Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:041/14
Data do Acordão:03/12/2015
Tribunal:1 SECÇÃO
Relator:MARIA BENEDITA URBANO
Descritores:SUBSÍDIO DE DESEMPREGO
RESPONSABILIDADE DO ESTADO
Sumário:I – Verifica-se uma omissão legislativa ilícita quando, por inadequada ou insuficiente concretização legislativa da norma impositiva contida na al. e), do n.º 1 do art. 59.º da CRP, um docente universitário ligado à Administração através de um contrato de provimento que se vê na situação de desemprego involuntário não pode beneficiar de um regime de assistência material no desemprego.
II – Antes da Lei n.º 67/2007, de 31.12 (Responsabilidade civil extracontratual do Estado e pessoas colectivas de Direito Público), e da Lei n.º 11/2008, de 20.02 (Protecção no desemprego de trabalhadores da Administração Pública), o princípio geral contido no art. 22.º da CRP, em virtude da sua aplicabilidade directa, podia ser invocado pelo lesado para exigir a responsabilidade civil extracontratual do Estado-Legislador.
III – Esta omissão legislativa ilícita constitui causa adequada dos danos provocados ao docente universitário que se vê em situação de desemprego por termo ou não renovação do contrato.
Nº Convencional:JSTA000P18703
Nº do Documento:SA120150312041
Data de Entrada:03/28/2014
Recorrente:MINISTÉRIO PÚBLICO
Recorrido 1:A............
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Acordam em conferência na Secção de Contencioso Administrativo do Supremo Tribunal Administrativo:

I – Relatório

1. O Estado português (EP), representado pelo Ministério Público (MP), recorreu para este Supremo Tribunal do Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul (TCAS), de 12.03.13, invocando para o efeito o n.º 1 do artigo 150.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos (CPTA).

1.1. O recorrente apresentou alegações, concluindo, no essencial, do seguinte modo (fls 317 e ss):

1. “O pedido de condenação formulado contra o R. radica, apenas, num suposto dever de indemnizar directamente ancorado no artigo 22.º da Constituição e tem como pressuposto a responsabilidade civil extracontratual do Estado pela omissão de medidas legislativas necessárias para tornar exequível o direito previsto na alínea e) do n.º 1 do art. 59.º da CRP, relativamente a funcionários da administração pública, baseando-se no Acórdão n.º 474/2002 do Tribunal Constitucional”.

4. “A atribuição do subsídio de desemprego não é automática, sendo que todos os diplomas legais que o regulavam e o regulam, fazem depender tal atribuição de diversos pressupostos, nomeadamente, da situação de desemprego, da apresentação de requerimento/pedido pelo trabalhador (a qual marca o início do direito ao subsídio), da situação de desempregado da inscrição prévia do trabalhador como candidato a emprego no centro de emprego na sua área de residência, dos descontos enquanto foi trabalhador para a segurança social.

5. A aplicação directa de normas constitucionais apenas é possível quando se trate de direitos, liberdades e garantias, pelo que não sendo o caso do art.º 22.º da CRP, este não pode ser directamente aplicável à situação sub judice.

6. É inaplicável directamente ao caso, o art.º 22.º da CRP, também porque este dispositivo legal apenas estabelece um princípio geral, não sendo possível do mesmo extrair qualquer critério para aferir dos pressupostos que permitam responsabilizar o EP pela prática de actos legislativos.

7. A inconstitucionalidade por omissão não pode ser suprida pelos tribunais, mas apenas pelo legislador, na sequência da declaração dessa inconstitucionalidade pelo Tribunal Constitucional (TC) nos termos do n.º 2 do art.º 283.º da CRP.

8. O ordenamento jurídico-constitucional português não admite o controlo jurisdicional concreto de omissões legislativas, ao contrário do que se verifica com a inconstitucionalidade por acção.

9. O Acórdão do TC n.º 474/02, apenas verificou a omissão legislativa parcial por o legislador não ter dado total execução à alínea e) do n.º 1 do art.º 59º da CRP – excluindo do direito dos trabalhadores por conta de outrem ao subsídio de desemprego, a maioria dos trabalhadores da função pública – com vista a essa omissão ser suprida, o que ocorreu com a entrada em vigor da Lei n.º 11/2008.

10. Só a partir da entrada em vigor daLei n.º 11/2008 é que o A. teria direito a subsídio de desemprego o que não o eximiria de demonstrar que possuía todos os requisitos necessários naquela previstos.

11. Não é possível precisar juridicamente a formulação dos diferentes direitos sociais para que os cidadãos possam neles fundar pretensões directamente exigíveis, sem os mesmos serem definidos, em concreto, pelo legislador comum, dado o princípio da oportunidade política e económica por que este se pode reger, nesta matéria.

12. À data em que o A. cessou o contrato não existia qualquer normativo que previsse a atribuição do subsídio de desemprego aos funcionários públicosnem que determinasse a responsabilidade do Estado por omissões legislativas.

13. Ao não ter requerido o subsídio de desemprego que peticiona, não se formou qualquer direito ao mesmo.

14. Não se verifica, assim, qualquer ilicitude por parte do Estado.

15. A petição inicial não contém os factos demonstrativos da existência dos pressupostos necessários ao dever de indemnizar, nem a motivação de direito que justifique o pedido formulado, irregularidades que conduziram à ininteligibilidade do montante pedido e deveriam ter levado à improcedência da acção.

16. “O A. não alegou nem fez prova de que requereu o subsídio de desemprego que agora peticiona, e que este lhe tivesse sido negado em virtude da omissão legislativa em causa, pelo que é impossível aferir a que período o mesmo se reporta e se nesse período estava desempregado”.

17. “Desconhece-se se o A. pretende o subsídio social de desemprego ou o subsídio de desemprego bem como se detém os requisitos exigidos para as respectivas atribuições”.

18. “De todo o modo, pela matéria factual trazida aos autos e documentação a estes junta e tendo em vista a aplicabilidade pelo acórdão recorrido, quer do DL n.º 119/99, de 14-4, quer do DL n.º 84/2003, de 24-4, o A. não detinha à data em que ficou desempregado, os requisitos quer para o subsídio de desemprego quer parao subsídio social de desemprego e nomeadamente que continuou desempregado, que estava inscrito na Segurança Social bem como no Centro de Desemprego”.

19. “O A. nada alegou nem provou que demonstrasse a prática de um acto ilícito, a culpa do Estado, os danos, bem como o nexo de causalidade entre a omissão legislativa e os danos que invoca”.

20. “Desconhece-se em que factos o A. se baseou para apresentar o quantitativo de 28.691,00 €, nomeadamente a percentagem de 65%, os 18 meses, bem como o salário mínimo”.

21. “De todo o modo, os parâmetros de cálculo apresentados pelo A., não encontram em qualquer diploma legal o menor cabimento, não podendo o tribunal substituir-se ao A. na fixação desses parâmetros, com base em legislação de duvidosa aplicação ao caso, nomeadamente o DL n.º 84/2003, de 24-4”.

22. “O art.º 6º dos factos dados como assentes, refere-se a uma modalidade de subsídio de desemprego que não está em causa nesta acção, sendo, de todo o modo, comprovativo de que se o A. requeresse o subsídio que agora peticiona antes de 29-3-2006, ou antes de 6-12-2007 (cfr art.º 7.º da factualidade assente) e detivesse os requisitos necessários, tê-lo-ia conseguido mesmo antes da entrada em vigor da Lei n.º 11/2008 de 20-2”.

23. “Nestes termos, pode-se considerar que a não atribuição do subsídio, antes das datas referidas, se deveu ao facto de o A. não o ter solicitado ou não ter apresentado os documentos exigidos, ou não ter os requisitos necessários e não a qualquer omissão legislativa”.

24. “Inexiste, assim, nexo de causalidade adequada entre a alegada omissão legislativa e os danos invocados”.

25. “Verifica-se a existência de ‘culpa do lesado’ na medida em que o A. não requereu, aquando do termo do seu contrato, que lhe fosse atribuído o subsídio de desemprego que agora peticiona”.

26. “Também não foram alegados pelo A., factos demonstrativos da culpa do Estado, nem sequer este requisito foi dado como provado pelas decisões recorridas”.

27. “Na sequência da prolação do Acórdão n.º 474/02, de 19-11-2002, do Tribunal Constitucional, publicado no DR, I série – A, de 18-12-2002, foi iniciado o processo legislativo que culminou com a publicação da Lei n.º 11/2008, de 20.02, não tendo esta efeito retroactivo”.

28. “O DL n.º 48051 de 21-12-1967, inaplicável ao caso, apenas responsabilizava as entidades públicas pela prática de erros de gestão pública de onde estavam excluídos os actos legislativos, jurisdicionais e políticos, bem como as omissões legislativas”.

29. “O poder judicial não se pode substituir ao poder legislativo criando direito, sob pena da violação do princípio da separação de poderes consignada no art.º 111.º da CRP”.

30. “A aplicação directa das normas constitucionais apenas é possível quando se trate de direitos, liberdades e garantias, pelo que não sendo o caso do art.º 22.º da CRP, este não pode ser directamente aplicável à situação sub judice”.

31. “Nestes termos, por falta de demonstração dos requisitos necessários à invocação do direito ao subsídio de desemprego a que se arroga e por não se verificarem os requisitos da responsabilidade civil extracontratual do Estado – ilicitude, culpa, dano e nexo causal entre a ilicitude e o dano – a presente acção deveria improceder”.

32. “Ao assim não considerar, violou o douto acórdão recorrido, os artºs 22º, 111º, 165º n.º 1 al f) e 202.º n.º 3 da CRP, 341º, 342º, 483º nº 1, 487º nº 2, 563º, 569º n.º 3 e 570º, todos do C. Civil; artºs 1 e 6 do DL nº 48051; artºs 16º, 19º, 22º, nº 2 e 24º nº 2 do DL nº 119/99, de 14-4, artº 10º do DL nº 67/2000, de 26-4”.

33. “Termos em que se requer que o presente recurso de revista seja admitido e que seja o mesmo considerado procedente, revogando-se o acórdão recorrido e considerando-se improcedente a acção, absolvendo-se o Estado da totalidade do pedido”.

2. O recorrido contra-alegou (fls 323 e ss), e, quanto ao mérito da causa, concluiu, no essencial, assim:

“6) Estamos a falar de um caso que está atualmente legislado e conforme o recorrente diz «…existem já vários casos idênticos, tratados na jurisprudência dos TCA Norte e Sul, todos condenatórios do Estado»” (fl. 337).
(…)
14) Tendo em conta que a questão de direito colocada no processo sub judice já se encontra resolvida em direito positivo, graças à aprovação duma Lei que atribui aos funcionários públicos o direito ao subsídio de desemprego, não parece previsível que a mesma questão venha a recolocar-se a nível judiciário, o que faz com que não subsistam os pressupostos para o provimento do Recurso de Revista” (fl. 340).
(…)
16) “O que na realidade aconteceu foi que o Tribunal Constitucional verificou a existência duma omissão legislativa parcial inconstitucional (acórdão n.º 474/02) e que as duas instâncias utilizaram os poderes de integração das lacunas da lei, previstos expressamente pelo art.º 10 do Código Civil” (fl. 340).

17) “Nesse sentido, não pode ser afirmado que houve erro de direito e nem sequer que houve ‘abuso’ de poder da parte das instâncias de primeiro e de segundo grau, tendo-se elas limitado a utilizar os poderes que lhe são conferidos pela Lei” (fl. 340).

18) “Por tudo isso entende o ora recorrente que o recurso de revista não deve ser admitido, uma vez que não cabe em nenhum caso excepcional previsto na lei” (fl. 340).

3. Por acórdão deste Supremo Tribunal [na sua formação de apreciação prevista no artigo 150.º, n.º 1, do CPTA], de 06.03.14, veio a ser admitida a revista, nos seguintes termos:

(i) “A questão central que se apresenta no presente recurso susceptível de permitir a sua admissão prende-se com a condenação do Estado a pagar uma indemnização pela omissão das medidas legislativas necessárias à protecção dos trabalhadores da Administração Pública (no caso, docente) na situação de desemprego, em data anterior à vigência da Lei n.º 11/2008, de 20/02, onde este regime foi estabelecido. A condenação determinada pelas instâncias radicou na aplicação directa do artigo 22.º da CRP” (fl. 355).

(ii) “Este Supremo Tribunal a propósito desse diploma [a Lei n.º 11/2008, de 20.02], considerou, no acórdão de 20/01/2011, recurso n.º 01057/09, que «o legislador, na sua liberdade conformadora, quis que a lei só valesse para o futuro, com exclusão das relações jurídicas de emprego público já extintas em 1/1/2008, data em que o diploma produziu efeitos (art. 13.º). Ou dito pela positiva, só quis incluir no seu âmbito de aplicação, as relações jurídicas de emprego vigentes em 1/1/2008».
Porém, este Tribunal não teve de se pronunciar sobre a problemática suscitada nos presentes autos, nomeadamente, na perspectiva alegada pelo recorrente, de que a responsabilidade do Estado não poderia, até aí, ser responsabilizado pela omissão de medidas legislativas que concretizassem a protecção dos trabalhadores da Administração Pública na situação de desemprego” (fl. 257).

(iii) “Assim, pese embora a Lei n.º 11/2008 (entretanto revogada pela Lei n.º 80/2013, de 28.11), a controvérsia dos autos pode suscitar-se, ainda, em casos idênticos. E o problema da responsabilidade civil, nesse tipo de casos, é matéria que assume importância fundamental” (fl. 257).

4. Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir.

II – Fundamentação

1. De facto:

No acórdão recorrido foram dados como provados os seguintes factos (cfr. fl. 279):

1. O A. exerceu funções de professor auxiliar convidado pela Universidade de ……… de 01.09.2004 a 31.08.2005, através de um contrato administrativo de provimento, válido por um ano, sendo posicionado no 1.º escalão, índice 195, correspondente à remuneração de € 2.885,47 (cf. Doc. de fls. 7 a 10).

2. O A. foi inscrito em 01.09.2004 na Caixa Geral de Aposentação e para aí descontou (cf. Doc. de fls. 11).

3. O contrato de provimento antes referido não foi renovado.

4. O A. ficou desempregado em 01.09.2005 e encontrava-se inscrito no Centro de Emprego de Benfica em 27.08.2008 desde 03.12.2007 (cfr. doc. de fls. 10 e 12).

5. Por despacho de 08.03.2006 o A. foi posicionado com efeitos a 01.09.2004, no 2.º escalão, índice 210 (cf. docs. de fls. 7 a 10).

6. Em 29.03.2006 o A. solicitou junto do Instituto de Emprego e Formação Profissional (IEFP) a atribuição do subsídio de desemprego no âmbito do Programa de Estímulo à Oferta de Emprego visando a constituição de uma empresa em nome individual para a prestação de serviços de tradução, pareceres e serviços administrativos, procedimento que foi extinto por despacho de 10.05.2007 por o A. não ter entregue os elementos necessários à apreciação da candidatura (cf. docs. de fls. 69 e 72 a 141).

7. O A. encontra-se a receber subsídio de desemprego desde 06.12.2007 (cf. doc. de fls. 69).

8. O A. nasceu em 05.07.1964” (cf. doc. de fls. 93 e 94).

2. De direito:

2.1. O recorrido, devidamente identificado nos autos, instaurou acção administrativa comum no TAF de Lisboa, peticionando a condenação do réu Estado português (EP), representado pelo Ministério Público, ao pagamento de uma indemnização no montante de € 28.691,00, “respeitante a 18 meses de subsídio de desemprego, acrescida de € 10.000,00, para o compensar por descontos não feitos para a reforma. A final, pede a condenação do EP a reconhecer ao A. a titularidade do direito ao subsídio de desemprego devido por omissão legislativa” (fl. 201).

2.2. O TAF de Lisboa, por decisão de 08.06.09, julgou parcialmente procedente a acção comum, e decidiu condenar o EP a pagar ao A. a quantia de € 28.691,00, a título de indemnização, por danos decorrentes de responsabilidade civil do Estado por omissão legislativa, mais concretamente, por “não ter criado e regulamentado a atribuição de prestações a título de subsídio de desemprego para todos os trabalhadores contratados e designadamente para trabalhadores contratados por organismos do Estado, por universidades públicas, como era o caso da ora A.”. Improcedeu “o pedido indemnizatório por falta de descontos para a segurança social, no valor de € 10.000,00, absolvendo-se o R. Estado deste pedido” (fl. 214).

2.3. O TCAS, por acórdão de 12.09.13, negou provimento ao recurso intentado pelo EP, confirmando integralmente a sentença recorrida (fl. 301).

2.4. Uma vez mais inconformado com a decisão, o réu EP, agora em sede de recurso de revista, imputa ao acórdão recorrido a violação dos artigos “22º, 111º, 165º n.º 1 al f) e 202.º n.º 3 da CRP, 341º, 342º, 483º nº 1, 487º nº 2, 563º, 569º n.º 3 e 570º, todos do C. Civil; artºs 1 e 6 do DL nº 48051; artºs 16º, 19º, 22º, nº 2 e 24º nº 2 do DL nº 119/99, de 14-4, artº 10º do DL nº 67/2000, de 26-4”, por não ter considerado como indemonstrados os requisitos necessários à invocação do direito ao subsídio de desemprego, e como não verificados “os requisitos da responsabilidade civil extracontratual do Estado – ilicitude, culpa dano e nexo causal entre a ilicitude e o dano” (fl. 320).

2.5. Definidos, deste modo, o âmbito do presente recurso jurisdicional, cumpre apreciar e decidir as questões jurídicas suscitadas pela entidade demandada, agora recorrente.

O TCAS, no acórdão recorrido, conhecendo do mérito da acção, pronunciou-se sobre a pretensão material do interessado e condenou o réu EP ao pagamento de uma indemnização. Mas analisemos mais de perto os fundamentos da decisão recorrida.

(i) O acórdão recorrido sustenta, quanto à aplicação imediata do artigo 22.º da CRP (Responsabilidade das entidades públicas), que este preceito “consagra o princípio da imputação directa ao Estado dos ilícitos cometidos pelos titulares dos seus órgãos, funcionários ou agentes, impondo-se-lhe que responda, ao lado daqueles titulares de órgãos, funcionários ou agentes, por actos funcionais, quando a lei impuser a responsabilidade directa destes, visando estabelecer o direito geral dos cidadãos à reparação dos danos causados por outrem, neste caso dos danos causados por funcionários, agentes ou titulares de órgãos do Estado. O art. 22.º da CRP, por integrar um direito fundamental de natureza análoga à dos direitos, liberdades e garantias, pode ser invocado directamente pelo lesado, conforme entende Marcelo Rebelo de Sousa (…). Porém, apesar de este preceito poder ser invocado directamente há necessidade de estabelecer como é que se efectiva o direito à indemnização, ou seja, a delimitação do âmbito da indemnização, a caracterização do dano indemnizável, pressupostos e condições da acção respectiva, fixação do tribunal competente, etc..” (fl. 281).

O recorrente discorda da sua responsabilização directa fundada no preceito em apreço e motivada pelo seu alegado comportamento omissivo. E isto, resumidamente, pelo seguinte: “É inaplicável directamente ao caso, o art.º 22.º da CRP, também porque este dispositivo legal apenas estabelece um princípio geral, não sendo possível do mesmo extrair qualquer critério para aferir dos pressupostos que permitam responsabilizar o EP pela prática de actos legislativos” (conclusão 6.ª).

Não lhe assiste, todavia, razão. Recentemente, este Supremo Tribunal, confrontado com uma situação em quase tudo idêntica à dos autos, teve a oportunidade de expressar a seguinte orientação (ver Acórdão STA de 12.02.15, proc. n.º 0302/14), que, em geral,se acompanha:
“O artigo 22.º da CRP, integrado nos «princípios gerais» [Título I] dos «direitos e deveres fundamentais» [Parte I], sob a epígrafe de «Responsabilidade das entidades públicas» diz que «O Estado e as demais entidades públicas são civilmente responsáveis, em forma solidária, com os titulares dos seus órgãos, funcionários ou agentes, por acções ou omissões praticadas no exercício das suas funções e por causa desse exercício, de que resulte violação dos direitos, liberdades e garantias ou prejuízo para outrém».
Esta norma estabelece, pois, «um princípio geral de responsabilidade do Estado e demais entidades públicas», constatando-se que a doutrina dominante, e a jurisprudência dos nossos tribunais superiores, vêm entendendo que ela inclui a responsabilidade subjectiva pelo exercício ilícito da função legislativa, e que, em face da omissão do legislador, que tardava em concretizá-la, nomeadamente no que concerne a esse tipo de responsabilidade, pode ser directamente invocada pelos particulares e aplicada mesmo na ausência de lei concretizadora […].
Visa-se consagrar, ao lado da norma constitucional que assegura, a todos, o «acesso ao direito e aos tribunais» para defesa «dos seus direitos e interesses legalmente protegidos» [artigo 20.º da CRP], o direito geral, fundamental, de todos os cidadãos, à reparação dos danos que para eles resulte do exercício das funções do Estado, nomeadamente da função legislativa.
Não obstante a doutrina e a jurisprudência não constituírem fontes de direito, o certo é que estribamos seus entendimentos numa interpretação do artigo 22.º, da CRP, que se mostra tecnicamente irrepreensível e materialmente justa, pois a desconsideração da aplicabilidade directa de tal norma constitucional levaria a decisões desrazoáveis e injustas […]”.

Em suma, o artigo 22.º consagra um princípio geral de responsabilidade civil do Estado. Trata-se de uma norma directamente aplicável, cabendo aos juízes e tribunais, na ausência de lei concretizadora, criar uma norma de decisão para o caso concreto, em acções de responsabilidade do Estado, designadamente do Estado-Legislador (responsabilidade pelo ilícito legislativo), seja por acção, seja por omissão. Deste modo, fez bem o acórdão recorrido ao fundar a responsabilidade civil extracontratual do réu EP nessa norma, porquanto, nos casos anteriores a “[d]essa Lei n.º 11/2008, de 20.02, e antes da Lei n.º 67/2007, de 31.12, a responsabilidade do Estado «por omissão ilícita e culposa de actos legislativos» era garantida pelo artigo 22º da Lei Fundamental, artigo que era directamente invocável e aplicável, devendo os pressupostos de tal responsabilidade ser aferidos por recurso aos exigidos pelo «regime geral da responsabilidade civil»” (cfr. acórdão de 12.02.15, proc. n.º 0302/14) .

(ii) No que respeita à ilicitude da actuação do Estado, pode ler-se, na decisão sob censura, que “No caso, tendo em conta o que foi sendo sucessivamente legislado no que se refere a regimes de assistência material para as situações de desemprego relativamente a vários agentes e trabalhadores da Administração Pública que anteriormente não gozavam de tal protecção, aos quais o Acórdão do TC citado se refere expressamente, ocorre omissão legislativa ilícita relativamente à situação dos docentes do ensino superior ligados à Administração através de contrato administrativo de provimento e que se vêem em situação de desemprego por término ou não renovação daqueles contrato. Com efeito, inexistem razões válidas e legítimas que justifiquem a diversidade e desigualdade de tratamento legal que situações semelhantes tiveram e têm tido da parte do legislador, criando e mantendo, à data dos factos em discussão, e por omissão, situação de ausência de tutela e de assistência material (e protecção) no desemprego de trabalhadores da Administração Pública como é o caso do autor. Ou seja, em situações como a dos autos existia o dever de legislar para garantir a efectivação do direito fundamental negado. De facto, à data dos factos em apreciação era exigível a tomada de medidas legislativas de protecção com a instituição dum regime de assistência material no desemprego dos docentes do ensino superior ligados por contrato como era o caso do A. visto que só tais medidas seriam adequadas e eficazes para assegurarem o direito à assistência material enunciada no referido art. 59.º, n.º 1, al. e) da CRP enquanto direito fundamental subjectivado do Autor e que se mostra lesado pela ausência de previsão legislativa decorrente daquela concreta omissão legislativa” (fl. 298).

Quanto a este específico aspecto, o recorrente sustenta que “À data em que o A cessou o contrato não existia qualquer normativo que previsse a atribuição do subsídio de desemprego aos funcionários públicos nem que determinasse a responsabilidade do Estado por omissões legislativas”. Mais ainda, “Ao não ter requerido o subsídio de desemprego que peticiona, não se formou qualquer direito ao mesmo.Não se verifica, assim, qualquer ilicitude por parte do Estado” (conclusões 12.ª, 13.ª e 14.ª).

Uma vez mais, não lhe assiste razão. E de novose convoca aquele recente aresto deste STA. Aí se pode ler o seguinte:
“Naturalmente que, com base na lei ordinária, só a partir da entrada em vigor da Lei nº 11/2008 é que a representada do SNES poderia ter direito ao «subsídio de desemprego». Mas não é isso que está em causa. A ilicitude da conduta do réu, enquanto Estado-Legislador, é concretizada no acórdão recorrido na omissão, já declarada inconstitucional, das medidas legislativas «necessárias para dar plena exequibilidade» à norma contida na alínea e) do nº 1 do artigo 59º, da CRP, no que respeita aos trabalhadores da Administração Pública.
No contexto da responsabilidade civil o conceito de «ilicitude» tem um sentido bastante preciso: indica aquela forma particular de contrariedade ao direito que contém em si mesma força suficiente para dar vida a uma relação obrigacional nos termos da qual o autor do acto danoso se constitui no dever de indemnizar.
Significa que a contrariedade ao direito que configura ilicitude responsabilizante não se esgota na mera ilegalidade, antes exige a violação de norma que proteja o direito ou interesse legítimo que o particular pretende ver satisfeito. À ilicitude interessa, pois, o conteúdo da norma violada […].
No caso, estamos face à omissão inconstitucional, assim foi declarada pelo dito acórdão de 19.11.2002, de medidas legislativas necessárias a tornar exequível o direito dos trabalhadores da administração pública «à assistência material, quando involuntariamente se encontrem em situação de desemeprego».
Esta omissão inconstitucional, na medida em que inviabiliza a aplicação de uma norma constitucional que confere à representado do sindicato autor assistência material na sua situação de desemprego involuntário, obviamente que impede a satisfação da sua pretensão ao «subsídio de desemprego», pretensão essa que lhe assistiria não fosse ela trabalhadora da Administração Pública. E configura, destarte, uma omissão ilícita geradora da responsabilidade do Estado-Legislador pelos danos «causados» à associada do autor”.

(iii) Relativamente à pretensa usurpação de funções legislativas e, com isso, da alegada violação do princípio da separação de poderes (art. 111.º da CRP), afirma-se no acórdão recorrido “que o que está em causa na presente acção e recurso é (como não podia deixar de ser face à causa de pedir) a verificação dos pressupostos legalmente estabelecidos como necessários e conducentes à efectivação da responsabilidade civil extracontratual do Estado-Legislador. (…) Aqui o julgador é chamado a pronunciar-se, apenas e só, sobre a existência e verificação em concreto e relativamente ao R. dos pressupostos da responsabilidade civil extracontratual decorrente de uma alegada omissão legislativa ilícita e a dirimir o litígio que envolve as partes em conflito tendo, por um lado, a invocação da pretensão indemnizatória por parte do A. e, por outro, da sua negação por parte do R., âmbito este de pronúncia que se enquadra sem qualquer dúvida na esfera do poder judicial nos termos em que o mesmo poder se mostra contemplado no nosso ordenamento jurídico-constitucional (cfr. arts 110º, 111º, 112º, 161º e segs., 202º e 212º, n.º 3 da CRP). Consequentemente, não existe, contrariamente ao invocado pelo Recorrente, qualquer invasão da esfera de acção do poder legislativo, e como tal a pronúncia a que o tribunal é chamado é legítima e legalmente imposta (fl. 299).

No tocante a esta particular questão, o recorrente manifesta a sua discordância, invocando, entre outros, o seguinte argumento: “A inconstitucionalidade por omissão não pode ser suprida pelos tribunais, mas apenas pelo legislador, na sequência da declaração dessa inconstitucionalidade pelo Tribunal Constitucional (TC) nos termos do n.º 2 do art.º 283.º da CRP”. Acresce que “O ordenamento jurídico-constitucional português não admite o controlo jurisdicional concreto de omissões legislativas, ao contrário do que se verifica com a inconstitucionalidade por acção”. Concluindo, “O poder judicial não se pode substituir ao poder legislativo criando direito, sob pena da violação do princípio da separação de poderes consignada no art.º 111.º da CRP” (conclusões 7.ª, 8.ª e 29.ª).

Também agora não lhe assiste razão. Retornando ao aresto de 12.02.15, aí se afirma acertadamente que:
“No presente caso, o que se pede ao tribunal é que dirima o litígio concreto, que verifique se ocorrem os pressupostos da responsabilidade civil extracontratual e aplique o regime para ele vigente, seleccionando as regras de direito aplicáveis, interpretando-as e aplicando-as de modo a chegar a uma solução justa e legal. Ao proceder a este labor, nomeadamente ao determinar a forma de estabelecer o critério jurídico que permita apreciar e fixar o montante indemnizatório devido à associada do autor quanto a danos patrimoniais, o tribunal não está a invadir a esfera legislativa, antes a cumprir a sua missão constitucional de fazer justiça, apreciando e decidindo o litígio concreto”.

Resta dizer que não estava em causa, nos presentes autos, um suposto controlo concreto de omissões legislativas. Sustenta correctamente o recorrente que um controlo desse tipo não está previsto constitucionalmente. Sucede que não foi requerido um tal controlo, mas apenas que fossem retiradas as devidas consequências jurídicas, em matéria de responsabilidade civil extracontratual do Estado, da omissão legislativa ilícita. Tanto mais ilícita quanto é certo que desde 2002 o Tribunal Constitucional dera conta ao legislador da necessidade de corrigir a omissão parcial então constatada (vide Acórdão n.º 474/2002, de 19.11.02).

(iv) “Quanto aos restantes requisitos da responsabilidade civil extracontratual do R. considerou a sentença recorrida que se verifica o nexo de causalidade entre a conduta ilícita e culposa e os danos que quantificou, em termos que não merece censura (cfr. arts. 563.º, 564.º, nº 1 e 566º do CC). Refere-se na sentença recorrida, nomeadamente o seguinte, no que ao nexo da causalidade respeita: «Dos autos resulta que o A. terá trabalhado de 01.09.2004 a 31.08.2005. Atingiu, por isso o prazo de garantia de 270 dias de trabalho por conta de outrem, com o correspondente registo de remunerações no período de 12 meses imediatamente anterior à data do desemprego, que seria exigido para auferir o subsídio de desemprego – cf. artigos 7º, n.º 1, alínea b), 12 do Decreto-Lei n.º 119/99, de 14.04, com a redução do prazo de garantia previsto no artigo 4º do Decreto-Lei n.º 84/2003, de 24.04; (…).
Logo, se o legislador tivesse institucionalizado, entenda-se criado e regulamentado, a atribuição de um subsídio de desemprego para todos os trabalhadores contratados pelo Estado, designadamente para os professores contratados por Universidades, quando desempregados, nos mesmos moldes em que o fez para os restantes trabalhadores, era provável que o ora A. pudesse vir a auferir desse subsídio, pois preencheria os prazos de garantia exigidos. A omissão ilícita é, portanto, causa adequada da não percepção pelo A. de um montante a título de subsídio de desemprego.
Mais se diga que contrariamente ao que parece invocado pelo R. não se verifica nos autos qualquer concorrência de culpas, sendo irrelevante apurar se os motivos pelos quais não foi renovado o contrato com o A.. Como se disse, a situação de desemprego decorre directa e imediatamente da caducidade do contrato e a ilicitude da conduta do Estado deriva de não ter criado uma protecção para esse desemprego»” (fls 299-300).

Discorda o recorrente, alegando, além do mais, e de forma genérica, que “O A. nada alegou nem provou que demonstrasse a prática de um acto ilícito, a culpa do Estado, os danos, bem como o nexo de causalidade entre a omissão legislativa e os danos que invoca” (conclusão 19.ª). De forma mais específica, sustenta que “A atribuição do subsídio de desemprego não é automática, sendo que todos os diplomas legais que o regulavam e o regulam, fazem depender tal atribuição de diversos pressupostos, nomeadamente, da situação de desemprego, da apresentação de requerimento/pedido pelo trabalhador (a qual marca o início do direito ao subsídio), da situação de desempregado da inscrição prévia do trabalhador como candidato a emprego no centro de emprego na sua área de residência, dos descontos enquanto foi trabalhador para a segurança social”. De igual forma, defende que, “Nestes termos, pode-se considerar que a não atribuição do subsídio, antes das datas referidas, se deveu ao facto de o A. não o ter solicitado ou não ter apresentado os documentos exigidos, ou não ter os requisitos necessários e não a qualquer omissão legislativa. Inexiste, assim, nexo de causalidade adequada entre a alegada omissão legislativa e os danos invocados. Verifica-se a existência de ‘culpa do lesado’ na medida em que o A. não requereu, aquando do termo do seu contrato, que lhe fosse atribuído o subsídio de desemprego que agora peticiona. Também não foram alegados pelo A., factos demonstrativos da culpa do Estado, nem sequer este requisito foi dado como provado pelas decisões recorridas” (conclusões 4.ª, 23.ª, 24.ª, 26.ª e 25.ª).

Mas não tem razão. Senão, veja-se o que sobre questão em tudo idêntica foi dito no acórdão de 12.02.15:
“Na altura em que a associada do SNES restou na situação de desemprego (…), a respeito da responsabilidade civil extracontratual do Estado e demais pessoas colectivas públicas vigorava o artigo 22º da Lei Fundamental, e o DL nº 48 051, de 21.11.67. Este último, como lei ordinária, apenas abrangia responsabilidade por danos resultantes do exercício da «função legislativa».
Só com a Lei nº 67/2007, de 31.12, é que o legislador ordinário passou a prever a responsabilidade extracontratual do Estado por danos resultantes do exercício da função jurisdicional e da função político-legislativa.
(…)
Resulta, portanto, que numa altura em que o legislador não tinha concretizado a disposição constitucional em referência, nomeadamente naquilo que respeita à responsabilidade extracontratual do Estado-Legislador pelos danos causados no exercício e por causa do exercício dessa função, o sindicato autor fez bem em invocar perante o tribunal, em nome da sua associada, directamente o disposto no artigo 22º da CRP. E não «errou» o acórdão recorrido ao basear a responsabilidade extracontratual do réu nessa norma.
E os «pressupostos» de tal responsabilidade, na ausência da concretização legal específica, não podiam deixar de ser outros senão aqueles que o ordenamento jurídico consagrava, então, no âmbito do regime geral da responsabilidade civil extracontratual por factos ilícitos, ou seja, no artigo 483.º do Código Civil, sendo que o artigo 2.º do DL nº 48.051, de 21.11.67, então em vigor, também nele se baseava.
(…)
O recorrente, no âmbito deste plano naturalístico, entende que «a atribuição do subsídio de desemprego não é automática», mas depende de pressupostos que a associada do autor não preenchia, e que, por via disso, os danos reclamados deverão atribuir-se ao facto da docente não ter requerido o subsídio nem ter os requisitos necessários à sua concessão, e não à omissão legislativa.
(…)
Porém, a verdade é que a associada do autor não tinha, ao tempo, outra lei em que basear a sua pretensão, resultando em acto inútil, por falta de base legal, o estar a dirigir ao centro de emprego um requerimento legalmente infundado. E, nesta perspectiva, cremos que a falta de um tal requerimento, ou sua alegação, se tornam irrelevantes em termos de obstrução do «nexo de causalidade»”.

Este raciocínio, vertido no aresto em apreço, pode ser transposto para o caso dos autos. E, como visto, tendo em conta a factualidade apurada, a decisão recorrida, baseando-se no disposto nos artigos 7.º, n.º 1, al. b), e 12.º, n.º 4, do DL n.º 119/99, de 14.04, e ainda no artigo 4.º do DL n.º 84/2003, de 24.04, entendeu que estariam preenchidos os pressupostos para a atribuição das prestações de desemprego, caso, obviamente, o legislador da altura tivesse incluído, como o deveria ter feito, os docentes universitários, no universo dos beneficiários do subsídio de desemprego.
Com efeito, na decisão recorrida é dito que:
“Igualmente se nos afigura sem fundamento a alegação do R. de que os danos patrimoniais verificados não derivam directamente da omissão do dever de legislar do Estado.
Efectivamente, o A. esteve sempre numa situação de desemprego após a cessação do seu contrato em 31.08.05, sendo certo que não podia requerer subsídio de desemprego por falta de condições legais, conforme decorre de tudo o acima dito e a sentença recorrida refere: «Quanto à falta de descontos para a segurança social resulta provado que o A. foi inscrito na CGA, não correspondendo à realidade, portanto, que não haja descontado para a segurança social.
Assim, é irrelevante o motivo pelo qual o seu pedido de subsídio de desemprego (indicado em 6 dos FP) foi extinto, visto que não se prende com a situação em causa nos autos.
Aqui discute-se a responsabilidade civil extracontratual do Estado por omissão do dever de legislar e ali estaria em causa a atribuição de um subsídio de desemprego no âmbito de um Programa de Estímulo à Oferta de Emprego, visando a constituição de uma empresa em nome individual” (fl. 300).

(v) Por último, e quanto ao quantum indemnizatório, a decisão recorrida acompanha, uma vez mais, a decisão da primeira instância, designadamente, na parte em que afirma que “«Está o Tribunal vinculado ao princípio do pedido, não podendo condenar em quantia diferente e superior à peticionada. Do raciocínio antes expendido, resulta que se não tivesse havido omissão ilícita era provável que ao A. fossem aplicadas regras idênticas às aplicáveis aos demais trabalhadores, tendo o mesmo direito a auferir um subsídio de 65% da remuneração correspondente ao índice 210, por 24 meses, valor claramente superior ao peticionado nesta acção. Seria este o valor do dano com o valor fixado atendendo a regras de equidade. Peticiona o A. um valor inferior, no total de € 28.691,00. Procede, por isso, totalmente o seu pedido»” (fl. 301).

Também em relação a este particular aspecto se manifesta a discordância do recorrente em relação à decisão recorrida. Afirma o recorrente que: “Desconhece-se em que factos o A. se baseou para apresentar o quantitativo de 28.691,00 €, nomeadamente a percentagem de 65%, os 18 meses, bem como o salário mínimo. De todo o modo, os parâmetros de cálculo apresentados pelo A., não encontram em qualquer diploma legal o menor cabimento, não podendo o tribunal substituir-se ao A. na fixação desses parâmetros, com base em legislação de duvidosa aplicação ao caso, nomeadamente o DL n.º 84/2003, de 24-4” (conclusões 20.ª e 21.ª).

A discordância do réu, no entanto, não tem razão de ser, o que já resulta em parte do que foi dito no item anterior. É conveniente, porém, dar conta do raciocínio que esteve subjacente à decisão sob censura, raciocínio esse que se apoia na apreciação feita do tribunal de primeira instância, sendo transcritos alguns segmentos da respectiva decisão.
Assim, “«Dos autos resulta que em 01.09.2005, data do desemprego de A., este tinha 41 anos de idade. Se tivesse sido instituído o subsídio de desemprego para os trabalhadores da Administração Pública, nos mesmos moldes que foi estabelecido para os demais trabalhadores, teria o mesmo direito a um subsídio durante 24 meses pelo valor de 65% da sua remuneração de referência – cf. artigos 22.º e 31.º, n.º 2, alínea c) do Decreto-Lei n.º 119/99, de 14.04.
Diz o A. que por despacho de 08.03.2006 foi posicionado com efeitos a 01.09.2004 no 2º escalão, índice 210, índice superior ao anterior índice 195, correspondente à remuneração de € 2.885.47. Não alegou o A. qual o valor monetário correspondente ao índice 210, que estaria na base do cálculo da remuneração de referência. Face às regras dos citados preceitos, o A. receberia a título de subsídio durante 24 meses, 65% da remuneração de referência, que no caso seria a correspondente a 65% da remuneração correspondente ao índice 210.
Não estando alegado o valor da retribuição auferida pelo A. no índice 210, não é possível apurar desde já o valor correspondente à referida remuneração de referência e que corresponderia aos danos sofridos, por não estar, na data, institucionalizado o subsídio de desemprego. No entanto, mesmo 65% do montante de € 2.885.47 relativo ao índice 195, é já claramente superior ao valor peticionado nesta acção pelo A.»”.

As decisões das duas instâncias (TAF de Lisboa e TCAS) mostram-se ajustadas, não havendo motivos para, no que agora interessa, imputar à decisão recorrida a violação dos “art.ºs 22º, 111º, 165º n.º 1 al f) e 202.º n.º 3 da CRP, 341º, 342º, 483º nº 1, 487º nº 2, 563º, 569º n.º 3 e 570º, todos do C. Civil; artºs 1 e 6 do DL nº 48051; artºs 16º, 19º, 22º, nº 2 e 24º nº 2 do DL nº 119/99, de 14-4, artº 10º do DL nº 67/2000, de 26-4”.

2.6. Em face de todo o exposto, caberá concluir que deverá ser negado provimento ao recurso de revista e mantido o acórdão recorrido, do TCAS, nos seus precisos termos.

III –Decisão

Nos termos e com os fundamentos expostos, acordam em conferência os Juízes da Secção de Contencioso Administrativo em negar provimento ao recurso de revista interposto pelo Estado Português, e, em conformidade, manter o acórdão recorrido.

Sem custas, dada a isenção objectiva do recorrente Estado Português, ao abrigo do disposto nos artigos 3.º, n.º 1, al. a), do CCJ, e 8.º, n.º 4, da Lei n.º 7/2012, de 13.02.

Lisboa, 12 de Março de 2015. – Maria Benedita Malaquias Pires Urbano (relatora) – Carlos Luís Medeiros de Carvalho – Vítor Manuel Gonçalves Gomes.