Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0648/12
Data do Acordão:11/28/2012
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:CASIMIRO GONÇALVES
Descritores:IMPUGNAÇÃO JUDICIAL
LEGITIMIDADE
NOTIFICAÇÃO
REVERSÃO
Sumário:I - A notificação operada nos termos da al. b) do nº 2 do art. 105º do RGIT, mesmo que seja efectuada pelos Serviços da AT, insere-se no âmbito do próprio processo crime, valendo apenas para os efeitos aí previstos: se a quantia ali indicada for paga (e que haverá de corresponder à soma da prestação comunicada à AT através da respectiva declaração, dos juros respectivos e do montante da coima aplicável) os factos integradores do tipo de crime (abuso de confiança) não serão puníveis.
II - Tal notificação não é equivalente a acto de declaração de reversão da dívida, nos termos do nº 4 do art. 23º da LGT.
Nº Convencional:JSTA00067970
Nº do Documento:SA2201211280648
Data de Entrada:06/11/2012
Recorrente:A......
Recorrido 1:FAZENDA PÚBLICA
Votação:UNANIMIDADE
Meio Processual:REC JURISDICIONAL
Objecto:SENT TAF LISBOA
Decisão:NEGA PROVIMENTO
Área Temática 1:DIR PROC TRIBUT CONT - IMPUGN JUDICIAL
Legislação Nacional:RGIT ART105 N23.
CPPTRIB99 ART9 N1 N4 ART131.
Aditamento:
Texto Integral: Acordam na Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:

RELATÓRIO
1.1. A……., com os demais sinais dos autos, recorre da sentença que, proferida pelo Tribunal Tributário de Lisboa, na impugnação judicial «da dívida» de IVA do período de Dezembro de 2003, no montante de € 26.462,75, da sociedade B……., Lda., absolveu da instância a Fazenda Pública, com fundamento na verificação da excepção dilatória da ilegitimidade da impugnante.

1.2. A recorrente termina as alegações do recurso formulando as conclusões seguintes:
A) Vem o presente recurso interposto da douta sentença proferida pelo Tribunal Tributário de Lisboa no processo nº 809/10.7BELRS, datada de 13 de Julho de 2011, a qual julgou improcedente a Impugnação Judicial apresentada pelo ora Recorrente com referência à liquidação adicional de IVA relativa ao período de Dezembro de 2003, no montante de € 26.462,75;
B) Segundo o entendimento vertido na sentença recorrida, a Impugnante, ora Recorrente, não tem qualquer interesse legalmente protegido, que lhe confira legitimidade em processo tributário, na medida em que não é contribuinte directo, nem substituto, nem responsável subsidiário, razão pela qual foi julgada procedente a excepção de ilegitimidade.
C) Não tem, no entanto e salvo o devido respeito, qualquer fundamento tal entendimento e a decisão recorrida;
D) De facto, o objecto da presente impugnação judicial é a dívida referente ao IVA do período de Dezembro do ano de 2003, no valor de € 26.462,75, da sociedade “B……. Lda.”, a qual, independentemente de qualquer entendimento que se possa ter nesta matéria ou da forma como tal circunstância é juridicamente qualificada, foi notificada à ora Recorrente, nos termos e para os efeitos do artigo 105º nº 4 alínea b) do RGIT;
E) Ou seja, não há qualquer dúvida de que, nesse momento, a Recorrente foi notificada para proceder ao pagamento do montante de IVA em causa e de que a DGCI exigiu naquele momento à Recorrente a satisfação de uma determinada prestação tributária, qualificando-a, por essa via, como devedora do imposto em causa;
F) A Recorrente tem, no mínimo, um interesse que não pode deixar de ser legalmente protegido, nomeadamente, nos termos do nº 1 do artigo 9º do CPPT, na medida em que não podem deixar de ser considerados como titulares de um direito ou interesse legalmente protegido os responsáveis subsidiários antes de ser decretada a reversão da execução;
G) Isto porque, embora formalmente a dívida ainda não tenha sido revertida contra si, quando a Recorrente foi notificada para efeitos do disposto no artigo 105º, nº 4, do RGIT, materialmente está a ser-lhe exigido por parte da DGCI o pagamento da dívida em causa, como se de qualquer outra prestação tributária se tratasse;
H) Ou seja e salvo melhor opinião, não é sequer necessário que a reversão tenha sido formalmente decretada, quando, numa situação como a vertente, aquela reversão já operou através do mecanismo legal previsto no artigo 105º, nº 4, do RGIT;
I) E tanto assim é que, caso a Recorrente procedesse ao pagamento do montante da dívida notificado nos termos daquela norma, a sua responsabilidade criminal extinguir-se-ia de imediato, considerando a DGCI que a dívida tributária se encontrava paga, extinguindo consequentemente a responsabilidade tributária no que à mesma respeita;
J) Ao não validar tal entendimento, a sentença recorrida permite que ocorra no caso vertente uma evidente violação do direito a uma tutela jurisdicional efectiva, consagrado no artigo 20º e no nº 4 do artigo 268º da Constituição da República Portuguesa (CRP) e do princípio da presunção de inocência, previstos no artigo 32º, nº 1, da mesma CRP;
K) De facto, caso tal entendimento proceda, fica a ora Recorrente à mercê do processo-crime, o qual continuará os seus normais termos, sem qualquer possibilidade de demonstrar a inexistência de responsabilidade tributária ou de discutir a legalidade de uma pretensão tributária que lhe está a ser exigida pela DGCI podendo, inclusivamente, vir a considerar-se como confirmada a prática dos factos tributários em causa, no âmbito daquele mesmo processo-crime, sem que o Tribunal competente para o efeito – isto é, o de competência tributária –, profira sentença definitiva e transitada em julgado, a condenar a ora Recorrente ao pagamento do imposto, com fundamento naqueles mesmos factos;
L) O entendimento vertido na sentença recorrida origina que este princípio da presunção de inocência fique irremediavelmente abalado, na medida em que não foi garantido à Recorrente o exercício do seu direito e interesse legalmente protegido, isto é, a contestação da pretensão tributária;
M) Para além disso, verifica-se no caso vertente, em face ainda do mesmo entendimento constante da sentença recorrida, a violação da proibição da indefesa, consagrada nos artigos 268º, nº 4 e 20º, da CRP;
N) De facto, nesta situação – em face da interpretação que a sentença recorrida faz dos aludidos artigos 18º, nº 3, 20º e 23º, nº 1 todos da LGT – o particular fica numa situação de indefesa e de míngua dos meios típicos de reacção a utilizar neste caso, absolutamente desprotegido e sem possibilidade de utilizar, em sede própria, o meio processual adequado à discussão da legalidade/exigibilidade das dívidas tributárias que originaram a instauração do processo-crime;
O) Pelo que não pode deixar de decidir-se que o entendimento vertido na sentença recorrida é susceptível de violar o direito a uma tutela jurisdicional efectiva, consagrado no artigo 20º e no nº 4 do artigo 268º da CRP, assim como, o princípio da presunção de inocência, previsto no artigo 32º, nº 1, da mesma CRP, bem como, a proibição de indefesa, também prevista nos referidos artigos 20º e 268º, nº 4, da CRP,
P) Improcedendo, em consequência, a excepção de ilegitimidade invocada nos autos pela Fazenda Pública e sancionada pela sentença recorrida, devendo considerar-se que a ora Recorrente tinha legitimidade para interpor impugnação judicial contra a pretensão tributária cujo pagamento lhe foi exigido nos termos do disposto no artigo 105º, nº 4, do RGIT e sendo anulada a decisão ora recorrida e conhecendo-se do mérito da impugnação judicial deduzida contra a liquidação de IVA de 2003;
Q) Sendo anulada, como se espera, a sentença recorrida, com o fundamento acima invocado, nada obsta a que seja conhecido o mérito da impugnação judicial em causa;
R) Ora, antes do mais, importa referir que tal impugnação judicial foi tempestivamente apresentada, quer em função de a notificação da liquidação de IVA em crise ter sida efectuada nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 105º, nº 2, alínea b), do RGIT, na pessoa do mandatário da Recorrente, em 18 de Janeiro de 2010, quer das nulidades invocadas, o que determina, nos termos do nº 3, do artigo 102º, do CPPT, que a impugnação judicial poderia ser apresentada a todo a tempo;
S) Para além disso, as declarações periódicas de imposto não foram assinadas pela Recorrente na qualidade de legal representante da sociedade, ou tão pouco foram por esta entregues via electrónica, pelo que devem ter-se por nulas e inaptas à produção de quaisquer efeitos jurídicos;
T) Ainda que se admita que as declarações tenham sido entregues pelo Técnico Oficial de Contas, a verdade é que a actuação deste não pode ser entendida a título de gestão de negócios, tal como previsto no artigo 17º, da LGT, porquanto a mesma sempre careceria de ser por esta ratificada, nos termos do nº 2 desse normativo, o que não aconteceu nesta situação;
U) Mais, não tendo ocorrido verdadeiras liquidações efectuadas pela DGCI ou, pelo menos, não tendo sido as mesmas notificadas à aqui Recorrente com respeito pelos formalismos legais exigidos pelo artigo 38º, nº 1, do CPPT, as mesmas afiguram-se, para além de inexistentes como sobredito, igualmente ineficazes em relação a si, por força do artigo 36º, nº 1, do referido código, o qual fulmina com tal sanção as notificações não regularmente efectuadas ou tidas por inválidas;
V) Pelo que deverão tais actos tributários, como tal assumidos pela DGCI, ser anulados, porque nulos e de nenhum efeito;
W) A tudo isto acresce ainda que não ocorreu até à data qualquer notificação da sociedade representada pela Recorrente em relação ao período aqui em causa;
X) Pelo que, também com fundamento na caducidade do direito à liquidação, nos termos do artigo 45º da LGT, deve ser anulada a liquidação em crise;
Y) Por fim, caso venha a entender-se que a impugnação é intempestiva, ou não é o meio próprio, por reclamação prévia necessária, nos termos do artigo 131º, nº 1 do CPPT, estamos perante uma violação do princípio constitucional da tutela jurisdicional efectiva, artigo 20º da Constituição da República Portuguesa (CRP), e do seu corolário, o princípio da impugnabilidade dos actos administrativos;
Z) Estamos perante um acto lesivo e decorre do disposto no nº 1 do artigo 95º da LGT que «O interessado tem o direito de impugnar ou recorrer de todo o acto lesivo dos seus interesses legalmente protegidos, segundo as formas de processo prescritas na lei»;
AA) E mesmo que se aceite que estamos perante uma autoliquidação ou uma heteroliquidação ou um qualquer acto inominado praticado pelo contribuinte, o certo é que estamos perante um acto lesivo dos seus direitos;
BB) Sendo lesivos, como se demonstrou, são impugnáveis directamente (independentemente da sua qualificação como actos administrativos) e dessa forma, uma interpretação contrária do artigo 131º, nº 1 do CPPT e do artigo 95º, nº 1 da LGT, é desconforme com os princípios constitucionais da tutela jurisdicional efectiva e da impugnabilidade contenciosa dos actos administrativos:
CC) Pelo que também com esse fundamento deve ser anulada a liquidação em crise.

1.3. Não foram apresentadas contra-alegações.

1.4. O MP emite Parecer no sentido da improcedência do recurso, nos termos seguintes:
«Têm legitimidade no processo tributário a administração tributária, os contribuintes, incluindo substitutos e responsáveis, outros obrigados tributários, as partes nos contratos fiscais, quaisquer outras pessoas que provem interesse legalmente protegido, o Ministério Público e o representante da Fazenda Pública (art. 9º nºs. 1 e 4 CPPT).
A recorrente não se inscreve em qualquer destas categorias, designadamente:
a) responsável subsidiária, por inexistência de reversão em processo de execução fiscal (art. 23º nº 4 LGT; art. 9º nº 3 CPPT)
b) titular de interesse legalmente protegido, na medida em que o acto tributário de liquidação, objecto da impugnação judicial, projecta os seus efeitos na esfera jurídica e patrimonial do sujeito passivo de IVA, sociedade B……, Lda. e não na esfera jurídica e patrimonial da recorrente, mera representante legal da sociedade.
A recorrente deduziu a impugnação judicial em nome próprio, não invocando a representação da sociedade na qualidade de gerente, cargo que não exercia na data da apresentação da petição (probatório nº 3).
A notificação da sociedade na pessoa da recorrente, nos termos do art. 105º nº 4 al. b) RGIT, não confere a esta legitimidade para intervenção no processo judicial tributário, porquanto foi efectuada na qualidade de gerente e representante legal (art. 41º nº 1 CPPT).»

1.5. Corridos os vistos legais, cabe decidir.


FUNDAMENTOS
2. Na sentença recorrida julgaram-se provados os factos seguintes:
1. Por ofício do 2º Juízo Criminal de Loures, foi comunicado à impugnante a notificação que lhe fora dirigida na qualidade de representante legal da “B……, Lda.” pela Divisão de processos Criminais da Direcção de Finanças de Lisboa, no âmbito do Inquérito nº 177/06.1IDLSB, nos termos do disposto no art. 105º nº 4 alínea b), do RGIT, para efectuar o pagamento da importância de € 26.462,75 por dívida proveniente de IVA em falta do período de Dezembro de 2003, acrescida de coima e juros (fls. 66/67);
2. No seguimento daquela comunicação, deduziu a presente impugnação judicial;
3. A dívida da “B……., Lda.” para cujo pagamento a impugnante foi notificada na qualidade de representante legal da sociedade, não foi revertida contra si, nem a impugnante é, à data da impugnação, gerente da sociedade (“prints “automáticos de fls. 48 a 54 do apenso instrutor).

3.1. Porque a Fazenda Pública suscitara, em sede de contestação, a excepção dilatória da ilegitimidade da impugnante e a excepção peremptória da caducidade do direito de impugnação, a sentença recorrida, desde logo apreciou essa invocada excepção da ilegitimidade, vindo a julgá-la procedente e absolvendo da instância, em consequência, a Fazenda Pública.
Para tanto, apelando ao disposto no art. 9º do CPPT, a sentença considera, em síntese, que a impugnante nem é contribuinte directo (nº 3 do art. 18º da LGT), nem substituto (art. 20º da LGT), nem responsável subsidiário já que não está efectivada a reversão (nº 1 do art. 23º da LGT), nem por outro lado, demonstra qualquer interesse legalmente protegido que lhe confira legitimidade em processo tributário, uma vez que (reportando ao ofício da Direcção de Finanças de Lisboa a fls. 66) não foi ela (impugnante) quem foi notificada, como sujeito passivo, para pagamento da dívida, nos termos da al. b) do nº 4 do art.105º do RGIT, antes tendo sido notificada a sociedade “B……, Lda.”, de acordo com o disposto no nº 1 do art. 41º do CPPT.
Discordando do assim decidido, a recorrente sustenta, além do mais, que:
- o objecto da presente impugnação judicial é a dívida referente ao IVA do período de Dezembro do ano de 2003, no valor de € 26.462,75, da sociedade “B……., Lda.”, notificada à recorrente, nos termos e para os efeitos da al. b) do nº 4 do art. 105º do RGIT, ou seja, tendo sido ela, recorrente, quem foi notificada para proceder ao pagamento do montante de IVA em causa e a quem a DGCI exigiu a satisfação de uma determinada prestação tributária, qualificando-a, por essa via, como devedora do imposto em causa.
- por isso, a recorrente tem um interesse legalmente protegido, nos termos do nº 1 do art. 9º do CPPT, na medida em que não podem deixar de ser considerados como titulares de um direito ou interesse legalmente protegido os responsáveis subsidiários antes de ser decretada a reversão da execução.
- embora formalmente a dívida ainda não tenha sido revertida contra si, quando a recorrente foi notificada para efeitos do disposto no nº 4 do art. 105º do RGIT, materialmente está a ser-lhe exigido por parte da DGCI o pagamento da dívida em causa, como se de qualquer outra prestação tributária se tratasse, ou seja, não é sequer necessário que a reversão tenha sido formalmente decretada, quando, numa situação como a vertente, aquela reversão já operou através do mecanismo legal previsto no nº 4 do dito art. 105º do RGIT; tanto que, caso a recorrente procedesse ao pagamento do montante da dívida notificado nos termos daquela norma, a sua responsabilidade criminal extinguir-se-ia de imediato, considerando a DGCI que a dívida tributária se encontrava paga, extinguindo consequentemente a responsabilidade tributária no que à mesma respeita.
- ao não validar este entendimento, a sentença recorrida permite que ocorra, no caso, uma evidente violação do direito a uma tutela jurisdicional efectiva, consagrado no art. 20º e no nº 4 do art. 268º da CRP e do princípio da presunção de inocência, previsto no nº 1 do art. 32º da mesma CRP, uma vez que a recorrente fica à mercê do processo-crime, o qual continuará os seus normais termos, sem qualquer possibilidade de demonstrar a inexistência de responsabilidade tributária ou de discutir a legalidade de uma pretensão tributária que lhe está a ser exigida pela DGCI podendo, inclusivamente, vir a considerar-se como confirmada a prática dos factos tributários em causa, no âmbito daquele mesmo processo-crime, sem que o Tribunal competente para o efeito – isto é, o de competência tributária –, profira sentença definitiva e transitada em julgado, a condenar a recorrente ao pagamento do imposto, com fundamento naqueles mesmos factos.

3.2. A questão a decidir é, portanto, a de saber se a sentença recorrida sofre deste erro de julgamento e, caso se conclua pela positiva, importará, então, se a tanto nada mais obstar, apreciar as restantes questões que a recorrente alegou na impugnação.
Vejamos.

4.1. No entendimento da sentença, a ilegitimidade da recorrente (impugnante) decorre de esta não ser contribuinte directo (nº 3 do art. 18º da LGT), nem substituto (art. 20º da LGT), nem responsável subsidiário, posto que não efectivada a reversão (nº 1 do art. 23º da LGT), nem demonstrar qualquer interesse legalmente protegido que lhe confira legitimidade em processo tributário, dado que, mesmo atendendo à citada notificação, a impugnante não foi notificada como sujeito passivo, para pagamento da dívida nos termos da al. b) do nº 4 do art. 105º do RGIT, antes o tendo sido a sociedade B……., Lda.
Ora, é certo que, como a sentença julgou provado, pelo ofício do 2º Juízo Criminal de Loures, foi comunicada à impugnante a notificação que lhe fora dirigida na qualidade de representante legal da “B……, Lda.” pela Divisão de processos Criminais da Direcção de Finanças de Lisboa, no âmbito do Inquérito nº 177/06.1IDLSB, nos termos do disposto no art. 105º nº 4 al. b), do RGIT, para efectuar o pagamento da importância de € 26.462,75 por dívida proveniente de IVA em falta do período de Dezembro de 2003, acrescida de coima e juros.
E também o MP considera que foi aquela sociedade que foi notificada na pessoa da recorrente, na respectiva qualidade de gerente e representante legal (art. 41º nº 1 CPPT), daqui concluindo que, por isso, tal notificação não confere a esta legitimidade para intervenção no processo judicial tributário.
Contudo, atentando no teor do dito ofício de fls. 66, vê-se que tal notificação, ordenada por despacho proferido no âmbito do processo 177/06.11DLSB a correr termos no 2º Juízo Criminal de Loures, tem por destinatários, simultaneamente, quer a B……, Lda. (que é notificada na pessoa da recorrente, como gerente daquela), quer a própria recorrente, ambas ali arguidas. ( O teor do despacho que ordena tal notificação é o seguinte: «Uma vez que as arguidas estão nestes autos (…) notifique-as agora nos termos e para os efeitos do disposto no art. 105º, nº 4, al. b) do RGIT, com cópia de fls. 263».
E o teor da notificação é, além do mais, o seguinte:
«Nos termos do art. 105º nº 4 al. b) do Regime Geral das infracções Tributárias (RGIT) – ficam por este meio NOTIFICADOS a firma arguida: B……., Lda., NIPC ……, com sede (…), na pessoa da gerente e a própria: A……, NIF ……. com domicílio (…) no Processo de INQUÉRITO nº 177/06.11DLSB que corre termos na (…)» )

4.2. Todavia, ainda assim, também esta notificação (em nome pessoal) não releva para a questão aqui em apreço.
Com efeito, a recorrente apela ao teor dessa notificação para sustentar apenas que, embora formalmente a dívida ainda não tenha sido revertida contra si quando lhe foi feita tal notificação (para efeitos do disposto no nº 4 do art. 105º do RGIT), materialmente está já a ser-lhe exigido por parte da AT o pagamento da dívida em causa, como se de qualquer outra prestação tributária se tratasse.
Aliás, como se depreende da petição inicial da presente impugnação, a recorrente pretende impugnar, não o acto determinativo da quantia calculada para efeitos de tal notificação, mas, antes, o próprio acto tributário de liquidação (ou melhor autoliquidação) a que aquela mesma quantia reportou (a recorrente invoca, aliás, vários fundamentos, nomeadamente, a inexistência de pressupostos para a autoliquidação e a caducidade do direito à liquidação).
E, na verdade, a quantia referida na notificação não substancia acto de liquidação do tributo, ou qualquer outro acto de liquidação que haja sido operado pela Administração Tributária relativamente à recorrente, como sujeito passivo de imposto.
Tal notificação, embora efectuada pelos Serviços da AT, insere-se no âmbito do próprio processo crime, nos termos da al. b) do nº 2 do art. 105º do RGIT, e nesse processo se esgotam as suas virtualidades.
A este propósito escreve, aliás, a Consª. Isabel Marques da Silva (REGIME GERAL DAS INFRACÇÕES TRIBUTÁRIAS, 3ª ed., Almedina, 2010, pp. 229 a 231. ) o seguinte:
«A par desta condição de punibilidade, que hoje consta da alínea a) do nº 4 do artigo 105º do RGIT, a Lei do Orçamento do Estado para 2007 introduziu ao tipo uma outra, inteiramente nova, que consta da alínea b) do nº 4. A qualificação desta nova alínea como condição de punibilidade, embora não seja questão pacífica na doutrina (( ), foi a orientação que sempre propusemos e que o Supremo Tribunal de Justiça acolheu através do seu Acórdão de Uniformização de Jurisprudência nº 6/2008, de 9 de Abril (( ). Por força desta nova alínea, os factos só serão puníveis se, havendo declaração mas faltando a entrega da prestação tributária devida, o contribuinte, notificado para o efeito, não paga a prestação devida acrescida dos juros respectivos e valor da coima aplicável no prazo de 30 dias.
Ao contrário do que se dispõe no seu nº 6, a alínea b) do nº 4 do artigo 105º do RGIT, o novo preceito não esclarece quem deve notificar o contribuinte para efeitos de regularização da sua situação tributária, mas parecia-nos evidente que deveria ser a administração tributária ou a da segurança social (( ), pois antes de decorrido o prazo de 30 dias sobre a data notificação os factos não são puníveis, e, não os sendo, não poderá haver processo, consequentemente não haveria ocasião para intervenção do Ministério Público ou de juiz (( ).
Se este entendimento se nos continue a figurar correcto em relação aos processos instaurados após a entrada em vigor da nova alínea b), há que reconhecer que, mercê da aplicação da disposição aos processos pendentes por força do princípio da aplicação retroactiva da lei penal mais favorável, o Ministério Público e os tribunais providenciaram nalguns casos, eles próprios, a essa notificação, fundamentalmente por razões de economia processual. A questão de saber se esta notificação, quando feita pelo tribunal de julgamento, não seria inconstitucional por violação do princípio da separação de poderes, foi apreciada pelo Tribunal Constitucional, que decidiu no sentido de não haver inconstitucionalidade naquela interpretação na alínea b) do nº 4 do artigo 105º do RGIT( ).»
No caso, aquela notificação, embora efectuada, como se disse, pelos Serviços da AT, insere-se no âmbito do próprio processo crime, nos termos da al. b) do nº 2 do art. 105º do RGIT, valendo, portanto, apenas para os efeitos aí previstos: se a quantia ali indicada for paga (e que haverá de corresponder à soma da prestação comunicada à AT através da respectiva declaração, dos juros respectivos e do montante da coima aplicável) os factos integradores do tipo de crime (abuso de confiança) não serão puníveis.
Mas, se assim é, então, porque a notificação opera tão só no âmbito do processo crime, também não há nela a invocada exigência material, por parte da AT, da dívida correspondente ao imposto que está a ser objecto de cobrança em processo de execução fiscal, carecendo de razão legal a alegação da recorrente [cfr. Conclusão H) do recurso] no sentido de que aquele acto é equivalente a um acto de declaração de reversão da dívida contra a recorrente e operado através do referido mecanismo legal previsto no nº 4 do art. 105º do RGIT.
É que, constituindo a reversão um instituto próprio do processo de execução fiscal, por via do qual a exequente (AT) chama à execução pendente os responsáveis subsidiários pela dívida exequenda de imposto, a recorrente nem está, por via da invocada notificação prevista no nº 4 do art. 105º do RGIT, a ser chamada (ex novo ou mesmo subsidiariamente) ao processo crime (já está, ali, constituída como arguida, juntamente com a B……, Lda.), nem a AT ali executa qualquer imposto.
Tanto que, como se salienta no supra citado acórdão do TConstitucional, ( Nº 409/2008, de 31/7/2008, proc. nº 361/08, publicado no DR, 2ª série, nº 185, de 24/9/2008, pp. 40235 e ss. ) o critério de que competente para determinar a notificação prevista nesta al. b) do nº 4 do art. 105º do RGIT é a entidade titular do procedimento ou do processo (Administração, Ministério Público, tribunal de instrução criminal ou tribunal do julgamento), consoante a fase em que ele se encontre quando surge a necessidade de proceder a essa notificação, não colide com o princípio da separação de poderes, pois que, «Quando o Ministério Público, na fase do inquérito, determina essa notificação, ele visa, não a prossecução da tarefa de cobrança de receitas típica da Administração Tributária, mas o apuramento, que lhe incumbe enquanto titular da acção penal, da verificação dos requisitos que o habilitem a tomar uma decisão de acusação ou de não acusação. Similarmente, quando o juiz de instrução ou o juiz do julgamento determina idêntica notificação, ambos se limitam a praticar um acto instrumental necessário à comprovação da existência, ou não, de uma condição de punibilidade, que determinará a opção entre pronúncia ou não pronúncia e entre condenação ou absolvição (ou arquivamento). Isto é: em todas essas hipóteses, a determinação da notificação pelo Ministério Público ou por magistrados judiciais insere-se perfeitamente dentro das atribuições constitucionais dessas magistraturas (exercício da acção penal e administração da justiça, respectivamente), sem qualquer invasão da reserva da Administração, nem, consequentemente, com violação do princípio da separação de poderes (…)»

4.3. E nem se diga, igualmente, que há aqui violação do direito à tutela jurisdicional efectiva.
Com efeito, o pagamento das quantias reportadas na dita notificação é facultativo (configurando o não pagamento uma condição de punibilidade, se o arguido a ele não proceder, não fica impedido de, em sede de processo crime e com a amplitude aí admitida, fazer a prova de que não praticou os factos por que é acusado – incluindo, portanto, os próprios factos que substanciam o tipo tributário) não havendo, por isso, que chamar à colação [cfr. as Conclusões J) e K) do recurso] qualquer violação do direito à tutela jurisdicional efectiva, ou do princípio da presunção de inocência, consagrados nos arts. 20º, 268º, nº 4, e 32º, nº 1 da CRP.
E, ao invés do alegado na Conclusão G) do recurso, aquele pagamento, como supra se disse, também não está a ser exigido por via de qualquer acto impositivo da AT, como se de qualquer outra prestação tributária se tratasse.

4.4. Nos termos do disposto nos nºs. 1 e 4 do art. 9º do CPPT, têm legitimidade no processo judicial tributário, além da AT, os contribuintes, incluindo substitutos e responsáveis, outros obrigados tributários, as partes dos contratos fiscais, quaisquer pessoas que provem interesse legalmente protegido, o Ministério Público e o representante da Fazenda Pública.
Ora, dado o acima exposto, mesmo perante este conceito amplo de legitimidade para o processo judicial tributário (quaisquer pessoas que provem interesse legalmente protegido) e perante o próprio conceito de interesse legalmente protegido, não se vê que tal pressuposto processual possa ser atribuído à recorrente: nem é sujeito passivo da liquidação impugnada, nem é responsável subsidiária (não está a ser responsabilizada subsidiariamente pois não foi contra ela ordenada reversão no processo de execução fiscal - nº 4 do art. 23º da LGT; nº 3 do art. 9º do CPPT), nem, conforme acima se concluiu, é titular de interesse legalmente protegido, na medida em que, por um lado, como bem refere o MP, o acto tributário de liquidação (autoliquidação), objecto desta impugnação judicial, projecta os seus efeitos na esfera jurídica e patrimonial do sujeito passivo de IVA, sociedade B……., Lda. e não na esfera jurídica e patrimonial da recorrente, mera representante legal dessa sociedade e, por outro lado, a notificação que lhe foi feita no âmbito do processo 177/06.11DLSB a correr termos no 2º Juízo Criminal de Loures não incorpora qualquer liquidação de imposto operada em nome da recorrente, nem lhe confere legitimidade para intervenção no processo judicial tributário.
Assim, e independentemente da questão de saber se a impugnação podia ser apresentada sem ter sido precedida da reclamação prévia referida no art. 131º do CPPT [relembre-se que, mesmo de acordo com a alegação da recorrente, ela pretende impugnar a autoliquidação referente ao IVA do período de Dezembro de 3003, como se depreende, aliás, também do teor das Conclusões R) a CC) das alegações de recurso, apelando à notificação operada nos termos da al. b) do nº 4 do art. 105º do RGIT apenas para efeitos de afirmar a respectiva legitimidade e considerar tempestiva a impugnação] tem que concluir-se que a impugnante, para além de deduzir intempestivamente (por antecipação) a presente impugnação (pois que não é sujeito passivo da liquidação impugnada e não foi proferido - e pode nem vir a ser - na execução fiscal instaurada contra o sujeito passivo B……., Lda. despacho de reversão contra si), também a deduziu sem para tanto ter legitimidade.
A sentença recorrida não enferma, portanto, dos erros de julgamento que a recorrente lhe imputa, nomeadamente por violação do direito a uma tutela jurisdicional efectiva (art. 20º e nº 4 do art. 268º da CRP), por violação do princípio da presunção de inocência (nº 4 do art. 32º da CRP) ou por violação da proibição de indefesa (arts. 20º e 268º nº 4, da CRP).
Pelo que é de confirmar, com a presente fundamentação, ficando, assim, prejudicada a apreciação das questões atinentes ao mérito da impugnação, alegadas nas Conclusões P) e seguintes das alegações de recurso.

DECISÃO
Nestes termos, acorda-se em, negando provimento ao recurso, confirmar, com a presente fundamentação, a sentença recorrida.
Custas pela recorrente.
Lisboa, 28 de Novembro de 2012. - Casimiro Gonçalves (relator) - Francisco Rothes - Fernanda Maçãs.