Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:01028/15
Data do Acordão:12/03/2015
Tribunal:1 SECÇÃO
Relator:MARIA BENEDITA URBANO
Descritores:ASSINATURA ELECTRÓNICA
EXCLUSÃO
CONTENCIOSO PRÉ-CONTRATUAL
Sumário:I - O modo de assinatura estabelecido no artigo 27.º, n.º 1, da Portaria 701-G/2008 é formalidade essencial, seja quanto ao seu tipo, seja quanto à aposição individualizada.
II - Qualquer interpretação das normas que impõem a assinatura electrónica de todos os documentos que compõem a proposta, designadamente do art.º 27.º da Portaria n.º 701-G/2008, por forma a acobertar modos de assinatura dos elementos da proposta diversos do expressamente prescrito ou com recurso ao princípio de que as formalidades essenciais se degradam em meras irregularidades quando o fim legal tenha sido atingido, exigiria a certeza absoluta de que o modo alternativo de assinatura equivale rigorosamente, para os referidos fins, à assinatura electrónica individualizada que a lei exige. Alegação e demonstração que sempre incumbiriam a quem disso queira tirar proveito.
Nº Convencional:JSTA00069459
Nº do Documento:SA12015120301028
Data de Entrada:10/02/2015
Recorrente:A..., LDA
Recorrido 1:MUNICÍPIO DE VISEU E OUTRA
Votação:UNANIMIDADE
Meio Processual:REC REVISTA EXCEPC
Objecto:AC TCAN DE 2015/06/19.
Decisão:PROVIDO
Área Temática 1:DIR ADM ECON - EMP OBRAS PUBL CONCURSO.
DIR ADM CONT - PRÉ-CONTRATUAL
Legislação Nacional:CPTA02 ART149 N3 ART150 N4.
CPC13 ART665 ART679 N2.
CPC96 ART715 N2 ART726.
CCP ART62 N1 N4 ART146 N2.
L 96/15 DE 2015/08/17 ART54.
DL 143-A/08 DE 2008/07/25.
DL 290-D/99 DE 1999/08/02 ART2 ART7.
PORT 701-G/08 DE 2008/07/29 ART20 ART27 ART32.
Legislação Comunitária:DIR 2014/23/PE E UE DE 2014/02/26.
DIR 2014/24/PE E UE DE 2014/02/26.
DIR 2014/25/PE E UE DE 2014/02/26.
Jurisprudência Nacional:AC STA PROC01123/12 DE 2013/01/30.; AC STA PROC0330/12 DE 2012/06/20.; AC STA PROC01056/11 DE 2012/03/08.; AC TCAS PROC08592/12 DE 2012/04/12.; AC TCAN PROC0430/110BEMDL DE 2015/05/17.; AC TCAN PROC0323/100BECBR DE 2010/10/22.; AC TCAN PROC0228/105BEVIS DE 2011/01/27.; AC TCAN PROC0770/108BECBR DE 2011/06/22.; AC TCAN PROC0619/114BEAVR DE 2012/04/27.; AC TCAN PROC0490/144BECBR DE 2015/12/11.
Referência a Doutrina:LUIS VERDE DE SOUSA - ALGUNS PROBLEMAS COLOCADOS PELA ASSINATURA ELECTRÓNICA DAS PROPOSTAS IN REVISTA DE CONTRATOS PUBLICOS N9 SETEMBRO-DEZEMBRO 2013 PÁG63-64.
Aditamento:
Texto Integral: Acordam em conferência na Secção de Contencioso Administrativo do Supremo Tribunal Administrativo:


I – Relatório

1. A…………….., Lda (A…………..), identificada nos autos, recorreu para este Supremo Tribunal do Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte (TCAN), de 19.06.15 (fls. 318 e ss), que confirmou a sentença do TAF do Viseu, de 09.04.15 (fls 269 e ss), a qual julgou improcedente a acção de contencioso pré-contratual intentada pela Autora, ora Recorrente, A…………, contra o Réu, ora Recorrido, Município de Viseu. Invoca para o efeito o n.º 1 do artigo 150.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos (CPTA).

1.1. A recorrente apresentou alegações, concluindo, no essencial, do seguinte modo (fls 354 e ss):

“1ª – O Recurso de Revista deve ser admitido quando, cumulativamente (i) tenha como fundamento a violação de lei substantiva ou processual, e (ii) quando esteja em causa uma questão de relevância jurídica ou social que revista importância fundamental ou, ainda, quando a admissão de recurso seja claramente necessária para uma melhor aplicação do direito.
2ª – Nos presentes autos, ao ter considerado desproporcionado excluir uma proposta que não contenha a assinatura electrónica em todos e cada um dos documentos da proposta; e ao ter considerado válida a assinatura manual aposta em todos e cada um dos documentos assinados e entregue com a proposta, considerando que isto corresponde à vontade negocial da contra-interessada, e que, por isso, tal formalidade se degrada em formalidade não essencial, o Acórdão ora recorrido violou a lei substantiva e nomeadamente os artigos 62º, n.ºs 1 e 4 do CCP, 11º, n.º 1 do decreto-Lei n.º 143-A/2008 e 27º, n.º 1 da Portaria n.º 701-G/2008, bem como os princípios da intangibilidade das propostas, da igualdade, da legalidade e da imparcialidade.
4ª – O Acórdão recorrido olvidou, por completo, que a assinatura aposta em cada um dos documentos que instruíram a proposta da contra-interessada B…………., Lda. era manual, desconsiderando também qual o tipo de assinatura eletrónica que ao caso teria aplicação: se a eletrónica avançada ou a eletrónica qualificada.
5ª – Esta questão reveste a maior relevância jurídica, pois exige a fixação de jurisprudência sobre a essencialidade da exigência constante dos artigos 62º, n.º 1 e 4 do CCP, 11º, n.º 1 do decreto-Lei n.º 143-A/2008 e 27º, n.º 1 da Portaria n.º 701-G/2008 e sobre as repercussões no procedimento, designadamente nos direitos dos demais concorrentes, no que se refere aos referidos princípios da intangibilidade das propostas, da igualdade, da legalidade e da imparcialidade.
6ª – Esta questão tem também uma óbvia relevância social na medida em que tem uma controversa aplicabilidade a um universo alargado de outros casos de procedimentos de contratação pública que decorrem nas plataformas electrónicas que não rejeitam automaticamente propostas que não tenham assinatura electrónica qualificada, ou mesmo que não rejeitem ficheiros contendo documentos com assinatura manual e não electrónica.
7ª – A proposta da contra-interessada B………….. não observou o estabelecido pelo CCP, pelo Decreto-Lei n.º 143-A/2008 e pela Portaria n.º 701-G/2008, dado que não foram assinados electronicamente, mediante a utilização de certificado de assinatura eletrónica qualificada, todos os documentos carregados na plataforma eletrónica e que instruíram a proposta da B………….. [cf. Pontos 11.4 e 12 do Programa do Procedimento e respetivos anexos que mencionam expressamente a obrigatoriedade de assinatura].
8ª – A B……….. apenas assinou três ficheiros eletronicamente e só resulta do probatório que foi efetuada assinatura eletrónica através de certificado digital, ficando sem saber se foi utilizada uma assinatura eletrónica avançada ou uma assinatura eletrónica qualificada, o que importava apurar para se saber se a assinatura digital aposta era a exigida legalmente (Acs. do STA de 08/03/2012, Processo 01056/11, de 20/06/2012, Processo 0330/12, de 30/01/2013, Processo 01123/12, de 14/02/2013, Processo n.º 01257/12, de 20/02/2014, Processo 0175/14].
9ª – Naturalmente, que a assinatura exigida pelo ponto 11.4 do Programa do Procedimento não era a manual mas sim a electrónica, por força do disposto no artigo 62º, n.ºs 1 e 4, do CCP, do DL 143-A/2008, de 25/07 e da Portaria n.º 701-G/08, de 29/07.
10ª – Donde se conclui, ter a B………. assinado manualmente os documentos que instruíram a sua proposta e depois limitou-se a submeter na plataforma três ficheiros, que assinou eletronicamente, através de certificado digital, sem assinar eletronicamente todos os documentos que apresentou.
11ª – Ora, tratando-se de assinatura manuscrita, como é o caso, a consequência desse facto só pode ser a de exclusão da proposta por a mesma não se encontrar assinada nos termos legais.
12ª – Neste sentido, decidiu o douto Acórdão do STA de 08.03.2012, processo 01056/11 (in www.dgsi.ptj que "[...] obrigando aquele regime a que o processamento dos concursos se faça exclusivamente por meios electrónicos, nela se incluindo a assinatura das propostas, não faria sentido admitir que determinados aspectos do mesmo, designadamente o que se refere à assinatura da sua peça mais importante, pudessem ser subtraídos àquele regime. Se assim não fosse pôr-se-ia em causa sem justificação razoável a intenção do legislador em desmaterializar integralmente, o processamento dos procedimentos relativos à formação dos contratos públicos e, ao mesmo tempo, criar-se-ia uma zona de insegurança e de incerteza jurídicas na medida em que se iria permitir que o descrito regime legal pudesse ser violado de acordo com os interesses (e, porventura, a arbitrariedade) do adjudicante."
13ª – Sendo certo também, que a apresentação da proposta por concorrente (e documentos anexos] no âmbito de procedimento concursal desenvolvido sob a égide de plataforma eletrónica carece de ser produzida por meio de transmissão escrita e eletrónica de dados através do progressivo carregamento dos ficheiros e dos formulários respectivos, bem assim, de cada um dos documentos que a instruem, devidamente encriptados, sendo que o momento da submissão da proposta se efectiva com a assinatura eletrónica da proposta por utilizador autorizado e identificado.
14ª – No caso em análise, não resulta que tal tenha sucedido.
15ª – Bem assim, não resulta do probatório, que tenha sido utilizada pela contra-interessada B……….., Lda., a assinatura exigida pelo artigo 27º, n.º 1 da Portaria n.º 701-G/2008, de 29 de julho, ou seja, a assinatura eletrónica qualificada.
Termos em que, admitido nos termos do nº 5 do artigo 150º do CPTA, ao recurso deve ser dado provimento, com as legais consequências, com o que V. Ex.cias, Venerandos Conselheiros, farão
JUSTIÇA!”

1.2. Os recorridos não produziram contra-alegações.

2. Por acórdão deste Supremo Tribunal [na sua formação de apreciação preliminar prevista no n.º 5 do artigo 150.º do CPTA], de 09.09.15 (fls 372-3), veio a ser admitida a revista, na parte que agora mais interessa, nos seguintes termos:

“(…)
2.2.2. O caso em apreço respeita, como se viu, a procedimento pré-contratual no concurso de «Empreitada Contínua de Conservação e Infra-Estruturas no concelho de Viseu – 2014».
O acórdão recorrido, confirmando o julgamento do TAF, entendeu não anular a adjudicação, apesar de reconhecer que a «recorrente tem razão num ponto de partida: a de que, face ao disposto nos nºs 3 e 4 do artigo 18º e, em particular, o disposto no n.º 1 do artigo 27.º da Portaria 701-G/2008, de 29 de Julho, cada um dos documentos que compõem a proposta devem ser assinados, o que não sucedeu no caso presente».
Na sua fundamentação o acórdão procedeu a larga indicação de jurisprudência diversa e de diverso sentido em situações do mesmo tipo.
Decorre do próprio acórdão que ainda não se consolidou uma linha jurisprudencial capaz de servir de referente estável para todos os operadores na matéria em discussão – as consequências da não assinatura de cada um dos documentos que constituem a proposta nos termos requeridos.
É importante que possa ser obtida essa estabilização, atenta a persistência deste tipo de questões”.

3. Notificado para se pronunciar, querendo, sobre o mérito do recurso (art. 146.º, n.º 1, do CPTA), o Digno Magistrado do MP emitiu parecer no sentido do provimento do recurso, com a consequente revogação do acórdão recorrido (fls 381 e ss).

4. Notificados para se pronunciarem sobre o parecer do MP, apenas o Recorrido o fez, sustentando que o dito parecer deverá ser desatendido, uma vez que, em seu entender, “Mostram-se integralmente cumpridos os requisitos legais exigidos pelos artigos 27º, nº 1 da Portaria nº 701-G/2008, de 29 de Julho, 146º, nºs 1, 2, i) e 4, 57º, nºs 4 e 5 e 62º, todos do Código dos Contratos Públicos, assim como do artigo 11º do DL nº 143-A/2008, de 25 de Julho” (fl. 391).


II – Fundamentação

1. De facto:

As instâncias deram como provado o seguinte quadro factual:

“a) O réu, Município de Viseu, por anúncio publicado no Diário da República, II Série, n.º 174, de 10/09/2014, publicitou a abertura do concurso público n.° 5051/2014, para a realização da "Empreitada Contínua de Conservação e Reconstrução de Infra-estruturas no Concelho de Viseu 2014", tendo como entidade adjudicante o réu Município;
b) Para o referido concurso mencionado em a), as peças do procedimento atinentes ao mesmo foram disponibilizadas através da plataforma electrónica www.compraspublicas.com;
c) Além do mais, consta do Programa do concurso, disponibilizado na referida plataforma electrónica, o seguinte:
"7-Regras de participação
7.1- Requisitos de acesso à plataforma electrónica:
a) A participação no concurso depende de prévia inscrição no procedimento "Concurso" a ser efectuado no portal www.compraspublicas.com;
b) Após inscrição e validação da documentação solicitada, será obtido o acesso necessário para efeitos de consulta de peças concursais;
(…)
11- Modo de apresentação e entrega das propostas
11.1 - Os documentos que constituem a PROPOSTA são apresentados directamente na plataforma electrónica já identificada, através do meio de transmissão escrita e electrónica de dados.
11.2 - A proposta deverá ser obrigatoriamente entregue, na plataforma electrónica, até às 23h00 do 24.° dia a contar da data de envio do anúncio.
11.3 - Quando pela sua natureza, qualquer documento dos que constituem a PROPOSTA não possa ser apresentado, nos termos do disposto no Ponto 11.1, deve ser encerrado em envelope opaco e fechado, em cujo rosto se deve indicar a designação do procedimento e da entidade, e enviado por correio registado à entidade adjudicante até ao fim do prazo estabelecido para entrega das propostas".
d) A proposta da contra interessada B……………… com que se apresentou ao concurso em causa é constituída por três ficheiros, apresentados pela mesma na plataforma electrónica da seguinte forma:
l. Um, contendo o "Anexo 1", assinado electronicamente, através de certificado digital emitido por entidade certificadora, no caso a DigitalSign;
2. Outro ficheiro, contendo o mapa de quantidades e os respectivos preços unitários; e
3. Um terceiro ficheiro, contendo uma compilação dos demais documentos da proposta, em formato PDF, assinado electronicamente, através de certificado digital emitido pela mencionada entidade certificadora.
e) A proposta apresentada pela contra interessada B……………., L.da, ao concurso em causa não foi individualmente assinada pela mesma digitalmente e nem quaisquer e cada um dos documentos que a integram ou integravam e/acompanhavam, tendo no entanto a mesma proposta e todos os documentos que a acompanhavam inseridos em 3 ficheiros, tendo estes sido assinados digitalmente pela mesma contra interessada por entidade certificadora dessa assinatura digital, no caso a DigitalSign;
f) No âmbito da audiência dos interessados, a autora pronunciou-se por escrito, na qual, em resumo alegou o seguinte:
- Nos termos do disposto no artigo 27.°, n.° 1, da Portaria n.° 701 -G/2008, de 29 de Julho, todos os documentos carregados nas plataformas electrónicas deverão ser assinados electronicamente mediante a utilização de certificados de assinatura electrónica qualificada e, por isso, decorre desta disposição legal da necessidade de todos os documentos serem assinados electronicamente e, por isso, devendo todos os documentos que constem da proposta ser assinados e não apenas os ficheiros que os contêm e, assim, uma vez que a contra interessada B…….. apenas assinou os ficheiros que continham a proposta e os respectivos documentos também neles contidos, nos termos do disposto no artigo 146.°, n.° 2, alínea 1), do código dos contratos públicos deve propor, fundamentadamente, a exclusão das propostas que não observem as formalidades do modo de apresentação das propostas fixadas nos termos do artigo 62.°, o que abrangerá as regras constantes da referida Portaria n.° 701-G/2008, de 29 de Julho, aplicável por remissão do artigo 62.°, n.° 4, do mesmo código, e por isso deverá o júri excluir as propostas apresentadas a concurso público por não se encontrarem todos os documentos assinados electronicamente, como é o caso da contra interessada B………….. - doc. de fols. 38/38v.º do processo físico que aqui se dá por reproduzido.
g) No seu relatório final, o júri do concurso, face aos argumentos da autora na sua pronúncia escrita em sede de audiência prévia, referiu o seguinte:
"Relativamente aos argumentos usados para solicitar a exclusão da proposta da empresa B……….., L.da, com base nas disposições legais invocadas, considera o Júri do procedimento que, os documentos solicitados no n.° 12 do programa do procedimento, foram apresentados pelo concorrente com assinatura digital emitida pela Digitalsign, conforme se pode verificar pelos detalhes da assinatura que a seguir se transpõe para o presente relatório. (está inserida uma cópia da informação electrónica do certificado (vide fols. 40 dos autos do processo físico que se dá por reproduzido) - introdução e sublinhado nosso.
O Júri, prosseguindo o interesse público no encontrar da solução que se torne mais vantajosa para o município, não encontra qualquer motivo para modificar o teor e as conclusões do relatório preliminar.
Não tendo o Júri aceite a contestação apresentada, mantém-se a ordenação das propostas com o ordenamento do relatório preliminar, transcrevendo-se todo o seu conteúdo e passando o mesmo a fazer parte integrante do relatório final.
Segue lista de concorrentes e a proposta de adjudicação à empresa B………………, L.da - introdução e sublinhado nosso" -doc. de fols. 40 a 42v.° que aqui se dá por reproduzido.
h) Por deliberação do executivo camarário do réu município, de 6 de Novembro de 2014, foi adjudicada à concorrente e contra interessada B…………., L.da, a empreitada em causa denominada "Empreitada Contínua de Conservação e Reconstrução de Infraestruturas no Concelho de Viseu - 2014", pelo valor de € 196.850,00;
i) O contrato respeitante à adjudicação mencionada em h) precedente foi celebrado entre o réu Município de Viseu e a contra interessada B…………….., L.da, em 12 de Dezembro de 2014;
j) A presente acção foi intentada pela autora em 9 de Dezembro de 2014.
-Motivação da Matéria de Facto Provada: A convicção do tribunal para a decisão da matéria de facto, baseou-se nos factos articulados pelas partes nos respectivos articulados e não contraditados pelo réu e pela contra interessada, a quem incumbia o ónus de os infirmar, tendo-se ainda em conta o ónus de alegação e da prova que incumbia e incumbe à autora relativamente à eventual desconformidade das declarações da contra interessada constantes da sua proposta e documentos que a integram, constantes dos respectivos ficheiros com que a mesma se apresentou ao concurso e, consequentemente, assim sendo dados por assentes e não controvertidos, nos elementos e/ou documentos juntos aos autos, nomeadamente a cópia a cópia certificada dos documentos juntos com a oposição do réu e integrantes do processo administrativo/instrutor e deste mesmo PA junto por apenso aos autos, tudo pormenorizadamente analisado e ponderado segundos as regras da lógica e da experiência comum.
Não se vislumbram factos que tenham sido alegados e cuja não prova tenha relevado ou releve para o conhecimento do mérito da causa” ( cfr. fls. 321-324).

2. De direito:

2.1. No caso dos autos, a recorrente sustenta que o acórdão recorrido fez uma má aplicação do direito aplicável, mais concretamente, violou os artigos 62.º, n.os 1 e 4, do Código dos Contratos Públicos (CCP), 11º, n.º 1 do DL n.º 143-A/2008, e 27º, n.º 1, da Portaria n.º 701-G/2008, bem assim como os princípios da intangibilidade das propostas, da igualdade, da legalidade e da imparcialidade. Em termos simples, a recorrente entende que não tendo a proposta da concorrente/adjudicatária B…………, Lda (B……………) respeitado a exigência de assinatura electrónica individualizada (art. 27.º, n.º 1, da Portaria n.º 701-G/2008) – uma vez que aquela não assinou electronicamente cada um dos documentos carregados na plataforma, mas apenas os três ficheiros [ou pastas] que os continham – a sua proposta, porque inválida, deveria ter sido excluída pelo júri. Por esse motivo, não poderia o acórdão recorrido ter concluído pela mera irregularidade da proposta. Afirma a recorrente que “No caso em apreço, tendo o tribunal recorrido entendido que a forma utilizada pela B……………, Lda para submeter os documentos que instruíram a proposta foi a correta, desde logo porque expressou a vontade de contratar, criou uma entorse clara àquela que deve ser a interpretação jurídica do Decreto-Lei n.º 143-A/2008, da Portaria n.º 701-G/2008 e do próprio Código dos Contratos Públicos.” (fl. 350).

2.2. Como é sabido, o objectivo do legislador de garantir a integral desmaterialização do procedimento de adjudicação dos contratos públicos trouxe consigo vários problemas, designadamente aqueles relacionados com as assinaturas electrónicas e seus efeitos legais. Luís Verde de Sousa identifica três tipos de problemas neste particular domínio da contratação pública electrónica. São eles os seguintes: “(i) a não utilização de uma assinatura electrónica; (ii) a utilização de um outro tipo de assinatura electrónica avançada; (iii) e a não assinatura electrónica de cada um dos documentos carregados na plataforma (assinatura individualizada)”. Como afirma o mesmo autor, “[e]mbora diferentes, estas situações convocam uma mesma questão: a de saber se a proposta apresentada pelo concorrente deve ser sempre excluída (sanção legalmente prevista) ou se, em determinadas circunstâncias, a entidade adjudicante tem ainda o poder (ou mesmo o dever) de a admitir” (cfr. Luís Verde de Sousa, “Alguns problemas colocados pela assinatura electrónica das propostas”, in Revista de Contratos Públicos, n.º 9, setembro-dezembro 2013, pp. 63-4).

2.3. Em termos de enquadramento jurídico da questão em apreço são habitualmente mobilizados pela jurisprudência vários dispositivos contidos em diversos diplomas, uns de natureza legislativa (como o CCP, o DL n.º 143-A/2008, de 25.06, e, ainda, o DL n.º 290-D/99, de 02.08, com as sucessivas alterações), outro de natureza regulamentar (como a Portaria n.º 701-G/2008, de 29.07), tendo o DL n.º 143-A/2008 sido, entretanto, revogado pela Lei n.º 96/2015, de 17.08 – que transpõe alguns preceitos das novas directivas europeias sobre contratação pública: a Directiva 2014/23/UE, a Directiva 2014/24/UE e a Directiva 2014/25/CE, do PE e do Conselho –, o mesmo sucedendo à portaria que o regulamentava. Atentemos no teor dos dispositivos pertinentes para o caso vertente:

(i) Portaria n.º 701-G/2008:

Artigo 20.º (Sequência da submissão das propostas)

“1 – Após a submissão, o concorrente recebe um recibo electrónico comprovativo do facto, com registo da identificação da entidade adjudicante, do procedimento, do lote, se for o caso, do concorrente, da proposta, bem como da data e hora da respectiva submissão.
(…)”.
Artigo 27.º (Assinatura electrónica)

“1 – Todos os documentos carregados nas plataformas electrónicas deverão ser assinados electronicamente mediante a utilização de certificados de assinatura electrónica qualificada.
(…)”.
Artigo 32.º (Carregamento de documentos)

“1 – A plataforma disponibiliza aos utilizadores as aplicações que permitem efectuar o carregamento de documentos nas mesmas.
2 – Todos os documentos carregados são assinados electronicamente, através da aplicação da plataforma e com recurso aos certificados digitais do utilizador.
3 – A assinatura a efectuar na fase de carregamento ou na fase de submissão da candidatura, da solução ou da proposta deve obedecer ao disposto no n.º 2 do artigo 31.º.
4 – O carregamento ou a submissão bem sucedidos originam a emissão de recibo, assinado electronicamente pela plataforma e com aposição de selo temporal, com data e hora correspondentes.
(…)”.

(ii) DL n.º 143-A/2008:
Artigo 14.º (Data e hora de apresentação da proposta, candidatura ou solução)

“1 – Para efeitos de determinação da data e hora de entrega das propostas, candidaturas ou soluções, deve ter-se em consideração o momento em que o concorrente procede à submissão da totalidade dos documentos que integram as propostas, as candidaturas ou as soluções.
2 – Entende-se por submissão da proposta, candidatura ou solução o momento, após o carregamento das mesmas na plataforma electrónica, em que o concorrente ou candidato efectiva a assinatura electrónicas das mesmas.
3 - A plataforma electrónica deve operacionalizar um sistema de aviso de recepção electrónico que comprove o envio bem sucedido dos documentos que constituem a proposta, a candidatura ou as soluções, bem como a data e hora da submissão.
4 – A plataforma electrónica deve assegurar a determinação, com precisão, da data e hora da transmissão dos dados referidos no número anterior, nos termos a definir na portaria a que se referem os n.os 2 e 3 do artigo 4.º do Decreto-Lei n.º 18/2008, de 29 de Janeiro, devendo aqueles dados ser inscritos na proposta no momento da sua recepção.
5 – O aviso de recepção referido no n.º 3 é enviado, de imediato, para o interessado.
6 – Caso o envio completo não seja bem sucedido, considera-se não ter existido qualquer apresentação de propostas, candidaturas ou soluções, devendo o interessado ser, de imediato, notificado desse facto”.

(iii) CCP:
Artigo 62.º (Modo de apresentação das propostas)

“1 – Os documentos que constituem a proposta são apresentados directamente na plataforma electrónica utilizada pela entidade adjudicante, através de meio de transmissão escrita e electrónica de dados, sem prejuízo do disposto na alínea g) do n.º 1 do artigo 115.º.
(…)
3 – A recepção da proposta é registada com referência às respectivas data e hora, sendo entregue aos concorrentes um recibo electrónico comprovativo dessa recepção.
4 – Os termos a que deve obedecer a apresentação e a recepção das propostas nos termos do disposto nos n.os 1 a 3 são definidos por diploma próprio [in casu, o DL n.º 143-A/2008 e a Portaria n.º 701-G/2008]
(…)”.
Artigo 146.º (Relatório Preliminar)

“(…)
2. – No relatório preliminar a que se refere o número anterior, o júri deve também propor, fundamentadamente, a exclusão das propostas:
(…)
l) Que não observem as formalidades do modo de apresentação das propostas fixadas nos termos do disposto no artigo 62.º;
(…)
n) Que sejam apresentadas por concorrente em violação do disposto nas regras referidas no n.º 4 do artigo 132.º, desde que o programa do concurso assim o preveja expressamente;
(…)”.

(iv) DL n.º 290-D/99:
Artigo 2.º (Definições)

“Para os fins do presente diploma, entende-se por:
(…)
c) «Assinatura electrónica avançada» a assinatura electrónica que preenche os seguintes requisitos:
i) Identifica de forma unívoca o titular como autor do documento;
ii) A sua aposição ao documento depende apenas da vontade do titular;
iii) É criada com meios que o titular pode manter sob o seu controlo exclusivo;
iv) A sua conexão com o documento permite detectar toda e qualquer alteração superveniente do conteúdo deste;
(…)
g) «Assinatura electrónica qualificada» a assinatura digital ou outra modalidade de assinatura electrónica avançada que satisfaça exigências de segurança idênticas às da assinatura digital baseadas num certificado qualificado e criadas através de um dispositivo seguro de criação de assinatura;
(…)”.
Artigo 7.º (Assinatura electrónica qualificada)

“1 – A aposição de uma assinatura electrónica qualificada a um documento electrónico equivale à assinatura à assinatura autógrafa dos documentos com forma escrita sobre suporte de papel e cria a presunção de que:
a) A pessoa que apôs a assinatura electrónica qualificada é o titular desta ou é representantes, com poderes bastantes, da pessoa colectiva titular da assinatura electrónica qualificada;
b) A assinatura electrónica qualificada foi aposta com a intenção de assinar o documento electrónico;
c) O documento electrónico não sofreu alteração desde que lhe foi aposta a assinatura electrónica qualificada.
(…)”.

2.4. Decorre da letra da lei, sem margem para dúvidas, que é exigida uma assinatura electrónica individualizada das propostas (isto é, uma assinatura electrónica para cada documento relativo a uma determinada proposta carregado na plataforma electrónica) e que o incumprimento deste requisito legal implica a exclusão das propostas incumpridoras. Não obstante a clareza dos textos, na jurisprudência administrativa têm-se observado uma divergência na solução a aplicar na situação em que não tenha sido respeitada a exigência legal, por vezes replicada no programa do concurso, de uma assinatura electrónica individualizada. Em larga medida, estas soluções judiciais divergentes assentam numa igualmente divergente determinação da natureza da formalidade em causa.
Assim, de um lado, temos a solução que aponta para a exclusão da proposta como consequência da violação daquilo que se entende ser uma formalidade essencial (ou ad substantiam), solução que foi acolhida em alguns arestos dos dois TCA’s e do STA (cfr. os Acórdãos do STA de 30.01.13, Proc. n.º 1123/12, e do TCAS de 12.04.12, Proc. n.º 8592/12, e do TCAN de 17.05.15, Proc. n.º 430/14.0BEMDL).
Do outro lado, temos a solução que preconiza que a inobservância da forma juridicamente exigida pode ser suprida, dada a irrelevância do vício de forma. De modo mais concreto, a falta de assinatura electrónica de todos e cada um dos documentos constituirá um requisito de forma ad probationem. Esta solução faz apelo a uma postura anti-formalista e à teoria das formalidades não essenciais, aceitando a premissa de que o vício de procedimento será irrelevante sempre e na medida em que for possível atingir por outra via os interesses ou valores que a norma violada visa satisfazer. Faz de igual modo apelo, entre outros, ao princípio da proporcionalidade (entre o vício cometido e a sanção), ao do favor procedimento (cfr., de forma genérica, os Acórdãos do TCAN de 22.10.10, Proc. n.º 323/10.0BECBR, de 27.01.11, Proc. n.º 228/10.5BEVIS, de 22.06.11, Proc. n.º 770/10.8BECBR, de 27.04.12, Proc. n.º 619/11.4BEAVR, e de 11.02.15, Proc. n.º 490/14.4BECBR, nem todos eles se pronunciando especificamente sobre a questão da assinatura electrónica individualizada). Em suma, estaríamos em face de mera irregularidade susceptível de ser ultrapassada, chegando em alguns casos a falar-se em convite ao suprimento da formalidade a formular pelo júri do concurso.

2.5. Reportando-nos ao caso dos autos, o TCAN aderiu de forma expressa àquela orientação dita anti-formalista, que considera ser maioritária na jurisprudência e na doutrina nacionais, e, socorrendo-se de um acórdão do TCAN que se debruçou sobre um caso em que apenas tinha sido assinada electronicamente uma pasta compactada ou zipada, tendo considerado que se tratava de mera irregularidade, preconizou a mesma solução para o caso que tinha em mãos (“No presente caso, a resolução da questão supra enunciada encontra-se disponível, pela similitude e alinhamento com a doutrina jurisprudencial em referência, nos fundamentos do acórdão do TCAN, de 27-04-2012, processo nº 00619/11.4BEAVR” – fl. 333). Mais ainda, nesse mesmo aresto que o TCAN segue no acórdão recorrido, e do qual extrai algumas passagens, diz-se o seguinte “«Ninguém pôs em causa nos autos, nem a própria Recorrente, que os documentos juntos correspondem exactamente à declaração de vontade negocial da Contra-Interessada, ou seja, correspondem aos exactos termos em que esta se quis vincular e não foram alterados. Com o que se conseguiu o desiderato legal, a não permitir a exclusão da proposta ganhadora, assegurar que os documentos apresentados pela Contra-Interessada traduziram com exactidão a sua declaração de proposta negocial. Declaração esta confirmada no contrato celebrado na sequência (e como consequência) do acto de adjudicação posto em crise na presente acção»”. Apoiando esta argumentação, conclui o acórdão recorrido da seguinte forma: “A decisão sob recurso, alinhada com esta doutrina jurisprudencial, não merece o reparo com sentido invalidante pretendido pela Recorrente. Em face de todo o exposto, improcede a alegação da Recorrente” (fl. 336).

2.6. Esta solução não pode ser acompanhada, devendo a questão decidir-se de acordo as linhas gerais de interpretação do regime legal que fez vencimento no acórdão deste Supremo Tribunal de 30/1/2013, Proc. 1123/12.

Em primeiro lugar, sendo o texto da lei que a prevê o elemento fundamental para identificar o tipo de formalidade cuja natureza se queira determinar – formalidades ad substantiam ou ad probationem ou, na terminologia dominante no direito adimistrativo, formalidades essenciais ou não essenciais - e sendo a regra a de que são essenciais as formalidades legalmente impostas para a prática dos actos no procedimento administrativo, a simples invocação do texto do artigo 7.º do DL n.º 290-D/99 e das presunções que aí são estabelecidas não é de molde a fundar a tese, seguida pelas instâncias, de que a exigência de uma assinatura electrónica individualizada constante do artigo 27.º da Portaria n.º 701-G/2008 é um mero requisito ad probationem de uma vontade de concorrer determinável por outro modo. Com efeito, o art.º 7.º do Dec. Lei n.º 290-D/99 afirma o valor probatório da assinatura digital por equivalência à assinatura autógrafa sobre suporte de papel e extrai consequências probatórias específicas da sua aposição a um documento eletrónico. Mas com isso não determina as exigências de perfeição ou requsitos de validade dos actos incorporados em documentos a que tal tipo de assinatura deva ser aposta. Do mesmo modo que as regras relativas ao valor probatório dos documentos com assinatura autógrafa em papel (v.g. art.ºs 370.º a 378.º do Cod. Civil) nada dizem sobre os requisitos de validade dos actos jurídicos que careçam de escrito assinado e da qual a assinatura não conste. São questões diferentes as relativas à perfeição de um documento para produzir o efeito legal a que se destina e a da sua aptidão probatória. Como se disse no referido acórdão de 30/1/2013, “[s]e há presunções que se retiram da aposição de assinaturas em documentos, já as mesmas nada importam quanto a documentos nos quais não foi aposta qualquer assinatura”.

No caso está provado que
“d) A proposta da contra interessada B…………….. com que se apresentou ao concurso em causa é constituída por três ficheiros, apresentados pela mesma na plataforma electrónica da seguinte forma:
l. Um, contendo o "Anexo 1", assinado electronicamente, através de certificado digital emitido por entidade certificadora, no caso a DigitalSign;
2. Outro ficheiro, contendo o mapa de quantidades e os respectivos preços unitários; e
3. Um terceiro ficheiro, contendo uma compilação dos demais documentos da proposta, em formato PDF, assinado electronicamente, através de certificado digital emitido pela mencionada entidade certificadora.
e) A proposta apresentada pela contra interessada B……………., L.da, ao concurso em causa não foi individualmente assinada pela mesma digitalmente e nem quaisquer e cada um dos documentos que a integram ou integravam e/acompanhavam, tendo no entanto a mesma proposta e todos os documentos que a acompanhavam inseridos em 3 ficheiros, tendo estes sido assinados digitalmente pela mesma contra interessada por entidade certificadora dessa assinatura digital, no caso a DigitalSign”.

Assim, perante a matéria de facto assente, que não pode modificar-se no âmbito do presente recurso (art.º 150.º, n.º 4, do CPTA), tem de concluir-se que a contra interessada não cumpriu as exigências legais quanto ao modo de apresentação da sua proposta. Está provado que não assinou de modo individualizado os documentos que a constituem, ou seja, os documentos por si elaborados ou preenchidos a que se refere o art.º 57.º do CCP. A consequência da violação dessa exigência é a exclusão da proposta, nos termos da al. l) do n.º 2 do art.º 146.º do CCP. Com efeito, o n.º 4 do art.º 62.º do CCP remeteu a matéria de apresentação e recepção das propostas para a disciplina a estabelecer em diploma próprio que ao tempo se encontrava no Dec. Lei n.º 143-A/2008 e na Portaria 701-G/2008, de que acima se puseram em evidência as disposições pertinentes (regime actualmente estabelecido pela Lei n.º 96/2015, de 17 de agosto, maxime pelo art.º 54.º ).
A lei (entenda-se, no termo final das remissões, o regulamento que o legislador considerou meio de melhor adequação à permanente evolução e desenvolvimento das tecnologias nesta área – art.º 11.º do Dec. Lei n.º 143-A/2008) optou por um modo de assinatura electrónica dos documentos constituintes das propostas que lhe pareceu mais idóneo para eliminar divergências e disputas a propósito da sua apresentação, autoria e integridade de conteúdo. É uma opção legislativa clara (enfatizada pela expressão “todos os documentos”), motivada por compreensíveis razões de certeza e segurança num procedimento altamente formalizado e propenso a elevado grau de litigiosidade, como é o procedimento pré-contratual. A desconsideração da exigência legal frustaria esse objectivo, introduzindo margem de incerteza ou de alastramento da controvérsia num aspecto do procedimento onde o legislador privilegiou uma solução ordenada a eliminá-las. Daí que tenha de ser considerada de caracter imperativo, sob risco de introduzir a dúvida, procedimento a procedimento. Por isso tem sido decidido por este Supremo Tribunal que o modo de assinatura estabelecido no referido art.º 27.º, n.º1, da Portaria 701-G/2008, é formalidade essencial, seja quanto ao seu tipo, seja quanto à aposição individualizada (cf., além do acórdão já referido, os acórdãos de 8/3/2012-Proc. 01056/11 e de 20/6/2012-Proc. 0330/12).

2.7. E não se vê que devam ser consideradas desproporcionadas, seja a exigência em si, seja a sanção estabelecida para a sua inobservância. Os seus destinatários são operadores económicos, necessariamente dotados de uma organização mínima que lhes permita actuar no mercado da contratação pública. O ónus que a lei impõe ao proponente ou candidato de assinar electronicamente cada um dos documentos integradores da proposta não exige da sua parte muito mais dispêndio de tempo, meios materiais, ou técnicos, do que aquele que suporta quando opta por assinar as pastas ou ficheiros que os contém, em desconformidade com um normativo inserido num diploma, que pode ser duvidoso ou tecnicamente deficiente em muitos aspectos, mas que neste ponto contém uma prescrição claríssima e de ratio compreensível e razoável.

É certo que é possível correlacionar as presunções estabelecidas no art.º 7.º do Dec. Lei n.º 290-D/99 com outras tantas funções ou finalidades específicas da assinatura electrónica qualificada. São elas, como tem sido assinalado: (i) a função identificadora, (ii) a função finalizadora ou confirmadora e (iii) a função de garantia de inalterabilidade, atestando que, depois de assinado, o documento não foi alterado. E também pode admitir-se que, pelo menos relativamente às duas primeiras, seria possível verificar por outros meios, no decurso do procedimento, que as finalidades visadas pela norma não foram substancialmente comprometidas pelo incumprimento da formalidade.
Porém, isso não basta para que o incumprimento da exigência legal se degrade em mera irregularidade. Além de a consecução do fim legal ter de estar garantido desde o momento da submissão da proposta, uma vez que é a partir desse momento que deve poder ter-se a certeza de que o recorrente se vinculou ao seu conteúdo e de que nenhum elemento desta foi modificado, está sobretudo por demonstrar que outros modos de aposição da assinatura electrónica, que não aquele que a lei imperativamente prescreve de aposição de assinatura em todos os documentos do concurso, garantam do mesmo modo, com a mesma fiabilidade e facilidade de verificação, a inalterabilidade da proposta e dos elementos que a compõem.
Qualquer interpretação das normas que impõem a referida formalidade, designadamente do art.º 27.º da Portaria, por forma a acobertar modos de assinatura dos elementos da proposta diversos do expressamente prescrito ou com recurso ao princípio de que as formalidades essenciais se degradam em meras irregularidades quando o fim legal tenha sido atingido, exigiria a certeza absoluta de que o modo alternativo de assinatura equivale rigorosamente, para os referidos fins, à assinatura electrónica individualizada que a lei exige.
Alegação e demonstração que sempre incumbiria a quem disso queira tirar proveito. Ora, no caso sujeito essa prova não foi feita pela entidade adjudicante nem pela contra-interessada, sendo manifestamente insuficiente para justificar a desconsideração da preterição da exigência legal a afirmação de que o acórdão recorrido se socorre de que “[n]inguém pôs em causa nos autos, nem a própria Recorrente, que os documentos juntos correspondem exactamente à declaração de vontade negocial da contra-interessada, ou seja, correspondem aos exactos termos em que esta se quis vincular e não foram alterados”. O que está em causa não é a determinação da vontade de contratar, mas a apresentação da proposta no procedimento de concurso do modo exigido pela lei para que a vontade de contratar seja atendível.

2.8. Tanto basta para considerar que a proposta da contra-interessada B…………….. L.da devia ter sido excluída, nos termos das disposições conjugadas da al. l) do n.º 2 do art.º 146.º e n.º 4 do art.º 62.º do Código dos Contratos Públicos e do n.º 1 do art.º 27.º da Portaria n.º 701-G/2008, de 29 de Julho, com a consequente anulabilidade do acto que lhe adjudicou a empreitada. Procede, portanto, o recurso quanto ao pedido anulatório.

2.9. A Autora, ora recorrente, formulou, na petição inicial, o pedido de condenação do Município à prática de novo acto de adjudicação, agora a seu favor. A apreciação desse pedido e das questões emergentes, seja pelo tribunal de 1ª instância, seja no recurso de apelação, ficou prejudicada pela solução dada à questão anterior de admissão da proposta da contra-interessada.
Nestas circunstâncias, impõe-se a remessa do processo ao TCA para apreciação das questões respeitantes a este pedido, nos termos do n.º 3 do art.º 149.º do CPTA.
Efectivamente, na ausência de normação própria, o poder de substituição do STA ao tribunal recorrido em situações deste género só poderia resultar da aplicação supletiva do art.º 726.º do anterior CPC ao julgamento da revista no contencioso administrativo, com as necessárias adaptações. Remetendo-se nesse art.º 726.º para o regime de apelação e estando apenas excluída a aplicabilidade do n.º 1 do art.º 715.º, seriam aplicáveis as normas constantes do n.º 2 do art.º 715.º a que correspondiam os n.ºs 3 e 4 do CPTA. Sucede que o art.º 679.º do novo Código de Processo Civil veio excluir da aplicação remissiva todo o preceituado no art.º 665.º, incluindo o n.º 2 que versa sobre as situações que no regime anterior constavam do n.º 2 do art.º 715.º, pelo que foi retirada ao tribunal de revista o poder de susbtituição ao tribunal de apelação neste tipo de situações.
Assim, tendo desaparecido a base normativa em cuja aplicação supletiva encontraria apoio, não pode actualmente conhecer-se na revista deste tipo de questões cuja apreciação pelas instâncias ficou prejudicada pela solução dada ao litígio.

3. Decisão
Pelo exposto, concedendo provimento ao recurso nos aludidos termos, revoga-se o acórdão recorrido e decide-se:
a) Anular o acto de adjudicação do concurso de “Empreitada Contínua de Conservação e Infraestruras do Conselho de Viseu – 2014” à proposta apresentada pela contra-interessada B…………….. Ldª;
b) Ordenar a baixa do processo ao TCA para apreciação das questões relativas ao pedido de condenação na prática de novo acto de adjudicação a favor da Autora.
c) Custas do presente recurso pelo recorrido Município.


Lisboa, 3 de Dezembro de 2015. – Maria Benedita Malaquias Pires Urbano (relatora) – Vítor Manuel Gonçalves Gomes – Alberto Augusto Andrade de Oliveira.