Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0620/15
Data do Acordão:09/24/2015
Tribunal:1 SECÇÃO
Relator:CARLOS CARVALHO
Descritores:INTIMAÇÃO PARA PROTECÇÃO DE DIREITOS LIBERDADES E GARANTIAS
EXAME
ILEGALIDADE
REGULAMENTO DO ESTÁGIO PARA SOLICITADOR
Sumário:I - Nos termos dos arts. 77.º, 94.º a 98.º do Estatuto da Câmara dos Solicitadores - «ECS» [anexo ao DL n.º 88/2003], a inscrição na Câmara de Solicitadores está condicionada ao preenchimento, por parte de cada candidato, dos requisitos cumulativos: a) da detenção de cidadania portuguesa ou da UE; b) da titularidade de diploma referente a licenciatura em direito ou em solicitadoria; c) da aprovação no estágio e no exame de carácter nacional elaborado nos termos de regulamento aprovado pelo conselho geral da Câmara de Solicitadores; e, d) da ausência de inclusão em qualquer das situações definidas no art. 74.º do mesmo Estatuto.
II - A realização e a aprovação num exame final escrito de carácter nacional por parte dos candidatos a solicitador constitui um requisito imposto estatutária e legalmente [art. 98.º, n.º 1, al. b), do «ECS»], sem o qual não poderá haver inscrição naquela Câmara.
III - De harmonia com o referido preceito os candidatos integrantes do estágio para solicitador relativo aos anos de 2013/2014 não estão desonerados da necessidade de submissão e aprovação no referido exame final escrito de carácter nacional, exigência essa que não é ofensiva dos princípios da legalidade, da igualdade, da proporcionalidade, da imparcialidade, da justiça e da boa fé, nem infringe o disposto no art. 24.º, n.º 6 da Lei n.º 2/2013.
IV - Da desaplicação do segmento normativo ilegal contido no art. 09.º do Regulamento n.º 596/2011, aprovado pelo Conselho Geral da Câmara de Solicitadores, não decorre e não se extrai, como consequência, a eliminação da obrigação de submissão e aprovação no exame final escrito por parte de cada candidato ao referido estágio.
Nº Convencional:JSTA00069348
Nº do Documento:SA1201509240620
Data de Entrada:06/30/2015
Recorrente:A..... E OUTROS
Recorrido 1:CÂMARA DOS SOLICITADORES
Votação:UNANIMIDADE
Meio Processual:REC REVISTA EXCEPC
Objecto:AC TCAS
Decisão:NEGA PROVIMENTO
Área Temática 1:DIR ADM CONT - MEIO PROC ACESSÓRIO INTIMAÇÃO.
Legislação Nacional:CPC13 ART574.
ESTATUTO DA CÂMARA DOS SOLICITADORES APROVADO PELO DL 88/03 DE 2003/04/26 ART77 N1 ART94 ART95 ART96 ART97 ART98 N1 B.
L 2/13 DE 2013/01/10 ART24 N6 ART52 N1 ART53 N6.
L 154/15 DE 2015/09/14.
RGU DO ESTÁGIO PARA SOLICITADORES 596/11 IN DR 219 IIS DE 2011/11/15 ART8 ART9.
Jurisprudência Nacional:AC STA PROC0237/14 DE 2014/09/10.
Aditamento:
Texto Integral:

Acordam em conferência na Secção de Contencioso Administrativo do Supremo Tribunal Administrativo:

1. RELATÓRIO
1.1. A………, B…….., C…….. e D…….., devidamente identificados nos autos, instauraram no Tribunal Administrativo e Fiscal de Lisboa [«TAF/L»], nos termos dos arts. 109.º e segs. do CPTA, a presente impugnação urgente de intimação para proteção de direitos, liberdades e garantias contra a CÂMARA DOS SOLICITADORES, peticionando, pela motivação aduzida na petição inicial de fls. 02 e segs. dos autos, nomeadamente, a intimação da R. a admitir a sua inscrição como solicitadores sem terem de prestar exame final de estágio, bem como que seja considerado “inconstitucional a marcação do exame final de estágio dos Autores por violação dos princípios constitucionalmente fixados da igualdade e da proporcionalidade”.

1.2. O «TAF/L» proferiu decisão, datada de 18.11.2014, onde julgou totalmente improcedente a pretensão dos AA. e absolvendo o R. dos pedidos [cfr. fls. 169 e segs.].

1.3. Os AA., inconformados com esta decisão, recorreram para o TCA Sul o qual, por acórdão de 12.03.2015, negou provimento ao recurso jurisdicional, confirmando o julgado recorrido.

1.4. Invocando o disposto no art. 150.º do CPTA os mesmos AA., discordando do acórdão proferido pelo TCA Sul, interpuseram, então, o presente recurso jurisdicional de revista com o seguinte quadro conclusivo que se reproduz:
...
1ª) O douto Acórdão recorrido afastou-se da aplicação do direito positivado, que é no nosso sistema jurídico, a única base onde os sujeitos de direito se podem estribar para identificar e fazer valer os seus direitos, porque é a partir da lei que se deve fazer a boa aplicação do direito.
2ª) Assim conclui-se que, in casu, está preenchido o requisito previsto no art. 150.º/1 (parte final) segundo o qual - a admissão do presente recurso de revista excecional é claramente necessária para uma melhor aplicação do direito.
3ª) Facto inequivocamente provado é o de que todos os autores e recorrentes foram considerados, no final do seu estágio, aptos.
4ª) Esta conclusão advém do facto de os recorrentes, no n.º 30 da petição inicial, alegaram terem tido boa informação, condição de inscrição como solicitadores, que preenchiam, já que todos eles tiveram a classificação de «APTO» e esta classificação tem apenas duas classes, a saber: «APTO» e «NÃO APTO» e este facto não foi infirmado.
5ª) Na verdade a recorrida não veio alegar que o facto invocado era falso, nem da sua defesa tomada no seu conjunto resulta a falsidade da alegação dos recorrentes.
6ª) Tratou-se, portanto, de um facto não especificadamente impugnado que deve ser tido por assente, por acordo, acordo esse que é confessório, nos termos do previsto no art. 574.º/1 do Código de Processo Civil (adiante dito CPC) que é aqui perfeitamente aplicável.
7ª) Importa ainda concluir que este aspeto que se releva é questão de direito que se prende com a aplicação direta e imediata da previsão genérica e abstrata do art. 574.º/1 do Código de Processo Civil.
8ª) O Tribunal Central Sul fez errada aplicação do art. 574.º/1 do Código de Processo Civil, aqui aplicável.
9ª) O exame de passagem da 1ª fase de estágio reúne em si as seguintes características - não é legal, nem obrigatório e não pode substituir-se a um exame final, dado que a aprendizagem a obter no estágio não está, ainda, completa no momento em que é efetuado.
10ª) Sobre a necessidade de existir um exame de carácter nacional e final como previsto no art. 98.º/1 do Estatuto da Câmara dos Solicitadores importa referir que tal determinação implicaria a existência de um regulamento a aprovar pelo conselho geral da recorrida, que não existe.
11ª) O art. 9.º, do Regulamento n.º 596/2011 prevê apenas um exame de passagem, entre fases do estágio, aliás, ilegal, como foi judicialmente decretado e transitou em 2.ª instância e a sua previsão não pode ser estendida ao exame final exigido aos recorrentes.
12ª) Esta aplicação extensiva não pode ser sufragada, não só pelo carácter limitativo do conteúdo literal do texto, como pelo facto de, neste caso, não ocorrer uma aplicação geral, como seria, além, do mais justo.
13ª) O conselho geral da Câmara dos Solicitadores, em consonância com o estipulado no Estatuto da Câmara dos Solicitadores e com o previsto na Lei n.º 2/2013, teve muito tempo para regulamentar o exame final e não o fez, querendo que os recorrentes façam esse exame sem regulamento algum.
14ª) O regulamento existente não é extensível ao exame pretendido e o conselho geral da Câmara dos Solicitadores, nada mais fez, regulamentou e publicou.
15ª) O art. 24.º/6 da citada Lei n.º 2/2013 consagra a realização de um exame final mas não de forma imperativa, uma vez que no proémio do preceito ao usar-se o pronome indefinido «algum» inculca a ideia de aplicação não cumulativa dos requisitos ali enunciados.
16ª) A Lei n.º 2/2013, citada, e o Estatuto da Camara dos Solicitadores, preveem a realização de um exame final e nacional, mas o exame deve ser avisado com prudente antecedência e regulamentado.
17ª) A recorrida não fundamentou minimamente a decisão tomada, nem de facto, nem de direito
18ª) Houve violação dos princípios da igualdade e da proporcionalidade porque os restantes estagiários podiam invocar, qualquer que fosse o resultado do exame, o prosseguimento do seu estágio.
19ª) O exame intercalar que os demais estagiários fizeram não tem nem a dificuldade, nem a abrangência do exame final que aqueles não teriam de fazer estando todos aptos.
25ª) Assim deve a recorrida ser intimada a aceitar a inscrição dos recorrentes como solicitadores na Câmara dos Solicitadores sem terem de prestar exame final de estágio.
26ª) A recorrida é uma associação pública profissional e é uma pessoa coletiva de direito público, estando sujeita a um regime de direito público no desempenho das suas atribuições em conformidade com o previsto no art. 4.º/1 da Lei n.º 2/2103, de 10 de janeiro, sob epígrafe «Natureza e regime jurídico».
27ª) Cabe-lhe cumprir os princípios da legalidade, da igualdade e da proporcionalidade, da imparcialidade, da justiça e da boa-fé, conforme previsto no Código de Procedimento Administrativo nos arts 3.º, 5.º, 6.º, 6.º-A e neste caso violou-os de forma intensa.
28ª) O douto acórdão recorrido fez errada aplicação art. 574.º/1 do Código de Processo Civil, do art. 9.º, do Regulamento n.º 596/2011, do art. 24.º/6 da citada Lei n.º 2/2013 …”.

1.5. Devidamente notificado a R., aqui ora recorrida, veio produzir contra-alegações nas quais termina com o quadro conclusivo seguinte:

- A lei n.º 2/2013, de 10 de janeiro, ainda que não sendo aplicável ao caso dos autos, bem demonstra que se mantém na vontade do legislador a possibilidade de exigência de realização de um exame como condição de acesso à profissão;
- O legislador estabeleceu essa exigência no artigo 98.º, n.º 1, alínea b), do ECS, que, como indicado, se mantém integralmente em vigor;
- Não está na disponibilidade da CÂMARA DOS SOLICITADORES desaplicar essa norma legal;
- Não tendo sido suscitada a invalidade do artigo 98.º, n.º 1, alínea b), do ECS, também não está na disponibilidade do Tribunal proceder a essa desaplicação e conferir procedência à pretensão de intimação na admissão da inscrição dos recorrentes como solicitadores sem que tenham realizado com aproveitamento o exame de estágio legalmente previsto;
- O exame nacional está suficientemente regulamentado no artigo 9.º do Regulamento n.º 596/2011, interpretado em conformidade com a sentença proferida em 10 de julho de 2013 no Processo n.º 1489/13.3BELSB (5.ª Unidade Orgânica) e no subsequente Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul, de 6 de março de 2014, processo n.º 10372/13 (2.º Juízo, 1.ª Secção), que ordenaram a desaplicação aos ora recorrentes dos segmentos normativos que impunham que o exame fosse realizado no final da primeira fase de estágio e como condição de acesso à segunda fase de estágio;
- Aliás, os recorrentes não se opõem a que o exame tenha uma tal configuração e um tal regime, limitando-se a afirmar que o artigo 9.º do referido regulamento, mesmo nas partes que não foram judicialmente desaplicadas naqueles autos anteriores, não lhes é oponível;
- A inscrição dos recorrentes como solicitadores sem realização do exame nacional seria violador do princípio da igualdade relativamente a todos os demais estagiários que realizaram com aproveitamento o exame nacional no final da primeira fase do estágio, do mesmo modo que a exigência de realização de novo exame a todos os estagiários que tivessem realizado com aproveitamento o exame nacional no final da primeira fase de estágio o seria (de resto, exigir a realização de dois exames mais seria violador do princípio da proporcionalidade);
- Vale o mesmo por referir que o conteúdo do princípio da igualdade é, ao invés do pretendido pelos recorrentes, de molde a fundamentar a exigência de que estes realizem o exame legal e regulamentarmente previsto;
- A exigência de realização do exame como condição de acesso à profissão é inteiramente conforme com o artigo 47.º da Constituição, sendo adequado e proporcional aos fins que aí se visou salvaguardar …”.

1.6. Pelo acórdão da formação de apreciação preliminar deste Supremo Tribunal prevista no n.º 5 do art. 150.º do CPTA, datado de 28.05.2015, veio a ser admitido o recurso de revista, considerando-se, nomeadamente, que a “… problemática do âmbito e condições de exigência de exame para inscrição como solicitador continua a ser matéria complexa e respeita a situações de vários interessados. (…) E afinal, não só os candidatos a solicitadores como a sua Câmara necessitam de ter um quadro de interpretação claro nesta matéria. (…) É certo que entretanto foi aprovado um novo Regulamento, Regulamento 105/2014, de 17.3, mas tal não significa a perda de importância da questão, atento os interessados envolvidos ainda no quadro do regime precedente. (…) Este Supremo Tribunal, no acórdão de 10/09/2014, processo n.º 0237/14, ponderou sobre o acesso à profissão de solicitador, tendo em conta o disposto nos artigos 96.º e 98.º do ECS. Esteve, então, em discussão, tema igual ao do processo supra referido do TCA Sul, processo 10372/13. Era a apreciação das condições de acesso ao segundo período de estágio que estava em discussão. (…) Sem embargo, o acórdão proferiu considerações que respeitam ao presente tema, mas fê-lo no quadro do que tinha de enfrentar e aí não tinha que resolver o tipo de questão que aqui é diretamente o objeto de discussão. (…) Resulta que se deve considerar preenchido o requisito de importância fundamental da questão …”.

1.7. O Digno Magistrado do Ministério Público (MP) junto deste Tribunal notificado nos termos e para efeitos do disposto no art. 146.º do CPTA não emitiu qualquer pronúncia.

1.8. Sem vistos, atento o disposto no art. 36.º, n.ºs 1, al. d) e 2, do CPTA, cumpre apreciar e decidir em Conferência.


2. DAS QUESTÕES A DECIDIR
No essencial, constituem objeto de apreciação nesta sede os invocados erros de julgamento apontados à decisão judicial recorrida por, no entendimento dos recorrentes, o julgado haver incorrido em incorreta interpretação e aplicação do disposto, nomeadamente, nos arts. 574.º, n.º 1, do CPC/2013, 09.º do Regulamento n.º 596/2011, 98.º do DL n.º 88/2003 [Estatuto da Câmara dos Solicitadores - vulgo «ECS»] e 24.º, n.º 6 da Lei n.º 2/2013, de 10.01, bem como dos princípios da legalidade, da igualdade, da proporcionalidade, da imparcialidade, da justiça e da boa fé [arts. 03.º, 05.º, 06.º e 06.º-A todos do CPA] [cfr. alegações e demais conclusões supra reproduzidas].


3. FUNDAMENTAÇÃO
3.1. DE FACTO
Resulta como assente nos autos o seguinte quadro factual:
I) Os AA. estão inscritos na CÂMARA DOS SOLICITADORES como estagiários, desde 19 de janeiro de 2013, encontrando-se a frequentar o curso de estágio 2013/2014 [cfr. Docs. 03 a 07 juntos à contestação];
II) O requerimento inicial que deu origem ao Processo n.º 1489/13.3BELSB (5.ª Unidade Orgânica) foi apresentado em 14 de junho de 2013 e aí foi pedido:
(i) que fosse julgado ilegal e inconstitucional o Regulamento do Estágio para Solicitadores, na parte em que estabelece a obrigatoriedade de aprovação em exame nacional na primeira parte do estágio profissional, e que seja a CÂMARA DOS SOLICITADORES intimada a admitir a prossecução dos requerentes no segundo período do estágio sem terem de prestar o aludido exame, e
(ii) que seja julgado inconstitucional o Regulamento do Estágio para Solicitadores, na parte em que exige a aprovação por parte do candidato em todas as disciplinas do exame nacional, bem como na parte em que admite a realização do exame apenas por duas vezes.
III) Quanto ao pedido identificado em (i) supra, o Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa concluiu que o exame de estágio a que se refere o artigo 98.º, n.º 1, alínea b), do «ECS» surge como condição para a inscrição como solicitador e não enquanto condição de acesso à 2.ª fase do estágio [cfr. doc. n.º 01 junto à contestação], tendo concluído que o artigo 09.º, n.ºs 2, 4 e 5, do Regulamento de Estágio dos Solicitadores devem ser desaplicados por violarem o disposto nos artigos 96.º, n.º 3, e 98.º, n.º 1, alínea b), do «ECS» e intimado a “Entidade Requerida a abster-se de aplicar aos Autores, como condição de acesso ao segundo período de estágio, a aprovação no exame marcado (…)”.
IV) A mesma sentença absolveu a R. da instância quanto aos pedidos identificados em (ii) supra, “por não se verificar qualquer dos requisitos exigidos no art. 109.º do CPTA”.
V) A CÂMARA DOS SOLICITADORES recorreu da sentença referida, tendo o Tribunal Central Administrativo Sul negado provimento ao recurso, confirmando a sentença recorrida [cfr. Doc. n.º 02 junto à contestação];
VI) Em cumprimento do julgado, a ora R. admitiu os ora AA. na 2.ª fase do estágio;
VII) No final da 2.ª fase do estágio, os AA. requereram à R. a sua inscrição definitiva na profissão - cfr. fls. 21 e segs. dos autos;
VIII) A R. indeferiu tais pedidos em 14.08.2014, apenas com fundamento na falta de aprovação em exame final de estágio - cfr. fls. 21 e segs. dos autos;
IX) No mesmo dia 14.08.2014, por correio registado, comunica aos AA. as datas de realização do exame final, concretamente, os dias 20 e 27 de setembro - cfr. fls. 21 e segs. dos autos;
X) No dia 19.09.2014, os AA. apresentaram em juízo a p.i. dos presentes autos - cfr. fls. 02 dos autos;
XI) Não foram convocados para os exames referidos supra em IX) os estagiários que tinham realizado o exame final no fim da 1.ª fase do estágio [acordo].
*

3.2. DE DIREITO
Presente o quadro factual antecedente passemos, então, à apreciação das questões que constituem objeto de recurso, ou seja, determinar se assiste ou não razão aos AA., aqui recorrentes, nos erros de julgamento que assacam ao acórdão do TCA/S ao este haver confirmado o juízo do TAF/L de improcedência da pretensão de intimação da R. a admitir a inscrição daqueles como solicitadores sem terem de prestar exame final de estágio, considerando “inconstitucional a marcação do exame final de estágio dos Autores”.
*
3.2.1. DA INFRAÇÃO ARTS. 09.º REG. n.º 596/2011, 98.º ECS e 24.º, n.º 6 LEI n.º 2/2013
I. Sustentam os AA., aqui recorrentes, que o julgado sob impugnação se mostra lavrado em infração do quadro normativo em epígrafe porquanto, por um lado, a Lei n.º 2/2013 não lhes seria aplicável ao estágio em curso, nem na mesma [art. 24.º, n.º 6] se estipula imperativamente a necessidade de realização dum exame final como requisito necessário de inscrição; por outro lado, o art. 98.º do ECS também não impõe como obrigatória a realização dum exame final escrito, na certeza de que o exame definido e previsto no art. 09.º do Regulamento em questão, ilegal face ao que foi julgado em anterior processo pelos mesmos instaurado, reportava-se a prova escrita que condicionava a passagem da 1.ª fase para a 2.ª fase do estágio e como tal não pode tal norma ser estendida, entendida e aplicada quanto ao exame final de estágio em regulamentação do previsto na al. b) do n.º 1 do citado art. 98.º do ECS.

II. Centrando, desde já, nossa atenção no erro de julgamento assacado ao julgado por incorreta aplicação do art. 98.º, n.º 1, al. b), do ECS na sua articulação com o art. 09.º do Regulamento n.º 596/2011 importa ter presente aquilo que constitui o quadro normativo em matéria de requisitos de inscrição na Câmara dos Solicitadores.

III. Assim, decorre do n.º 1 do art. 77.º daquele Estatuto, que “[s]ão requisitos necessários para a inscrição na Câmara, além da aprovação no estágio: a) Ser cidadão português ou da União Europeia; b) Possuir as habilitações referidas no n.º 1 do artigo 93.º”, preceito este onde, no que releva, se prevê que o requerente da inscrição no estágio para além da “realização de provas nos termos do regulamento de inscrição” deverá ser titular “de licenciatura em Direito” ou de “licenciatura em Solicitadoria”, ambas “com diploma reconhecido”, e não poderá estar inscrito na Ordem dos Advogados.

IV. E do art. 98.º, sob a epígrafe de “inscrição como solicitador”, extrai-se que “[a] inscrição como solicitador depende: a) Da boa informação no estágio, prestada pelo patrono e pelos centros de estágio; b) Da aprovação em exame de carácter nacional, elaborado nos termos de regulamento a aprovar pelo conselho geral” [n.º 1], sendo que “[a]través do regulamento de estágio podem ser dispensados da frequência do estágio e ou do exame referido na alínea anterior profissionais jurídicos de reconhecido mérito que já tenham prestado provas públicas no exercício de outras funções” [n.º 2].

V. Do cotejo dos normativos acabados de parcialmente reproduzir resulta, assim, que a inscrição na Câmara de Solicitadores e exercício da atividade de solicitadoria está condicionada, no que importa para a situação em discussão, a que a pessoa seja cidadã portuguesa ou da UE; se mostre titular de diploma referente a licenciatura em direito ou em solicitadoria; haja obtido aprovação no estágio e no exame de carácter nacional elaborado nos termos de regulamento aprovado pelo conselho geral da Câmara de Solicitadores; e não esteja abrangida por qualquer das situações definidas no art. 74.º como conducentes à recusa do direito de inscrição.

VI. Sendo tais requisitos de verificação ou preenchimento cumulativo, temos que em discussão está a verificação dos requisitos de aprovação no estágio e no exame de carácter nacional, mormente, determinar se, no caso, os AA. obtiveram tal aprovação no estágio e no exame ou se deste estão desonerados, e, para esse efeito, importa proceder à concatenação destes preceitos com o que se mostra disciplinado nos arts. 94.º a 97.º do ECS, bem como no Regulamento n.º 596/2011.

VII. Ora resulta do n.º 1 do art. 94.º que o estágio tem a duração de 12 a 18 meses, sendo que o mesmo se inicia “uma vez por ano, em data a fixar pelo conselho geral e segundo as disposições do Estatuto e de regulamento a aprovar pelo conselho geral” [n.º 2 do citado preceito], estipulando-se no art. 95.º que o estágio “tem por fim proporcionar ao solicitador estagiário o conhecimento dos atos e termos mais usuais da prática forense e dos direitos e deveres dos solicitadores” [n.º 4], dividindo-se “em dois períodos distintos, o primeiro com a duração mínima de 6 meses e o segundo com a duração máxima de 12 meses” [n.º 1], em que o primeiro destina-se “a um aprofundamento técnico dos estudos ministrados nas escolas e ao relacionamento com as matérias diretamente ligadas à prática da solicitadoria” [n.º 2] e o segundo “a integrar o solicitador estagiário no normal funcionamento de um escritório, dos tribunais e de outros serviços relacionados com a administração da justiça e com o exercício efetivo dos conhecimentos previamente adquiridos” [n.º 3].

VIII. Concretizando os procedimentos e ações a desenvolver no quadro de cada uma das fases do estágio extrai-se, por um lado, do art. 96.º, relativo ao primeiro período de estágio, que “[o]s serviços de estágio promovem (…) a organização de cursos técnicos relacionados com as matérias diretamente ligadas ao exercício da solicitadoria, podendo recorrer à participação de representantes de outras profissões e à colaboração de entidades ligadas à formação jurídica, designadamente centros de formação de magistrados e advogados” [n.º 1], cursos esses de comparência obrigatória [n.º 2], fase esta em que podem ser exigidos aos solicitadores estagiários “a elaboração de trabalhos e relatórios sobre os temas desenvolvidos no primeiro período de estágio” de cuja apreciação e aprovação “pode depender o acesso ou a continuidade no segundo período de estágio” [n.º 3]. E, por outro lado, do art. 97.º, referente ao segundo período de estágio, disciplina que nesta fase “devem os solicitadores estagiários: a) Desenvolver a sua formação, sob a direção de um patrono com, pelo menos, cinco anos de exercício da profissão, livremente escolhido pelo estagiário ou, a pedido deste, nomeado pelo respetivo conselho regional; b) Enviar mensalmente ao centro de estágio competente um trabalho de natureza profissional; c) Comprovar a assistência a um mínimo de 10 julgamentos distribuídos pela área cível, penal e laboral, que podem ser utilizados para a elaboração dos relatórios referidos na alínea anterior; d) Apresentar, pelo menos, um trabalho sobre deontologia profissional” [n.º 1].

IX. Em concretização/complemento e execução devida do ECS, nomeadamente, dos seus arts. 94.º, n.º 2, e 98.º, n.º 1, al. b), a Câmara dos Solicitadores elaborou e aprovou, sucessivamente, vários regulamentos de estágio [v.g., deliberação do Conselho Geral de 21.11.2008 para candidatos ao estágio de 2009/2010; deliberação do Conselho Geral de 13.09.2009 para candidatos ao estágio de 2010/2011; deliberação do Conselho Geral de 24.09.2010 para candidatos ao estágio de 2011/2012, todas consultáveis todos in: «www.solicitador.net/apresentacao/regulamentos/solicitador/»; deliberação do Conselho Geral de 24.09.2011 para os estágios organizados após a data da sua aprovação correspondente ao Regulamento n.º 596/2011 publicado no DR II Série, n.º 219, de 15.11.2011 (alterado pelo Regulamento n.º 217/2012 publicado no DR II Série, n.º 110, de 06.06.2012); deliberação do Conselho Geral de 08.03.2014 para os estágios organizados após a data da sua aprovação correspondente ao Regulamento n.º 105/2014 publicado no DR II Série, n.º 53, de 17.03.2014].

X. Da análise dos sucessivos Regulamentos que foram sendo aprovados, no essencial, aquilo que distingue o Regulamento n.º 596/2011 dos demais foi o facto de haver previsto que o exame escrito de carácter nacional em vez de ter lugar no final do estágio como vinha ocorrendo até aí passaria, ao invés, a realizar-se no final da 1.ª fase do estágio e com efeito eliminatório, já que a reprovação no mesmo impedia o candidato ao ingresso ou passagem para a segunda fase do estágio [cfr. art. 09.º daquele Regulamento por contraposição com os arts. 10.º dos Regulamentos dos Estágios de 2009, 2010, 2011 e art. 11.º do Regulamento n.º 105/2014].

XI. Em face do diferente regime normativo aportado pelo referido art. 09.º do Regulamento n.º 596/2011 [por confronto com aquilo que era o regime anterior quanto ao momento da realização do exame e consequências da não aprovação no mesmo] e a questão da sua conformidade ou não com o regime legal estabelecido pelo ECS motivou a dedução dum anterior litígio, aliás entre as partes, e a pronúncia deste Supremo Tribunal no seu acórdão de 10.09.2014 [Proc. n.º 0237/14 disponível in: «www.dgsi.pt/jsta»].

XII. Neste mesmo acórdão afirmou-se, no que aqui ora releva, que nos “… termos do art. 95.º, do ECS, o estágio divide-se em dois períodos distintos: o primeiro, com a duração mínima de 6 meses, que se destina a um aprofundamento técnico dos estudos ministrados na escola e ao relacionamento com as matérias diretamente ligadas à prática de solicitadoria e o segundo, com a duração máxima de 12 meses, que se destina a integrar o estagiário no normal funcionamento de um escritório, dos tribunais e de outros serviços relacionados com a administração da justiça e com o exercício efetivo dos conhecimentos previamente adquiridos. (…) Ao primeiro período de estágio refere-se o art. 96.º do mesmo diploma (…). (…) Por sua vez, ao segundo período de estágio alude o art. 97.º que indica as tarefas que, sob a orientação de um patrono, o solicitador estagiário pode efetuar. (…) A inscrição como solicitador está prevista no art. 98.º, do ECS, que, no seu n.º 1, estabelece que ela depende: «a) Da boa informação no estágio, prestada pelo patrono e pelos centros de estágio; (…) b) Da aprovação em exame de carácter nacional, elaborado nos termos de regulamento a aprovar pelo conselho geral». (…) Das mencionadas disposições legais resulta que o exame nacional não foi, de forma expressa, incluído em nenhum dos dois períodos de estágio. (…) Afigura-se-nos, porém, que não pode deixar de se concluir que ele terá lugar no segundo, e não no primeiro, período de estágio, pelas razões que, de seguida, se sintetizam: (…) - A inserção sistemática do único preceito que se refere ao exame, na última das disposições da secção que tem por título «solicitadores estagiários» e após a norma que regula o segundo período de estágio; (…) - A previsão do exame na al. b), e não na al. a), do n.º 1 do art. 98.º, o que faz supor que, cronologicamente, ele não se situa antes da informação prestada pelo patrono e pelos centros de estágio que tem lugar no segundo período de estágio (cf. art. 97.º, n.º 1, als. a) e b)); (…) - O facto de a aprovação no exame ser uma condição de inscrição como solicitador e não de acesso ao segundo período de estágio; (…) - O disposto na parte final do n.º 3 do art. 96.º, que permite concluir que, se o exame tivesse lugar no final do primeiro período de estágio, os trabalhos e relatórios aí previstos constituiriam condição de acesso àquele e não à continuidade no segundo período, como, aliás, estabelece o art. 6.º, n.º 4, do Reg. n.º 596/11, em conformidade com o preceituado no art. 9.º do mesmo diploma. (…) Assim, o art. 9.º, n.º 2, do Reg. n.º 596/2011, ao estabelecer que o exame nacional era realizado no fim do primeiro período de estágio, é incompatível com o que dispõe o ECS, sendo, por isso, ilegal e devendo, em consequência, ser desaplicado …”.

XIII. Presente este entendimento que aqui se secunda e reitera temos que do cotejo e articulação de todo o regime normativo supra enunciado resulta que a realização e aprovação num exame escrito de carácter nacional por parte dos candidatos a solicitador se revela como um requisito imposto estatutária e legalmente [cfr. al. b), do n.º 1, do art. 98.º do ECS] e que é condicionador da sua inscrição, sem o qual aquela não poderá ter lugar.

XIV. Na verdade, à luz do art. 98.º do ECS o facto de o candidato haver sido submetido a exame escrito e no mesmo ter obtido aprovação constitui um requisito de verificação cumulativa, necessário para o deferimento do pedido de inscrição na Câmara dos Solicitadores, exigência essa imperativa, que se mostra legalmente imposta e operante no caso vertente.

XV. É que a necessidade de submissão e de realização do exame escrito com notação positiva por parte de cada candidato a solicitador constitui requisito indiscutível face ao quadro normativo aplicável, sendo certo que a discussão apenas poderia colocar-se, como ocorreu no anterior litígio, quanto ao momento da sua realização [se no final do estágio, como se decidiu no acórdão deste Supremo supra citado, ou se em momento intermédio do estágio como havia sido previsto no n.º 2 do art. 09.º do Regulamento n.º 596/2011 e foi considerado como desrespeitador nomeadamente, do art. 98.º do ECS pelo referido acórdão] e nunca quanto à dispensa ou não realização de exame escrito nacional.

XVI. O ECS impõe que o candidato a solicitador haja realizado tal exame e nele tenha obtido notação positiva, requisito esse sem o qual o mesmo não poderá almejar obter a inscrição na Câmara de Solicitadores, na certeza de que da pronúncia firmada por este Tribunal no acórdão atrás referido e das suas consequências não se pode extrair outro entendimento, dado em momento algum no mesmo se afirmou que os aqui recorrentes estariam ou poderiam ficar dispensados ou isentos da realização de qualquer exame nacional escrito no período de estágio, ou que nunca haveria lugar ao mesmo na ausência de regulamento válida e legalmente aprovado.

XVII. O que ali se considerou ou deixou consignado foi, apenas, que o momento fixado pelo n.º 2 do art. 09.º do Regulamento n.º 596/2011 para realização do exame escrito nacional se revelava ilegal [“no fim do primeiro período de estágio”], já que definido em infração do ECS, nada se havendo afirmado e julgado quanto a uma isenção ou dispensa dos candidatos ao estágio de 2013/2014 da observância do requisito em referência.

XVIII. Aliás, uma tal pronúncia seria ilegítima por contrária à imposição normativa decorrente do ECS, mormente, do seu art. 98.º, n.º 1, al. b), na certeza de que todo o demais enquadramento normativo de natureza regulamentar vertido no referido art. 09.º do Regulamento n.º 596/2011 constitui concretização/complemento e execução daquele preceito estatutário e com o mesmo inteiramente conforme e operante, conclusão esta última que não é posta em questão nem pelas partes, nem pelo supra aludido acórdão deste Supremo.

XIX. Frise-se que, no caso vertente, apenas foi considerado como ilegal e, assim, desaplicado o segmento do preceito que fixou o momento da realização do exame nacional escrito e logicamente as consequências da não aprovação no mesmo enquanto reportadas àquele momento [v.g., seus n.ºs 4 e 5], mantendo-se e valendo no mais quer a imposição da submissão àquele exame por parte de todos os candidatos ao estágio para solicitadores [2013/2014], já que decorrente e assente na expressa previsão do art. 98.º, n.º 1, al. b) do ECS, assim como o objeto/âmbito, duração e regras classificativas definidas no art. 09.º do referido Regulamento.

XX. Atente-se que, em decorrência do que vimos afirmando, no momento da emissão do regulamento relativo ao estágio a Câmara dos Solicitadores, através do seu Conselho Geral e no uso dos poderes regulamentares conferidos, nomeadamente, pelo art. 98.º do ECS, não gozava dum poder de optar por realizar ou não um exame escrito nacional, já que uma tal opção lhe estava e está expressamente vedada pela alínea b) do referido preceito, dado este impor a sua realização e sua aprovação como condição de inscrição.

XXI. Daí que a legitimação quanto à exigência e imposição da observância deste requisito por parte de cada candidato a solicitador integrante do estágio de 2013/2014 colhe ou encontra a sua base de sustentação bastante não apenas no Regulamento n.º 596/2011 mas, essencialmente, no ECS [art. 98.º, n.º 1, al. b)], razão pela qual a mera ausência duma previsão válida e legal no mesmo Regulamento de norma quanto à definição do momento da realização do exame escrito nacional não os desonera, ou sequer os isenta, da obrigação de submissão ou sujeição àquele exame, na medida em que a questão apenas se poderia colocar quanto ao momento e nunca quanto à obrigação do realizar.

XXII. Esta radica sua matriz ou encontra seu fundamento no regime legal estatutário previsto no citado preceito da Câmara dos Solicitadores, preceito e regime esse que, tal como advertido por este Supremo, determina que haja lugar a exame escrito nacional no final do estágio e, como tal, nesse domínios [da realização da prova escrita de avaliação e do momento em que a mesma terá lugar] inexistia e inexiste, por completo, uma necessidade de intermediação normativa regulamentar.

XXIII. Assim e neste contexto o afastamento por ilegalidade do segmento da norma regulamentar onde se previa a realização dum exame nacional escrito no fim da 1.ª fase do estágio, exame esse com natureza eliminatória face aos requisitos de ingresso na 2.ª fase do estágio, mostra-se irrelevante para efeitos de desonerar os recorrentes da necessidade de sujeição e realização daquele exame, porquanto nesse âmbito este requisito de inscrição, para se impor e ser operante, não carece da enunciação ou existência de qualquer norma regulamentar válida. Ele existe independentemente da mesma.

XXIV. Nessa medida e contexto da desaplicação do segmento normativo ilegal do Regulamento em referência não decorre e não se pode legitimamente extrair uma qualquer consequência quanto à eliminação da obrigação de submissão ou realização do exame escrito no final do estágio por parte de cada candidato, tanto mais que a mesma, como vimos, deriva de norma legal e não de norma regulamentar, na certeza ainda de que, naquilo que carecia de regulamentação, mormente, seu âmbito/objeto, ente competente para sua elaboração e sistema de classificação, o exame em questão encontra sua disciplina e sustentação plenamente válida e legítima naquilo que demais se mostra previsto e estipulado no Regulamento n.º 596/2011, não tendo inclusive sido alvo nesse domínio de qualquer impugnação.

XXV. Para além disso, no caso, não poderemos afirmar que estamos perante uma situação de omissão regulamentar ou que o Regulamento aludido não exista para os efeitos da previsão da al. b), do n.º 1, do art. 98.º do ECS, já que, ao invés, o ato legalmente devido de regulamentação foi produzido e publicado [no caso, o Regulamento n.º 596/2011] e apenas um seu segmento, por se revelar desconforme com a lei habilitante, padece de ilegalidade, ilegalidade essa que, como referimos, se reflete num segmento relativo a requisito de inscrição que tem sua base ou assento no quadro legal estatutário, sendo irrelevante que o mesmo conste ou não do quadro normativo regulamentar.

XXVI. Não assiste, assim, razão aos recorrentes quando sustentam sua pretensão intimatória numa alegada ausência de obrigação de submissão a exame escrito nacional final no quadro do estágio 2013/2014 para solicitadores, sendo que tal obrigação de realizar aquele exame constitui, aliás, uma imposição estatutária que remonta, pelo menos, a 2003, ano da publicação do Estatuto aplicável à situação sub specie, imposição que foi sendo sucessivamente observada e aplicada como condição de inscrição e, assim, consagrada nos vários regulamentos de estágio, mormente, nos atrás enunciados.

XXVII. E não podem, por isso, os mesmos invocar o desconhecimento da existência daquela obrigação, ou o facto de estarem de boa-fé, ou de serem alegadamente detentores duma qualquer relação ou situação merecedora de proteção da confiança que os desonere daquela obrigação, visto nada haver sido dito, feito ou decidido, incluindo, no próprio acórdão deste Supremo, que legitime um tal entendimento e pretensão.

XXVIII. Note-se, por outro lado, que a exigência que lhes foi feita de se submeterem a exame escrito nacional no final do seu estágio, incidente sobre o mesmo objeto e leque de matérias que haviam constado do exame que foi já realizado pelos outros candidatos no mesmo estágio de 2013/2014, não aporta um qualquer tratamento desproporcionado ou sequer também lesivo do princípio da igualdade.

XXIX. Com efeito, para além de uma tal exigência equiparar, ou igualar, todos os candidatos quanto à necessidade de cumprirem a obrigação de submissão a exame escrito nacional no estágio, também não se revela minimamente procedente argumentação quanto a uma alegada maior dificuldade do exame final por comparação com o “exame intercalar” realizado, dificuldade essa motivada, mormente, por uma maior abrangência do objeto ou leque de matérias do mesmo e por um hipotético aumento do grau de dificuldade, dado tal crítica não se mostrar acertada já que, para além o carácter conjetural e altamente dubitativo dum alegado aumento do grau de dificuldade, este exame final incidirá, nos termos do Regulamento [arts. 08.º e 09.º], sobre o mesmo âmbito e/ou leque de matérias, a competência para a sua elaboração e as regras de classificação serão em tudo idênticas.

XXX. Poderá, aliás, em contraponto ao alegado argumentar-se ou sustentar-se, inclusive, que o momento em que o irão realizar [final do estágio] os colocaria em posição quiçá mais favorável face aos demais já que efetuado num momento em que os mesmos haviam terminado todo o período de formação previsto no estágio e, como tal, necessariamente mais habilitados e preparados para a prova pública em crise.

XXXI. De referir, ainda, que não se vislumbra em que medida a imposição da realização dum exame escrito final do estágio aos aqui recorrentes constitua, no contexto, uma violação do princípio da proporcionalidade, dado não se descortinar que uma tal exigência se consubstancie numa ação ou medida desadequada aos fins pretendidos/prosseguidos [princípio da conformidade ou adequação de meios], ou que a mesma se revele desnecessária ou excessivamente restritiva [princípio da exigibilidade ou da necessidade], ou ainda que a obrigação a suportar pelos recorrentes, na relação custo/benefício, não seja justa [«justa medida»] [princípio da proporcionalidade em sentido estrito], nem também que haja uma qualquer ofensa aos princípios da legalidade, da imparcialidade, da justiça e da boa-fé, visto nada nos factos alegados e apurados permite uma tal subsunção e conclusão.

XXXII. E a idêntico posicionamento se impõe chegar quanto ao alegado erro de julgamento apontado à decisão judicial alvo de impugnação por pretenso desacerto interpretativo e de aplicação do art. 24.º, n.º 6 da Lei n.º 2/2013 [diploma que veio estabelecer o regime jurídico de criação, organização e funcionamento das associações públicas profissionais e impor a obrigação de conformação com as novas regras nele definidas dos regimes estatutários das associações já existentes - cfr. arts. 01.º, 52.º e 53.º].

XXXIII. Motivando o juízo de improcedência acabado de enunciar temos que do aludido preceito resulta, no que releva para o litígio, que “[s]em prejuízo do disposto no artigo 36.º, o exercício de profissão organizada em associação pública profissional, seja a título individual seja sob a forma de sociedade de profissionais ou outra organização associativa de profissionais nos termos do n.º 4 do artigo 37.º, depende de inscrição prévia enquanto membro daquela associação pública, salvo se regime diferente for estabelecido na lei de criação da respetiva associação” [n.º 1], que “[a] inscrição para estágio de acesso à profissão, caso seja obrigatório, depende apenas da titularidade da habilitação legalmente exigida para o exercício da profissão” [n.º 4] e que “[o]s requisitos de que depende a inscrição definitiva em associação pública profissional são taxativamente fixados na lei de criação da associação ou na lei de regulação da profissão” [n.º 5], sendo que “[p]ara efeitos do número anterior, a inscrição definitiva de profissional depende apenas da titularidade da habilitação legalmente exigida para o exercício da profissão e, caso sejam justificadamente necessários para o exercício desta, por razões imperiosas de interesse público ou inerentes à própria capacidade das pessoas, do cumprimento de algum dos seguintes requisitos: a) Verificação das capacidades profissionais pela sujeição a estágio profissional ou outro, previstos em lei especial; b) Formação e verificação dos conhecimentos relativos ao código deontológico da profissão; c) Realização de exame final de estágio com o objetivo de avaliar os conhecimentos e as competências necessárias para a prática de atos de confiança pública” [n.º 6].

XXXIV. Ora se é certo que do regime do n.º 6 do art. 24.º daquele diploma não deriva que, em termos gerais, os regimes estatutários de cada associação pública tenham de prever sempre e obrigatoriamente, como condição de inscrição e de acesso ao exercício da profissão, a existência dum exame final de estágio temos, todavia, que a possibilidade de consagração dum tal exame, com o objetivo de avaliar os conhecimentos e as competências necessárias para a prática de atos de confiança pública, pode ser, caso a caso, imposta estatutariamente quer quanto às associações já criadas quer as que a venham a ser instituídas.

XXXV. E, nesse quadro, a previsão do art. 98.º, n.º 1, al. b), do ECS, mormente, quanto à exigência da submissão e realização de exame final de estágio por parte dos candidatos a solicitador, não se mostra desconforme ou contrária com o invocado art. 24.º, n.º 6, da Lei n.º 2/2013, dados os fundamentos e motivações subjacentes a um tal regime integram e compatibilizam-se com aquilo que foi e é o desiderato preconizado naquele preceito, como, aliás, se pode confirmar pelo regime normativo muito recentemente instituído na Lei n.º 154/2015, de 14.09 [diploma que, em conformidade com a citada Lei n.º 2/2013, veio revogar o ECS/2003 e proceder à transformação da Câmara dos Solicitadores em Ordem dos Solicitadores e dos Agentes de Execução, aprovando o respetivo Estatuto - nomeadamente, nos seus arts. 91.º, n.º 1, 105.º, n.º 1, 159.º e 163.º, n.º 7], o que vem comprovar e corroborar o entendimento de que a aludida al. b) do n.º 1 do art. 98.º a observava ou respeitava, não tendo sido afastada por efeito da aplicação do regime decorrente dos arts. 52.º, n.º 1, e 53.º, n.º 6, da Lei n.º 2/2013.

XXXVI. Improcede, pois, na totalidade este fundamento de recurso
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3.2.2. DA INFRAÇÃO ART. 574.º CPC/2013
XXXVII. Alegam os recorrentes que a matéria de facto por si alegada no art. 30.º da petição inicial e com a qual visavam comprovar o preenchimento do requisito previsto na al. a), do n.º 1, do art. 98.º do ECS [respeitante ao facto de terem os mesmos obtido no estágio “boa informação” na medida em que “tiveram a classificação de «APTO»”] se mostrava confessada nos autos, já que não infirmada expressa ou no seu conjunto pela R. no respetivo articulado de defesa, termos em que no juízo de improcedência acórdão recorrido se fez uma incorreta aplicação do normativo em epígrafe.

XXXVIII. Presente o entendimento firmado no antecedente ponto 3.2.1) quanto à natureza cumulativa dos requisitos previstos no art. 98.º do ECS para a inscrição dos candidatos como solicitadores e o juízo ali igualmente expendido de que, no caso vertente, os recorrentes não preenchem o requisito enunciado na al. b) do n.º 1 do referido preceito, temos como desnecessário e irrelevante o conhecimento deste fundamento de recurso já que totalmente inútil e inconsequente no contexto do julgado.

XXXIX. Assim e considerando tudo o atrás exposto, impõe-se concluir pela improcedência total da pretensão dos AA./recorrentes.



4. DECISÃO
Nestes termos, acordam em conferência os juízes da Secção de Contencioso Administrativo deste Supremo Tribunal, de harmonia com os poderes conferidos pelo art. 202.º da Constituição da República Portuguesa, em negar total provimento ao recurso jurisdicional sub specie e, com a motivação antecedente, manter o juízo de improcedência firmado no acórdão recorrido.
Custas a cargo dos AA., aqui ora Recorrentes.
D.N..



Lisboa, 24 de Setembro de 2015. – Carlos Luís Medeiros de Carvalho (relator) – Maria Benedita Malaquias Pires UrbanoVítor Manuel Gonçalves Gomes.