Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0116/03
Data do Acordão:04/09/2003
Tribunal:1 SUBSECÇÃO DO CA
Relator:VÍTOR GOMES
Descritores:DIREITO DO URBANISMO.
CADUCIDADE.
CONDIÇÃO RESOLUTIVA.
PRINCÍPIO DA BOA-FÉ.
LICENÇA DE CONSTRUÇÃO.
Sumário:I - Para efeitos do disposto no art.º 24º do Regulamento do Plano Director Municipal de Olhão (ratificado pela RCM n.º 50/95, publicada no DR-I B, de 31/5/95) e do art.º 26º do PROT - Algarve, aprovado pelo Dec. Regulamentar n.º 11/91, de 21 de Março, considera-se edificação dispersa a que se situe fora das classes de espaço urbano e urbanizável definido pelas respectivas plantas de ordenamento.
II - Na área abrangida pelos instrumentos de ordenamento do território anteriormente referidos, não são permitidas novas edificações que provoquem ou aumentem a edificação dispersa. Por "razões ponderosas" podem excepcionalmente ser autorizadas edificações isoladas, desde que daí não resultem alterações significativas dos objectivos que estão subjacentes a cada classe de espaço nem tornem mais difícil ou onerosa a elaboração e execução dos planos que estruturem a área ( art.º 24º, n.º 3, al. a) do Regulamento do PDM de Olhão e art.º 26º, n.º 2 do PROT-Algarve).
III - O licenciamento concedido, a título excepcional, nos termos da al. a) do n.º 3 do art.º 24º do Regulamento do PDM de Olhão e do n.º 2 do art.º 26º do PROT-Algarve, fica sujeito à condição resolutiva implícita da subsistência da situação invocada pelo requerente e aceite pela Administração para preencher o conceito de "razões ponderosas", que acresce às causas de caducidade previstas no n.º 1 do art.º 23º do DL 445/91.
IV - O princípio da boa fé, consagrado no art.º 6º-A do CPA, é fundamento normativo suficiente para a caducidade de tal licenciamento, cessada a causa invocada pelo titular da licença e aceite pela Administração como "razões ponderosas". É o que sucede quando o titular da licença, que a obteve com fundamento, por ele invocado, aceite pela Administração e expresso no acto, de que era emigrante, pretendia regressar a Portugal e precisava de construir a casa para aí morar, aliena o terreno, antes de iniciada a construção
Nº Convencional:JSTA00059103
Nº do Documento:SA1200304090116
Data de Entrada:01/17/2003
Recorrente:A...
Recorrido 1:CM DE OLHÃO
Votação:UNANIMIDADE
Meio Processual:REC JURISDICIONAL.
Objecto:SENT TAC DE LISBOA.
Decisão:NEGA PROVIMENTO.
Área Temática 1:DIR URB - LICENCIAMENTO CONSTRUÇÃO.
Legislação Nacional:CPA91 ART100.
DL 445/91 DE 1991/11/20 ART23 N1 ART24 N3 A ART29 N2.
DL 250/94.
Aditamento:
Texto Integral: Acordam na Secção do Contencioso Administrativo ( 1ª Subsecção) do Supremo Tribunal Administrativo
A... recorre da sentença do Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa que negou provimento ao recurso contencioso que interpusera da deliberação da Câmara Municipal de Olhão de 15 de Novembro de 2000.
Pede a revogação da sentença recorrida nos termos seguintes:
1- A sentença recorrida ao entender que "tendo a licença sido concedida "intuitu personae", o requerente adquirente do prédio não podia beneficiar dela, fazer uso dessa licença, só o titular da mesma, o anterior proprietário o poderia fazer, caducando a licença se não desse cumprimento ao previsto no art.º 23º do DL 445/91, de 20/11", fá-lo sem ter base legal para o efeito, que aliás nem sequer invoca.
2- De facto, quer o registo do prédio na Conservatória do Registo Predial de Olhão, quer o alvará de licença de construção, não referem qualquer ónus, nomeadamente que a licença tenha sido concedida "intuitu personae", facto que o recorrente e não podia conhecer.
3- Por outro lado, a caducidade de uma licença de construção só pode ocorrer verificadas as alíneas a), b) ou c) do n.º 1 do art. 23 do DL 445/91, com a redacção que lhe foi dada pelo DL 250/94, não havendo qualquer norma legal que permita a caducidade de uma licença de construção pelo facto de o prédio onde a mesma está prevista mudar de proprietário.
4- É clara a lei que para o efeito de mudança de titular de um alvará de licença de construção basta comunicar à Câmara Municipal que o prédio mudou de proprietário.
5- Do exposto, deve a sentença ser revogada, por não ter base legal a fundamentação que apresenta para entender que o recorrente não podia beneficiar do alvará de licença de construção para uma moradia no seu prédio, por a licença de construção ter sido concedida "intuitu personae" ao anterior proprietário, facto que não releva no direito urbanístico.
6- Tendo ficado provado que o prédio do recorrente é servido de rede viária, está electrificado, dispõe de água canalizada, rede telefónica e sistema de saneamento básico, como a própria Câmara reconhece expressamente, é facto que qualquer edificação neste prédio não pode ser qualificada como edificação dispersa, pois aqui trata-se de um conceito ligado à inexistência de infra-estruturas urbanas, o que não é o caso.
7- Daí que o fundamento do acto administrativo para indeferir o requerido não se aplica ao caso concreto, por não ser edificação dispersa a construção em prédio infra-estruturado.
8- O recorrente alegou que o acto recorrido não identifica a norma violada para julgar caducado o alvará n.º 527, de 20/8/99, o que faz que o acto padeça de vício de falta de fundamentação ( artºs 124º e 125º do CPA).
9- Sobre esta conclusão a sentença nada diz, sendo certo que deveria pronunciar-se sobre ela pois é facto fundamental para o indeferimento do pedido.
10-Também por este facto deve a sentença ser revogada ou anulada.
11-Por admitir que o requerente não podia beneficiar da licença concedida ao transmitente, o juiz a quo não pode entender os restantes vícios de violação de lei.
12-Ao contrário do que sobressai da douta sentença recorrida, o acto recorrido é, inequivocamente, discricionário, pois poderia ter sido outro o sentido da decisão, sem que tal facto violasse a lei.
13-Bastaria entender que, por não se terem verificado quaisquer das previsões do n.º 1 do art.º 23º do DL 445/91, o alvará de licença de construção não estava caducado e, consequentemente, aprovado ou não o projecto de alterações que lhe tinha sido presente para substituir o projecto de arquitectura já aprovado.
14-Assim, e porque o acto recorrido é inequivocamente discricionário, a douta sentença deveria ter-se pronunciado acerca da violação dos princípios da proporcionalidade e da justiça, devendo ser anulada, por não o ter feito.
A autoridade recorrida alegou no sentido da confirmação da sentença recorrida.
A Ex.ma Procuradora-Geral Adjunta emitiu parecer no sentido do não provimento do recurso.
2. Ao abrigo do disposto no n.º 6 do art.º 713º do CPC, remete-se para a matéria de facto assente pela sentença recorrida.
3. A situação, tal como resulta da matéria de facto provada, pode assim resumir-se:
O anterior proprietário de um terreno rústico, situado em Bias do Sul, freguesia de Moncarapacho, concelho de Olhão, fora do espaço urbano e urbanizável face à classificação de uso dos solos do PDM de Olhão ( ratificado pela Resolução do Conselho de Ministros n.º 50/95, publicada no DR I Série B de 31/5/95), obteve aprovação de um projecto de construção de uma moradia nesse terreno, "de acordo com o disposto na al. a) do n.º 3 do art.º 24º do PDM, considerando que o requerente é emigrante, necessita da habitação em Portugal e o processo teve início em 1987, antes da entrada em vigor do PROTAL". Foi emitido o alvará de licença, válido até 20/8/2000 ( fls.55), com base em requerimento de 16/8/99 ( fls. 54). Tendo adquirido esse terreno, por escritura de 23/8/99 ( fls.57), o recorrente apresentou, em 5/6/2000 ( fls 60) um pedido de licenciamento de construção para o mesmo terreno, que foi indeferido pela deliberação de 15/11/2000 ( acto impugnado) por se considerar que a construção projectada iria agravar a edificação dispersa e que a licença concedida ao anterior proprietário caducara com a alienação do terreno.
A sentença recorrida, julgou improcedentes os vícios de violação de lei imputados ao acto impugnado, considerando, no essencial, que o indeferimento teve por fundamento o disposto na al. a) do nº 1 do artº 63º do DL 445/91, na red. do DL 250/94 com referência ao n.º 3 do art.º 24º do Regulamento do PDM de Olhão, preceito este que não permite novas edificações que provoquem ou aumentem a edificação dispersa, nos termos do art.º 26º do PROT - Algarve, sendo o terreno do recorrente classificado de agrícola e não se verificando no caso ( ao contrário do que sucedia em relação ao anterior proprietário) razões ponderosas que justificassem o afastamento daquela regra.
Importa ter presentes as disposições dos instrumentos de planeamento urbanístico que, no entender da sentença recorrida, justificam o indeferimento. Dispõe o art.º 24º, nº3, al. a) do PDM de Olhão, sob a epígrafe Disposições comuns à edificabilidade, que
"3. Fora dos espaços urbanos e urbanizáveis não são permitidas novas edificações que provoquem ou aumentem a edificação dispersa, nos termos do disposto no art.26 do PROT-Algarve.
a) Por razões ponderosas, demonstradas pelo interessado, podem excepcionalmente ser autorizadas edificações isoladas, desde que daí não resultem prejuízos nem alterações significativas dos objectivos que estão subjacentes a cada classe de espaço".
b) ..."
Este preceito do PDM remete para o art.º 26 do PROT-Algarve, aprovado pelo Decreto-Regulamentar nº 11/91, de 21 de Março, que dispõe o seguinte:
Artigo 26.º
Proibição de edificação dispersa
1 - Sem prejuízo do disposto nos artigos 23.º, 24.º e 25.º, fora das zonas de ocupação urbanística, a que se referem os artigos 9.º e 11.º, não podem ser autorizadas operações de loteamento nem novas edificações que provoquem ou aumentem a edificação dispersa.
2 - Por razões ponderosas demonstradas pelo interessado, designadamente as que digam respeito à organização de explorações agrícolas, podem, excepcionalmente, ser autorizadas edificações isoladas, desde que daí não resultem derrogações ao estabelecido no presente diploma.
O conceito de edificação dispersa retira-se do art.º 24º do PROT-Algarve do seguinte teor:
Artigo 24.º
Áreas de edificação dispersa
1 - Consideram-se áreas de edificação dispersa as que, não pertencendo às zonas de ocupação urbanística, a que se referem os artigos 9.º e 11.º, para efeitos de estruturação urbana, apresentem as seguintes características:
a) Ocupação predominantemente habitacional;
b) Densidade populacional igual ou superior a 2,5 habitantes por hectare.
2 - Cabe às câmaras municipais identificar as áreas referidas nos números anteriores e integrá-las nos planos municipais respectivos.
3 - ( ....)
4 - Nas áreas referidas no n.º 1 não devem ser autorizadas operações de loteamento nem novas edificações que possam comprometer ou tornar mais difícil ou onerosa a elaboração e execução dos planos que estruturem a área.
De posse dos elementos normativos essenciais, vejamos se procede a argumentação do recorrente.
Em primeiro lugar, ao apresentar um novo pedido de licenciamento e não um mero pedido de averbamento do licenciamento anterior, por sucessão na posição jurídica do anterior proprietário do terreno, o requerente sujeitou-se à apreciação do projecto segundo as regras de edificabilidade no momento vigentes para o espaço em causa.
Ora, no PDM de Olhão e segundo a informação dos Serviços Técnicos de fls. 64, que o recorrente não põem em dúvida, o terreno localiza-se na classe de espaço agrícola, numa zona que, segundo a planta de ordenamento-síntese, integra uma "Unidade Operativa de Planeamento e Gestão", que corresponde ao núcleo de desenvolvimento turístico da Fuzeta-Moncarapacho ( UOP 5). Assim sendo, nos termos do art. 88º n.º 2 Regulamento, até à criação do correspondente núcleo de desenvolvimento turístico, tais áreas não constituem espaços urbanizáveis, estando sujeitas às regras estabelecidas no PDM para as diversas categorias de espaços onde se integram.
Daqui resulta que, não se situando em zona imediatamente definida pelo PDM como espaço urbano ou urbanizável, o licenciamento da construção no terreno em causa está sujeito à regra da proibição da edificação dispersa constante do art.º 24º do Regulamento do PDM e do art.º 26º do PROT-Algarve. Isto é, até à definição da ocupação do solo que possa resultar da elaboração do plano de pormenor do núcleo de desenvolvimento turístico que o PDM prevê, todo o licenciamento de construções isoladas na zona só pode ser concedido a título excepcional, em face de "razões ponderosas" demonstradas pelo interessado e desde que daí não resulte agravamento significativo dos objectivos que estão subjacentes a cada classe de espaço, designadamente, à imposição de contenção de alastramento da edificação dispersa na classe de espaço agrícola, constante do art.º 37º do Regulamento do PDM.
Ora, o que do acto resulta é que, por contraste com o licenciamento concedido ao anterior proprietário, o recorrente não provou a existência de particulares circunstâncias que possam ser qualificadas como "razões ponderosas".
O facto de no momento de aquisição do terreno estar licenciada para o local a construção de uma moradia unifamiliar ( alvará n.º 527/99) e de o recorrente ter confiado na possibilidade de edificação, mantidos os índices de construção não integra o conceito de "razões ponderosas" para efeitos do disposto no cit. art.º 24º, isto é, não é por si suficiente para justificar a excepção à regra da proibição de agravamento da edificação dispersa, independentemente dos direitos que daí lhe possam advir face ao alienante ou, eventualmente, face à Administração se por esta tiver sido violado qualquer dever de informação ou de documentação causalmente adequado a evitar que terceiros incorressem em erro quanto à aptidão edificatória.
E isto é assim, quer se entenda que estamos perante um pedido de licenciamento ex novo, como resulta do teor literal do requerimento, quer perante um pedido de alterações ao projecto, interpretando neste sentido, apesar da ausência de referência expressa, a simples referência aos antecedentes do licenciamento que consta do requerimento do recorrente ( cfr. fls. 60), em conjugação com a sua resposta quando ouvido nos termos do artº 100º do CPA.
Efectivamente, mesmo se o pedido fosse tratado como de alteração do projecto, sempre esta implicaria nova apreciação integral face às normas então vigentes, nos termos do n.º 2 do art.º 29º do DL 445/91, com a redacção que lhe foi dada pelo DL 250/94. E, sem que pudesse ser considerado o facto do licenciamento anterior para considerar automaticamente ultrapassada a proibição de licenciamento que contribua para gerar ou agravar a edificação dispersa, porque, tal como se considerou no acto impugnado e na sentença, o licenciamento anterior deve considerar-se caducado com a alienação do terreno.
Na verdade, as razões pelas quais se considerou preenchida a condição excepcional de licenciamento nos termos da al. a) do n.º 3 do art.º 24º a favor do anterior proprietário são de natureza eminentemente subjectiva: ser o requerente emigrante, pretender regressar a Portugal e não ter casa para aqui residir. Trata-se de um pressuposto especial do licenciamento, de natureza pessoal, cuja existência ( ou convicção de existência ) foi condição sine qua non do licenciamento e cuja cessação o extingue.
Efectivamente, se o titular do licenciamento o obteve a título excepcional e só o obteve - foi esse o fundamento da excepção à proibição de construção no espaço em causa - porque se considerou que o facto de ele ser emigrante, pretender regressar a Portugal e precisar da casa que queria construir para morar, preenchia a previsão da al. a) do n.º 3 do art.º 24º do Regulamento do PDM e do nº 2 art.º 26º do PROT-Algarve, a alienação do terreno faz desaparecer ( ou demonstra o desaparecimento ) a causa desse efeito excepcional. A construção só foi licenciada porque se considerou que a necessidade de casa para habitação do anterior proprietário do terreno preenchia a situação excepcional prevista nos referidos preceitos. Face ao tipo de acto em causa, à disciplina específica do licenciamento por razões ponderosas, é-lhe inerente a sujeição da licença de construir à condição resolutiva implícita de manutenção da situação que foi ponderada como motivo determinante susceptível de remover, a título excepcional, a proibição de edificação dispersa.
Assim, a cessação dessa necessidade anteriormente ao uso da licença pelo seu titular, objectivamente demonstrada pela alienação do terreno sem que a obra tivesse sequer começado, constitui uma causa de extinção dos efeitos do acto, que é inerente ao próprio licenciamento e que acresce aos casos de caducidade previstos no n.º 1 do art.º 23º do DL 445/91, sem necessidade de previsão legal expressa. Em geral, o intuitu personae não releva no direito urbanístico; mas já releva quando - por acto cuja legalidade não está aqui em apreciação - o afastamento de uma proibição objectiva de construir só tenha sito possível pela verificação de determinadas circunstâncias particulares estritamente ligadas à pessoa do requerente.
Argumenta o recorrente que não há preceito legal que preveja essa causa de extinção dos efeitos do licenciamento de construção. Em seu entender, a caducidade da licença apenas se verificaria nas hipóteses previstas no n.º 1 do art.º 23º do DL 445/91, não tendo o acto base legal.
Não tem razão, decorrendo dos princípios gerais do procedimento administrativo a imposição de que a subsistência do pressuposto que foi motivo principalmente determinante do licenciamento a título excepcional seja considerada condição de manutenção dos seus efeitos, sob pena de estar aberta a porta para actuações em fraude à lei. A existência de uma condição resolutiva implícita encontra suporte normativo bastante no princípio da boa fé, que obriga tanto o administrado como a Administração, em todas as formas e fases do procedimento administrativo ( art.º 6º-A do CPA). Designadamente, a caducidade pela cessação da causa determinante da concessão excepcional da licença cabe na previsão da al. b) do n.º 2 do art.º 6º-A do CPA que obriga a que, na apreciação das implicações deste princípio, se ponderem os valores fundamentais do direito, relevantes em face das situações consideradas e, em especial, o objectivo a alcançar com a actuação empreendida.
É certo que a caducidade da licença não erradica totalmente a possibilidade de verificação de actuações fraudulentas, podendo argumentar-se com o facto de, realizada a obra, nada impedir a venda do prédio. Essa será uma impotência inerente à natureza do instituto em causa. Nessa hipótese, a caducidade do licenciamento não poderia operar utilmente para obstar ao desvio porque o acto de licenciamento já teria esgotado os seus efeitos jurídicos. Mas, não podendo prevenir ou erradicar todos os desvios, a caducidade por verificação da condição resolutiva implícita sempre se mostra remédio jurídico adequado para evitar as suas formas mais grosseiras ou mais imediatas, como é aquela que consiste em remover a proibição genérica de edificação dispersa, comovendo a Administração com a necessidade de construir para habitação própria, face à qualidade de emigrante e à intenção de retorno ao País, para seguidamente vender o terreno valorizado com a licença.
A circunstância de o recorrente ter adquirido o prédio rústico no convencimento de que poderia nele construir, por não constar do registo predial nem do alvará de licença n.º 527/99 qualquer referência ao condicionamento especial do licenciamento, é matéria que respeita às suas relações com o alienante quanto às qualidades da coisa vendida, não sendo oponível à Administração para forçar um licenciamento contra o disposto nos instrumentos de planeamento urbanístico em vigor.
Por último, neste capítulo de apreciação dos vícios de violação de lei, importa ter presente que, contra o sustentado pelo recorrente, no conceito de edificação dispersa, para efeito do disposto no art.º 24 do Regulamento do PDM não releva o facto de existirem ou não infra-estruturas urbanísticas. Releva, apenas, a classificação dos espaços segundo as plantas e o regulamento do PDM, como resulta do artº 26º do PROT-Algarve. A edificação é dispersa sempre que se situe fora das classes de espaço urbano e de espaço urbanizável, nos termos do art. 22 do Regulamento e das respectivas plantas de síntese.
Improcedem, consequentemente, as conclusões 1 a 7 das alegações do recorrente.
4. A sentença recorrida julgou improcedente o vício de falta de fundamentação considerando que "resulta suficientemente, de forma clara e congruente do acto, os motivos facticos e jurídicos que conduziram à decisão de indeferimento do pedido do recorrente, resultando de resto claramente da sua petição de recurso que o recorrente, pese embora não concordando com ela, percebeu o porquê da decisão de indeferimento: a caducidade da autorização para construção concedida ao anterior proprietário, por ter sido concedida ao abrigo de razões ponderosas, nos termos do art. 24 n.º 3 al. a) do PDM, que deixaram de existir com a alienação do terreno pelo anterior proprietário, em relação ao qual se verificavam, ao recorrente, que por seu turno as não invoca ( o que concordando-se ou não com a conclusão, constitui fundamentação suficiente, clara e não obscura); e, por, à luz das regras sobre edificabilidade a que o pedido do recorrente fica sujeito, não ser permitida a edificação dispersa, nos termos do n.º 3 do art. 24 do PDM, fundamentando-se o indeferimento na al. a) do n.º 1 do art. 63 do Decreto-Lei n.º 250/94 ( fundamentos que constam do parecer do Consultor Jurídico, de 24/10/2000 e do parecer dos STO de 19/9/2000, para o qual expressamente remete)".
O recorrente critica a sentença por não ter ponderado o argumento de que a fundamentação do acto é insuficiente uma vez que dele não consta a indicação da norma que estabeleceria a caducidade.
Sem razão.
A fundamentação de direito não exige sempre a expressa citação ou a subsunção a um preceito legal que comine o resultado. Pode consistir na referência a uma norma ou a um princípio jurídico que se extraia do conjunto do sistema.
Ora, o acto recorrido remete para o parecer do Consultor Jurídico no qual se enuncia claramente o princípio jurídico de que deriva a caducidade: o desaparecimento do pressuposto excepcional, de natureza eminentemente ligada à pessoa do respectivo titular, em que se fundara o anterior licenciamento. Diz-se no parecer, depois de referir as condições desse licenciamento e o disposto no art. 23, n.º 3, al. a) do Regulamento do PDM que "tratando-se de uma excepcionalidade subjectiva, ligada à pessoa do interessado, configura-se ela, a meu ver, como geradora de um direito pessoal, intransmissível, e que se deverá considerar caduca quando o quadro em que se constituiu deixa de existir. A circunstância de o titular da autorização ter vendido o terreno para o qual, por razões ponderosas, a pediu, indicia que essas razões já não estão presentes".
Há aqui a enunciação de um quadro jurídico perfeitamente determinado, que constitui fundamentação suficiente, como se julgou na sentença recorrida, porque permite reconstituir, se ambiguidade, o iter valorativo e cognoscitivo que conduziu ao indeferimento da pretensão.
Improcedem, pois, as conclusões 8 a 10 das alegações do recorrente.
5. Entendeu a sentença recorrida, a propósito da invocada violação dos princípios da proporcionalidade e da justiça que, no caso, não faz sentido invocar a violação de tais princípios fundamentais, uma vez que os mesmos apenas tem autonomia no âmbito da actividade discricionária da Administração, de que são limites internos, confundindo-se com a legalidade quando, como no caso, estamos perante o exercício de um poder vinculado.
O recorrente critica este entendimento defendendo que a Administração exerceu um poder discricionário "pois poderia ter sido outro o sentido da decisão, sem que tal facto violasse a lei", bastando para tanto que não tivesse considerado caducado o licenciamento anterior, por não se verificar nenhuma das hipóteses previstas no art.º 23º do DL 445/91.
Por esta perspectiva, o recorrente não tem razão.
Efectivamente, na parte em que assentou no pressuposto de que o licenciamento anterior caducara e de que o pedido do recorrente teria de ser apreciado como um pedido de licenciamento ex novo, a Administração não exerceu um poder discricionário. Se tivesse errado - e já vimos que não errou - ao considerar verificada uma situação de extinção dos efeitos do licenciamento anterior não prevista no art.º 23º do DL 445/91, a Administração teria violado a lei, não passando um acto a ser praticado no exercício de um poder discricionário só por não ter cobertura legal.
Tanto basta para, nos limites da argumentação do recorrente, julgar também improcedentes as conclusões 11 a 14 das suas alegações.
6. Decisão
Pelo exposto, acordam em negar provimento ao recurso e condenar o recorrente nas custas.
Taxa de justiça: Euros 400 (quatrocentos euros)
Procuradoria : Euros 200 (duzentos euros)
Lisboa, 9 de Abril de 2003.
Vitor Gomes – Relator - Pais Borges – Freitas Carvalho