Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0337/08
Data do Acordão:10/01/2008
Tribunal:2 SUBSECÇÃO DO CA
Relator:JORGE DE SOUSA
Descritores:PROCEDIMENTO ADMINISTRATIVO
NOTIFICACÃO POR CARTA REGISTADA COM AVISO DE RECEPÇÃO
PRESUNÇÃO DE NOTIFICAÇÃO
RECURSO CONTENCIOSO
Sumário:I - A presunção de notificação efectuada através de carta registada, prevista no art. 254.º, n.º 2, do CPC, não é aplicável no âmbito do procedimento administrativo, nomeadamente nos casos em que seja utilizado aviso de recepção, em que a notificação deve considerar-se efectuada na data em que o aviso é assinado.
II - Não se referindo no aviso de recepção a data em que a carta foi entregue, é de aceitar a afirmação do recorrente contencioso de que só foi notificado na data em que ocorreu a devolução do aviso pelos serviços postais.
Nº Convencional:JSTA00065237
Nº do Documento:SA1200810010337
Data de Entrada:04/23/2008
Recorrente:PRES DA CM DE MARVÃO
Recorrido 1:A...
Votação:UNANIMIDADE
Meio Processual:REC JURISDICIONAL.
Objecto:SENT TAC COIMBRA.
Decisão:NEGA PROVIMENTO.
Área Temática 1:DIR PROC ADM GRAC - PRINCÍPIOS GERAIS.
Legislação Nacional:CPC96 ART254 N3.
Aditamento:
Texto Integral: Acordam na Secção do Contencioso Administrativo do Supremo Tribunal Administrativo:
1 – A… interpôs no Tribunal Administrativo de Círculo de Coimbra recurso contencioso de anulação do despacho proferido pelo Senhor Presidente da Câmara Municipal de Marvão de 24-10-2002 que indeferiu um pedido de informação prévia sobre viabilidade de construção.
Na sua resposta, a Autoridade Recorrida suscitou, além do mais, a questão prévia da intempestividade da interposição de recurso.
Por despacho de fls. 147-149, foi julgada improcedente a excepção da intempestividade.
Inconformada, a Autoridade Recorrida interpôs recurso deste despacho para este Supremo Tribunal Administrativo, apresentando alegações com as seguintes conclusões:
1. O acto recorrido foi notificado à Recorrente por carta registada com aviso de recepção expedida em 12/11/2002.
2. A Recorrente apenas assinou o aviso de recepção, não o datando e privando o Agravante de conhecer com exactidão a data em que a notificação foi recebida.
3. Existindo aviso de recepção datado a notificação considera-se feita na data dele constante.
4. Mas, caso o aviso de recepção não tenha sido datado, a data da recepção será determinada através da presunção constante do artigo 254.º, n.º 2, do CPC.
5. A integração da omissão da lei através da aplicação do preceito em causa em nada prejudica o destinatário da notificação: em primeiro lugar, porque lhe basta cumprir o dever de datar o aviso de recepção, em segundo porque, não o tendo feito, pode ainda socorrer-se do disposto no n.º 4, do artigo 254.º do CPC, ilidindo a presunção pela demonstração de recepção da notificação noutra data.
6. O que não pode é impor-se ao expedidor uma verdadeira probatio diabolica, consistente em provar em que data o destinatário recebeu a notificação.
7. Nem permitir que este último se prevaleça da omissão de um dever que lhe incumbia cumprir.
8. Pelo exposto, ao considerar inaplicável ao caso o disposto no artigo 254.º, n.º 2, do CPC violou o Douto Tribunal, tal preceito, por desaplicação.
9. Sendo que, no caso em apreço, está provada a data da expedição da carta registada contendo a notificação do acto recorrido - 12/11/2002.
10. Logo, não tendo a Recorrente datado o aviso, presume-se a notificação efectuada em 15/11/2002.
11. O prazo de impugnação dos actos administrativos é de dois meses a contar da data de notificação dos mesmos (artigo 28.º, n.º 1, alínea a) da LPTA).
12. Assim sendo, tal prazo terminou em 15/01/2003.
13. Tendo o presente recurso dado entrada em Juízo em 21/01/2003, foi interposto fora de prazo.
14. Pelo que, ao dispor como dispôs violou também o Douto Tribunal o disposto no artigo 24.º, n.º 1, alínea a) da LPTA.
Termos em que se requer a V. Ex.as se dignem julgar o presente recurso de agravo procedente, sendo o mesmo provido, rejeitando-se o conhecimento do recurso contencioso, por extemporaneidade.
A Recorrente Contenciosa contra-alegou, concluindo da seguinte forma:
1 - A recorrente e aqui agravada foi notificada em 21/11/02 por correio registado com aviso de recepção.
2 - A recorrente e aqui agravada assinou o aviso de recepção no dia 21 de Novembro de 2002.
3 - No caso o aviso de recepção está assinado, mas não está datado, nunca a data da recepção poderá ser determinada através da presunção constante do artº 254 nº 2 do C.P.C, precisamente porque existe um aviso de recepção.
4 - No caso concreto existe registo e aqui não funciona a regra do artº 254 nº 2 do C.P.C, mas irá funcionar a regra do artº 238-A do C.P.C...a notificação considera-se feita no dia em que se mostrar assinado o aviso de recepção, ora o aviso de recepção foi assinado pela recorrente no dia 21/11/02.
5 - A notificação por carta registada com aviso de recepção... considera-se feito no dia em que foi assinado o aviso de recepção” Ac. STA em 1997/09/08, no recurso 40134
6 - ...o aviso de recepção exigido por lei constitui uma formalidade ad probationem’ de entrega do documento ao destinatário (Ac. do STJ de 20/04/1999. in BMJ nº 486/287; e Ac. do STJ de 09/03/2000, proc. nº 986/99).
7 - Sem recepção não existe comunicação e o aviso funciona como prova segura de que o correio foi recebido... pelo que só na data em que o aviso seja assinado é que se considera consumada a notificação (Ac. TCA de 07/05/2002 in Rec. nº 5855/01) Ac. STA de 2002/12/18, recurso 1536/02.
8 - O prazo de impugnação dos actos administrativos é de dois meses a contar da data de notificação dos mesmos (artº 28 nº 1 alínea a) da LPTA ao tempo).
9 - Assim tal prazo terminava no dia 21/01/2003.
10 - O presente recurso deu entrada em Juízo em 21/01/2003 logo dentro do prazo
Nestes termos e nos demais de direito aplicáveis e sempre com mui douto suprimento de V.EX.ª, cabendo à autoridade recorrida a prova da extemporaneidade e não resultando dos autos que tal prova tenha sido feita deverá improceder a excepção, devendo manter-se a douta decisão com todas as consequências legais
Porque assim será feita a costumada JUSTIÇA!
O recurso foi admitido com subida diferida.
Prosseguindo o processo, o Tribunal Administrativo e Fiscal de Coimbra veio a dar provimento ao recurso e anulou o acto impugnado por vício de violação de lei, por infracção do disposto no art. 10.º do Decreto-Lei n.º 121/89, de 14 de Abril.
A Autoridade Recorrida interpôs recurso desta decisão (fls. 237), mas veio a desistir dele, requerendo a subida do agravo do despacho de fls. 147, ao abrigo do preceituado no art. 735.º, n.º 2, do CPC.
A Excelentíssima Procuradora-Geral Adjunta emitiu douto parecer nos seguintes termos:
Em nosso entender o recurso jurisdicional não merece provimento.
Em primeiro lugar importa realçar que de harmonia com o disposto no artº 342º, nº 2, do CC compete à autoridade recorrida produzir prova sobre a extemporaneidade que alega, já que tal extemporaneidade é extintiva do direito de acção que contra si é dirigido.
Ora, o processo instrutor junto pela autoridade recorrida, não contém elementos suficientemente reveladores de a recorrente ter sido notificada do acto impugnado em data anterior a 21 de Novembro de 2002, ou seja, mais de dois meses antes da interposição do recurso contencioso, ocorrida em 2003.01.21. É que embora a notificação tenha sido feita por carta registada com aviso de recepção, este apenas foi assinado, não tendo sido aposta a respectiva data, como se vê a fls. 107 do processo instrutor.
Por outro lado, não é aplicável ao caso a presunção a que alude o artº 254º, nº 2, do CPC (na redacção então vigente, anterior ao DL nº 324/2003 de 27.12). Com efeito, esta regra foi criada para ser aplicada à notificação dos actos do processo judicial, sendo que o Código de Procedimento Administrativo ao regular a notificação dos actos administrativos não fez constar aí norma idêntica - cfr, nomeadamente, o artº 70º. A este propósito, veja-se na jurisprudência deste STA, o acórdão de 99.11.18 no processo nº 45247 e o acórdão de 2005.04.05, no processo nº 102/04: na doutrina, veja-se Esteves de Oliveira, Costa Gonçalves e Pacheco de Amorim, em Código do Procedimento Administrativo comentado, 2 edição, página 361.
Nestes termos, não há fundamento suficiente para se concluir pela extemporaneidade do recurso contencioso.
Acresce que no aviso de recepção de fls. 107 do processo instrutor se pode constatar que o carimbo referente à devolução do aviso, aposto pelo serviço da estação de correios da área da residência da interessada - Massamá - tem a data de 21.11.2002.
Ora, não pode ser, de todo, afastada a hipótese de a recepção da carta registada, e, consequentemente, da notificação, ter ocorrido nessa mesma data. Neste caso, a entrega da carta registada à destinatária e a devolução do aviso de recepção teriam ocorrido no mesmo dia, o que não se revela impossível.
Sendo assim, surge para nós reforçada a conclusão a que se chegou de que inexiste motivo para se julgar o recurso contencioso extemporâneo.
Nestes termos, emitimos parecer no sentido do improvimento do recurso jurisdicional.
Corridos os vistos legais, cumpre decidir.
2 – A questão que é objecto do presente recurso jurisdicional é a da intempestividade da interposição de recurso, invocada pela Autoridade Recorrida.
Os factos relevantes para apreciação desta questão são os seguintes:
a) Foi expedida em 12-11-2002 carta registada com aviso de recepção, dirigida à Recorrente Contenciosa para notificação do despacho recorrido, sendo o aviso assinado pela destinatária, sem indicação de data (fls. 107 do processo instrutor);
b) Do mesmo aviso consta no local destinado à aposição da marca do dia da estação que o devolve o carimbo com a data de 21-11-2002;
c) A Recorrente Contenciosa afirma, no artigo 48.º da petição de recurso, que foi notificada do despacho recorrido nessa data de 21-11-2002;
d) a petição de recurso foi apresentada em 21-1-2003.
3 – A Autoridade Recorrida defende no presente recurso jurisdicional que, não tendo sido indicada a data em que foi assinado o aviso de recepção, deve aplicar-se a regra do art. 254.º, n.º 3, do CPC, que estabelece a presunção de recebimento de cartas registadas no terceiro dia posterior ao do registo, com transferência para o primeiro dia útil subsequente, caso o último dia não o seja.
Na tese da Autoridade Recorrida, deve presumir-se que a carta foi recebida em 15-11-2002, por aplicação daquela regra.
No entanto, como bem refere a Excelentíssima Procuradora-Geral Adjunta, aquela presunção foi estabelecida no CPC, pelo que é aplicável nos processos a que este Código é aplicável, directa ou subsidiariamente.
Não é esse o caso dos processos administrativos, que são regulados em primeira linha pelo CPA, em que não há qualquer norma que determine a aplicação subsidiária do CPC.
Por outro lado, embora a data da notificação deva ser indicada nos avisos de recepção, não há qualquer disposição legal que imponha que ela seja aposta pelo destinatário e o próprio impresso do aviso indica que ela pode ser aposta pelo agente.
Para além disso, se é certo que não será frequente que entre a data de expedição da carta e a sua entrega decorram 9 dias (entre 12-11-2002 e 21-11-2002), como sustenta a Recorrente Contenciosa, também é certo que menos frequente ainda será que a devolução do aviso de recepção demore 6 dias, como resultará da tese defendida pela Autoridade Recorrida (a carta presumir-se-ia entregue em 15-11-2002 e a devolução só ocorreu em 21-11-2002): na verdade, será frequente que haja demora da entrega da carta por dificuldade em encontrar o destinatário ou quem a possa receber, mas será pouco provável que entre a entrega e a devolução do aviso de recepção haja qualquer demora, uma vez que não há qualquer obstáculo à sua concretização imediata.
Aliás, para comprovar esta realidade basta compulsar o próprio processo instrutor, de que consta, a fls. 99 um outro aviso de recepção referente a uma carta expedida em 9-8-2002 e que só foi entregue ao destinatário em 2-9-2002 (24 dias depois!), enquanto a devolução o aviso de recepção ocorreu no dia imediato.
Nestas circunstâncias, tendo o aviso de recepção sido devolvido em 21-11-2002, como consta do carimbo nele aposto pela estação que efectuou a devolução e afirmando a Recorrente Contenciosa que foi nessa data que foi notificada, é crível que esta afirmação corresponda à realidade, pelo que é de dar como processualmente assente que a carta só foi recebida em 21-11-2002.
Por isso, é de concluir que a petição de recurso foi tempestivamente apresentada em 21-1-2003, pelo que improcede a excepção da intempestividade invocada.
Termos em que acordam em negar provimento ao recurso e em confirmar a decisão recorrida.
Sem custas, por a Autoridade Recorrida estar isenta neste processo (art. 2.º da Tabela de Custas).
Lisboa, 1 de Outubro de 2008. – Jorge Manuel Lopes de Sousa (relator) – António Políbio Ferreira Henriques – Rosendo Dias José.