restantes.
Ora e como já acima mencionado, e de acordo com a unanimidade jurisprudencial dos tribunais superiores, os recursos jurisdicionais não são vias jurisdicionais para se alcançarem novas decisões, mas sim meios de reforma das decisões tomadas pelos tribunais inferiores, pelo que se não vai conhecer das questões ora suscitadas da negação da confiança do processo ao
advogado do ora recorrente, da negação da prorrogação do prazo de defesa e da não audição de todas as testemunhas arroladas pela defesa.
Quanto à questão da vacuidade e imprecisão da acusação:
No acórdão ora impugnado, julgando-se não verificado tal vício considerou-se que da acusação constam todos os factos apurados no relatório final, com a localização temporal possível atenta a natureza dos mesmos.
E este juízo merece-nos inteira concordância, pois os mesmos ocorreram já havia algum tempo e não era exigível, nem seria natural que pudesse existir maior precisão.
Como também se refere, "mesmo no âmbito da acusação em processo penal, a indicação das circunstâncias de lugar, tempo e motivação deve ser incluída, se possível, não inquinando a acusação de nulidade a falta de tais menções, quando não seja possível determiná-los com exactidão".
E se é certo que, em alguma situações, a acusação começa com a frase "em datas que não foram precisas", a verdade é que tal frase é sempre completada com a indicação do ano, com a especificação ou do mês ou da fase do ano (inícios, meados, finais) em que os factos ocorreram.
A isto se poderá acrescer que existindo, nas partes criticadas, uma infracção disciplinar continuada, o que é punido não é o facto histórico isolado, mas um comportamento em que aquele se integra como um seu elemento.
A acusação não se reporta aos factos parcelares temporalmente localizados com relativa, mas a possível exactidão, mas sim a uma conduta em que se integram tais factos e outros que lhe são pressupostos, pelo que a defesa se fará em relação à globalidade do comportamento, que não em relação a cada um dos episódios.
A este respeito e com lógica referência directa ao processo criminal, mas com inteira aplicabilidade na situação em exame, e no que respeita à figura jurídica do crime continuado, não deixaremos de referir a posição do Prof. Figueiredo Dias (In Direito Penal Português, II vol. pg. 296) para quem, a unidade jurídica construída sobre a pluralidade efectiva de crimes releva mais da praticabilidade dos resultados, evitando-se lacunas de julgamento, intermináveis investigações, relevando mais o seu efeito simplificador.
E nesta perspectiva, a possibilidade de exercício do direito de defesa é muito mais ampla, pois a dificuldade probatória está no campo da acusação que, para além de cada episódio, terá que demonstrar a sua interligação e o juízo global sobre a conduta do agente.
Não obstante e como se referiu no acórdão, a acusação, mesmo em relação a cada episódio apurado e referido, tem uma localização temporal com a natural e credível determinação que permitem regular exercício do direito de defesa, como aliás se demonstrou no processo disciplinar.
Daqui decorre que a acusação foi feita no escrupuloso respeito dos direitos de defesa, pelo que não é pertinente a invocada violação da lei ordinária, estando, por isso em conformidade com o preceituado no art. 32°/10 da CRP.
Pelo exposto e improcedendo todas as conclusões apreciadas acorda-se em negar provimento ao recurso, confirmando-se a decisão recorrida.
Custas pelo recorrente, com 400 euros de taxa de justiça, sendo a procuradoria de metade
Lisboa, 16 de Janeiro de 2003
João Cordeiro - Relator - Santos Botelho - Cândido de Pinho