Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:01316/16
Data do Acordão:09/13/2017
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:CASIMIRO GONÇALVES
Descritores:MÉTODOS INDIRECTOS
CONTABILIDADE IRREGULAR
REGULARIZAÇÃO
EXIGÊNCIA DE NOTIFICAÇÃO
Sumário:A possibilidade de suprimento, no prazo legal, contemplada na al. a) do art. 88º da LGT, impõe-se em todas as situações ali previstas e não apenas nas situações de falta ou atraso de escrituração dos livros e registos ou irregularidades na sua organização ou execução.
Nº Convencional:JSTA00070300
Nº do Documento:SA22017091301316
Data de Entrada:11/24/2016
Recorrente:AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA
Recorrido 1:MASSA INSOLVENTE DE A... LDA
Votação:UNANIMIDADE
Meio Processual:REC JURISDICIONAL
Objecto:SENT TAF VISEU
Decisão:NEGA PROVIMENTO
Área Temática 1:DIR PROC TRIBUT CONT - IMPUGN JUDICIAL
Legislação Nacional:LGT98 ART87 B ART88 A ART45.
RGIT01 ART120 N2 ART121 N2.
CIRS01 ART39 N2 N3.
CIRC01 ART57 N2 N3 ART52.
Jurisprudência Nacional:AC STA PROC01262/13 DE 2014/12/03.
Referência a Doutrina:LIMA GUERREIRO - LGT ANOTADA PAG371-2.
LEITE DE CAMPOS, BENJAMIM RODRIGUES, JORGE DE SOUSA - LGT ANOTADA E COMENTADA 4ED 2012 PAG765.
Aditamento:
Texto Integral: Acordam na Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:

RELATÓRIO
1.1. A Fazenda Pública recorre da sentença que, proferida no TAF de Viseu em 06/12/2016, julgou parcialmente procedente a impugnação deduzida por A…………. Lda., contra as liquidações adicionais de IRC referentes aos exercícios de 2002 e 2003, e respectivos juros compensatórios, no montante global de 95.885,74 €.
A dita sentença anulou a liquidação referente ao exercício de 2003 na parte respeitante às correcções operadas com recurso a métodos indirectos, absolvendo, quanto ao demais, a Fazenda Pública dos pedidos formulados.

1.2. Termina as alegações formulando as conclusões seguintes:
a) Incide o presente recurso sobre a aliás douta sentença que julgou parcialmente procedente a presente impugnação, com a consequente anulação da liquidação de IRC referente ao exercício de 2003, na parte respeitante às correcções com recurso a métodos indirectos;
b) Considerou o Julgador que a Administração Tributária ao não ter notificado a impugnante para, nos termos do art. 52°, nºs. 2 e 3 do CIRC, regularizar as deficiências da sua contabilidade, “(...) não estavam reunidos os pressupostos para a aplicação dos métodos indirectos, pois, conforme resulta expressamente do artigo 88º, alínea a) da LGT as deficiências de contabilidade ou escrituração apenas legitimam o recurso à avaliação indirecta quando não supridas no prazo legal”;
c) Ressalvado o devido respeito, que é muito, entende a Fazenda Pública que a Meritíssima Juiz a quo, ao ter decidido como decidiu, incorreu em erro de julgamento, por errónea interpretação do disposto na alínea a) do art. 88° da LGT e no nº 2 do art. 52° do CIRC;
d) Pois, salvo melhor douto entendimento, subsumindo os factos à previsão do art. 52°, nº 2 do CIRC, não cremos que exista qualquer imposição legal nesta norma que, no caso de serem detectadas irregularidades na contabilidade (mormente as ditas omissões de proveitos), obrigasse a Administração Tributária a notificar a impugnante para proceder à regularização da sua contabilidade;
e) Porquanto, no que concerne ao prazo dentro do qual deve ser regularizada a contabilidade, da redacção do nº 2 do art. 52° do CIRC não resulta que, em caso de irregularidades na organização e execução da contabilidade, a Administração Tributaria tenha a obrigação de notificar o sujeito passivo para regularizá-la;
f) Ora, encontram-se naquele dispositivo apenas tipificadas as situações de inexistência de escrita e de falta e atrasos na execução da contabilidade, considera a Fazenda Pública que, tão-somente, nessas situações é que deve ser dada a oportunidade ao contribuinte para regularizar a contabilidade;
g) Aliás, aqueles citados normativos da LGT e do CIRC não podem deixar de ser interpretados, de uma forma harmónica, com os restantes dispositivos legais que digam respeito a esta matéria, maxime o disposto nos artigos 120° e 121° do RGIT;
h) Com efeito, o art. 120° nº 2 do RGIT dispõe que “Verificada a inexistência de escrita... é notificado o contribuinte para proceder à sua organização num prazo a designar, que não pode ser superior a 30 dias (...)” (sublinhado nosso) e o nº 2 do art. 121° do RGIT, sob a epígrafe “Não organização da contabilidade de harmonia com as regras de normalização contabilística e atrasos na sua execução” estipula que “Verificado o atraso, (…) o contribuinte é notificado para regularizar a escrita em prazo a designar, que não pode ser superior a 30 dias (...)” (sublinhado nosso);
i) Pelo que, para a situação de irregularidades na organização e execução da contabilidade, não foi, sequer, prevista a mesma exigência legal de notificação (cfr. nºs 1 e 2 do art. 121º do RGIT);
j) Ora, estando o escopo da norma erigido no sentido de dar a oportunidade ao contribuinte para regularizar a sua contabilidade apenas nas situações em que se verifique a inexistência de escrita e a falta e atrasos na execução da contabilidade (porquanto, salvo o devido respeito por opinião contrária, é esta a interpretação mais consentânea com o espírito do legislador), mal andou a douta sentença ao julgar que a Administração Tributária deveria, nos termos do art. 52°, nºs 2 e 3 do CIRC, ter efectuado à impugnante a notificação para regularizar as deficiências da contabilidade;
k) Ademais, abrir, após o encerramento das contas, a possibilidade de, em casos de irregularidades na organização e execução da contabilidade, o contribuinte regularizar a sua contabilidade, violaria o que as normas societárias dispõem sobre esta matéria;
l) Pois, segundo o Código das Sociedades Comerciais (cfr. art. 65º e 70°), um dos deveres dos órgãos societários é o encerramento de contas, que consiste na prestação anual de contas do exercício, na elaboração do respectivo relatório, que deve ser apresentado no prazo de três meses a contar da data do encerramento do exercício, e no depósito das contas anuais no prazo referido nos art. 3°, alínea n), e 15º, nº 3 do Código de Registo Comercial.
m) Nem, por outro lado, olvidar que, nos termos do nº 4 do art. 115º do CIRC, não são permitidos atrasos na execução da contabilidade superiores a noventa dias, contados do último dia do mês a que respeitam as operações, pelo que, relativamente ao fecho do exercício, as contas devem ser encerradas até final do mês de Março seguinte;
n) Portanto, o legislador estabeleceu, de forma inequívoca um prazo limite a partir do qual se consideram encerradas as contas, pois, se não fosse assim, seria indefinidamente protelada no tempo, a possibilidade do contribuinte poder, a qualquer momento segundo critérios de conveniência, apresentar ou regularizar as faltas cometidas, ficando a Administração impossibilitada de actuar em conformidade;
o) E permitir que, após o encerramento das contas, o contribuinte regularize irregularidades na organização e execução da contabilidade, constituiria, assim e a nosso ver, um verdadeiro atropelo ao princípio constitucional da certeza e segurança jurídica e da protecção da confiança dos cidadãos, expressamente consagrado no art. 2° da CRP.
p) Padece, assim, a sentença ora em apreciação de erro de julgamento, pois fez uma errada interpretação da alínea a) do art. 88° da LGT, bem como nos nºs 2 e 3 do CIRC.
Termina pedindo que seja dado provimento ao recurso, revogando-se a sentença recorrida, na parte recorrida, com as legais consequências.

1.3. Não foram apresentadas contra-alegações.

1.4. O MP emite parecer nos termos seguintes:
«A recorrente, FAZENDA PÚBLICA, vem sindicar a sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Viseu, exarada a fls. 128/142, em 06 de Setembro de 2016, que julgou parcialmente procedente impugnação judicial deduzida contra o ato de liquidação adicional de IRC de 2003, na parte respeitante às correções com recurso a métodos indiretos, no entendimento de que não se verificam os pressupostos estatuídos no artigo 88°/a) da LGT, por omissão de notificação prévia para suprir as deficiências da contabilidade.
A recorrente apresentou alegações, tendo concluído nos termos de fls. 160/161, que, como é sabido, salvo questões de conhecimento oficioso e desde que dos autos constem todos os elementos necessários à sua integração, delimitam o objecto do recurso, nos termos do estatuído nos artigos 635°/4 e 639°/1 do CPC, e que aqui se dão por inteiramente reproduzidas.
A recorrida, MASSA INSOLVENTE DE A…………, LDA., não contra-alegou.
A nosso ver o recurso não merece provimento.
Vejamos.
Nos termos do disposto no artigo 81° da LGT “A matéria tributável é avaliada ou calculada diretamente segundo os critérios próprios da cada tributo, só podendo a administração tributária proceder a avaliação indireta nos casos e condições LGT expressamente previstos na lei”.
A avaliação direta visa a determinação real dos rendimentos ou bens sujeitos a tributação, ao passo que a avaliação indireta visa a determinação do valor dos rendimentos ou bens tributáveis a partir de indícios, presunções ou outros elementos de que a administração tributária disponha (artigo 83º da LGT).
A avaliação indireta é sempre subsidiária da avaliação direta e aplicam-se-lhe, sempre que possível e a lei nada disser em contrário, as regras da avaliação direta.
A avaliação indireta só pode ter lugar nos casos referidos no artigo 87° da LGT, nomeadamente, no caso de impossibilidade de comprovação e quantificação direta e exata dos elementos indispensáveis à correta determinação da matéria tributável de qualquer imposto (artigo 87°/b) da LGT).
A impossibilidade de comprovação e quantificação direta e exata da matéria tributável para feitos de aplicação de métodos indiretos, nos termos do artigo 87°/b) pode resultar da inexistência ou insuficiência de elementos de contabilidade ou declaração, falta ou atraso de escrituração dos livros e registos ou irregularidades na sua organização ou execução, quando não supridas no prazo legal (artigo 88º da LGT).
No caso em análise a AT procedeu à determinação da matéria tributável por métodos indiretos, ao abrigo do disposto nos artigos 87°/b) e 88°/a) da LGT por alegadas deficiências da contabilidade, consubstanciadas em omissão de proveitos, sem que previamente tenha notificado a recorrida para suprir a situação.
A questão controvertida consiste, pois, em saber se a recorrida deveria ter sido notificada para suprir a irregularidade contabilística.
Entende a FP que a notificação apenas se impõe no caso de inexistência de escrita e falta e atrasos na execução da contabilidade e já não no caso de regularização de deficiências da contabilidade.
Ressalvado melhor juízo parece não ser essa a interpretação mais correta da norma.
De facto, a dúvida interpretativa do normativo do artigo 88°/a) da LGT é, exatamente, saber se apenas abrange as irregularidades na organização ou execução da contabilidade ou, também, as restantes situações ali enunciadas (Neste sentido acórdão do STA, 03/12/2014-P. 01262/13 disponível no sítio da Internet www.dgsi.pt).
Ora, atento o facto da avaliação indireta ser subsidiária da avaliação direta a interpretação correta será a interpretação mais abrangente que abarca todas as situações previstas no normativo (neste sentido acórdão citado e Lei Geral Tributária, anotada e comentada, 4ª edição 2012, página 765, de Diogo Leite de Campos, Benjamim Silva Rodrigues e Jorge Lopes de Sousa, Lei Geral Tributária, anotada, página 371, de António Lima Guerreiro e Lei Geral Tributária, comentada e anotada, 2015, página 911, de José Maria Fernandes Pires (Coordenador), Gonçalo Bulcão, José Ramos Vidal e Maria João Menezes).
A AT procedeu à correção da matéria tributável por métodos indiretos, ao abrigo do disposto no artigo 87°/b) e 88°/a) da LGT, por irregularidades na sua organização ou execução, pelo que nos termos dos normativos dos artigos 88°/a) da LGT e 52° do CIRC deveria, previamente, notificar a recorrida para suprir a irregularidade, o que não veio a se suceder, pelo que falta um pressuposto de determinação da matéria tributável por métodos indiretos.
Quanto aos restantes argumentos invocados pela recorrente nas suas conclusões, nomeadamente de ordem contabilística, salvo melhor juízo, parece não poderem alterar os dados da questão, pois que, a serem válidos teriam plena aplicação às situações que a recorrente entendem poder ser supridas e é certo que, enquanto não caducar o direito de liquidação dos tributos (artigo 45° da LGT) a matéria tributável é, sempre suscetível de ser alterada, quer através de correções meramente aritméticas, quer através de métodos indiretos.
A decisão recorrida, a nosso ver e ressalvado melhor juízo, não merece, assim, censura.
Termos em que deve negar-se provimento ao recurso e manter-se a decisão recorrida na ordem jurídica.»

1.5. Corridos os vistos legais, cabe decidir.

FUNDAMENTOS
2. Na sentença recorrida julgou-se provada a factualidade seguinte:
1. Com base na Ordem de Serviço nº 01200500211, de 06.04.2005, a Impugnante foi objecto de uma acção inspectiva de âmbito parcial (IRC e IVA), que incidiu sobre os anos de 2002 e 2003 (IRC) e 2001, 2002, 2003 e 2004 (IVA) e que decorreu entre 03.05.2005 e 07.06.2007. — cfr. fls. 6/7 do processo administrativo apenso.
2. A Impugnante foi notificada do projecto de relatório de inspecção tributária para, querendo, e no prazo de 10 dias, exercer o direito de audição. — cfr. fls. 19 do processo administrativo apenso.
3. A Impugnante não exerceu o direito de audição. — cfr. fls. 18 do processo administrativo apenso.
4. Em 04.07.2005 foi elaborado o relatório de inspecção tributária que consta de fls. 3 a 18 do processo administrativo apenso, que se dão por reproduzidas, e do qual consta, entre o mais, o seguinte:

“[…]













“[…]







“[…]






5. As conclusões do relatório de inspecção tributária foram sancionadas superiormente. — cfr. fls. 3/4 do processo administrativo apenso.
6. Através de carta registada com aviso de recepção, o relatório de inspecção tributária foi notificado à Impugnante em 14.07.2005. — cfr. aviso de recepção de fls. 30 verso do processo administrativo apenso.
7. A Impugnante apresentou pedido de revisão da matéria colectável nos termos constantes de fls. 31/36 do processo administrativo apenso, cujo teor se tem por reproduzido.
8. Em 31.08.2005, reuniu-se a Comissão de Revisão, tendo sido lavrada acta nº 26/05, com o seguinte teor:








[cfr. fls. 29 dos autos].


9. Por despacho de 26.09.2005, o Sr. Director de Finanças proferiu decisão nos seguintes termos:






[cfr. fls. 28 do processo administrativo apenso].

10. No seguimento das correcções efectuadas em sede de procedimento inspectivo, a Administração Tributária emitiu as liquidações adicionais de IRC referente aos exercícios de 2002 e 2003, inserta nas notas de compensação a fls. 22/23 do processo administrativo apenso.

3.1. Enunciando como questões a decidir as que se prendem com (I) a questão prévia da remessa dos autos ao processo de insolvência; (II) com a legalidade das correcções meramente ariméticas: [(i) erro sobre os pressupostos de facto; (ii) ausência ou vício de fundamentação; (iii) violação do princípio da tributação pelo rendimento real]; e (III) com a legalidade das correções por métodos indiretos [(i) erro sobre os pressupostos de facto; (ii) ausência ou vício de fundamentação], a sentença:
— julgou improcedentes as indicadas nos Pontos I e II;
— mas julgou parcialmente procedente a impugnação (na parte que na liquidação do IRC do ano de 2003 corresponde às correcções com recurso a métodos indirectos), com fundamento em que, relativamente a essa parte, no discurso fundamentador vertido no relatório de inspecção tributária a AT indicou como pressuposto da avaliação indirecta o disposto no art. 88°, al. a) da LGT (que prevê “a inexistência ou insuficiência de contabilidade ou declaração, falta ou atraso de escrituração dos livros e registos ou irregularidades na sua organização ou execução quando não supridas no prazo legal ...”), mas, neste caso, a lei também prevê que o sujeito passivo seja notificado para proceder à sua organização num prazo a designar pela AT, não superior a 30 dias [art. 52°, n°s 2 e 3 do CIRC] e só se as deficiências de contabilidade e escrituração não forem supridas neste prazo, se poderá concluir, se for caso disso, pela impossibilidade de comprovação e quantificação direta da matéria tributável.
E no caso concreto dos autos, não constando do processo administrativo que a AT tivesse efectuado à impugnante a notificação para regularizar as deficiências da contabilidade (sendo certo que, caso a mesma tivesse sido feita, teria que constar do processo administrativo), então, não tendo sido dada ao contribuinte a oportunidade legalmente prevista, não estavam reunidos os pressupostos para a aplicação dos métodos indirectos, pois, conforme resulta expressamente do dito art. 88°, al. a), da LGT, as deficiências de contabilidade ou escrituração apenas legitimam o recurso à avaliação indirecta quando não supridas no prazo legal.
E face à procedência deste fundamento de impugnação, a sentença também considerou prejudicada a apreciação da questão de falta de fundamentação no que tange às correcções por métodos indirectos.

3.2. É do assim decidido que a recorrente Fazenda Pública discorda, sustentando, no essencial, que da redacção do nº 2 do art. 52° do CIRC não resulta que, em caso de irregularidades na organização e execução da contabilidade, a AT tenha a obrigação de notificar o sujeito passivo para regularizá-la e, por outro lado, visto que naquele normativo apenas estão tipificadas as situações de inexistência de escrita e de falta e atrasos na execução da contabilidade, é de considerar que tão-somente nessas situações é que deve ser dada a oportunidade ao contribuinte para regularizar a contabilidade.
Vejamos.

3.3. Esta questão atinente à interpretação do disposto na convocada al. a) do art. 88º da LGT (saber se apenas estão abrangidas as irregularidades na organização ou execução da contabilidade ou, também, as restantes situações ali enunciadas) foi já expressamente apreciada no acórdão desta Secção do STA, proferido em 03/12/2014, no proc. nº 01262/13, onde se concluiu que «[e]mbora a letra da alínea a) do artigo 88º da LGT não seja inequívoca, pois tanto permite sustentar que a condição nela ínsita - “quando não supridas no prazo legal” – se aplica a todas as situações nela previstas (assim, ANTÓNIO LIMA GUERREIRO, Lei Geral Tributária Anotada, Rei dos Livros, 2000, pp. 371/372 – nota 3 ao art. 88º da LGT), como apenas às situações de falta ou atraso de escrituração dos livros e registos ou irregularidades na sua organização ou execução (como parecem entender DIOGO LEITE DE CAMPOS/BENJAMIM SILVA RODRIGUES/JORGE LOPES DE SOUSA, Lei Geral Tributária Anotada e Comentada, 4ª ed., 2012, p. 765 – nota 2 ao art. 88º da LGT), a interpretação acolhida na sentença recorrida - a mais abrangente -, é a que melhor se ajusta à natureza subsidiária, de ultima ratio, da avaliação indirecta (artigo 87º, nº 1 da LGT), atento a que o legislador prevê expressamente a notificação para regularização da situação tanto nas situações de inexistência de escrita como nas de atraso na execução desta e em ambos os casos “independentemente do procedimento para a aplicação da coima prevista nos números anteriores” (cfr. os artigos 120º nº 2 e 121º, nº 2 do RGIT).»
E na verdade assim é.
A possibilidade de o contribuinte suprir as deficiências da escrita, após notificação, evitando a utilização de métodos indirectos, decorre, no âmbito do IRS, do disposto nos nºs. 2 e 3 do art. 39° do CIRS e, em sede de IRC, do disposto nos nºs. 2 e 3 do art. 57º do CIRC e a tal possibilidade se referem, igualmente, os arts. 120º e 121º do RGIT, evidenciando-se «a preocupação do legislador em reservar a avaliação indirecta para aquelas situações irremediáveis em que já não é possível, como base na contabilidade ou nos elementos dos contribuintes, determinar o valor tributável real por avaliação directa» (LGT Comentada e anotada, Almedina, 2015, [José Maria Fernandes Pires (Coordenador), Gonçalo Bulcão, José Ramos Vidal e Maria João Menezes], Comentário nº 4 ao art. 88º, pp. 911 e 912.)
E, no caso, tendo a AT procedido à correcção, por métodos indirectos, da matéria tributável da impugnante, ao abrigo do disposto na al. b) do art. 87° e da al. a) do art. 88°, ambos da LGT, por irregularidades na organização ou execução da respectiva escrita, impunha-se, como diz a sentença recorrida, a prévia notificação daquela (cfr. o art. 52° do CIRC) para suprir a irregularidade.
E no que respeita aos demais argumentos (incluindo os de ordem contabilística) invocados pela recorrente, também eles não são susceptíveis de alterar a interpretação legal determinada na decisão recorrida, desde logo porque, como bem sublinha o MP, a serem válidos, teriam plena aplicação às situações que a recorrente também entende poderem ser supridas, acrescendo que enquanto não caducar o direito de liquidação dos tributos (art. 45° da LGT) a matéria tributável é sempre susceptível de ser alterada, quer através de correcções meramente aritméticas, quer através de métodos indirectos.
A decisão recorrida, ao julgar ter sido preterida formalidade legal essencial à avaliação indirecta da matéria colectável, não merece, portanto, a censura que a recorrente lhe dirige.

DECISÃO
Termos em que se acorda em, negando provimento ao recurso, confirmar a decisão, na parte em que vem recorrida.
Custas pela recorrente.

Lisboa, 13 de Setembro de 2017. – Casimiro Gonçalves (relator) – Francisco Rothes – Aragão Seia.