Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo | |
Processo: | 087/20.0BALSB |
Data do Acordão: | 03/24/2021 |
Tribunal: | PLENO DA SECÇÃO DO CT |
Relator: | FRANCISCO ROTHES |
Descritores: | UNIFORMIZAÇÃO DE JURISPRUDÊNCIA IVA CÁLCULO PRO RATA MÉTODO PRO RATA |
Sumário: | Nos termos do disposto no art. 23.º, n.º 2, do CIVA, conjugado com a alínea b) do seu n.º 3, a AT pode obrigar o sujeito passivo que efectua operações que conferem o direito a dedução e operações que não conferem esse direito, a estruturar a dedução do imposto suportado na aquisição de bens e serviços que sejam utilizados na realização de ambos os tipos de operações (inputs promíscuos) através da afectação real de todos ou parte dos bens ou serviços, quando a aplicação do processo referido no n.º 1 conduza ou possa conduzir a distorções significativas na tributação. |
Nº Convencional: | JSTA00071087 |
Nº do Documento: | SAP20210324087/20 |
Data de Entrada: | 07/31/2020 |
Recorrente: | AT - AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA |
Recorrido 1: | BANCO A............, S.A. |
Votação: | UNANIMIDADE |
Meio Processual: | UNIFORM JURISPRUDÊNCIA |
Objecto: | DECISÃO ARBITRAL CAAD |
Decisão: | PROVIDO |
Área Temática 1: | DIR FISCAL |
Área Temática 2: | IVA |
Legislação Nacional: | CIVA ART. 23.º |
Jurisprudência Nacional: | AC PLENO SCT STA 20/01/2021 PROC 101/19.1BALSB; AC PLENO SCT STA 24/02/2021 PROC 84/19.8BALSB |
Jurisprudência Internacional: | AC TJUE 10/07/2014 PROC C-183/13 AC TJUE 18/10/218 PROC C-153/17 |
Referência a Doutrina: | JOSÉ GUILHERME XAVIER DE BASTO e MARIA ODETE OLIVEIRA, IN «DESFAZENDO MAL-ENTENDIDOS EM MATÉRIA DO DIREITO À DEDUÇÃO…», REVISTA DAS FINANÇAS PÚBLICAS E DIREITO FISCAL, ANO I, NÚMERO 1, PÁG. 50 |
Aditamento: | |
Texto Integral: | Recurso para uniformização de jurisprudência da decisão arbitral proferida pelo Centro de Arbitragem Administrativa - CAAD no processo n.º 854/2019-T Recorrente: Autoridade Tributária e Aduaneira (AT) Recorrida: “Banco A…………, S.A.” 1. RELATÓRIO 1.1 A AT veio, ao abrigo do disposto no art. 25.º, n.º 2, do Regime Jurídico da Arbitragem Tributária (RJAT), aprovado pelo Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro, interpor recurso para o Pleno da Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo, para uniformização de jurisprudência, da decisão arbitral proferida em 9 de Junho de 2020 pelo Centro de Arbitragem Administrativa (CAAD) no processo n.º 854/2019-T (Disponível em «A. O Recurso Para Uniformização de Jurisprudência previsto e regulado no artigo 152.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos tem como finalidade a resolução de um conflito sobre a mesma questão fundamental de direito, devendo o STA, no caso concreto, proceder à anulação da decisão arbitral e realizar nova apreciação da questão em litígio quando suscitada e demonstrada tal contradição pela parte vencida. B. Nos termos do artigo 25.º/2 do Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária (Decreto-Lei 10/2011, de 20 de Janeiro), «a decisão arbitral sobre o mérito da pretensão deduzida que ponha termo ao processo arbitral é ainda susceptível de recurso para o Supremo Tribunal Administrativo quando esteja em oposição, quanto à mesma questão fundamental de direito, com acórdão proferido pelo Tribunal Central Administrativo ou pelo Supremo Tribunal Administrativo». C. De acordo com o n.º 3 do citado artigo «ao recurso previsto no número anterior é aplicável, com as necessárias adaptações, o regime do recurso para uniformização de jurisprudência regulado no artigo 152.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos, contando-se o prazo para o recurso a partir da notificação da decisão arbitral». D. Quanto ao estabelecido pelas regras que determinam os requisitos de admissibilidade deste tipo de recursos, resulta que, para que se tenha por verificada a oposição de acórdãos, é necessário que: a) As situações de facto sejam substancialmente idênticas; b) Haja identidade na questão fundamental de direito; c) Se tenha perfilhado nos dois arestos uma solução oposta; e d) A oposição deverá decorrer de decisões expressas e não apenas implícitas. E. Para que se considere que há oposição de soluções jurídicas, entende a jurisprudência do STA que ambos os acórdãos devem versar sobre situações fácticas substancialmente idênticas. F. Tal como refere o acórdão do STA proferido a 2010-12-07 no âmbito do processo n.º 0511/06, «Para que exista oposição, não é exigível uma total identidade de factos – que muito raramente se verificará – mas, antes, que eles preencham a mesma hipótese normativa, isto é, concretizem a mesma fattispecie legal». G. A oposição de soluções jurídicas pressupõe uma identidade substancial das situações fácticas, entendida não como uma total identidade dos factos, mas apenas como a sua subsunção às mesmas normas legais. H. Subjacente ao acórdão recorrido, foi dada como provada a factualidade narrada nas alegações, para cuja leitura se remete. I. Subjacente ao Acórdão Fundamento, foi dada como provada a factualidade narrada nas alegações, para cuja leitura também se remete. J. Entre o acórdão recorrido e o Acórdão Fundamento existe uma manifesta identidade de situações de facto. K. Em ambos os casos, Autora e a ora Recorrida têm natureza de sujeito passivo misto em sede de IVA, exercendo actividades sujeitas a IVA e actividades isentas de IVA. L. Ambas consubstanciam instituições de crédito abrangidas pelo Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras e exercem, entre outras, as actividades de leasing (locação financeira) e ALD (aluguer de longa duração). M. Ambas corrigiram valores deduzidos ao longo de um período fiscal (2012/10, 2012/11, 2012/12 e 2010, respectivamente), por força do pro rata definitivo determinado para o respectivo ano, dado terem observado as instruções da Autoridade Tributária constantes no Ofício-Circulado n.º 30.108, de 30-01-2009. N. Ambas apuraram um montante a deduzir distinto ao apurado por recurso ao pro rata provisório. O. No acórdão recorrido, nas declarações periódicas de IVA em causa para o exercício de 2012, a Recorrida não incluiu no cálculo do pro rata o valor das amortizações financeiras relativos aos contratos de locação financeira (leasing e ALD), aplicando por essa via uma percentagem de pro rata de 22%, o que se traduziu na dedução em sede de IVA dos gastos de natureza mista no montante de € 146.325,67, com base na instrução administrativa 30.108. P. Ao incluir no cálculo do pro rata o valor das amortizações financeiras e os valores de alienação/abate por destruição de bens locados, foi apurado o pro rata definitivo de 66% e o valor dedutível em sede de IVA de € 437.048,18. Q. No acórdão fundamento, a Autora apurou um montante a deduzir distinto do apurado por recurso ao pro rata provisório, tendo sido calculado um pro rata definitivo para 2010 de 24%, com base em entendimento da AT mencionado na instrução administrativa 30.018. R. Ao incluir no cálculo do pro rata o valor das amortizações financeiras para o ano de 2010, o pro rata apurado (provisório) fixava-se em 69%. S. Ambas imputam aos actos de autoliquidação de IVA vícios de violação de lei, por entenderem que nos termos do artigo 23.º, n.º 2, 3 e 4 do CIVA, o pro rata de dedução deve considerar no seu cálculo o montante anual da globalidade das rendas de locação financeira e não apenas o montante correspondente aos juros e outros encargos relativos à actividade de leasing e ALD. T. Enquanto que no acórdão fundamento se entendeu que o decidido pelo TJUE no processo C-183/12, o artigo 23.º, n.º 3 do CIVA constitui a transposição do artigo 17.º, n.º 5, parágrafo 3, c) da Sexta Directiva e que, sendo assim, os Estados membros podem obrigar uma instituição bancária, que exerce actividades de locação financeira, a incluir no numerador e denominador da fracção que serve para estabelecer um único e mesmo pro rata de dedução para todos os seus bens e serviços de utilização mista, apenas a parte das rendas pagas pelos clientes, no âmbito dos contratos de locação financeira, correspondente aos juros, a decisão arbitral entendeu, por oposição, e remetendo para o decidido nos acórdãos 309/2017-T e 765/2019-T, que a referida norma da Sexta Directiva não foi transposta para o direito interno e, como tal, deve constar do denominador da fracção a totalidade da renda (juros e capital), bem como que o artigo 23.º, n.º 3 do Código do IVA não contém qualquer menção que permita à Autoridade Tributária impor condições à percentagem de dedução relativamente a um sujeito passivo que opta pelo método do pro rata, para além das instruções objectivas que são fornecidas por aquele artigo, no seu n.º 4, recusando dessa forma a aplicação do Ofício-circulado n.º 30108/2009. U. Para que haja oposição de acórdãos é ainda necessário que as decisões em confronto se pronunciem sobre a mesma questão fundamental de direito, ou seja, importa que as soluções opostas tenham sido perfilhadas relativamente ao mesmo fundamento de direito. V. Estava em causa em ambos os processos aferir da determinação da percentagem do IVA dedutível, resultante dos custos suportados pelo sujeito passivo com serviços de utilização mista, afectos tanto a operações tributadas como a operações isentas; Aferir se a Autoridade Tributária pode impor a uma Instituição de Crédito que seja sujeito passivo misto em sede de IVA que, na determinação do pro rata dedutível para efeitos do cálculo deste imposto, considere apenas os juros, excluindo da fracção a parte referente à amortização das rendas dos contratos de locação financeira e os valores de alienação/abate por destruição dos bens locados. W. O acórdão arbitral decidiu por remissão argumentativa ao que foi julgado nos processos 309/2017-T e 765/2019-T, cujos excertos se encontram transcritos nas alegações, para cuja leitura se remete. X. Os fundamentos que escoram a decisão arbitral e que assentam nos processos 309/2017-T e 765/2019-T saem reforçados, quando, acerca da alegada falta de demonstração dos pressupostos necessários à actuação da Autoridade Tributária, o Tribunal arbitral decide que: Y. Tanto no acórdão recorrido, como no Acórdão Fundamento a questão relevante de direito para a prolação das respectivas decisões situa-se em igual plano, isto porque, perante idêntica situação de facto estava em causa saber no processo decidido pelo STA se à face do decidido pelo TJUE no âmbito do processo C-183/13 podia ou não o Estado Português, através do Ofício-Circulado n.º 30.108, obrigar um banco que exerce, nomeadamente, actividades de locação financeira, a incluir no numerador e no denominador da fracção que serve para estabelecer um único e mesmo pro rata de dedução para todos os seus bens e serviços de utilização mista, apenas a parte das rendas pagas pelos clientes, no âmbito dos seus contratos de locação financeira, que corresponde aos juros, quando a utilização desses bens e serviços seja sobretudo determinada pelo financiamento e pela gestão desses contratos. Z. No Acórdão Fundamento, conforme excertos transcritos em sede de alegações, para cuja leitura se remete, decidiu-se no sentido diametralmente oposto. AA. Tal como é salientado nas alegações apresentadas pelo Banco recorrente no Acórdão fundamento, pontos 5), 7) e 14), o tribunal de primeira instância considerou, naquele caso, que nos termos conjugados dos artigos 23.º, n.º 2 e 3 do CIVA, a Autoridade Tributária podia aplicar o método de imputação específico previsto no Ofício-Circulado n.º 30108/2009, o qual não é contrário e é, em alternativa, compaginável – desde que concorra para um apuramento mais preciso do direito à dedução –, com o n.º 4 do artigo 23.º do CIVA. BB. De notar, também, que conforme é salientado no parecer emitido pelo Representante do Ministério Público, constante na redacção do Acórdão Fundamento: CC. Enquanto que no Acórdão Fundamento se entendeu, na senda do Processo C-183/13, que os Estados-Membros, ao abrigo do artigo 17.º, n.º 5 terceiro parágrafo, al. c) da Directiva IVA, reproduzida no ordenamento interno pelo artigo 23.º, n.º 2, 3 e 4 do CIVA, podem, através de Ofício-Circulado, obrigar um banco que exerce, nomeadamente, actividades de locação financeira, a incluir no numerador e no denominador da fracção que serve para estabelecer um único e mesmo pro rata de dedução para todos os seus bens e serviços de utilização mista, apenas a parte das rendas pagas pelos clientes, no âmbito dos seus contratos de locação financeira, que corresponde aos juros, quando a utilização desses bens e serviços seja sobretudo determinada pelo financiamento e pela gestão desses contratos, já no acórdão recorrido se entendeu no sentido oposto. DD. O Acórdão Fundamento entendeu que, de acordo com o decidido pelo TJUE, C-183/13, o artigo 23.º, n.º 2, 3 e 4 do CIVA constituem a transposição do artigo 17.º, n.º 5, terceiro parágrafo, alínea c), da Sexta Directiva, desembocando na conclusão, já repetida, de que os Estados-Membros podem obrigar um banco que exerce, nomeadamente, actividades de locação financeira, a incluir no numerador e no denominador da fracção que serve para estabelecer um único e mesmo pro rata de dedução para todos os seus bens e serviços de utilização mista, apenas a parte das rendas pagas pelos clientes, no âmbito dos seus contratos de locação financeira, que corresponde aos juros, quando a utilização desses bens e serviços seja sobretudo determinada pelo financiamento e pela gestão desses contratos. EE. Concluiu-se no Acórdão Fundamento que essa restrição, ideia também patente no Acórdão do TJUE, processo n.º C-183/13, de incluir no numerador e no denominador da fracção que serve para estabelecer um único e mesmo pro rata de dedução para todos os seus bens e serviços de utilização mista, apenas os juros vai ao encontro da doutrina ínsita no ofício circulado n.º 30.108, de 30-01-2009. FF. O Acórdão Fundamento invocado, de resto, está em linha de convergência com o teor de outros Acórdãos do STA, de que, a título de exemplo, se dá conta o processo n.º 01075/13, de 29-10-2014. GG. O Acórdão Fundamento está também em linha com a mais recente jurisprudência do STA sobre a matéria, no âmbito dos processos n.º 52/19.0BALSB e 7/19.4BALSB. HH. Observando a factualidade do acórdão arbitral, infere-se que o Tribunal não concluiu se a utilização dos bens e serviços de utilização mista são sobretudo determinados pela aquisição e disponibilização dos veículos, se determinados pelo financiamento e gestão dos contratos. II. Devê-lo-ia ter feito, através do princípio do inquisitório, poder que lhe está conferido, e considerando tanto o Acórdão Banco Mais como todos os Acórdãos produzidos pelo STA a respeito da presente matéria, que sucessivamente têm determinado a baixa dos processos para os Tribunais de primeira instância, a fim de que providenciem nova fase de instrução para a ampliação da matéria de facto, com o propósito de definir se no âmbito dos contratos de locação financeira, os custos promíscuos são incorridos sobretudo no âmbito da aquisição e disponibilização dos veículos, se no financiamento e gestão dos contratos. JJ. A respeito dos inputs no seio dos contratos de locação financeira, bem aponta, no seu voto de vencido, a Dra. Sofia Ricardo Borges que se está perante uma união ou coligação de contratos, o que: KK. Neste sentido, o Acórdão do TJUE Banco Mais conclui que: LL. O core business da Recorrida situa-se no âmbito dos contratos de locação financeira em que, por contrapartida da referida prestação de serviços, o locatário fica obrigado a pagar uma retribuição, a qual assume a forma de renda. MM. Ao arrepio do que vem sendo decidido pelo STA e do que foi sublinhado no âmbito do Acórdão Banco Mais, entendeu o tribunal arbitral ancorar também a sua decisão na doutrina acolhida no Acórdão do TJUE C-153/17, Volkswagen Financial Services (UK) Ltd, onde foi julgado que sempre que as modalidades de cálculo da dedução não tenham em conta uma afectação real e significativa de uma parte dos custos gerais a operações que confiram direito à dedução, não se pode considerar que tais modalidades reflictam objectivamente a parte real das despesas efectuadas com a aquisição dos bens e dos serviços de utilização mista que pode ser imputada a essas operações. NN. Acrescentando que o método postulado na lei portuguesa e a que se refere o Acórdão Banco Mais não é susceptível de garantir uma repartição mais precisa do que o que decorria da aplicação do critério de repartição baseado no volume de negócios. OO. Salvo o devido respeito, no Acórdão Volkswagen Financial Services (UK) Ltd estava em causa uma sociedade financeira do Reino Unido – que também realizava operações de leasing automóvel –, mas cujo direito do Reino Unido, diferentemente do que acontece em Portugal, obrigava à desagregação das rendas de leasing em duas operações para efeitos de IVA. PP. A componente do juro estava isenta de imposto e apenas a componente da amortização era tributada, sendo que, a somar a isto, as autoridades fiscais locais também excluíam a componente de amortização do pro rata, por entenderem que os custos mistos estavam predominantemente associados à componente juro do financiamento, que era o cerne da actividade. QQ. Assim, estando a componente juros isenta enquanto operação de crédito, o método aplicado pelo Reino Unido tinha um resultado mais gravoso para os contribuintes e não tão rigoroso quanto o assumido a nível nacional, uma vez que para o cálculo da percentagem de dedução, não eram tidas em conta as despesas com os bens e serviços repercutidos na componente juros. RR. O raciocínio do Acórdão Volkswagen não pode ser aplicado à situação em concreto, porquanto o IVA incide sobre a totalidade da renda, abarcando a componente juro; componente, essa, que, de acordo com o Acórdão do TJUE C-183/13, e que é secundado pelo Acórdão Fundamento, constitui a contrapartida dos custos (bens e serviços) incorridos no financiamento e na gestão dos contratos de locação financeira suportados pelo locador financeiro, uma vez que constituem o essencial da utilização dos bens e serviços de utilização mista destinada à realização das operações de locação financeira para o sector automóvel – ponto 34 do Acórdão TJUE C-183/134. SS. Não é possível retirar da factualidade dada como provada no acórdão arbitral que os custos mistos tenham sido preponderantemente determinados pela disponibilização dos veículos e não tanto pelo financiamento e pela gestão dos contratos de locação financeira celebrados com os seus clientes. TT. A tese defendida pela ora Recorrente entronca com o que doutrinalmente vem defendido por Saldanha Sanches e João Gama: O IVA suportado pela entidade isenta na sua actividade económica deve ser equivalente à receita gerada por essa mesma actividade”– v.g. Saldanha Sanches e João Gama, Pro Rata revisitado: Actividade económica, Actividade Acessória e dedução do IVA na Jurisprudência do TJCE, CTF, n.º 417 Janeiro - Junho 2006, pág. 111. UU. Atendendo ao disposto no artigo 19.º da Sexta Directiva e ao art. 23.º, n.º 1 do CIVA, o objectivo normativo é o de encontrar um modo de afastar a dedução dos custos de IVA respeitantes a actividades isentas, limitando assim o alcance da dedução adequando-a ao modo de funcionamento do sistema do IVA. VV. A jurisprudência comunitária, no Caso Polysar, C-60/90, de 20/06/1991, encontrou uma primeira solução com base na interpretação do conceito de actividade económica em termos de IVA, tendo considerado que a mera detenção de participações financeiras sem intervenção na gestão de outras empresas não constitui actividade económica, não existindo, por isso direito a qualquer dedução. WW. Mais tarde, no Caso Sofitam, C-333/91, de 22/06/1993 e, sobre o direito à dedução de uma holding mista que tinha quantificado o seu reembolso do IVA suportado sem levar em conta os dividendos que tinha recebido, o TJUE decidiu que a percepção de dividendos não entra no campo de aplicação do IVA e que, por isso os dividendos são estranhos ao sistema do direito à dedução. XX. Seguindo o método da afectação real, deverão ser identificados os bens que são imputados às operações dos contratos de locação financeira e o imposto suportado na aquisição dos respectivos bens será totalmente dedutível. YY. Quanto ao critério a utilizar na repartição dos custos comuns, na impossibilidade de adopção de um critério mais objectivo, poderá ser utilizada a proporcionalidade existente entre os dois tipos de operações (com e sem direito a dedução) para determinar ou estimar a afectação dos inputs aos dois tipos de operações. ZZ. No cálculo da referida proporção deverá considerar-se apenas o valor que excede o valor dos custos específicos utilizados nas operações tributadas, já que, através da aplicação do método de afectação real aqueles custos são directamente imputados e o respectivo IVA é integralmente dedutível. AAA. A não ser assim, permitir-se-á um aumento artificial da percentagem de repartição dos custos comuns, que conduzirá a um direito à dedução ilegítimo, ficando prejudicada a neutralidade que se pretende na mecânica do IVA. BBB. Face a todas as considerações que antecedem, e tal como decidido no processo C-183/13 – TJUE e reforçado pelo Acórdão fundamento, «há que responder à questão submetida que o artigo 17.º, n.º 5, terceiro parágrafo, alínea c), da Sexta Directiva deve ser interpretado no sentido de que não se opõe a que um Estado‑Membro, em circunstâncias como as do processo principal, obrigue um banco que exerce, nomeadamente, actividades de locação financeira a incluir, no numerador e no denominador da fracção que serve para estabelecer um único e mesmo pro rata de dedução para todos os seus bens e serviços de utilização mista, apenas a parte das rendas pagas pelos clientes, no âmbito dos seus contratos de locação financeira, que corresponde aos juros, quando a utilização desses bens e serviços seja sobretudo determinada pelo financiamento e pela gestão desses contratos, o que incumbe ao órgão jurisdicional de reenvio verificar». CCC. O Acórdão Fundamento invocado, de resto, está em linha de convergência com o teor de outros Acórdãos do STA, de que, a título de exemplo, se dá conta o processo n.º 01075/13, de 29-10-2014, cujo sumário se deixa transcrito: «Os Bancos, cujo tipo de negócio passe também pela celebração de contratos de Leasing e ALD, v.g. de veículos automóveis, devem incluir no numerador e no denominador da fracção que serve para estabelecer um único e mesmo pro rata de dedução para todos os bens e serviços de utilização mista, apenas a parte das rendas pagas pelos clientes no âmbito daqueles seus contratos, que corresponde aos juros». DDD. Por fim, chamar à atenção para uma habilidade semântica, truncada, efectuada na decisão arbitral, que respeita a um dos segmentos da linha de argumentação adoptada para sustentar a declaração da ilegalidade dos actos tributários em questão. EEE. O Tribunal, sem nunca o dizer expressamente, acaba por afirmar, de forma indirecta, que o Ofício-Circulado n.º 31308/2009 não consubstancia a materialização do artigo 23.º, n.º 2 e 3, última parte do CIVA. FFF. É errado, porquanto, quando concatenados, os aludidos números referem que sempre que o sujeito passivo exerça actividades económicas distintas e que sempre que os métodos da afectação real e do pro rata – este último, conforme retratado no n.º 4 do artigo 23.º do CIVA – conduzam a distorções significativas da concorrência, «a Direcção-Geral dos Impostos pode vir a impor condições especiais ou a fazer cessar esse procedimento no caso de se verificar que provocam ou que podem provocar distorções significativas na tributação», o que aconteceu na situação em apreço. GGG. Esta possibilidade encontra-se, de resto conforme abundantemente já mencionado acima, tanto no Acórdão Banco Mais, como nos sucessivos Acórdãos lavrados pelo STA, de que é exemplo o seu mais recente, o 52/19.0BALSB: HHH. Em suma, entre a decisão recorrida e o Acórdão fundamento existe uma patente e inarredável contradição sobre as mesmas questões fundamentais de direito que importa dirimir, mediante a admissão do presente recurso e consequente anulação da decisão recorrida, com substituição da mesma por novo acórdão que decida definitivamente a questão controvertida acolhendo o decidido no acórdão Fundamento. III. Termos em que é de concluir dever esse Tribunal Superior acolher o entendimento perfilhado no Acórdão Fundamento. Termos em que, com o douto suprimento de V. Exas. deve o presente Recurso para Uniformização de Jurisprudência: - ser admitido, por verificados os respectivos pressupostos; e - ser julgado procedente, nos termos e com os fundamentos acima indicados e, consequentemente, revogada a decisão arbitral recorrida, sendo substituída por outra consentânea com o quadro jurídico vigente, como é de Direito e Justiça». 1.2 O recurso foi admitido. 1.3 A Recorrida apresentou contra-alegações, com conclusões do seguinte teor: «A. Em Primeiro lugar, cumpre referir que a Recorrida considera que não se verificam os pressupostos para a admissão do presente recurso jurisdicional de uniformização de jurisprudência nos termos do artigo 152.º do CPTA (ex vi artigo 25.º, n.º 3 do RJAT). B. Com efeito, no acórdão fundamento, foi dado como não provado que “A) Os custos mencionados em 13) respeitam em parte à disponibilização, por parte da impugnante, dos veículos objecto dos contratos de locação referidos entre 3) e 5)”. E, por ter sido dado como não provado este facto, o STA convoca a jurisprudência do TJUE (Caso Banco-Mais processo C-183/13), nos seguintes termos: “Além de que foi também em obediência a essa decisão de ampliação da matéria de facto, (com vista à aplicação da doutrina do acórdão do TJUE) que o tribunal a quo julgou não ter ficado provado que os custos (suportados em 2010) relativamente aos quais não se conseguira apurar, especificamente, a que tipo de operações estavam associados (se a operações financeiras isentas de IVA ou a operações tributadas de locação mobiliária, tendo por objecto veículos automóveis, traduzidas na celebração de contratos de leasing e ALD) respeitassem à disponibilização dos veículos objecto dos contratos”. C. Ou seja, no acórdão fundamento, a decisão assenta no facto não provado (o de que “Os custos mencionados em 13) respeitam em parte à disponibilização, por parte da impugnante, dos veículos objeto dos contratos de locação referidos entre 3) e 5)”, tendo sido a esse facto aplicado o direito em linha com o entendimento do Caso Banco-Mais. D. No acórdão arbitral recorrido não foi dado como não provado semelhante facto, o que pode constatar da leitura da matéria de facto dada como provada e não provada no mesmo. E foi ainda decidido: Este tribunal considera que, tendo em vista a finalidade da tributação em IVA, se deve considerar que os clientes da Requerente que recorrem a contratos de locação financeira e aluguer de longa duração não o fazem sobretudo determinados pela função de financiamento e gestão dos contratos, mas sim pela função de poder beneficiar do gozo da coisa locada. E. Analisado o teor do acórdão recorrido constata-se pois que o Tribunal Recorrido entende os contratos de leasing e ALD da aqui Recorrida (Requerente no pedido arbitral) são determinados pela disponibilização das viaturas, e não pela função de financiamento, pelo que os custos comuns serão também ditados pela disponibilização das viaturas e não pelo financiamento (se os contratos em apreço servem para disponibilizar viaturas – gozo da coisa – então os custos têm este propósito). F. Esta constatação é, por conseguinte, suficiente para se julgar inadmissível o recurso interposto pela AT por não existir identidade quanto à situação fáctica e jurídica: G. Por sua vez, como foi recentemente decidido pelo STA, no processo n.º 01/20.2BALSB, de 30.09.2020, em que o acórdão fundamento é precisamente o mesmo que subjaz a este recurso (ie., o proferido processo n.º 0485/17): Cumpre ainda ter presente que enquanto na situação do acórdão fundamento a AT demonstrou que a aplicação do pro rata na situação concreta conduziria a distorções significativas na tributação, na situação da decisão arbitral recorrida não fez essa demonstração, que constitui condição necessária para a aplicação do coeficiente de imputação directa – cf. alínea b) do n.º 3 do art. 23.º do CIVA. H. Ora, também neste acórdão recorrido, a AT não fez prova de que a aplicação do pro rata conduzia a distorções significativas de tributação. E no acórdão fundamento tê-lo-á feito. I. Repise-se, pois, que no acórdão arbitral recorrido a AT não fez aquela demonstração, que constitui condição necessária para a aplicação do coeficiente de imputação directa – cf. alínea b) do n.º 3 do art. 23.º do CIVA, como decidiu este STA no processo n.º 01/20.2BALSB. Assim, face ao disposto no Acórdão n.º 01/20.2BALSB, considera a Recorrida que também não existe identidade fáctica e jurídica das questões suscitadas entre os dois julgados, devendo não ser admitido o recurso interposto pela AT. J. Caso assim não se entenda e este Venerando Tribunal entenda que se encontram preenchidos os requisitos para a sua admissão, sempre se dirá então que: a Recorrida considera desde sempre que, à luz do direito constituído, a AT não pode mitigar o seu pro rata (através da substração das rendas, das alienações e indemnizações) nos moldes ditados pelo Ofício-Circulado n.º 30108 (que não é lei como é sabido), uma vez que NADA na letra da lei o permite. Com efeito, analisando o artigo 23.º do Código do IVA (ou qualquer outra disposição deste Código), não se concede outra opinião, tendo sido detalhadamente explicado na petição arbitral (que se reproduz para todos os efeitos legais) os motivos da discordância com a posição da AT. K. Assim, embora sabendo da tarefa herculeana que lhe assiste, a Recorrida não se conforma com a jurisprudência do STA que sobre esta matéria tem sido sancionada, e, quanto mais não seja por mero dever de ofício, vem novamente suscitar nestas contra-alegações essas mesmas questões que espera serem elucidadas pelo julgador, sob pena de a função jurisdicional não contribuir para, em definitivo, resolver este litígio. L. Quanto à interpretação do Caso “Banco-Mais”, conclui-se que o TJUE tão só consentiu no afastamento do método do pro rata quando aferido em função do volume de negócios, mas cometeu ao tribunal nacional avaliar a função económica dos contratos de locação, na actividade do locatário, a fim de averiguar se os clientes dos sujeitos passivos que recorrem a tais contratos o fazem sobretudo determinados pela função de financiamento e gestão dos contratos. M. Nada mais se retira do Caso “Banco-Mais”, muito menos que a AT possa, por Ofício, legislar, com carácter geral, abstracto e eficácia externa, pois, quanto às concretas disposições do direito nacional caberá sempre a pronúncia pelos órgãos jurisdicionais nacionais. N. Apelando à conclusão contida no parágrafo 35 do Acórdão do TJUE no Caso “Banco- Mais”, refere-se que «o artigo 17.º, n.º 5, terceiro parágrafo, alínea c), da Sexta Directiva deve ser interpretado no sentido de que não se opõe a que um Estado-Membro, em circunstâncias como as do processo principal, obrigue um banco que exerce, nomeadamente, actividades de locação financeira a incluir, no numerador e no denominador da fracção que serve para estabelecer um único e mesmo pro rata de dedução para todos os seus bens e serviços de utilização mista, apenas a parte das rendas pagas pelos clientes, no âmbito dos seus contratos de locação financeira, que corresponde aos juros, quando a utilização desses bens e serviços seja sobretudo determinada pelo financiamento e pela gestão desses contratos, o que incumbe ao órgão jurisdicional de reenvio verificar». Nesta última parte, o TJUE cometeu, pois, a função ao órgão jurisdicional de avaliar então a função económica da locação financeira. O. A este propósito, entendeu o acórdão recorrido que, no caso em concreto: Este tribunal considera que, tendo em vista a finalidade da tributação em IVA, se deve considerar que os clientes da Requerente que recorrem a contratos de locação financeira e aluguer de longa duração não o fazem sobretudo determinados pela função de financiamento e gestão dos contratos, mas sim pela função de poder beneficiar do gozo da coisa locada. P. Motivo pelo qual, o acórdão recorrido fez uma correcta interpretação do Direito à luz da jurisprudência do TJUE (Caso Banco-Mais) e do acórdão fundamento. Q. O Acórdão do TJUE proferido em 18.10.2018, no processo C-153/17, Volkswagen Financial Services (UK) Ltd, doravante «Caso Volkswagen», veio repensar expressamente a jurisprudência proferida no Caso Banco Mais. R. ISTO É: de acordo com a jurisprudência mais recente do TJUE, repensando explicitamente a jurisprudência do Caso Banco Mais, foi esclarecido que «os Estados-Membros não podem aplicar um método de repartição que não tenha em conta o valor inicial do bem em causa no momento da sua entrega, uma vez que esse método não é susceptível de garantir uma repartição mais precisa do que o que decorreria da aplicação do critério de repartição baseado no volume de negócios» (acórdão de 18-10-2018, processo C-153/17, Volkswagen Financial Services (UK) Ltd). S. Na verdade, volvidos vários anos sobre o Caso “Banco-Mais”, mostrou-se o TJUE no Caso “Volkswagen” preocupado em mitigar (para não referir mesmo, corrigir) os efeitos da interpretação daquele primeiro aresto. E afirma que “importa garantir o direito à dedução do IVA, sem o subordinar a um critério relativo, designadamente, ao resultado da actividade económica do sujeito passivo”. T. Diga-se que a situação escrutinada naquele aresto não diverge da situação da Recorrida. No Caso Volkswagen, o contribuinte era uma instituição financeira que se dedica a adquirir os veículos da marca VWFS para, sob a forma de vários produtos financeiros, entre os quais, a locação financeira, os disponibilizar aos clientes, sendo um sujeito passivo misto. Para efeitos de dedução do IVA dos custos gerais, pretendia a VWFS estipular um critério pro rata junto da administração fiscal, apurando-se o volume de negócios de cada um dos sectores, entre os quais, o da locação financeira que terá de ter em conta o volume desta actividade (incluindo a aquisição dos veículos). U. Neste contexto, o TJUE decidiu não ser de afastar o valor dos veículos em locação financeira (o que, vertendo para a situação sub judice, se reconduz à amortização financeira), para calcular o IVA dedutível dos custos comuns, e concluiu que o seu afastamento não permitiria apurar, de forma mais precisa, sob pena de ofensa do princípio da neutralidade do IVA, o imposto dedutível. V. Face ao exposto, e tendo em conta esta decisão mais recente do TJUE, que tem carácter vinculativo para os Tribunais Nacionais, permite-nos concluir que «o método preconizado pela Administração Tributária, que não tem em conta o valor inicial do bem em causa no momento da sua entrega, também sob esta perspectiva é incompatível com a alínea c) do n.º 2 do artigo 173.º da Directiva n.º 2006/112/CE do Conselho, de 28-11-2006 [a que corresponde que alínea c) do n.º 5 do artigo 17.º da 6.ª Directiva]» (cfr. acórdão arbitral proferido no processo 854/2019-T), o que se invoca para todos os efeitos legais. W. Assim, a jurisprudência do Caso Volkswagen permite, afastar, precisamente a jurisprudência do Caso “Banco-Mais”, e estando os tribunais nacionais vinculados à mesma, deverá ser, na aplicação do direito, tida em consideração, sendo que, caso se suscitem dúvidas na aplicação do direito comunitário, dever-se-á então submeter novo reenvio prejudicial da questão para o TJUE. X. No acórdão recorrido considerou-se, ao arrimo de variadíssimas decisões arbitrais nele citadas, que, em qualquer caso, não é consentido pela Constituição da República Portuguesa (CRP) que, com carácter geral e abstracto e eficácia externa, venha a ser regulado o direito à dedução do IVA, pela AT através de direito circulatório, ainda para mais quanto diz respeito a matéria de reserva de lei da Assembleia da República. Y. E também esta questão não foi, ainda, resolvida pela jurisprudência deste STA. Z. Ora, entendendo o acórdão fundamento que a lei conferiu essa possibilidade à AT (ie., que transpôs devidamente a Directiva IVA e que a AT pode pelo Ofício-Circulado 30108, ao abrigo da possibilidade que legislativamente lhe foi conferida, regular/definir/modelar o pro rata previsto no n.º 4 do artigo 23.º do CIVA), então: AA. Invoca-se, assim, expressamente e para todos os efeitos legais, que o n.º 2 e 3 do artigo 23.º do Código do IVA ao permitir à AT (à margem do processo legislativo estabelecido na CRP) através de circular interna (Ofício-Circulado 30108) definir e restringir o direito à dedução do IVA dos contribuintes, com carácter geral e abstracto, e eficácia externa, através de uma diferente modelação do método pro rata previsto no n.º 4 do artigo 23.º do Código do IVA (excluindo, para efeitos de apuramento da percentagem de dedução, do numerador e do denominador da fracção a parte da renda correspondente à amortização) são MATERIAL e FORMALMENTE INCONSTITUCIONAIS por violação dos princípios da separação dos poderes (artigos 2.º e 111.º da CRP), do artigo 112.º, n.º 5, da CRP, do princípio da legalidade tributária (103.º, n.º 2 da CRP) e da reserva de lei da Assembleia da República [165.º, n.º 1, alínea i) da CRP]. BB. Acresce que, não tendo essa possibilidade sido legislativamente prevista, a AT não a pode aplicar, pois está subordinada ao princípio da legalidade em toda a sua actuação (artigos 266.º, n.º 2, da CRP e 55.º da LGT) e explicitado no artigo 3.º, n.º 1, do Código do Procedimento Administrativo, pelo que uma interpretação segundo a qual o n.º 2 e 3 do artigo 23.º do Código do IVA lhe confere, à AT, tal possibilidade, também é violadora do princípio da legalidade da actuação da AT (artigos 266.º, n.º 2, da CRP). CC. Não pode a Recorrida deixar de novamente realçar que um Ofício-Circulado, ie., o Ofício-Circulado n.º 30108, não é lei, e é por Ofício-Circulado que está a ser regulado o direito à dedução em IVA. DD. Como não se desconhece, o princípio da legalidade tributária, previsto no n.º 2 do artigo 103.º da Constituição da República Portuguesa (CRP), impõe que “os impostos são criados por lei, que determina a incidência, a taxa, os benefícios fiscais e as garantias dos contribuintes”. EE. A definição (através de restrição in casu) do âmbito do direito à dedução do IVA carece de aprovação através de Lei da Assembleia da República ou por Decreto-Lei Autorizado do Governo (artigo 165.º, n.º 1, i) da CRP), não podendo ser delimitado por Ofício-Circulado (que não é lei e nem sequer emana de um órgão de soberania com poderes legislativos). FF. Além do mais, a CRP não consente que a lei possa conferir essa possibilidade à AT, para “legislar”, como não consente que se atribua a um acto (que não é lei nem decreto-lei autorizado) o poder de, com eficácia externa, regular uma determinada matéria, estando pois violando o n.º 5 do artigo 112.º da CRP. GG. Os n.º 2 e 3 do artigo 23.º do Código do IVA, ao conferirem à AT, por Ofício-Circulado, modelar o pro rata previsto no n.º 4 do artigo 23.º do Código do IVA, com carácter geral, abstracto, e eficácia externa, violam frontalmente o n.º 5 do artigo 112.º da CRP e o princípio da tipicidade da lei. E jamais pode uma lei ou decreto-lei consentir que a um Ofício lhe seja conferida aquela eficácia externa e a aplicação geral e abstracta, em especial, em matéria de impostos (que é de reserva de lei). HH. Também os princípios da separação dos ponderes (artigos 2.º e 111.º da CRP) não se compatibilizam com a permissão conferida pelos n.º 2 e 3 do artigo 23.º do Código do IVA à AT para legislar ou modificar, por Ofício-Circulado, em matéria de dedução do IVA, mitigando o pro rata previsto no n.º 4 do artigo 23.º do Código do IVA, uma vez que tal poder apenas é conferido ao poder legislativo (Assembleia da República do Governo devidamente autorizado nos termos do artigo165.º, n.º 1, alínea i) da CRP). II. Por último, nos termos do n.º 2 do artigo 266.º da CRP, “os órgãos e agentes administrativos estão subordinados à Constituição e à lei e devem actuar, no exercício das suas funções, com respeito pelos princípios da igualdade, da proporcionalidade, da justiça, da imparcialidade e da boa-fé”, preceito este igualmente violado pelos n.º 2 e 3 do artigo 23.º do Código do IVA ao conferirem à AT a possibilidade de mitigar o pro rata previsto no n.º 4 do artigo 23.º do Código do IVA, porquanto, como se viu, jamais por Ofício pode ser regulada com carácter geral, abstracto e eficácia externa o direito à dedução do IVA. Nestes termos, e nos mais de direito, deve o recurso interposto pela AT ser julgado totalmente improcedente e, em consequência, ser mantida na ordem jurídica o acórdão arbitral recorrido. Deve ainda ser declarada a inconstitucionalidade formal e material dos artigos 23.º, n.º 2 e 3 do código do IVA, nos termos acima expostos, por violação dos princípios da separação dos poderes (artigos 2.º e 111.º da CRP), do artigo 112.º, n.º 5, da CRP, do princípio da legalidade tributária (103.º, n.º 2 da CRP), da reserva de lei da Assembleia da República [165.º, n.º 1, alínea i) da CRP], e do princípio da legalidade da actuação da AT (artigos 266.º, n.º 2, da CRP). Assim se fazendo Justiça!». 1.4 Dada vista ao Ministério Público, a Procuradora-Geral-Adjunta neste Supremo Tribunal emitiu parecer no qual, após enunciar os requisitos de admissibilidade do recurso, se pronunciou no sentido de que este deve ser admitido e deve «ser concedido provimento ao recurso, anulando-se a decisão arbitral recorrida, a qual deverá ser substituída por outra que, após ampliação da matéria de facto, aplique o regime jurídico sustentado», com a seguinte fundamentação: «[…] entendemos ser de seguir a posição do Acórdão fundamento. 1.5 Cumpre apreciar e decidir, em conferência no Pleno desta Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo. * * * 2. FUNDAMENTAÇÃO 2.1 DE FACTO 2.1.1 No acórdão arbitral recorrido foram estabelecidos os seguintes factos provados: «A) A Requerente é uma instituição de crédito que desenvolve simultaneamente actividade de locação financeira e aluguer de longa duração (ALD); B) No dia 15 de Novembro de 2012, a Requerente submeteu, via Internet, a declaração periódica de IVA relativa ao mês de Outubro de 2012 (documento n.º 1 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido); C) No dia 12 de Dezembro de 2012, a Requerente submeteu, via Internet, a declaração periódica de IVA relativa ao mês de Novembro de 2012 (documento n.º 2 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido); D) No dia 21 de Janeiro de 2013, a Requerente submeteu, via Internet, a declaração periódica de IVA relativa ao mês de Dezembro de 2012 (documento n.º 3 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido); E) A Requerente é, para efeitos de IVA, um sujeito passivo misto (realiza operações que conferem o direito a dedução e operações que não conferem direito a dedução; F) Nas declarações periódicas relativas aos três períodos do exercício de 2012 aqui em causa, o IVA foi determinado com base no cálculo do pro rata provisório, correspondente ao pro rata definitivo para o exercício de 2011; G) Na declaração do período 2012/12, apresentada a 21 de Janeiro de 2013 a Requerente corrigiu os valores deduzidos ao longo do ano de acordo com o pro rata determinado para o exercício de 2012; H) Nessas mesmas declarações, a Requerente, na determinação do cálculo do pro rata, excluiu do numerador as amortizações financeiras relativas aos contratos de locação financeira e os valores de alienação/abate por destruição de bens locados (documento n.º 6 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido); I) Incluindo no cálculo do pro rata o valor das amortizações financeiras e os valores de alienação/abate por destruição de bens locados apura-se o pro rata definitivo de 66% para o ano de 2011 e o valor de IVA dedutível de € 437.048,18 nos três períodos a que se referem as declarações impugnadas (documentos n.ºs 6 e 7 juntos com o pedido de pronúncia arbitral, cujos teores se dão como reproduzidos, artigos 14.º e 15.º do pedido de pronúncia arbitral, não questionados); J) Não incluindo no cálculo do pro rata o valor das amortizações financeiras e os valores de alienação/abate por destruição de bens locados, apura-se o pro rata definitivo de 22% para o ano de 2011 e, nos três períodos a que se referem as declarações impugnadas, fixando-se o valor de IVA dedutível em € 146.325,67 (documentos n.ºs 6 e 7 juntos com o pedido de pronúncia arbitral, cujos teores se dão como reproduzidos e artigos 14.º e 15.º do pedido de pronúncia arbitral, não questionados); K) A Requerente passou a desconsiderar do numerador e do denominador as amortizações financeiras relativas aos contratos de locação financeira e os valores de alienação/abate por destruição de bens locados, em virtude da posição adoptada pela Autoridade Tributária e Aduaneira no Ofício-Circulado n.º 30108, de 30-01-2009, sancionado pelo Director Geral e seguida pelos Serviços de Inspecção em sede de inspecção junto da Requerente em exercícios anteriores (documentos n.ºs 8 e 9 juntos com o pedido de pronúncia arbitral, cujos teores se dão como reproduzidos); L) Por força dos contratos de Leasing celebrados nos três períodos de 2012 aqui em causa, a Requerente, a solicitação e indicação do Locatário (Cliente), adquiriu determinado veículo a terceiro, procedendo ao pagamento integral e a pronto do mesmo, acrescido de IVA, entregando-o de imediato, para uso e fruição – ao abrigo e segundo os termos e condições constantes do aludido contrato – ao Locatário (documento n.º 10 e artigo 23.º do pedido de pronúncia arbitral, não questionado); M) Como contrapartida pela referida prestação de serviços, o Locatário fica obrigado a pagar à Requerente uma retribuição a qual assume a forma de renda, em cujo cálculo são considerados o preço de aquisição do bem (veículo), os encargos e a margem de lucro (documento n.º 10 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido e artigo 25.º do pedido de pronúncia arbitral); N) Nos termos do Contrato de Leasing, o Locatário pode, no final do contrato e se assim o pretender adquirir o bem ao Locador (A...) mediante o pagamento do valor residual (documento n.º 10 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido e artigo 26.º do pedido de pronúncia arbitral, não questionado); O) Por força dos contratos de ALD Financeiro celebrados pela Requerente nos três meses de 2012 aqui em causa, esta adquiriu determinado veículo a terceiro, procedendo ao pagamento imediato do mesmo, cedendo-o, ao abrigo e segundo os termos e condições constantes do aludido contrato, ao Locatário (Cliente da Requerente), para uso e fruição que abrangesse “a maior parte da vida útil do bem” (cópia de um contrato de ALD Financeiro que consta do documento n.º 11 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido); P) Como contrapartida pela prestação de serviços realizada no âmbito do contrato de ALD, o Locatário fica obrigado a pagar ao A... uma retribuição, a qual assume a forma de renda, para cuja determinação são considerados, designadamente, os seguintes factores: o preço de aquisição do bem (veículo), os demais encargos e a margem de lucro (documento n.º 11 e artigo 30.º do pedido de pronúncia arbitral, não questionado); Q) Também nos contratos de ALD Financeiro, o Locatário tem a possibilidade de, no final do contrato, adquirir o bem ao Locador (A...) mediante o pagamento de um montante adicional (documento n.º 11 e artigo 31.º do pedido de pronúncia arbitral, não questionado); R) Nas situações em que não houve transmissão da propriedade – quer porque os contratos de Leasing ou de ALD Financeiro foram resolvidos por incumprimento do Locatário, quer porque este, no final do contrato, não accionou a opção de compra constante dos mesmos –, os veículos foram vendidos pela Requerente a diversas entidades tendo acrescido IVA aos valores das vendas (artigos 33.º e 34.º do pedido de pronúncia arbitral, não questionados e documento n.º 12); S) Nos casos em que os contratos foram resolvidos por ocorrência de perda total do bem, o Locatário fica obrigado, nos termos do contrato de locação financeira, a pagar o capital em dívida (documento n.º 10 e artigo 36.º do pedido de pronúncia arbitral não questionado); T) Nos casos em que esta situação ocorreu, a Requerente emitiu factura pelo montante em dívida ao qual acresce, nos termos legais, o respectivo IVA (cópia da factura aqui se junta que consta do documento n.º 13 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido); U) Nas operações sujeitas, Leasing e ALD, a Requerente liquidou IVA sobre o valor total da renda (documentos n.ºs 14 e 15 juntos com o pedido de pronúncia arbitral, cujos teores se dão como reproduzidos); V) No caso das operações não sujeitas, como a concessão de crédito para estudo, viagens ou mobiliário, a Requerente não liquidou IVA no período em causa, sujeitando as referidas operações a Imposto do Selo (verba 17 da Tabela Geral do Imposto do Selo, doravante TGIS) na parte relativa aos juros (documentos n.ºs 16 e 17 juntos com o pedido de pronúncia arbitral, cujos teores se dão como reproduzidos e artigo 39.º do pedido de pronúncia arbitral); W) Em 13-02-2013, a Requerente deduziu impugnação judicial no Tribunal Tributário de Lisboa tendo por objecto as autoliquidações em causa no presente processo, dando origem ao processo n.º .../13...BELRS, em que foi declarada extinta a instância, por sentença de 04-12-2019, ao abrigo do artigo 11.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 81/2018, de 15 de Outubro (documentos n.ºs 4 e 5 juntos com o pedido de pronúncia arbitral, cujos teores se dão como reproduzidos)». 2.1.2 No acórdão fundamento, consideraram-se provados os seguintes factos: «1) Foi emitida, pela Área de Gestão Tributária do IVA – Gabinete do Subdiretor-Geral dos Impostos, instrução administrativa, correspondente ao ofício n.º 30.108, de 30.01.2009, da qual consta designadamente o seguinte: 2) A impugnante foi constituída por escritura pública outorgada em Dezembro de 1996, então com a designação B…………, SA, tendo sido indicado como objecto social a realização de operações bancárias e financeiras e prestação de serviços conexos, designadamente a concessão de crédito ao consumo e a locação financeira (cfr. fls. 175 e 176). 3) A impugnante, no exercício da sua actividade e nomeadamente em 2010, estava enquadrada no regime normal mensal de IVA e realizou operações financeiras isentas de IVA, a par de operações sujeitas a IVA, designadamente operações de locação mobiliária, consubstanciadas em celebração de contratos de locação financeira (leasing) e contratos de aluguer de veículo automóvel sem condutor (ALD financeiro), onde se prevê a possibilidade de compra do veículo pelo locatário (cfr. fls. 258 a 283). 4) No âmbito das operações de locação mencionadas em 3), designadamente em 2010, a impugnante, em alguns casos a solicitação e por indicação dos locatários, adquiriu determinados veículos, pagando integralmente o respectivo preço e entregando-os ao locatário para seu uso e fruição (cfr. fls. 258 a 283). 5) Na sequência do mencionado em 3) e 4), eram pagas à impugnante, pelos locatários, rendas, as quais englobam uma parte relativa a amortização financeira e outra parte relativa a juros e outros encargos, renda essa sujeita a IVA (cfr. fls. 258 a 283 e 286). 6) A parte da renda mencionada em 5) relativa a amortização financeira era registada na contabilidade da impugnante a crédito da conta 22. 7) A parte da renda mencionada em 5) relativa a juros era registada na contabilidade da impugnante como proveito. 8) No âmbito dos contratos de locação mencionados em 3), resolvidos por motivo de perda total do bem, os locatários pagaram à impugnante o valor correspondente ao capital em dívida, sendo emitida a correspondente factura pela impugnante com IVA (cfr. fls. 258 a 272 e 285). 9) Na sequência da celebração dos contratos de locação mencionados em 3), resolvidos por incumprimento ou nos quais não houve transmissão da propriedade, a impugnante vendeu os veículos a diversas entidades, sendo emitida a correspondente factura pela impugnante, com IVA (cfr. fls. 284). 10) Na concessão de crédito para estudo, viagens ou mobiliário e outras não sujeitas a IVA a impugnante não liquidou IVA, liquidando o Imposto do Selo na parte relativa aos juros (cfr. fls. 288 e 289). 11) Durante o ano de 2010 a impugnante apurou um volume de facturação, relativo a leasing e ALD financeiro no valor de 264.684.163,31 Eur. (cfr. fls. 163). 12) Durante o ano de 2010 a impugnante apurou um volume de facturação, relativo a concessão de crédito no valor de 84.914.092,66 Eur. (cfr. fls. 163). 13) Durante o ano de 2010, a impugnante suportou custos, em relação aos quais não conseguiu determinar especificamente a que operações, das mencionadas em 3), respeitavam. 14) Durante o ano de 2010, a impugnante utilizou dois métodos para cálculo do IVA dedutível: 15) Durante o ano de 2010, a impugnante utilizou, nas declarações periódicas de IVA relativas aos meses compreendidos entre Janeiro e Novembro, um pro rata provisório de 69% (cfr. declarações periódicas constantes de fls. 129 a 162 e 210 a 219). 16) O pro rata provisório mencionado em a incluiu, nos respectivos numerador e denominador, entre outros os valores mencionados em 5), 8) e 9). 17) A impugnante calculou um pro rata definitivo para 2010 de 24%, com base em entendimento da AT mencionado na instrução administrativa referida em a), calculado considerando no numerador o valor de 25.826.262,96 Eur. e no denominador o valor de 110.740.355,62 Eur. (cfr. mapa de cálculo constante de fls. 163). 18) Na sequência do referido em 17), a impugnante apresentou declaração de periódica de IVA relativa ao mês de Dezembro de 2010, considerando os métodos mencionados em 14) e o valor do pro rata mencionado em 17), na qual declarou os seguintes valores: No mesmo acórdão, ainda no âmbito do julgamento da matéria de facto, ficou ainda registado: «Com interesse para a decisão e em cumprimento do ordenado no douto Acórdão do STA, de 03.06.2015 referido supra (Recurso n.º 970/13-30), considera-se não provado o seguinte facto: A) Os custos mencionados em 13) respeitam em parte à disponibilização, por parte da impugnante, dos veículos objecto dos contratos de locação referidos entre 3) e 5). Não existem outros factos, provados ou não provados, em face das possíveis soluções de direito, com interesse para a decisão da causa». * 2.2 DE DIREITO 2.2.1 AS QUESTÕES A APRECIAR E DECIDIR Nos termos do n.º 2 do referido art. 25.º do RJAT, «[a] decisão arbitral sobre o mérito da pretensão deduzida que ponha termo ao processo arbitral é […] susceptível de recurso para o Supremo Tribunal Administrativo quando esteja em oposição, quanto à mesma questão fundamental de direito, com outra decisão arbitral ou com acórdão proferido pelo Tribunal Central Administrativo ou pelo Supremo Tribunal Administrativo»; dispõe o n.º 3 do mesmo artigo que a esse recurso «é aplicável, com as necessárias adaptações, o regime do recurso para uniformização de jurisprudência regulado no art. 152.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos, contando-se o prazo para o recurso a partir da notificação da decisão arbitral». * 2.2.2 DOS REQUISITOS SUBSTANCIAIS DE ADMISSIBILIDADE DO RECURSO PARA UNIFORMIZAÇÃO DE JURISPRUDÊNCIA E DO MÉRITO DO RECURSO 2.2.2.1 Nos termos do referido art. 25.º, n.º 2, do RJAT, que remete, com as devidas adaptações, para o art. 152.º do CPTA, os requisitos de admissibilidade do recurso para o Supremo Tribunal Administrativo da decisão arbitral que tenha conhecido do mérito da pretensão deduzida para uniformização de jurisprudência são os seguintes: i. identidade da questão de direito sobre que recaíram os acórdãos em confronto, o que pressupõe uma identidade substancial das situações fácticas, entendida esta não como uma total identidade dos factos mas apenas como a sua subsunção às mesmas normas legais; 2.2.2.2 Começaremos por apreciar se estão verificados os requisitos da alegada contradição de julgados à luz dos supra referidos princípios, e, se concluirmos que sim, passaremos ao conhecimento do mérito do recurso. * 2.2.3 UNIFORMIZAÇÃO DA JURISPRUDÊNCIA Em face de tudo quanto deixámos dito, será de tomar conhecimento do mérito do recurso e, concedendo-lhe provimento, anular a decisão arbitral recorrida (cf. art. 152.º, n.º 6, do CPTA) e uniformizar a jurisprudência (cf. art. 284.º do CPPT) no seguinte sentido: Nos termos do disposto no art. 23.º, n.º 2, do CIVA, conjugado com a alínea b) do seu n.º 3, a AT pode obrigar o sujeito passivo que efectua operações que conferem o direito a dedução e operações que não conferem esse direito, a estruturar a dedução do imposto suportado na aquisição de bens e serviços que sejam utilizados na realização de ambos os tipos de operações através da afectação real de todos ou parte dos bens ou serviços, quando a aplicação do processo referido no n.º 1 conduza ou possa conduzir a distorções significativas na tributação. * 2.2.4 DA CONSTITUCIONALIDADE DA INTERPRETAÇÃO DO ART. 23.º, N.ºS 2 E 3, DO CIVA Uma última referência, motivada pela argumentação da Recorrente no sentido de que os n.ºs 2 e 3 do art. 23.º CIVA, se interpretados no sentido de que se permite à AT definir o direito à dedução do imposto pelos contribuintes, enfermam de inconstitucionalidade material e formal, por violação dos princípios da separação dos poderes (arts. 2.º e 111.º da CRP), do art. 112.º, n.º 5, da CRP, do princípio da legalidade tributária (art. 103.º, n.º 2 da CRP) e da reserva de lei da Assembleia da República [art. 165.º, n.º 1, alínea i) da CRP]. * * * 3. DECISÃO Em face do exposto, os Juízes do Pleno da Secção do Contencioso Tributário deste Supremo Tribunal Administrativo acordam em tomar conhecimento do mérito do recurso e, concedendo-lhe provimento, anular a decisão arbitral recorrida e fixar jurisprudência no sentido acima exposto em 2.2.3. Custas pela Recorrida [cf. art. 527.º, n.ºs 1 e 2, do Código de Processo Civil, aplicável ex vi da alínea e) do art. 2.º do CPPT]. * D.N., designadamente, publique-se e comunique-se ao CAAD. * Assinado digitalmente pelo relator, que consigna e atesta que, nos termos do disposto no art. 15.º-A do Decreto-Lei n.º 10-A/2020, de 13 de Março, aditado pelo art. 3.º do Decreto-Lei n.º 20/2020, de 1 de Maio, têm voto de conformidade com o presente acórdão os Conselheiros que integram a formação de julgamento. * |