Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:025841
Data do Acordão:01/24/2002
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:JORGE DE SOUSA
Descritores:CONTRA-ORDENAÇÃO FISCAL ADUANEIRA.
IMPOSTO SOBRE PRODUTOS PETROLÍFEROS.
GASÓLEO.
PERDA DE BENS.
VEÍCULO.
PENA ACESSÓRIA.
PRINCÍPIO DA PROPORCIONALIDADE.
DOLO.
Sumário:A sanção acessória de perda de veículos utilizados na prática da contra-ordenação de utilização de gasóleo colorido e marcado, por veículos que não estejam legalmente habilitados para tal consumo, prevista no n.º 7 do art. 28.º do Decreto-Lei n.º 123/94, de 18 de Maio, na redacção da Lei n.º 52-C/96, de 27 de Dezembro, não é desproporcionada, se aplicada a caso em que o arguido agiu dolosamente, com base num plano de abastecimento de máquinas utilizadas para fins industriais, arquitectado pelo arguido com um seu funcionário.
Nº Convencional:JSTA00057289
Nº do Documento:SA220020124025841
Data de Entrada:01/24/2001
Recorrente:A...
Recorrido 1:FAZENDA PÚBLICA
Votação:UNANIMIDADE
Meio Processual:REC JURISDICIONAL.
Objecto:SENT TT1INST PORTO PER SALTUM.
Decisão:NEGA PROVIMENTO.
Área Temática 1:DIR FISC - IMPOSTO SOBRE OS PRODUTOS PETROLÍFEROS.
DIR PROC TRIBUT CONT - CONTRA-ORDENAÇÃO.
Área Temática 2:DIR CONST - DIR FUND.
Legislação Nacional:CONST97 ART18 N2 ART30 N4.
DL 132/94 DE 1994/05/18 NA REDACÇÃO DA L 52 C/96 DE 1996/12/27 ART28 N7.
LTC82 ART80 N1.
CPC96 ART671 N1.
Jurisprudência Nacional:AC TC 176/2000 DE 2000/03/22.; AC TC 327/99 DE 1999/05/26.
Aditamento:
Texto Integral: Acordam na Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:
1 – A..., residente em Macedo de Cavaleiros, interpôs recurso para este Supremo Tribunal Administrativo da sentença do Tribunal Tributário de 1.ª Instância do Porto que negou provimento ao recurso de decisão de aplicação de coima por contra-ordenação fiscal aduaneira.
O recorrente apresentou alegações com as seguintes conclusões:
1 – Na Douta decisão condena-se o Recorrente, tendo por base a aplicação de uma norma inconstitucional, por violação dos princípios da proibição dos efeitos necessários das sanções e da proporcionalidade, previstos nos artigos 18.º n.º 2, 30.º n.º 4 e 62.º todos da Constituição da Republica Portuguesa.
2 – O M.º Juiz “a quo” não se pronunciou, na Douta sentença, sobre o valor a atribuído às máquinas, facto, salvo melhor opinião, importante para a boa decisão da causa, sofrendo aquela de nulidade.
Por acórdão deste Supremo Tribunal Administrativo de 21-3-2001, foi negado provimento ao recurso quanto à questão da nulidade de sentença e ao pedido de absolvição e foi-lhe concedido provimento quanto à perda das máquinas apreendidas.
O n.º 7 do art. 28.º do Decreto-Lei n.º 132/94, de 18 de Maio, na redacção dada pela Lei n.º 52-C/96, de 27 de Dezembro, estabelece que «os veículos referidos no n.º 2 serão apreendidos e declarados perdidos a favor da Fazenda Nacional, salvo se pertencerem a pessoa a quem não possa ser atribuída responsabilidade no cometimento da infracção».
O provimento do recurso quanto a esta questão da perda, baseou-se no entendimento adoptado no acórdão do Tribunal Constitucional n.º 176/2000, de 22-3-2000, de que este art. 28.º, n.º 7, é materialmente inconstitucional, por violação do disposto nos arts. 18.º, n.º 2, e 30.º, n.º 4, da C.R.P., por do seu texto resultar uma «ablação, efectuada de modo automático, da propriedade dos veículos».
Tendo sido interposto recurso para o Tribunal Constitucional do referido acórdão de 21-3-2001, veio este a entender que, afinal, aquele art. 28.º, n.º 7, é materialmente constitucional, desde que interpretado conforme à Constituição, com o sentido de que dele deriva que o decretamento da perda do veículo não é um efeito necessário, automático, da prática da infracção, e de que a perda só deve ocorrer se «em face dos contornos do caso, se apresentar como necessária e adequada (proporcionada) à gravidade da contra-ordenação e a intensidade da culpa do agente, como claramente resulta do que se prescreve no art. 21.º, n.º 1, alínea a) da [...] lei quadro das contra-ordenações», como aquele Tribunal Constitucional já decidira anteriormente no acórdão n.º 327/99, de 26-5-99.
A decisão do Tribunal Constitucional proferida no recurso interposto no presente processo transitou em julgado, pelo que é ela a que tem força obrigatória neste quanto à questão de constitucionalidade referida (arts. 80.º, n.º 1, da Lei n.º 28/82, de 15 de Novembro, e 671.º, n.º 1, do C.P.C.).
Por isso, importa reapreciar o recurso, quanto à questão da perda da máquina referida, partindo do pressuposto de que aquele n.º 7 do art. 28.º, admite a interpretação referida pelo Tribunal Constitucional e é materialmente constitucional.
Neste Supremo Tribunal Administrativo, o Excelentíssimo Procurador-Geral Adjunto emitiu douto parecer em que se pronuncia no sentido de que deve confirmar-se a sentença recorrida, pois nela o Meritíssimo Juiz não decretou a perda da máquina como efeito automático da aplicação da coima, tendo-a justificado «no dolo intenso» (fls. 129) e «na circunstância de se justificar a restrição à propriedade do recorrente sobre as máquinas, de forma a garantir que com elas não se voltem a cometer infracções deste ou doutro tipo» (fls. 130), o que, a seu ver, não viola o princípio da proporcionalidade, pois «não é desproporcionada face aos fins que visa obter, quais sejam os de prevenir a prática de outras infracções» (fls. 130 e 131).
Corridos os vistos legais, cumpre decidir.
2 – Na sentença recorrida deu-se como assente a seguinte matéria de facto:
1 – Em 09/09/98, pelas 10 horas, os elementos da Brigada Fiscal da GNR de Bragança, levantaram o auto de notícia de fls. 03 e 04 (cujo teor aqui se dá por reproduzido para todos os efeitos) contra A..., ora recorrente;
2 – em 20/12/99 foi proferida a decisão recorrida que condenou o aqui recorrente pela infracção prevista e punida pelo artº 28º, do DL nº 123/94, de 18/05, aditado pelo artº 50º, da Lei nº 39-B/94, de 27/12, na redacção introduzida pelos arts 41º e 55º, da Lei nº 52-C/96, de 27/12, na coima de 400.000$00 e na perda das duas máquinas a ele pertencentes, de marca Komatsu, mod. 95, de cor verde e de marca Fai, mod. 264, de cor vermelha, respectivamente, com os fundamentos do despacho de fls. 56 a 60, cujo teor aqui se dá por reproduzido para todos os efeitos;
3 – aquando da operação de fiscalização dos autos-09/09/98, pelas 10h.–, o arguido encontrava-se a trabalhar com as máquinas atrás referidas, em Vale da Porca, Macedo de Cavaleiros, estando a Komatsu a extrair pedra na pedreira e a Fai a trabalhar na construção de muros junto à Barragem do Azibo;
4 – foi feito exame laboratorial ao gasóleo contido nos depósitos das máquinas mencionadas, tendo-se apurado, em relação à de marca Fai, que se tratava de “uma mistura de 87,4% de gasóleo colorido e marcado e 12,6% de gasóleo não colorido e não marcado” (fls. 40), e, quanto à de marca komatsu, que se tratava de “uma mistura de 79,0% de gasóleo colorido e marcado e 21,0% de gasóleo não colorido e não marcado” (fls. 41);
5 – o arguido não possuía qualquer cartão que o habilitasse a usar gasóleo colorido e marcado nas ditas máquinas; o cartão utilizado pertencia a B..., mão de um trabalhador seu, C...; este cartão foi utilizado por este, com o conhecimento e o acordo do ora arguido.
3 – Como se vê pelas conclusões das alegações do recurso, que se transcreveram, o recorrente, no que concerne à perda das máquinas, apenas ataca a decisão recorrida quanto à aplicação daquele n.º 7 do art. 28.º, que reputa materialmente inconstitucional, por estabelecer a sua perda com carácter automático e sem qualquer margem de apreciação da respectiva proporcionalidade.
Na decisão recorrida, foi efectuada uma apreciação da adequação da perda das máquinas à gravidade da contra-ordenação, concluindo-se que ela «não é desproporcionada face aos fins que visa obter, quais sejam os de prevenir a prática de outras infracções».
Por outro lado, entendeu-se também na sentença recorrida que, apurando-se o dolo do arguido, não fazia sentido apelar à «natureza e gravidade da infracção e à responsabilidade do agente».
Esta posição assumida na sentença recorrida é de corroborar.
Na verdade, no que concerne à gravidade da infracção, há que ter em conta que não está apenas em causa a lesão dos interesses patrimoniais do Estado, pois a utilização para fins industriais do gasóleo destinado a fins agrícolas provoca distorção das regras da concorrência, ao possibilitar aos utilizadores uma diminuição ilegal de custos.
Por outro lado, trata-se de um tipo de infracção que não é facilmente detectável pelo que se justifica a aplicação de uma sanção especialmente pesada como meio de adequado a assegurar os fins de prevenção geral.
Para além disso, no caso dos autos, a utilização do gasóleo agrícola, não constituiu um acto isolado, integrando-se num «plano de abastecimento das máquinas», arquitectado pelo arguido com um seu funcionário, como se dá como provado na decisão recorrida (fls. 129), não havendo qualquer circunstância exógena que tenha estado na génese da infracção.
Está-se, assim, perante uma situação em que se detecta uma forte adequação da personalidade do arguido à infracção praticada, que justifica a aplicação de sanções pesadas, por razões de prevenção especial.
Assim, a aplicação da norma do n.º 7 do art. 28.º ao caso em apreço é necessária para assegurar a satisfação dos fins visados por lei ao sancionar a conduta do arguido e não é desadequada à gravidade da conduta do arguido nem à intensidade do dolo com que ele agiu.
Termos em que acordam em negar provimento ao recurso e em confirmar a decisão recorrida.
Custas pelo recorrente.

Lisboa, 24 de Janeiro de 2002
Jorge de Sousa - relator
Brandão de Pinho
Vítor Meira