Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:01132/06
Data do Acordão:02/28/2007
Tribunal:PLENO DA SECÇÃO DO CT
Relator:BAETA DE QUEIROZ
Descritores:GERENTE DE EMPRESA.
RESPONSABILIDADE SUBSIDIÁRIA.
PRESUNÇÃO LEGAL.
PRESUNÇÃO JUDICIAL.
ÓNUS DE PROVA.
GERENTE DE FACTO E DE DIREITO.
Sumário:I - No regime do Código de Processo Tributário relativo à responsabilidade subsidiária do gerente pela dívida fiscal da sociedade, a única presunção legal de que beneficia a Fazenda Pública respeita à culpa pela insuficiência do património social.
II - Não existe presunção legal que imponha que, provada a gerência de direito, por provado se dê o efectivo exercício da função, na ausência de contraprova ou de prova em contrário.
III - A presunção judicial, diferentemente da legal, não implica a inversão do ónus da prova.
IV - Competindo à Fazenda Pública o ónus da prova dos pressupostos da responsabilidade subsidiária do gerente, deve contra si ser valorada a falta de prova sobre o efectivo exercício da gerência.
V - Sendo possível ao julgador extrair, do conjunto dos factos provados, esse efectivo exercício, tal só pode resultar da convicção formada a partir do exame crítico das provas, que não da aplicação mecânica de uma inexistente presunção legal.
Nº Convencional:JSTA00064013
Nº do Documento:SAP2007022801132
Data de Entrada:11/22/2006
Recorrente:A...
Recorrido 1:FAZENDA PÚBLICA
Votação:UNANIMIDADE
Meio Processual:REC OPOS JULGADOS.
Objecto:AC TCA NORTE DE 2006/04/26 - AC STA PROC24890 DE 2000/11/08.
Decisão:PROVIDO.
Área Temática 1:DIR PROC TRIBUT CONT - OPOSIÇÃO.
Legislação Nacional:CPTRIB91 ART13.
CCIV66 ART342 N1 ART344 N1 ART346 ART349 ART350 N1 N2 ART351.
Aditamento:
Texto Integral: 1.1. A..., residente em Matosinhos, recorre para o Pleno da Secção de Contencioso Tributário deste Supremo Tribunal Administrativo do acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte de 26 de Abril de 2006 que, negando provimento a recurso jurisdicional interposto de sentença da 1ª instância, manteve a decisão de improcedência da oposição à execução fiscal que contra si revertera, como responsável subsidiário, na qualidade de gerente da inicialmente executada ..., Lda.
Fá-lo fundado em oposição com o acórdão de 8 de Novembro de 2000 da Secção de Contencioso Tributário deste Supremo Tribunal Administrativo proferido no processo nº 24890.
Formula as seguintes conclusões:
«1ª
O objecto do presente recurso é saber-se se, provada a gerência nominal ou de direito, não tem a Fazenda Pública de fazer prova que o gerente, que é de direito, exerceu de facto a gerência.
2.ª
Decidiu-se no Ac. recorrido que a Fazenda Pública, porque beneficia da presunção judicial da gerência de facto, não tem que fazer prova dela.
3.ª
Por sua vez, decidiu o Ac. fundamento não haver qualquer disposição legal que confira ao julgador a possibilidade de presumir o exercício da gerência de facto fundado apenas na gerência de direito e, sendo assim, não se pode concluir que o revertido é gerente de facto, só porque se considerou que não logrou provar esse não exercício.
4.ª
É evidente que sobre a mesma questão fundamental de direito os Acórdãos aqui em confronto perfilham soluções opostas.
5 ª
No entendimento do Recorrente, a solução legal e justa é a que foi dada pelo Ac. fundamento.
6.ª
É a solução legal e justa porque é a que melhor interpreta o carácter especial do regime da responsabilidade dos gerentes por dívidas tributárias das respectivas sociedades;
7.ª
também porque é a que melhor traduz o sentido da evolução que se vem observando naquele regime de responsabilidade;
8.ª
e ainda porque, no tocante à questão do ónus da prova, além de ser a posição mais equilibrada (impedindo, nomeadamente, que a inércia da Administração Fiscal/Fazenda Pública possa conduzir à procedência da oposição), evita, ao contrário do que sucede com a tese do Ac. recorrido, a violação dos princípios da igualdade e da proporcionalidade.
9.ª
É, deste modo, o Ac. fundamento o que melhor interpretação e aplicação faz da lei, designadamente dos arts. 1.º/1 do CPT e 342.º/1 do CC, salvaguardando os princípios da igualdade e da proporcionalidade impostos à actuação da Administração Fiscal pelo art. 266.º/2 da CRP.
Nestes termos e nos mais, de direito, aplicáveis, que sempre serão supridos no provimento do presente recurso, deve ser proferido Acórdão que revogue o Ac. recorrido (…)».
1.2. A Fazenda Pública defende a manutenção do julgado, concluindo deste modo a sua contra-alegação:
«1.
A prova por presunção é um dos diversos meios de prova legalmente admissíveis.
2.
A par das presunções legais, concretamente estabelecidas na lei, o julgador pode fazer uso de presunções judiciais.
3.
Estas correspondem a ilações resultantes de meras regras de experiência, de saber construído com base na normalidade e regularidade dos factos.
4.
Essas presunções, pela sua própria natureza, pressupõem a ausência de regra ou regulamentação expressa, pois, se esta existisse, estaríamos meramente perante presunções legais.
5.
O acórdão — fundamento, ao afirmar que o julgador não pode fazer uso de presunção judicial em matéria que pode ser objecto de prova testemunhal, está a cercear o leque de meios de prova ao dispor deste e a restringir o direito à livre apreciação da prova pelo julgador.
6.
Ainda que assim não se entendesse, o que se concede por mera hipótese, o Recorrente não conseguiu fazer prova dos factos por si alegados, nomeadamente de que, neste período, a gerência foi exercida pelo também sócio ....
7.
No período temporal em causa nos autos (Julho de 1997 a Março de 1998), o Oponente e a mulher eram os únicos gerentes nomeados, logo os únicos com poderes para obrigar e representar a sociedade.
8.
Da conjugação de todos os factos apurados nos autos resulta demonstrado de forma bastante que a gerência só podia ser exercida pelo Oponente e mulher.
Termos em que deve ser recusado provimento ao presente recurso, com as legais consequências».
1.3. O Exmº. Procurador-Geral Adjunto junto deste Tribunal é de parecer que o recurso merece provimento, porque «boa é a jurisprudência do acórdão fundamento, de resto na linha de outros arestos deste STA».

1.4. O processo tem os vistos dos Exmºs. Adjuntos.
***
2.1. O acórdão recorrido houve por provada a factualidade seguinte:
«1.
Foi instaurada execução fiscal contra “..., L.da”, por dívidas provenientes de contribuições à Segurança Social relativas ao período de Junho de 1997 a Março de 1998, no montante global de € 34.055,39;
2.
Por despacho datado de 19/9/2002, a execução veio a reverter contra o oponente, na qualidade de sócio gerente da sociedade executada - cfr. fls. 45 dos autos;
3.
O oponente foi citado da reversão da execução em 29/10/2002 - cfr. fls. 47 dos autos;
4.
A sociedade executada tinha inicialmente como sócios o oponente e mulher ... e ..., pertencendo a gerência ao oponente e mulher – cfr. cópia da certidão de fls 39/40 dos autos;
5.
Em 27/7/1998, a gerente ... cessou funções de gerente, por renúncia, tendo a gerência ficado afecta aos sócios ... - cfr. doc. de fls. 39/40 dos autos;
6.
A oposição deu entrada em 28/11/2002 – cfr. fls. 2 dos autos.
Não se provaram os factos vertidos sob os artigos 8º a 14° da douta petição inicial. As demais asserções integram antes ou meras considerações pessoais, conclusões de facto e/ou direito, pelo que não incumbe pronúncia nesta sede.
A não consideração de tal factualidade relativa ao não exercício da gerência efectiva, resulta de o oponente ter trazido para o efeito apenas prova testemunhal; do seu depoimento (fls. 64/67) extrai-se desde logo a fraca credibilidade, não só pelo interesse na manutenção de boas relações com o oponente face às relações comerciais e laborais que mantinham com a empresa e com o próprio oponente (actualmente) como, por outro lado, pouco ou nada referiram em termos de factos concretos, limitando-se a afirmar basicamente que o gerente era o outro sócio, mas sem uma fundamentação minimamente consistente face aos doc. juntos. Acima de tudo, não demonstraram conhecimento directo (suficiente) da situação por forma a convencerem o Tribunal quanto à factualidade alegada.»
2.2. O acórdão fundamento assentou sobre a matéria de facto assim enunciada:
«1.
Contra a sociedade “..., Ldª” foram instauradas as seguintes execuções fiscais:
Por dívidas à Segurança Social:
- N.° 38 dd/92, referente a contribuições do mês de Abril de 1992, no montante de 341.027$00.
- N.° 46 dd/92, referente a contribuições do mês de Maio de 1992, no montante de 377.377$00.
- N.º 52 dd/92, referente a contribuições do mês de Junho de 1992, no montante de 76.360$00.
- N.° 93/1000128, referente a contribuições dos meses de Julho, Agosto, Setembro e Outubro de 1992, nos montantes de 179.691$00, 169.943$00, 149.549$00 e 139.502$00, respectivamente.
- N.° 93/1001280, referente a contribuições de Novembro de 1992, no montante de 175.832$00.
Por dívida de IVA e juros compensatórios:
- N.° 93/1006908, respeitante ao período de 1/10/92 a 31/12/92, no montante de 28.901$00.
Por Imposto de Circulação:
- N.° 93/1007720, respeitante ao 2.° semestre de 1993, no montante de 3.033$00.
2.
Na falta de bens penhoráveis daquela sociedade foi a execução revertida conta o ora Oponente.
3.
Na escritura de constituição da primitiva executada, celebrada em 6/5/91, o Oponente foi nomeado gerente.
4.
O Oponente, nos anos de 1992 e 1993 trabalhou na Câmara Municipal de Vale de Cambra e sempre cumpriu com zelo o seu horário.
5.
Por carta registada com A/R, datada de 23/8/92 o Oponente renunciou ao cargo de gerente, tendo o aviso de recepção sido assinado em 24/9/92.
Escreveu-se ainda no douto Acórdão recorrido: “quanto aos factos não provados exarou-se na sentença recorrida o seguinte:
Com interesse para a decisão da causa não se provaram os demais factos alegados na petição inicial designadamente:
- desde o inicio da actividade da primitiva executada o Oponente nunca exerceu efectivamente a gerência; ficando essa exclusivamente a cargo dos outros dois sócios ... e ....
- Jamais o Oponente actuou ou celebrou negócios jurídicos em nome da sociedade.
- Jamais praticou quaisquer actos no âmbito da capacidade de exercícios de direitos da mesma sociedade,
- dando ordens a empregados,
- encomendando matérias-primas ou ordenando a produção.
- nunca recebeu retribuição».
***
3.1. O objecto do presente recurso vem recortado nas três primeiras conclusões das alegações do recorrente: trata-se de saber «se, provada a gerência nominal ou de direito, não tem a Fazenda Pública de fazer prova que o gerente, que é de direito, exerceu de facto a gerência». Sendo que o acórdão recorrido entendeu «que a Fazenda Pública, porque beneficia da presunção judicial da gerência de facto, não tem que fazer prova dela», enquanto que o acórdão fundamento considerou que não existe «qualquer disposição legal que confira ao julgador a possibilidade de presumir o exercício da gerência de facto fundado apenas na gerência de direito e, sendo assim, não se pode concluir que o revertido é gerente de facto, só porque se considerou que não logrou provar esse não exercício».
Vejamos com mais pormenor, através de alguns excertos, como os dois arestos em confronto abordaram a questão.
Trata-se, em qualquer dos casos, da responsabilidade subsidiária de gerentes por dívidas fiscais da sociedade gerida, no regime do artigo 13º do Código de Processo Tributário.
No acórdão recorrido pode ler-se que «sempre se entendeu e assumiu, jurisprudencial e doutrinalmente, em situações enquadráveis no quadro legal vindo de delimitar, que, assumida, comprovada, a gerência de direito ou nominal, devia ser tida por ocorrida, na ausência de mais segura comprovação, a partir de tal demonstração (…), a gerência de facto ou efectiva».
Transcrevendo um outro aresto, escreveu-se que «o art. 13.° do CPT não consagra qualquer presunção de gerência de facto com base na gerência de direito. A única presunção consagrada nesse preceito legal é a presunção de culpa do gerente (…). É certo que, provada que esteja a gerência de direito, (...), desta se infere a gerência efectiva ou de facto, mas tal presunção não está prevista na lei, antes é meramente judicial, fundando-se nas regras da experiência (…)». «O que significa que a Fazenda Pública, porque beneficia da presunção judicial de gerência de facto, não tem que fazer prova desta para poder reverter a execução fiscal contra o gerente de direito. Esta presunção, porque meramente judicial, admite contraprova, a efectuar por qualquer meio de prova, não se exigindo a prova do contrário para que seja ilidida».
Apreciando a decisão judicial que lhe estava submetida pela via do recurso jurisdicional, disseram os subscritores do acórdão que «(…) não contestando a sua nomeação como gerente da sociedade devedora, condição que manteve durante todo o período a que se reporta a divida em cobrança coerciva, o oponente (aqui Rte), mais que não tendo logrado demonstrar, como em primeira linha se propôs, que não exerceu a gerência efectiva, de facto, da sociedade executada, também não alegou e provou factos que, pelo menos, pudessem tomar duvidosa a judicialmente presumida gerência de facto. Ora, só tendo criado esta fundada dúvida a questão em torno do exercício ou não da gerência teria de ser decidida, resolvida, contra a Fazenda Pública, em execução do comando que decorre do disposto no art. 346.° CC. Ou seja, não lhe assiste razão quando sustenta, singelamente, que a AF tinha o ónus da prova da gerência de facto, pela sua pessoa».
Quanto ao acórdão fundamento, começou por apontar que a decisão objecto do recurso jurisdicional que apreciava «decidiu que o regime de responsabilidade subsidiária aplicável à situação figurada nos autos era o resultante do disposto no artº 13° do CPT, e que, de acordo com ele, a mencionada responsabilidade tinha por pressuposto o exercício efectivo do cargo de gerente e, além disso, que provada a gerência nominal se presumia provada, por força da presunção judicial prevista no art. 35l° do CC, a gerência efectiva, uma vez que “É da experiência comum, e está de acordo com a natureza das coisas, que quem é designado gerente de uma sociedade exerce por regra a função correspondente”». E, assim, a decisão recorrida, porque o «Oponente não tinha conseguido provar factos que contrariassem esta presunção, concluiu que se devia manter o julgamento de improcedência desta oposição (…)».
Ponderou, depois, que «nem o citado artº 13º do CPT nem qualquer outro dispositivo legal, estabelece qualquer presunção acerca do exercício da gerência, já que a única presunção ali prevista respeita à prova da culpa na insuficiência patrimonial da sociedade. Daí que (…) seja errada a afirmação (…) de que provada a gerência de direito se presume a gerência de facto (…) porquanto, na ausência de preceito que estabeleça essa presunção legal, a formulação (…) desse juízo tem de ser retirada das realidades, efectivamente provadas por acção das partes. Nesta conformidade a afirmação contida no douto Acórdão recorrido de que há-de ser o gerente nominal a fazer a prova de que não exerceu de facto este cargo, sob pena de, não o fazendo, se concluir por esse exercício não é aceitável, e não é aceitável porquanto tanto o Oponente como a Fazenda Nacional Tribunal têm, por igual, interesse em produzir essa prova. (…)». Ou seja, (…) «sobre a Fazenda Nacional recai, também, o ónus de provar que o revertido é, para além de gerente de direito, gerente de facto». (…)
Mais adiante, o acórdão reafirma que «(…) a Fazenda Nacional não tem a seu favor nenhuma presunção legal»(…). «Não existe, assim, uma presunção judicial em abstracto da gerência de facto a partir da gerência de direito. A prova da gerência de facto terá de resultar do circunstancialismo concreto de cada caso e do juízo de valor que o julgador faça sobre o mesmo».
Ambos os arestos reconheceram que não existe qualquer presunção legal que faça decorrer da qualidade de gerente de direito o efectivo exercício da função.
Os dois aceitaram, ainda, que a única presunção consagrada no artigo 13º do CPT respeita à culpa na insuficiência do património social, que a Fazenda Pública não tem que provar, por isso que goza da presunção legal.
A divergência reside no alcance que atribuíram à presunção judicial que permite retirar do facto de o gerente o ser, de direito, esse outro facto que é o ter exercido funções de gerência, e no modo como trataram da repartição do ónus da prova.
3.2. De acordo com o artigo 349º do Código Civil, «presunções são as ilações que a lei ou o julgador tira de um facto conhecido para firmar um facto desconhecido».
Há, pois, presunções legais – ilações que a lei tira de um facto conhecido para firmar um facto desconhecido – e presunções judiciais – ilações que o julgador tira de um facto conhecido para firmar um facto desconhecido.
O artigo 350º nº 1 do mesmo diploma diz-nos que «quem tem a seu favor a presunção legal escusa de provar o facto a que ela conduz». É por isso que, quanto à culpa a que se refere o artigo 13º do CPT, a Fazenda, beneficiando da presunção da lei, não carece de demonstrar essa culpa.
Mas idêntica regra não está consagrada relativamente à presunção judicial.
O que é compreensível, desde logo porque, ao contrário da presunção legal, que está plasmada na lei, resultando dela sem necessidade de intermediação, a presunção judicial não tem existência prévia, é um juízo casuístico que o julgador retira da prova produzida num concreto processo quando a aprecia e valora. Só nessa ocasião e por força do raciocínio do juiz é que o facto desconhecido (não presumido legalmente, nem provado por qualquer meio probatório) passa a ser, também, conhecido, inferido pelo julgador a partir do conjunto factual que a prova revelou.
Por isso, se faz sentido o regime contido no artigo 350º nº 2 do Código Civil, quando estabelece as condições em que podem ser ilididas as presunções legais, o mesmo regime nenhum sentido faria se aplicado às presunções judiciais. Quanto a estas, não se trata de as ilidir, produzindo contraprova ou prova em contrário, porque não há nenhum facto que, estando, em princípio, provado por força da lei, possa deixar de se dar por provado por obra dessa prova em contrário ou contraprova.
Pela mesma razão se não pode afirmar, como se faz no acórdão recorrido, que a Fazenda Pública beneficia da presunção judicial de gerência de facto e não tem que fazer prova desta para poder reverter a execução fiscal contra o gerente de direito.
Ninguém beneficia de uma presunção judicial, porque ela não está, à partida, estabelecida, resultando só do raciocínio do juiz, feito em cada caso que lhe é submetido.
As presunções influenciam o regime do ónus probatório.
Em regra, é a quem invoca um direito que cabe provar os factos seus constitutivos. Mas, se o onerado com a obrigação de prova beneficia de uma presunção legal, inverte-se o ónus. É o que decorre dos artigos 342º nº 1, 350º nº 1 e 344º nº 1 do Código Civil.
Também aqui o que vale para a presunção legal não serve para a judicial. E a razão é a que já se viu: o ónus da prova é atribuído pela lei, o que não acontece com a presunção judicial. Quem está onerado com a obrigação de fazer a prova fica desonerado se o facto se provar mediante presunção judicial; mas sem que caiba falar, aqui, de inversão do ónus.
3.3. Quando, em casos como os tratados pelos arestos aqui em apreciação, a Fazenda Pública pretende efectivar a responsabilidade subsidiária do gerente, exigindo o cumprimento coercivo da obrigação na execução fiscal inicialmente instaurada contra a originária devedora, deve, de acordo com as regras de repartição do ónus da prova, provar os factos que legitimam tal exigência.
Mas, no regime do artigo 13º do CPT, porque beneficia da presunção legal de que o gerente agiu culposamente, não tem que provar essa culpa. Ainda assim, nada a dispensa de provar os demais factos, designadamente, que o revertido geriu a sociedade principal devedora. Deste modo, provada que seja a gerência de direito, continua a caber-lhe provar que à designação correspondeu o efectivo exercício da função, posto que a lei se não basta, para responsabilizar o gerente, com a mera designação, desacompanhada de qualquer concretização.
Este efectivo exercício pode o juiz inferi-lo do conjunto da prova, usando as regras da experiência, fazendo juízos de probabilidade, etc. Mas não pode retirá-lo, mecanicamente, do facto de o revertido ter sido designado gerente, na falta de presunção legal.
A regra do artigo 346º do Código Civil, segundo a qual «à prova que for produzida pela parte sobre quem recai o ónus probatório pode a parte contrária opor contraprova a respeito dos mesmos factos, destinada a torná-los duvidosos», sendo então «a questão decidida contra a parte onerada com a prova», não tem o significado que parece atribuir-lhe o acórdão recorrido. Aplicada ao caso, tem este alcance: se a Fazenda Pública produzir prova sobre a gerência e o revertido lograr provar factos que suscitem dúvida sobre o facto, este deve dar-se por não provado. Mas a regra não se aplica se a Fazenda não produzir qualquer prova.
3.4. Do que até agora se disse já se vê que não secundamos o acórdão recorrido.
Mas convém, ainda, clarificar um ponto.
Se em causa estivesse o modo como o Tribunal recorrido, usando uma presunção judicial, chegara à convicção de que o revertido exercera, efectivamente, a gerência, este Supremo Tribunal Administrativo não poderia censurar o acórdão, nesse segmento, porque ao Supremo não cabe sindicar os juízos de livre apreciação da prova feitos pelas instâncias.
Porém, no caso, do que se trata não é de verificar se o Tribunal a quo acertou ou errou ao inferir a gerência de facto da gerência de direito.
Do que se trata é de censurar a aplicação que fez de um regime legal, afirmando a existência de uma presunção judicial e retirando, maquinalmente, de um facto conhecido, outro, desconhecido, como se houvesse uma presunção legal, que não há; e afirmando a inversão do ónus da prova, quando tal inversão não ocorre, no caso, na falta de presunção legal.
***
4. Termos em que acordam, em Pleno, os juízes da Secção de Contencioso Tributário deste Supremo Tribunal Administrativo em, concedendo provimento ao recurso, revogar o aresto impugnado, julgando procedente a oposição e extinta a execução fiscal no que concerne ao recorrente.
Sem custas.
***
Lisboa, 28 de Fevereiro de 2007. Baeta de Queiroz (relator) – Brandão de Pinho – Lúcio Barbosa – Pimenta do Vale – Jorge Lino – António Calhau.