Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:084/19.8BALSB
Data do Acordão:02/24/2021
Tribunal:PLENO DA SECÇÃO DO CT
Relator:ARAGÃO SEIA
Descritores:IVA
DEDUÇÃO
CÁLCULO PRO RATA
LOCAÇÃO FINANCEIRA
Sumário:I - Nos termos do disposto no artigo 23.º, n.º 2, do Código do IVA (conjugado com a alínea b) do seu n.º 3), a Administração Tributária pode obrigar o sujeito passivo que efetua operações que conferem o direito a dedução e operações que não conferem esse direito, a efetuar a dedução do imposto suportado na aquisição de bens e serviços que sejam utilizados na realização de ambos os tipos através da afetação real de todos ou parte dos bens ou serviços, quando a aplicação do processo referido no n.º 1 conduza a distorções significativas na tributação;
II - Na aplicação do método de afetação real nos termos do n.º anterior, a Administração Tributária pode obrigar o sujeito passivo que seja um banco que exerce atividades de “Leasing” e de “ALD” a incluir no numerador e no denominador que serve para o cálculo da percentagem da dedução apenas o montante anual correspondente aos juros e outros encargos relativos a essa atividade, quando a utilização daqueles bens e serviços seja sobretudo determinada pelo financiamento e pela gestão dos contratos respetivos.
Nº Convencional:JSTA000P27267
Nº do Documento:SAP20210224084/19
Data de Entrada:11/18/2019
Recorrente:AT-AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA
Recorrido 1:A.........BANK GMBH - SUCURSAL EM PORTUGAL
Votação:MAIORIA COM 1 DEC VOT E 1 VOT VENC
Aditamento:
Texto Integral: Acordam no Pleno da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:


A Autoridade Tributária e Aduaneira, no processo em que é Requerente A………BANK GMBH - SUCURSAL EM PORTUGAL, notificada da decisão arbitral proferida nos autos n.º 396/2019-T, que correu termos no Tribunal Arbitral constituído no âmbito do Centro de Arbitragem Administrativa (CAAD), e com esta não se conformando, vem, da mesma interpor RECURSO PARA UNIFORMIZAÇÃO DE JURISPRUDÊNCIA, regulado no artigo 152.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos, por remissão expressa do N.º 2 DO ARTIGO 25.º DO REGIME JURÍDICO DA ARBITRAGEM EM MATÉRIA TRIBUTÁRIA (RJAT), segundo o qual «a decisão arbitral sobre o mérito da pretensão deduzida que ponha termo ao processo arbitral é ainda susceptível de recurso para o Supremo Tribunal Administrativo quando esteja em oposição, quanto à mesma questão fundamental de direito, com acórdão proferido pelo Tribunal Central Administrativo ou pelo Supremo Tribunal Administrativo.»
O presente recurso veio apresentado para o Pleno da Secção de Contencioso Tributário deste Supremo Tribunal, tendo em conta a jurisprudência emanada pelo STA, no acórdão lavrado no processo nº 0485/17 em 15-11-2017, transitado em julgado e publicado em www.dgsi.pt, no qual, apesar de se verificar identidade substancial da situação fáctica com a da decisão arbitral de que se recorre, existe contradição sobre a mesma questão fundamental de direito, o que, naturalmente, leva à adoção de soluções opostas expressas.

Alegou, tendo concluído:
A. O Recurso Para Uniformização de Jurisprudência previsto e regulado no artigo 152.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos tem como finalidade a resolução de um conflito sobre a mesma questão fundamental de direito, devendo o STA, no caso concreto, proceder à anulação da decisão arbitral e realizar nova apreciação da questão em litígio quando suscitada e demonstrada tal contradição pela parte vencida.
B. Ora, desde logo, quanto ao estabelecido pelas regras que determinam os requisitos de admissibilidade deste tipo de recursos, resulta que, para que se tenha por verificada a oposição de acórdãos, é necessário que i) as situações de facto sejam substancialmente idênticas; ii) haja identidade na questão fundamental de direito; iii) se tenha perfilhado nos dois arestos uma solução oposta; e iv) a oposição decorra de decisões expressas e não apenas implícitas.
C. No que concerne ao requisito das situações de facto substancialmente idênticas, temos, subjacente à decisão recorrida, a factualidade melhor descrita nas alegações, para cuja leitura se remete.
D. Subjacente ao Acórdão Fundamento, encontrava-se factualidade também descrita nas alegações, e para cuja leitura igualmente se remete.
E. Em ambos ao Acórdãos, Autora e Recorrida têm natureza de sujeito passivo misto em sede de IVA, exercendo actividades sujeitas a IVA e actividades isentas de IVA.
F. Ambas consubstanciam instituições de crédito abrangidas pelo Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras e exercem, entre outras, as actividades de leasing (locação financeira) e ALD (aluguer de longa duração).
G. Ambas corrigiram valores deduzidos ao longo de um período fiscal (2016 e 2010, respectivamente), por força do pro rata definitivo determinado para o respectivo ano, dado terem observado as instruções da Autoridade Tributária constantes no Ofício-Circulado n.º 30.108, de 30-01-2009.
H. Ambas apuraram um montante a deduzir distinto ao apurado por recurso ao pro rata provisório.
I. Ambas imputam aos actos de autoliquidação de IVA vícios de violação de lei, por entender que nos termos do artigo 23.º, n.º 4 do CIVA, o pro rata de dedução deve considerar no seu cálculo o montante anual da globalidade das rendas de locação financeira e não apenas o montante correspondente aos juros e outros encargos relativos à actividade de leasing e ALD
J. Aqui chegados, e considerando a factualidade supra aludida, fica, desde logo, demonstrado que entre a decisão recorrida e o Acórdão Fundamento existe uma manifesta identidade de situações de facto.
K. Estava em causa em ambos os processos aferir da determinação da percentagem do IVA dedutível, resultante dos custos suportados pelo sujeito passivo com serviços de utilização mista, afectos tanto a operações tributadas como a operações isentas.
L. Enquanto no Acórdão Fundamento se entendeu, na senda do Processo C-183/13, ao abrigo do artigo 17.º, n.º 5 terceiro parágrafo, al. c) da Directiva IVA, reproduzida no ordenamento interno pelo artigo 23.º, n.º 2, 3 e 4 do CIVA, que os Estados-Membros «podem obrigar um banco que exerce, nomeadamente, actividades de locação financeira, a incluir no numerador e no denominador da fracção que serve para estabelecer um único e mesmo pro rata de dedução para todos os seus bens e serviços de utilização mista, apenas a parte das rendas pagas pelos clientes, no âmbito dos seus contratos de locação financeira, que corresponde aos juros, quando a utilização desses bens e serviços seja sobretudo determinada pelo financiamento e pela gestão desses contratos», já na decisão recorrida se entendeu em sentido oposto, tendo o Tribunal Arbitral que «Sendo assim, tem de se concluir que o poder concedido à Administração Fiscal pelo n.º 3 do artigo 23.º, não inclui a possibilidade de impor ao sujeito passivo a aplicação de uma percentagem de dedução. Consequentemente, o método da percentagem de dedução só pode ser utilizado nas situações em que está previsto directamente, na alínea b) do n.º 1 do artigo 23.º, e este método é o que consta do n.º 4, do mesmo artigo. E, nos termos deste n.º 4, esta percentagem é determinada através de «uma fracção que comporta, no numerador, o montante anual, imposto excluído, das operações que dão lugar a dedução nos termos do n.º 1 do artigo 20.º e, no denominador, o montante anual, imposto excluído, de todas as operações efectuadas pelo sujeito passivo decorrentes do exercício de uma actividade económica prevista na alínea a) do n.º 1 do artigo 2.º, bem como as subvenções não tributadas que não sejam subsídios ao equipamento». Por isso, embora o artigo 173.º, n.º 2, da Directiva n.º 2006/112/CE do Conselho, de 28-11- 2006, permita ao Estado Português, além do mais, «obrigar o sujeito passivo a efectuar a dedução com base na afectação da totalidade ou de parte dos bens e dos serviços», não foi legislativamente prevista no CIVA a possibilidade de aplicação de uma percentagem de dedução diferente da que se indica no n.º 4 do artigo 23.º do CIVA. E, não tendo essa possibilidade sido legislativamente prevista, não a pode aplicar a Autoridade Tributária e Aduaneira, pois está subordinada ao princípio da legalidade em toda a sua actuação (artigos 266.º, n.º 2, da CRP e 55° da LGT) e explicitado no artigo 3.0 , n.º1, do Código do Procedimento Administrativo. (…) Por isso, não tendo suporte legal a utilização do método previsto no ponto 9 do Ofício Circulado n.º 30108, de 30.01.2009, é ilegal a imposição da sua utilização pela Requerente.»
M. O Acórdão Fundamento entendeu que, de acordo com o decidido pelo TJUE, C-183/13, o artigo 23.º, n.º 2, 3 e 4 do CIVA constituem a transposição do artigo 17.º, n.º 5, terceiro parágrafo, alínea c), da Sexta Directiva, desembocando na conclusão, de que os Estados-Membros podem obrigar um banco que exerce, nomeadamente, actividades de locação financeira, a incluir no numerador e no denominador da fracção que serve para estabelecer um único e mesmo pro rata de dedução para todos os seus bens e serviços de utilização mista, apenas a parte das rendas pagas pelos clientes, no âmbito dos seus contratos de locação financeira, que corresponde aos juros, quando a utilização desses bens e serviços seja sobretudo determinada pelo financiamento e pela gestão desses contratos.
N. O Acórdão Fundamento concluiu ainda que essa restrição - patente no Acórdão do TJUE, processo n.º C-183/13, de incluir no numerador e no denominador da fracção que serve para estabelecer um único e mesmo pro rata de dedução para todos os seus bens e serviços de utilização mista, apenas os juros - vai ao encontro da doutrina ínsita no ofício circulado n.º 30.108, de 30-01-2009.
O. Em suma, entre a decisão recorrida e o Acórdão fundamento existe uma patente e inarredável contradição sobre as mesmas questões fundamentais de direito que importa dirimir mediante a admissão do presente recurso e consequente anulação da decisão recorrida, com substituição da mesma por novo acórdão que decida definitivamente a questão controvertida acolhendo o decidido no acórdão Fundamento.
P. Termos em que é de concluir, também relativamente a esta matéria, dever esse Tribunal Superior acolher o entendimento perfilhado no Acórdão Fundamento.
Q. De tudo o que acima se deixou, decorre encontrar-se a decisão recorrida em desconformidade com todos os preceitos e princípios acima referidos, não merecendo, por isso, ser mantido na ordem jurídica, devendo antes ser revogado e substituído por outro, convergente com o Acórdão Fundamento.
Termos em que, com o douto suprimento de V. Exas. deve o presente Recurso para Uniformização de Jurisprudência:
- ser admitido, por verificados os respectivos pressupostos; E
- ser julgado procedente, nos termos e com os fundamentos acima indicados e, consequentemente, revogada a decisão arbitral recorrida, sendo substituída por outra consentânea com o quadro jurídico vigente.

A recorrida contra-alegou, apresentando as seguintes conclusões:
A. O Recurso para Uniformização de Jurisprudência, por existência de uma oposição de julgados, apenas deverá ser conhecido quando existe uma verdadeira divergência quanto à solução de direito, situação que, no caso em apreço não se verifica, porquanto as soluções jurídicas dadas no Acórdão Fundamento e na decisão recorrida, embora aparentemente opostas, não o são de facto, na medida em que tiveram por base normas legais de âmbito diferente, levando necessariamente a soluções diferentes.
B. Conforme se poderá concluir da análise de ambos os acórdãos, a decisão recorrida teve como fundamento o artigo 23.º do CIVA e o Acórdão Fundamento teve como base o artigo 173.º n.º 2 alínea c) da Diretiva IVA, à data o artigo 17.º n.º 5, 3.º parágrafo, alínea c) da Sexta Diretiva, e o acórdão do Banco Mais, o qual deu por aceite que o artigo 173.º n.º 2 alínea c) da Diretiva IVA foi transposto na integra para a legislação nacional, o que não é verdade.
C. Ainda que o artigo 23.º do CIVA resulte de uma transposição do artigo 173.º da Diretiva IVA, não se trata de uma transposição integral, na medida em que, nesta matéria, a legislação nacional é mais restritiva do que a Diretiva IVA.
D. A imposição de um método prorata mitigado, diferente do previsto no artigo 23.º n.º 4 do CIVA, é admissível ao abrigo do artigo 173.º n.º 2 alínea c) da Diretiva IVA mas já não é admissível ao abrigo do artigo 23.º do CIVA, uma vez que este último preceito não contempla tal possibilidade.
E. O Acórdão Fundamento decidiu com base no artigo 173.º n.º 2 alínea c) da Diretiva IVA e no acórdão Banco Mais, não no artigo 23.º do CIVA, nem o poderia fazer pois, embora a Diretiva IVA permitisse ao legislador português optar por impor aos sujeitos passivos a utilização de um método prorata, diferente do estabelecido no artigo 23.º n.º 4 CIVA, tal opção não se encontra contemplada na lei nacional.
F. Não obstante o muito respeito que nos merece, o Acórdão Fundamento limitou-se decidir nos mesmos termos que o referido acórdão do TJUE, convocando para o efeito o 173.º n.º 2 alínea c) da Diretiva IVA, sem, contudo, atender que a legislação portuguesa não consente um método prorata diferente do estabelecido no artigo 23.º n.º 4 do CIVA.
G. A decisão recorrida atende precisamente ao disposto no artigo 23.º do CIVA, o qual, embora resulte da transposição do artigo 173.º da Diretiva IVA, tem um âmbito mais restrito, prevendo apenas a possibilidade de a AT impor métodos de afetação real específicos (e não métodos prorata específicos) quando verificadas determinadas condições.
H. Fica assim demonstrado que as soluções de direito que resultam da decisão recorrida e do Acórdão Fundamento, embora aparentemente opostas, não o são de facto, na medida em que tiveram por base normas legais de âmbitos diferentes (no caso da decisão recorrida, o artigo 23.º do CIVA e no caso do Acórdão Fundamento, o artigo 173.º n.º 2 alínea c) da Diretiva IVA por aplicação do acórdão Banco Mais), o que determinou necessariamente decisões diferentes.
I. Como tem afirmado o STA, a contradição de julgados, para efeitos de aceitação do recurso de uniformização de jurisprudência, deve ter por subjacente, entre outros “uma identidade da questão de direito sobre que recaíram os acórdãos em confronto, o que pressupõe uma identidade substancial das situações fácticas, entendida esta não como uma total identidade dos factos mas apenas como a sua subsunção às mesmas normas legais” (cfr. acórdão do Pleno, processo n.º 0436/18.0BALSB, de 30 de janeiro de 2019).
J. E no caso em apreço, apesar de estarmos perante situações factuais idênticas, não existe uma identidade da questão de direito nos acórdãos em confronto (no sentido que lhe tem sido dado pelo STA), uma vez que cada um deles fundamentou a respetiva decisão em normas legais com diferentes âmbitos, cuja aplicação conduz necessariamente a diferentes soluções jurídicas, impossibilitando assim a comparação entre acórdãos, não devendo, portanto, o presente Recurso de Uniformização de Jurisprudência ser admitido por Vossas Excelências.
K. Caso se entenda admitir o Recurso nos termos requeridos pela Recorrente – o que por mera hipótese académica se admite, mas sem conceder quanto ao antedito – sempre vem a Recorrida pugnar pela sua total improcedência, na medida em que a tese vertida na decisão recorrida se mostra ser a melhor solução de Direito para o caso em apreço. Vejamos:
L. A Recorrida é um sujeito passivo misto para efeitos de IVA, desenvolvendo operações sujeitas – designadamente, as relativas a leasing e ALD financeiro - e operações isentas – nomeadamente operações de financiamento/concessão de crédito. Deste modo, o IVA suportado na aquisição de meios utilizados exclusivamente na sua atividade económica tributada é totalmente dedutível e o IVA suportado na aquisição de meios utilizados apenas na sua atividade isenta não pode ser deduzido, nos termos do artigo 20.º n.º 1 alínea a) do CIVA e artigo 168.º da Diretiva IVA.
M. No caso da dedução de IVA relativamente a bens e serviços utilizados indiferentemente tanto na atividade tributada (como é o caso do leasing e ALD), como na atividade isenta da Recorrida (como é o caso da concessão de crédito), não sendo possível a utilização do método da afetação real, com base em “critérios objetivos”, e por imposição da AT, a Recorrida utilizou o “coeficiente
de imputação específico”, previsto no ponto 9 do Ofício-Circulado, mas não previsto na lei.
N. A Diretiva IVA permite aos Estados-Membros a adoção de regras de cálculo do prorata distintas do estabelecido no artigo 23.º n.º 4 do CIVA, no entanto essa opção não foi transposta para o ordenamento jurídico nacional.
O. O Ofício-Circulado n.º 30108 vem impor a utilização de um “critério de imputação específico”, o qual: (i) não é um prorata nos termos do artigo 23.º, n.º 4 do CIVA, conforme expressamente referido no Ofício; (ii) nem qualifica como método de afetação real, nos termos do artigo 23.º n.º 2 do CIVA porque não é possível o recurso a critérios objetivos, como também expressamente referido no Ofício.
P. Não sendo possível definir um critério objetivo, também não é possível adotar o método da afetação real. Por sua vez, não sendo possível adotar o método da afetação real, o único outro método de dedução previsto no CIVA é o prorata, apurado nos termos do artigo 23.º n.º 4 do CIVA.
Q. O método de dedução do imposto estabelecido pela AT no Ofício-Circulado n.º 30108 não está previsto na lei, pelo que uma liquidação de imposto efetuada com base no mesmo – o caso em apreço – é necessariamente ilegal, por incumprimento do disposto nos artigos 20.º e 23.º do CIVA e do princípio da neutralidade fiscal, por violação do princípio da legalidade consagrado no artigo 112.º n.º 5 da CRP e artigo 55.º da LGT, e por violação do princípio da reserva de lei consagrado nos artigos 103.º e 165.º n.º 1 alínea i) da CRP.
R. Ademais, torna-se forçoso concluir que o acórdão Banco Mais não se aplica, nem é de aplicação obrigatória pelos tribunais portugueses ao caso em apreço, na medida em partiu de um pressuposto errado: o de que o artigo 173.º n.º 2 alínea c) da Diretiva IVA, à data artigo 17.º n.º 5, 3.º parágrafo, alínea c) da Sexta Diretiva foi integralmente transposto para o artigo 23.º do CIVA.
S. Sobre a questão em apreço, a doutrina e os tribunais arbitrais tributários, a funcionar no CAAD, têm-se pronunciado, de forma unânime, no mesmo sentido ao acima defendido pela Recorrida.
T. Adicionalmente, e não obstante o exposto, conforme resulta da parte final da decisão do acórdão do Banco Mais, não é compatível com o artigo 173.º n.º 2 alínea c) da Diretiva IVA, a imposição aos contribuintes de uma percentagem de dedução especial de forma genérica, independentemente da comprovação da utilização real dos bens e serviços, apurada caso a caso.
U. Assim, verifica-se que também por este motivo o Ofício-Circulado n.º 30108 é ilegal, uma vez que, ao impor, no seu ponto 9, um método de repartição que não tem em conta o valor inicial do bem em causa no momento da sua entrega, incumpre com o Direito da União Europeia.
V. Pelo exposto, deverá ser mantida a decisão recorrida, com fundamento de que a liquidação de IVA em apreço incorre em vício de violação de lei, na parte correspondente ao IVA suportado indevidamente no valor de € 184.330,65, por incumprimento do disposto nos artigos 20.º e 23.º do CIVA e do princípio da neutralidade fiscal, violação do princípio da legalidade consagrado no artigo 112.º, n.º 5 da CRP e artigo 55.º da LGT, e violação do princípio da reserva de lei consagrado nos artigos 103.º e 165.º n.º 1 alínea i) da CRP, e ainda, por incumprimento, do Direito da União Europeia, em particular o artigo 173.º n.º 2 alínea a) da Diretiva IVA.
W. Nos termos do artigo 43.º n.º 2 da LGT, a Recorrida suportou indevidamente IVA no valor de €184.330,65 no período de dezembro de 2016 por erro imputável à AT, na medida em que atuou de acordo com Ofício-Circulado n.º 30108 da AT, pelo que, também em relação a esta questão deverá ser mantida a decisão recorrida e, em consequência, ser condenada a Recorrente no pagamento de juros indemnizatórios, a calcular desde a data da autoliquidação de IVA relativa ao período de dezembro de 2016 (i.e. 6 de março de 2018 – data de submissão da declaração de substituição n.º 112202029966, até ao efetivo e integral reembolso por parte da AT, à taxa de 4% ao ano, nos termos do artigo 24.º n.º 5 do RJAT, do artigo 35.º n.º 10 e artigo 43.º n.º 4 da LGT, do artigo 61.º do CPPT, do artigo 559.º do Código Civil e da Portaria n.º 291/03, de 8 de Abril.

O Ministério Público emitiu parecer no sentido de ser confirmada a decisão arbitral.

Cumpre decidir.

Na decisão arbitral deu-se como assente a seguinte matéria de facto, que se reproduz na integra apenas na parte com interesse para o conhecimento do objecto deste recurso:
A. A Requerente é uma instituição de crédito abrangida pelo Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 298/92, de 31 de dezembro, que exerce, entre outras, as actividades de locação financeira (leasing) e aluguer de longa duração (ALD);
B. A Requerente assume a natureza de um estabelecimento estável, configurando-se para efeitos de IVA, como um sujeito passivo nos termos da alínea a) do n.º 1 do artigo 2º do CIVA, encontrando-se enquadrada no regime normal de periodicidade mensal, nos termos da alínea a) do nº 1 do artigo 41º do mesmo diploma;
C. Para efeitos de IVA, a Requerente caracteriza-se por ser um sujeito passivo "misto", uma vez que exerce atividades que conferem direito à dedução (contratos de leasing e ALD) e também realiza operações no âmbito da actividade financeira, a qual é isenta do imposto nos termos do nº 27 do artigo 9º do CIVA (operações de financiamento e concessão de crédito), procedendo ao apuramento do IVA de cada período com recurso ao disposto no artigo 23.º do mesmo diploma;
D. A Requerente deduziu IVA relativamente ao ano de 2016 na declaração relativa ao último período do ano, que apresentou em 06-03-2018;
E. Para determinar o montante de IVA dedutível relativamente às aquisições de bens e serviços, afectos indistintamente às diversas operações por si desenvolvidas (recursos de “utilização mista”), a Requerente aplicou o método da percentagem de dedução, calculando um “coeficiente de imputação específico” para o ano 2016, em cumprimento do disposto no ponto 9 do Ofício-Circulado n.º 30108;
F. No que concerne às operações de leasing e ALD, apenas considerou, no cálculo da percentagem de dedução, o valor anual correspondente aos juros e outros encargos, excluindo a componente de amortização de capital contida nas rendas de locação financeira, não considerando as amortizações financeiras relativas aos contratos de locação financeira;
G. Na declaração periódica de substituição n.º ... e com a aplicação do procedimento imposto pela AT, a Requerente apurou uma percentagem de dedução definitiva para o ano de 2016 de 46,38%, que aplicada ao total do IVA suportado nos bens e serviços de utilização mista adquiridos nesse ano, se materializou no valor de € 183.381,71 de IVA dedutível para o ano de 2016;
H. Caso a dedução do IVA de bens e serviços de utilização mista de 2016 tivesse sido efectuada com base no pro rata calculado nos termos do artigo 23.º, n.º 4 do CIVA, seria apurada a percentagem de 93%, tendo a Requerente direito à dedução de IVA, no valor de € 367.712,36, sendo de € 184.330,65 a diferença entre os valores encontrados com a aplicação daquelas percentagens (€ 367.712,36 - € 183.381,71);
I. Em 28-12-2018, a Requerente apresentou uma Reclamação Graciosa da autoliquidação de IVA do período de 2016, quanto ao IVA dedutível, sustentando que o acima referido Ofício-Circulado n.º 30108 é ilegal, uma vez que, de acordo com o disposto no Código do IVA, sempre que seja de aplicar o método da afetação real, e não seja possível a aplicação de critérios objetivos de imputação dos custos comuns, deve o IVA dos recursos comuns ser deduzido com base no método do prorata, previsto no artigo 23.º, n.º 1, alínea b) do CIVA e calculado nos termos do número 4 do mesmo preceito;
J. Em 08-03-2019, a Requerente foi notificada da decisão de indeferimento da Reclamação Graciosa, que tem o número de processo ...2019...;
(…)
L. Em 30-01-2009, a Autoridade Tributária e Aduaneira emitiu o Ofício-Circulado n.º 30108, cujo teor se dá como reproduzido, em que se refere, além do mais o seguinte:
7. Face à actual redacção do artigo 23.º, a afectação real é o método que, tendo por base critérios objectivos de imputação, mais se ajusta ao apuramento do IVA dedutível nos bens e serviços de utilização mista.
8. Nesse sentido, considerando que o apuramento do IVA dedutível segundo a aplicação do prorata geral estabelecido no n.º 4 do artigo 23.º do CIVA é susceptível de provocar vantagens ou prejuízos injustificados pela falta de coerência das variáveis nele utilizadas, ou seja, pode conduzir a “distorções significativas na tributação”, os sujeitos passivos que no âmbito de actividades financeiras pratiquem operações de Leasing ou de ALD, devem utilizar, nos termos do n.º 2 do artigo 23º do CIVA, a afectação real com base em critérios objectivos que permitam determinar o grau de utilização desses bens e serviços, de modo a determinar o montante de IVA a deduzir relativamente ao conjunto das actividades.
9. Na aplicação do método da afectação real, nos termos do número anterior e sempre que não seja possível a aplicação de critérios objectivos de imputação dos custos comuns, deve ser utilizado um coeficiente de imputação específico, tendo em conta os valores envolvidos, devendo ser considerado no cálculo da percentagem de dedução apenas o montante anual correspondente aos juros e outros encargos relativos à actividade de Leasing ou de ALD. Neste caso, a percentagem atrás referida não resulta da aplicação do n.º 4 do artigo 23º do CIVA.
M. A Requerente pagou a quantia autoliquidada…

No acórdão fundamento deu-se como assente a seguinte matéria de facto, que se reproduz na íntegra apenas na parte com interesse para o conhecimento deste recurso:
1) Foi emitida, pela área de gestão tributária do IVA — gabinete do subdiretor-geral dos impostos, instrução administrativa, correspondente ao ofício n° 30.108, de 30.01.2009, da qual consta designadamente o seguinte:
“1. O ofício circulado n° 30103, de 2008.04.23, do Gabinete do Subdirector-Geral da área de Gestão do IVA, procedeu à divulgação de instruções genéricas no sentido de uniformizar a interpretação a dar às alterações introduzidas ao artigo 23° do Código do IVA (CIVA), de assegurar o correcto enquadramento das várias actividades face aos novos preceitos, de estabelecer os procedimentos a serem seguidos na determinação da dedução do imposto e, ainda, de clarificar os critérios a utilizar, quando haja recurso à afectação real na determinação do quantum do imposto a deduzir e sempre que esteja em causa bens e serviços de utilização mista.
2. De acordo com as referidas instruções e seguindo as regras do artigo 23° do CIVA, para apurar o imposto dedutível contido em bens e/ou serviços de utilização mista, aplica-se supletivamente o método da percentagem ou pro rata, excepto quando estejam em causa operações não decorrentes de uma actividade económica, caso em que é obrigatória a afectação real. Nos demais casos, a afectação real é facultativa podendo, no entanto, a Administração Tributária impor esse método de imputação quando a aplicação do pro rata conduza a distorções significativas na tributação (n° 3 art. 23°).
3. No caso de utilização da afectação real, obrigatória ou facultativa, e segundo o n° 2 do artigo 23°, o sujeito passivo para determinar o grau de afectação ou utilização dos bens e serviços à realização de operações que conferem direito a dedução ou de operações que não conferem esse direito, deve recorrer a critérios objectivos devendo, em qualquer dos casos, a determinação desses critérios objectivos ser adaptada à situação e organização concretas do sujeito passivo, à natureza das suas operações no contexto da actividade global exercida e aos bens ou serviços adquiridos para as necessidades de todas as operações, integradas ou não no conceito de actividade económica relevante.
4. Os critérios adoptados podem ser corrigidos ou alterados pela DGCI, com os devidos fundamentos de facto e de direito, ou, se for caso disso, fazer cessar a utilização do método, se se verificar a ocorrência de distorções significativas na tributação.
5. No caso específico das entidades financeiras que desenvolvem igualmente actividades de Leasing ou de ALD, a prática conjunta de operações de concessão de crédito e de locação tributada, incluindo a locação financeira, implica, quando houver bens e serviços adquiridos que sejam conjuntamente utilizados em ambas, a necessidade de recorrer às disposições do artigo 23° do CIVA para apuramento da parcela do imposto suportado, que é passível de direito a dedução.
6. Face à anterior redacção do artigo 23° do CIVA, no âmbito da aplicação do método da afectação real, sempre que não fosse viável a aplicação da afectação no cálculo do IVA dedutível relativamente a bens de utilização mista, a solução encontrada e seguida pelos Serviços como sendo a que mais se aproximava da neutralidade desejada, foi no sentido de ser aplicada uma proporção entre os dois tipos de operações, de forma a determinar, o mais aproximadamente possível, a afectação dos inputs a cada uma delas.
No entanto, não estava aqui em causa a aplicação do n° 4 do artigo 23° do IVA mas do apuramento do imposto dedutível mediante a aplicação de um pro rata específico, uma vez que previamente o método utilizado fora o da afectação real.
7. Face à actual redacção do artigo 23°, a afectação real é o método que, tendo por base critérios objectivos de imputação, mais se ajusta ao apuramento do IVA dedutível nos bens e serviços de utilização mista.
8. Nesse sentido, considerando que o apuramento do IVA dedutível segundo a aplicação do pro rata geral estabelecido no n° 4 do artigo 23º do CIVA é susceptível de provocar vantagens ou prejuízos injustificados pela falta de coerência das variáveis nele utilizadas, ou seja, pode conduzir a “distorções significativas na tributação”, os sujeitos passivos que no âmbito de actividades financeiras pratiquem operações de Leasing ou de ALD, devem utilizar, nos termos do n° 2 do artigo 23° do CIVA, a afectação real com base em critérios objectivos que permitam determinar o grau de utilização desses bens e serviços, de modo a determinar o montante de IVA a deduzir relativamente ao conjunto das actividades.
9. Na aplicação do método da afectação real, nos termos do número anterior e sempre que não seja possível a aplicação de critérios objectivos de imputação dos custos comuns, deve ser utilizado um coeficiente de imputação específico, tendo em conta os valores envolvidos, devendo ser considerado no cálculo da percentagem de dedução apenas o montante anual correspondente aos juros e outros encargos relativos à actividade de Leasing ou de ALD.
Neste caso, a percentagem atrás referida não resulta da aplicação do n° 4 do artigo 23° do CIVA” (cfr. fls. 165 a 167).
2) A impugnante foi constituída por escritura pública outorgada em dezembro de 1996, então com a designação B……………, SA, tendo sido indicado como objeto social a realização de operações bancárias e financeiras e prestação de serviços conexos, designadamente a concessão de crédito ao consumo e a locação financeira.
3) A impugnante, no exercício da sua atividade e nomeadamente em 2010, estava enquadrada no regime normal mensal de IVA e realizou operações financeiras isentas de IVA, a par de operações sujeitas a IVA, designadamente operações de locação mobiliária, consubstanciadas em celebração de contratos de locação financeira (leasing) e contratos de aluguer de veículo automóvel sem condutor (ALD financeiro), onde se prevê a possibilidade de compra do veículo pelo locatário.
4) No âmbito das operações de locação mencionadas em 3), designadamente em 2010, a impugnante, em alguns casos a solicitação e por indicação dos locatários, adquiriu determinados veículos, pagando integralmente o respetivo preço e entregando-os ao locatário para seu uso e fruição.
5) Na sequência do mencionado em 3) e 4), eram pagas à impugnante, pelos locatários, rendas, as quais englobam uma parte relativa a amortização financeira e outra parte relativa a juros e outros encargos, renda essa sujeita a IVA.
6) A parte da renda mencionada em 5) relativa a amortização financeira era registada na contabilidade da impugnante a crédito da conta 22.
7) A parte da renda mencionada em 5) relativa a juros era registada na contabilidade da impugnante como proveito.
8) No âmbito dos contratos de locação mencionados em 3), resolvidos por motivo de perda total do bem, os locatários pagaram à impugnante o valor correspondente ao capital em dívida, sendo emitida a correspondente fatura pela impugnante com IVA.
9) Na sequência da celebração dos contratos de locação mencionados em 3), resolvidos por incumprimento ou nos quais não houve transmissão da propriedade, a impugnante vendeu os veículos a diversas entidades, sendo emitida a correspondente fatura pela impugnante, com IVA.
10) Na concessão de crédito para estudo, viagens ou mobiliário e outras não sujeitas a IVA a impugnante não liquidou IVA, liquidando o Imposto do Selo na parte relativa aos juros.
11) Durante o ano de 2010 a impugnante apurou um volume de faturação, relativo a leasing e ALD financeiro no valor de 264.684.163,31 Eur.
12) Durante o ano de 2010 a impugnante apurou um volume de faturação, relativo a concessão de crédito no valor de 84.914.092,66 Eur.
13) Durante o ano de 2010, a impugnante suportou custos, em relação aos quais não conseguiu determinar especificamente a que operações, das mencionadas em 3), respeitavam.
14) Durante o ano de 2010, a impugnante utilizou dois métodos para cálculo do IVA dedutível:
a) Afetação real, relativo à atividade de locação financeira e à atividade isenta de IVA, quanto aos custos nos quais foi possível estabelecer um nexo direto e imediato;
b) Pro rata específico, relativo aos custos comuns à atividade tributada e à atividade isenta, mencionados em 13).
15) Durante o ano de 2010, a impugnante utilizou, nas declarações periódicas de IVA relativas aos meses compreendidos entre janeiro e novembro, um pro rata provisório de 69%.
16) O pro rata provisório mencionado em a incluiu, nos respetivos numerador e denominador, entre outros os valores mencionados em 5), 8) e 9).
17) A impugnante calculou um pro rata definitivo para 2010 de 24%, com base em entendimento da AT mencionado na instrução administrativa referida em a), calculado considerando no numerador o valor de 25.826.262,96 Eur. e no denominador o valor de 110.740.355,62 Eur.
18) Na sequência do referido em 17), a impugnante apresentou declaração de periódica de IVA relativa ao mês de dezembro de 2010, considerando os métodos mencionados em 14) e o valor do pro rata mencionado em 17), na qual declarou os seguintes valores:
a) Campo 61: 943.442,32 Eur.;
b) Campo 94: 1.632.562,74 Eur.
2.2. Quanto a factos não provados, exarou-se o seguinte:
«Com interesse para a decisão e em cumprimento do ordenado no douto Acórdão do STA, de 03.06.2015 referido supra (Recurso n° 970/13-30), considera-se não provado o seguinte facto:
A) Os custos mencionados em 13) respeitam em parte à disponibilização, por parte da impugnante, dos veículos objeto dos contratos de locação referidos entre 3) e 5).

Há agora que conhecer do objecto do recurso.
O presente recurso vem interposto ao abrigo do disposto no artigo 152º do CPTA, por aplicação subsidiária, nos termos dos nº2 e 3 do artigo 25º do RJAT, na redação introduzida pela Lei nº 119/2019, de 18 de Setembro, tendo por objeto a decisão do CAAD proferida no processo nº 396/2019-T, que julgou procedente o pedido de anulação da auto-liquidação, na parte em que para cálculo do montante do IVA dedutível relativo aos custos gerais, se atendeu ao “coeficiente de imputação específico” preconizado na circular nº 30108/2009 de 30 de Janeiro, da ATA.
Considera a Recorrente que a decisão encontra-se em oposição com o acórdão do STA de 15/11/2017, proferido no processo nº 0485/17, pois, «…enquanto no Acórdão Fundamento se entendeu, na senda do Processo C-183/13, que os Estados-Membros, ao abrigo do artigo 17.º, n.º 5 terceiro parágrafo, al. c) da Directiva IVA, reproduzida no ordenamento interno pelo artigo 23.º, n.º 2, 3 e 4 do CIVA, podem obrigar um banco que exerce, nomeadamente, actividades de locação financeira, a incluir no numerador e no denominador da fracção que serve para estabelecer um único e mesmo pro rata de dedução para todos os seus bens e serviços de utilização mista, apenas a parte das rendas pagas pelos clientes, no âmbito dos seus contratos de locação financeira, que corresponde aos juros, quando a utilização desses bens e serviços seja sobretudo determinada pelo financiamento e pela gestão desses contratos, já na decisão recorrida se entendeu em sentido oposto… ».
Para o efeito alega, em síntese, que se verificam os requisitos da oposição dos acórdãos pacificamente assinalados pela jurisprudência, designadamente a identidade das situações de facto e da questão de direito apreciada em cada uma das decisões, as quais expressamente perfilharam soluções opostas.
Considera ainda a Recorrente que em ambos os casos estão em causa instituições de crédito que exercem, entre outras, as atividades de “leasing” (locação financeira) e ALD (aluguer de longa duração) e que no cálculo do IVA dedutível observaram o disposto no ofício circulado nº 30.108 de 30/01/2009. E em ambos os casos os sujeitos passivos questionam a legalidade da autoliquidação com base no argumento de que nos termos do nº4 do artigo 23º do CIVA o pro-rata de dedução deve considerar no seu cálculo o montante anual da globalidade das rendas de locação financeira e não apenas o montante correspondente aos juros e outros encargos relativos à atividade de leasing e ALD.
Entende também a Recorrente que em ambos os casos estava em causa «aferir da determinação da percentagem do IVA dedutível, resultante dos custos suportados pelo sujeito passivo com serviços de utilização mista, afectos tanto a operações tributadas como a operações isentas».
A Recorrente afirma que enquanto no acórdão fundamento se entendeu que nestes casos a AT pode obrigar o sujeito passivo “a incluir no numerador e no denominador da fração que serve para estabelecer um único e mesmo pro rata de dedução para todos os seus bens e serviços de utilização mista, apenas a parte das rendas pagas pelos clientes, no âmbito dos seus contratos de locação financeira, que corresponde aos juros, quando a utilização desses bens e serviços seja sobretudo determinada pelo financiamento e pela gestão desses contratos”, já na decisão recorrida o Tribunal Arbitral considerou tal método da percentagem ilegal, por não estar previsto na lei (CIVA) a possibilidade de aplicação de uma percentagem de dedução diferente da que se indica no nº4 do artigo 23º do CIVA, sendo ilegal essa imposição por parte da ATA.
Mais conclui que entre os dois acórdãos existe “uma patente e inarredável contradição sobre as mesmas questões fundamentais de direito que importe dirimir”, impondo-se a revogação da decisão arbitral e a sua substituição por acórdão que acolha a doutrina do acórdão fundamento.

A admissibilidade do presente recurso.
Como é entendimento pacífico na jurisprudência do STA, a admissibilidade dos recursos por oposição de acórdãos, tendo em conta o regime previsto nos artigos 27.º, alínea b) do ETAF, 284.º do CPPT e 152.º do CPTA, depende de existir contradição entre o acórdão recorrido e o acórdão invocado como fundamento sobre a mesma questão fundamental de direito e que não ocorra a situação de a decisão impugnada estar em sintonia com a jurisprudência mais recentemente consolidada do Supremo Tribunal Administrativo.
No que ao primeiro requisito respeita, como tem sido inúmeras vezes explicitado pelo Pleno desta Secção relativamente à caracterização da questão fundamental sobre a qual deve existir contradição de julgados, devem adoptar-se os critérios já firmados no domínio do ETAF de 1984 e da LPTA, para detectar a existência de uma contradição, quais sejam: - identidade da questão de direito sobre que recaíram os acórdãos em confronto, que supõe estar-se perante uma situação de facto substancialmente idêntica; - que não tenha havido alteração substancial na regulamentação jurídica; - que se tenha perfilhado, nos dois arestos, solução oposta; - a oposição deverá decorrer de decisões expressas, não bastando a pronúncia implícita ou a mera consideração colateral, tecida no âmbito da apreciação de questão distinta (cfr. Jorge de Sousa e Simas Santos, Recursos Jurisdicionais em Contencioso Fiscal, p. 424, e acórdãos do Pleno da seção de contencioso tributário do STA, de 15/9/2010, recs. nºs. 344/2009 e 881/2009, e de 26 de Setembro de 2007, 14 de Julho de 2008 e de 6 de Maio de 2009, recursos números 452/07, 616/07 e 617/08, respectivamente).

Delimitação da questão.
No acórdão que serve de fundamento deixou-se exarado que as instâncias haviam enunciado a questão decidenda como “a de saber se o acto impugnado padece de ilegalidade, em virtude de não dever ser considerada a forma de cálculo do pro rata de dedução relativo aos custos comuns às actividades isenta e tributada levadas a efeito pela impugnante, conforme a instrução administrativa da AT (ofício n° 30.108, de 30/01/2009) concretamente no que respeita à desconsideração da parte relativa a amortização de capital das rendas atinentes aos contratos de leasing e ALD financeiro”.
E na sequência do reenvio prejudicial dirigido ao TJUE e da pronúncia deste (proc. C-183/13), veio o STA, no acórdão fundamento, a entender que «…a norma do art. 23° n° 2 do CIVA, ao permitir que a AT imponha condições especiais no caso de se verificarem distorções significativas na tributação, reproduz, em substância, aquela regra de determinação do direito à dedução enunciada na Directiva do IVA, quando ali se estabelece que, «os Estados-membros podem: autorizar ou obrigar o sujeito passivo a efectuar a dedução com base na utilização da totalidade ou parte dos bens ou serviços».
De modo que no acórdão fundamento o STA equacionou as seguintes questões: «As questões aqui a decidir reconduzem-se, portanto, às que se prendem (i) com a determinação da percentagem do IVA dedutível, resultante de custos suportados pelo sujeito passivo com serviços de utilização mista (afectos a operações tributadas e a operações isentas), (ii) (…) e (iii) com a aplicação do regime do ónus da prova dos factos constitutivos do direito à dedução de IVA.
Entendeu-se, assim, que «Sendo, portanto, admissível à AT determinar um critério para cálculo do pro rata (como no caso sucedeu), caberia então à impugnante demonstrar que a utilização de bens e serviços de utilização mista fora determinada também pela disponibilização dos veículos, o que não foi alegado nem provado».
Mais se referiu que foi «…, por aplicação da jurisprudência do TJUE que o acórdão proferido nesta Secção do STA, em 03/06/2015 (fls. 803/821), transitado em julgado, ordenou a devolução dos presentes autos ao tribunal a quo para ampliação da matéria de facto, no sentido de apurar se, no caso concreto, no âmbito de operações de locação financeira para o sector automóvel, a utilização de bens e serviços de utilização mista (afectos a actividades que conferem direito a dedução de IVA e a actividades isentas) foi, ou não, principalmente determinada pelo financiamento e pela gestão dos contratos de locação financeira que a recorrente celebrou com os seus clientes ou pela disponibilização dos veículos».
E quanto à repartição do ónus da prova considerou-se no acórdão fundamento, para além de considerandos de ordem geral, que «Similarmente com o que sucede no âmbito de outras isenções de IVA, também no caso presente se pode considerar que «quando o acto de liquidação adicional do IVA se fundamente no não reconhecimento das deduções declaradas pelo contribuinte cabe à administração apenas a prova da verificação dos pressupostos legais que legitimam a sua actuação (...) e ao contribuinte o ónus de prova da existência dos factos tributários que alegou como fundamento do seu direito de dedução do imposto (...)». Com efeito, no concreto caso dos autos, a aplicação deste regime legal determina que o ónus da prova dos factos constitutivos do direito à dedução do imposto recaia sobre o sujeito passivo, que beneficiará da existência desse facto, favorável à sua pretensão: aumento da percentagem do imposto dedutível, por via da alteração da forma do pro rata, em consequência da demonstração do aumento do montante anual das operações que dêem lugar a dedução (no caso concreto a celebração dos contratos de locação mobiliária que permitam a disponibilização dos veículos aos clientes) - art. 23° n.ºs 1 al. b) e 4 do CIVA”.
Na decisão arbitral recorrida, considerou-se desde logo que «… o acórdão do TJUE proferido no processo n.º c-183/13, assenta num erro de interpretação do direito interno português».
Mais se considerou que «… há que ter em consideração que a alínea c) do n.º 2 do artigo 173.º da Directiva n.º 2006/112/CE do Conselho, de 28-11-2006, não é uma disposição de aplicação directa, pois é dirigida aos «Estados-Membros» «autorizar ou obrigar o sujeito passivo a efectuar a dedução com base na utilização da totalidade ou de parte dos bens e dos serviços». E que «Num Estado de Direito, em matéria subordinada ao princípio da legalidade e reserva de lei [artigos 103.º, n.º 2, e 165.º, n.º 1, alínea i), da CRP] e 8.º da LGT, a opção pela aplicação no nosso direito interno daquela norma facultativa da Directiva n.º 2006/112/CE do Conselho, de 28-11-2006, tem de ser efectuada por via legislativa.
E que no nº2 do artigo 23º do CIVA «apenas se prevê a «afectação real de todos ou parte dos bens e serviços utilizados, com base em critérios objectivos que permitam determinar o grau de utilização desses bens e serviços em operações que conferem direito a dedução e em operações que não conferem esse direito».
E que «…é evidente que com base no valor das rendas, total ou parcial, não se pode determinar, com objectividade, por exemplo, quais as despesas de electricidade ou água ou de manutenção dos elevadores de edifícios comuns às actividades dos dois tipos que estão afectas à actividade de locação financeira. Isto é, a aplicação de uma percentagem, qualquer que ela seja, não permite «determinar o grau de utilização desses bens e serviços em operações que conferem direito a dedução» e, por isso, não pode constituir um critério objectivo para efeitos do n.º 2 do artigo 23.º». (…)
Sendo assim, tem de se concluir que o poder concedido à Administração Fiscal pelo n.º 3 do artigo 23.º, não inclui a possibilidade de impor ao sujeito passivo a aplicação de uma percentagem de dedução. Consequentemente, o método da percentagem de dedução só pode ser utilizado nas situações em que está previsto directamente, na alínea b) do n.º 1 do artigo 23.º, e este método é o que consta do n.º 4, do mesmo artigo. E, nos termos deste n.º 4, esta percentagem é determinada através de «uma fracção que comporta, no numerador, o montante anual, imposto excluído, das operações que dão lugar a dedução nos termos do n.º 1 do artigo 20.º e, no denominador, o montante anual, imposto excluído, de todas as operações efectuadas pelo sujeito passivo decorrentes do exercício de uma actividade económica prevista na alínea a) do n.º 1 do artigo 2.º, bem como as subvenções não tributadas que não sejam subsídios ao equipamento».
Entendeu-se, assim, que «…embora o artigo 173.º, n.º 2, da Directiva n.º 2006/112/CE do Conselho, de 28- 11-2006, permita ao Estado Português, além do mais, «obrigar o sujeito passivo a efectuar a dedução com base na afectação da totalidade ou de parte dos bens e dos serviços», não foi legislativamente prevista no CIVA a possibilidade de aplicação de uma percentagem de dedução diferente da que se indica no n.º 4 do artigo 23.º do CIVA. E, não tendo essa possibilidade sido legislativamente prevista, não a pode aplicar a Autoridade Tributária e Aduaneira, pois está subordinada ao princípio da legalidade em toda a sua actuação (artigos 266.º, n.º 2, da CRP e 55º da LGT) e explicitado no artigo 3.º, n.º 1, do Código do Procedimento Administrativo».
Concluiu-se, na decisão arbitral, que «… não tendo suporte legal a utilização do método previsto no ponto 9 do Ofício Circulado n.º 30108, de 30.01.2009, é ilegal a imposição da sua utilização pela Requerente», pelo que o ato tributário enferma de vício de violação de lei, por erro sobre os pressupostos de direito, consubstanciado por ofensa do princípio da legalidade e errada interpretação dos n.ºs 2, 3 e 4 do artigo 23.º do CIVA.

A questão que vem suscitada já não é nova e foi por diversas vezes analisada por este Supremo Tribunal, sempre no mesmo sentido, pelo que, não há agora que alterar o entendimento que se tem sufragado ao longo do tempo.
Por simplicidade reproduz-se aqui o que se deixou dito no recente acórdão de 20.01.2021, recurso n.º 0101/19.1BALSB:
Decorre do sobredito que o presente recurso tem na sua base a oposição de julgados e tem como objetivo fundamental a uniformização de jurisprudência.
Sendo que a apreciação do mérito da decisão recorrida depende da verificação de um conjunto de pressupostos substantivos. Ou seja, o Supremo Tribunal Administrativo só uniformiza jurisprudência sobre a questão suscitada no recurso depois de se assegurar da verificação desses pressupostos.
Que, no essencial se destinam a confirmar que a questão suscitada nas duas decisões (a decisão recorrida e a decisão fundamento) é substancialmente idêntica e que a resposta que neles foi dada a essa questão é diversa e contraditória.
Ou seja, identidade substancial da questão suscitada e decisão contraditória quanto a essa questão.
Relativamente à primeira, é seguro que se deve tratar de uma questão de direito. Desde logo, porque a lei o diz («…sobre a mesma questão fundamental de direito»). Mas também porque a finalidade do recurso é de uniformizar a interpretação de normas jurídicas e promover uma maior previsibilidade e igualdade nas decisões.
Relativamente à segunda, está assente que se deve tratar de uma divergência de decisões (e não apenas de entendimentos). Ou seja, a questão deve ter determinado o sentido em que foi decidido em cada um dos processos e estar na base da oposição ou divergência.
De salientar ainda que a questão fundamental de direito é a mesma quando, de um lado, é substancialmente idêntico o quadro normativo e quando, do outro lado, é substancialmente idêntica a factualidade que lhe deve ser subsumida.
O que significa que, para haver identidade substancial da questão de direito, não basta concluir que a norma jurídica é a mesma ou tem idêntico teor: é também necessário que a factualidade apreciada deva ser considerada idêntica do ponto de vista da sua subsunção jurídica.
E bem se compreende que assim seja porque, se a factualidade não for idêntica (se a situação concretamente apreciada nos dois arestos não for a mesma do ponto de vista dos seus elementos típicos fundamentais, tal como se encontram delineados na norma a aplicar), não pode evidenciar-se uma contradição de direito. É natural que a situações de facto diferentes e com diferente relevo normativo correspondam respostas jurídicas diversas.
Vejamos, então, se estes pressupostos se verificam no caso.
3.2. Resulta dos autos que, quer o acórdão recorrido, quer o acórdão fundamento foram chamados a interpretar e a aplicar o artigo 23.º do Código do Imposto sobre o Valor Acrescentado, que determina o método a aplicar na dedução do imposto suportado na aquisição de bens e serviços de utilização mista.
Resulta também dos autos que ambos os acórdãos foram chamados a interpretar e a aplicar aquele dispositivo legal a sujeitos passivos que são instituições de crédito e que realizam, simultaneamente, operações de concessão de crédito e operações de locação financeira, recorrendo a montante a bens e serviços de utilização mista, isto é, suportando gastos que alocam ao exercício de ambas as atividades.
Resulta, ainda, dos autos que, em ambos os casos, os sujeitos passivos apuraram o imposto dedutível contido nesses bens ou serviços utilizando o método a que alude o ponto 9 do ofício circulado n.º 30108, de 30 de janeiro de 2009, do Gabinete do Sudiretor-Geral da área de gestão tributária do IVA. Ou seja, um método que só considera no cálculo da dedução o montante anual correspondente aos juros e outros encargos relativos à atividade de “leasing” e de “ALD” (excluindo, assim, a componente do capital ou de amortização financeira).
Resulta, finalmente, dos autos que, em ambos os casos, os sujeitos passivos clamavam pela ilegalidade do método imposto pelo supra referido ofício circulado e pretendiam que fosse determinado o pro rata da dedução nos termos previstos no n.º 4 do artigo 23.º do Código do Imposto sobre o Valor Acrescentado.
Assim sendo, deve concluir-se que a situação factual tratada nos dois arestos é substancialmente idêntica, por ser subsumível ao mesmo quadro substancial de regulamentação jurídica.
É certo que, no caso do acórdão fundamento, foi indagado – em cumprimento de anterior acórdão do Supremo Tribunal Administrativo – se os custos suportados com bens e serviços de «utilização mista» eram sobretudo determinados pela disponibilização dos veículos objeto dos contratos de locação financeira, tendo esse facto sido dado como não provado – ver ponto 2.2. respetivo, quanto a factos não provados.
Enquanto que, no caso acórdão arbitral recorrido, esse facto não foi dado como provado nem como não provado.
Mas isso sucede porque, no caso do acórdão recorrido, o Tribunal Arbitral entendeu que esse facto não relevava para a decisão.
E não relevava para a decisão porque o Tribunal Arbitral tomou de partida que a lei nacional não prevê nenhum método de dedução para os bens de utilização mista semelhante àquele que é preconizado pelo ofício circulado n.º 30108 supra referido. Nem concede à Administração Tributária o poder de impor ao sujeito passivo a aplicação desse método.
Enquanto que, no caso do acórdão fundamento, foi julgado relevante que o tribunal de primeira instância apurasse essa factualidade, no quadro dos seus poderes de indagação oficiosa.
Precisamente por se entender que da resposta a esta questão de facto dependia a resposta à questão de direito subjacente.
Ora, quando a questão da relevância jurídica de um facto é determinada pela pré-compreensão do direito aplicável e esta faz parte do direito que se controverte, esse facto não pode relevar para a determinação da identidade substancial das questões suscitadas, mas para a determinação da existência de decisões contraditórias.
Dizendo de outro modo, não releva para a questão de saber se as situações são idênticas, mas para a questão de saber se as decisões são opostas.
Porque o que aqui está em causa não é saber qual é a situação a subsumir, mas a de saber se ela releva para o direito. Não é uma questão de facto, é uma questão de direito.
Pelo que também não pode constituir um pressuposto da decisão da oposição. Faz parte do seu objeto.
Se assim não fosse entendido, nunca poderia dizer-se que as situações eram idênticas nem que não eram. Na parte apurada as situações eram idênticas. Na parte não apurada, a identidade das situações era desconhecida.
A questão fundamental de direito suscitada em cada um dos arestos também é, substancialmente, a mesma: a de saber se a Administração Tributária pode obrigar uma instituição bancária que realiza operações sujeitas – incluindo as relativas à locação financeira mobiliária (“leasing” e “ALD”) – e operações isentas – como as que derivam da concessão de crédito – a aplicar um método de dedução como aquele que é preconizado no supra referido ofício circulado à luz do disposto do artigo 23.º do Código do Imposto sobre o Valor Acrescentado.
E o que não há dúvida é que os dois arestos deram uma resposta divergente a esta questão.
Fundamentalmente, porque o acórdão fundamento lhe deu uma resposta afirmativa, ainda que enquadrada em pressupostos de facto relevados no acórdão do Tribunal de Justiça da União Europeia (doravante “TJUE”) de 10 de julho de 2014, tirado no processo C-183/13 (denominado “Acórdão Banco Mais”).
E o acórdão recorrido lhe deu uma resposta negativa, fundada, além, do mais, no entendimento de que o acórdão do Tribunal de Justiça da União Europeia proferido no processo C-183/13 assenta num erro de interpretação do direito interno português, que – no entendimento ali adotado – não permite o método de dedução preconizado naquele ofício circulado.
Há, pois, oposição relativamente à mesma questão fundamental de direito, o que permite dar como verificada a divergência das decisões que justifica a prossecução do presente recurso.
Que, assim, deve prosseguir para conhecimento do respetivo mérito.
3.3. Se bem interpretamos, a procedência do pedido de pronúncia arbitral apoia-se na ilegalidade abstrata do ponto 9 do Ofício Circulado n.º 30108, de 30 de janeiro de 2009, em que se baseia o ato tributário que lhe serve de objeto.
No entendimento ali firmado, a imposição de um «coeficiente de imputação específico» nos termos que dimanam daquele Ofício Circulado assenta numa errada interpretação da lei aplicável, porque:
i. não está previsto na lei interna;
ii. não consagra um critério objetivo;
iii. não foi demonstrada a sua necessidade;
iv. não está de acordo com a jurisprudência comunitária.
A Recorrente não se conforma com o assim decidido porque (na senda do entendimento firmado no Acórdão Fundamento) o Ofício Circulado:
i. enquadra no ordenamento comunitário e na lei interna [conclusão “N”];
ii. consagra o critério mais objetivo [conclusão “W”];
iii. a sua necessidade foi demonstrada [conclusão “Y”];
iv. está de acordo com a jurisprudência comunitária [conclusão “Z”].
O n.º 2 do artigo 23.º do Código do IVA, articulado com o seu n.º 3, prevê que a Administração Tributária possa obrigar o sujeito passivo a «efetuar a dedução segundo a afetação real de todos ou parte dos bens e serviços utilizados».
Na redação originária do preceito, o legislador não dizia o que entendia por «afetação real de todos ou parte dos bens e serviços utilizados». Mas já então se entendia que esta disposição estava relacionada com a alínea c) do n.º 3 do artigo 17.º da Sexta Diretiva 77/388/CEE, do Concelho, de 17 de maio de 1977 [doravante “Sexta Diretiva”] e que a expressão «afetação real» era equivalente à expressão «utilização» adotada no preceito comunitário. A qual, por sua vez «não pode deixar de ser entendida como imputação do uso real e efetivo que cada bem ou serviço adquirido tenha em cada um dos tipos de operações em que é usado conjuntamente» (cit. José Guilherme Xavier de Basto e Maria Odete Oliveira, in «Desfazendo mal-entendidos em matéria do direito à dedução…», Revista das Finanças Públicas e Direito Fiscal, Ano 1, número 1, pág. 50).
Interpretação que a alteração introduzida pela Lei n.º 67-A/2007, de 31 de janeiro, veio de alguma forma confirmar, ao aditar a frase «… com base em critérios objetivos que permitam determinar o grau de utilização desses bens e serviços em operações que conferem direito à dedução e em operações que não conferem esse direito». Tornou-se então evidente que o que estava em causa era um método que, em relação a bens ou serviços de utilização mista, permitisse medir a «intensidade efetiva e real da utilização dos bens ou serviços em cada um dos tipos de operações em causa» (idem, ibidem).
Assim, quando o Tribunal de Justiça da União Europeia, no denominado acórdão «Banco Mais» (acórdão de 10 de julho de 2014, tirado no processo C-183/13), veio reconhecer que a referida regra reproduz em substância a referida disposição comunitária e constitui a transposição da mesma para o direito interno, veio reafirmar apenas o que já se sabia e que não era controvertido.
A questão que ficava era a de saber se o método previsto no ponto 9 do ofício circulado n.º 30108, do Gabinete do Subdiretor-Geral da Área de Gestão Tributária do IVA era ainda um método adequado a atender à intensidade real e efetiva da utilização dos bens ou serviços em cada um dos tipos de operações para os efeitos da Sexta Diretiva e da alínea c) do n.º 3 do artigo 17.º em particular.
E foi a esta questão que, no fundo, o Tribunal de Justiça respondeu afirmativamente.
Desde que fosse apurado que a utilização de bens ou serviços de utilização mista pelo sujeito passivo era sobretudo determinada pelo financiamento e pela gestão dos contratos de locação financeira (parágrafo 33 do acórdão).
Isto é, desde que fosse apurado que os bens ou serviços de utilização mista eram alocados com muito mais intensidade ao financiamento e gestão de contratos do que a qualquer outra atividade (ou setor de atividade) exercida pelo sujeito passivo.
O que o Tribunal de Justiça concedeu suceder na maioria dos casos em que estas atividades são exercidas por bancos. Porque são entidades que, na essência, se dedicam à atividade de concessão de créditos e gestão de contratos de financiamento.
Não é verdade, por isso, que o Tribunal de Justiça tivesse interpretado o direito interno português. Na parte em que se referiu ao artigo 23.º do Código do IVA, limitou-se a reconhecer a semelhança e a quase sobreposição entre a redação do seu n.º 2 (no segmento acima assinalado) e a disposição comunitária correspondente.
Todavia, ao decidir que o método proposto pela Administração Tributária do Estado português se conformava com a lei comunitária, também permitiu que se concluísse que se conformava com aquele segmento do dispositivo nacional sem necessidade de considerandos adicionais. Precisamente porque essa parte do dispositivo nacional constituía a transposição para o direito interno da disposição comunitária.
O acórdão arbitral parece defender que não existe disposição interna que autorize o método proposto pela Administração Tributária porque a lei não prevê nenhum «método de imputação específica».
A nosso ver, porém, o Tribunal Arbitral enquistou-se numa expressão do ofício-circulado e não levou em conta que – como, de resto, ali se afirma – constitui ainda uma aplicação do método da afetação real. Isto é, um método de afetação dos custos de bens ou serviços, a montante suportados, à atividade a que são alocados predominantemente.
O acórdão arbitral contrapõe que aquele método não é mais do que a determinação da afetação real através de uma percentagem da dedução. Querendo, com isso, inequivocamente dizer que um método que combina técnicas de determinação do montante do direito à dedução não é mais do que uma terceira via, um terceiro método. Que, por isso, a lei não prevê.
Não vemos as coisas assim. Porque não existe apenas um método de afetação real. No sentido de que não existe apenas uma forma de proceder à afetação de bens ou serviços.
A confirmar que o sistema de afetação real comporta diferentes modalidades e apresenta, por isso, uma certa plasticidade que permita ajustar o sistema de dedução às especificidades da atividade prosseguida pelo sujeito passivo vem a segunda parte do preceito, segundo a qual a Administração Tributária pode impor «condições especiais». Isto é, condições que permitam o «afinamento» (a expressão é do artigo que acima citamos, pág. 62) do método de dedução.
Pelo que a Recorrente tem razão nesta parte: o método a que alude o ponto 9 do ofício-circulado supra aludido não tem apenas cabimento na lei comunitária; também tem cabimento na lei interna.
Pelo que as referências ao princípio da legalidade e da reserva de lei também não se nos afiguram pertinentes, ao menos por aqui.
Bem mais interessante é, quanto a nós, o argumento – também utilizado no acórdão arbitral – segundo o qual o método imposto pela Administração Tributária não constitui um «critério objetivo» que permita determinar o grau de afetação de bens ou serviços.
Aqui já não está em causa saber se o método imposto pela Administração Tributária é admitido pela lei nacional: está em causa saber se esse método é ajustado. Isto é, se constitui uma modalidade do cálculo de dedução que reflita objetivamente a parte real das despesas efetuadas com bens ou serviços de utilização mista que é imputada a operações que conferem o direito à dedução.
Deve, porém, observar-se desde já que o acórdão recorrido não concluiu que o método não se ajustava às especificidades da atividade exercida pelo sujeito passivo. Isto é, não concluiu que o método não servia em concreto. Até porque nem sequer formulou nenhum juízo sobre a relação entre esse método e a atividade exercida pelo sujeito passivo. Que, aliás, não indagou concretamente.
O que o Tribunal Arbitral concluiu foi que aquele método «não pode constituir um critério objetivo». Em abstrato. Servindo-se de um exemplo tirado de um parecer inserido no acórdão fundamento, julgou evidente que, com base no valor das rendas, não se pode determinar com objetividade as despesas de eletricidade ou água, ou manutenção de elevadores de edifícios comuns às atividades dos dois tipos que estão afetas à atividade de locação financeira.
Em boa verdade, o que se diz no parecer é que pode, relativamente a certos custos comuns, não ser possível encontrar um critério objetivo que meça o grau ou a intensidade de utilização dos bens e serviços em operações que conferem e em operações que não conferem o direito à dedução. O que o ilustre consultor fiscal considerou acontecer ali. Em concreto.
Mas o que o Tribunal de Justiça veio a sancionar no acórdão fundamento foi algo diferente: que o que importava para o caso era que o critério adotado fosse «mais preciso» que o resultante do método residual (ver o parágrafo 34). Isto é, que permitisse estabelecer com maior precisão a parte do IVA relativa às operações que conferem o direito à dedução do que qualquer outro. Que fosse o mais «afinado» considerando as especificidades concretas da atividade do sujeito passivo.
Pelo que a validade do método da Administração Tributária não depende do facto de ser ajustável totalmente à atividade do sujeito passivo (o que, de qualquer modo, teria que ser analisado em concreto); depende, tão só, do facto de ser o mais ajustado. O que acontece neste tipo de atividade se a utilização de bens ou serviços de utilização mista, como edifícios, consumo de eletricidade ou certos serviços transversais, for sobretudo determinada pelo financiamento e gestão dos contratos.
E é esta a interpretação que também devemos extrair das disposições nacionais que procederam à transposição da lei comunitária. Precisamente por ser a que se mostra mais conforme com as disposições comunitárias.
Daqui não deriva, ainda, que a Fazenda Pública tenha razão quando clama que o seu critério é o mais objetivo, no caso. Mas deriva já que o Tribunal Arbitral não tem razão quando arreda liminarmente a validade desse critério. Sem formular nenhum juízo em concreto. Por o julgar desnecessário.
Para sermos justos – e estamos a entrar agora na terceira parte da nossa análise – devemos reconhecer que não é só por aí que o acórdão arbitral se dispensa de fazer um juízo concreto.
Também ali se diz que não são indicadas nem demonstradas pela Administração Tributária as razões por que tal método é necessário para assegurar a igualdade de todas as empresas.
Este argumento também pode ser considerado em dois planos: no plano abstrato ou «pararegulamentar» e no plano concreto, à luz das regras que estabelecem o ónus de alegação e de prova dos factos constitutivos dos direitos a que as partes se arrogam.
No plano abstrato, coloca-se a questão de saber se a Administração Tributária teria que demonstrar no próprio ofício circulado que o método que impõe é o mais adequado, isto é, consagra o critério mais objetivo.
No plano concreto, coloca-se a de saber se a Administração Tributária teria que invocar e demonstrar no procedimento ou nos autos a factualidade que permitisse formular um juízo (de facto) sobre se a utilização dos bens ou serviços é sobretudo determinada pelo financiamento e pela gestão dos contratos.
À primeira questão se refere expressamente o parecer para que o Acórdão Arbitral remete ao anotar que o ofício circulado não fornece qualquer explicação para a solução ali adotada.
Porém, e não existindo – nem sendo invocada – nenhuma regra formal que imponha no lançamento dos ofícios o conteúdo cuja falta se assinala, a crítica só pode ter sido apontada à sua substância.
Sempre se dirá que não nos parece totalmente correto dizer-se que o ofício circulado se tenha dispensado de toda e qualquer explicação. Não foi ali esclarecido – é certo – porque é que o método adotado era adequado. Mas foi defendido, claramente, que era mais adequado do que a aplicação do pro rata geral e que, por isso, seria menos suscetível de provocar vantagens ou prejuízos injustificados e de conduzir a distorções significativas na tributação.
Quanto à substância do critério adotado no ofício circulado já nos pronunciamos acima, valendo-nos da sindicância do Tribunal de Justiça (num caso paralelo, pelo que pode ser para aqui convocado): não se pode concluir em abstrato que não possa ser o mais adequado.
Mas, sobretudo, não se vê como possa o Tribunal Arbitral continuar a pôr em causa a conformidade do método da Administração com o princípio da neutralidade depois de o Tribunal de Justiça ter sancionado o entendimento de que está conforme com os princípios da neutralidade fiscal e da proporcionalidade (parágrafos 30 e 31 do supra citado acórdão).
Sobre a segunda questão se pronunciou o acórdão fundamento, seguindo um entendimento recorrente deste Supremo Tribunal e sobre o qual não há, agora, razões bastantes para rever.
Foi ali convocado o entendimento segundo o qual, quando o ato de liquidação adicional do IVA se fundamente no não reconhecimento das deduções declaradas pelo sujeito passivo, cabe a este a prova dos factos constitutivos do direito à dedução.
Caberia, por isso, ao sujeito passivo alegar e demonstrar que, no seu caso concreto, a utilização os bens ou serviços mistos não era sobretudo determinada pela gestão e financiamento dos contratos. Solução que reputamos adequada também porque o sujeito passivo, dada a sua proximidade com a fonte produtora, está mais bem posicionado para expor as especificidades do seu negócio.
Assim, e para concluirmos este ponto, diremos resumidamente que, para o juízo sobre a necessidade e adequação do recurso a «um coeficiente de imputação específico» (para não fugir da expressão do ofício), competiria ao sujeito passivo alegar e demonstrar que, apesar de ser uma instituição financeira que realiza operações de locação financeira para o setor automóvel utilizando para o efeito bens e serviços de utilização mista, no seu caso, essa utilização não é sobretudo determinada pelo financiamento e pela gestão dos contratos.
E entramos na quarta e última parte da nossa análise.
No seu último argumento, o Acórdão Arbitral veio dizer que a jurisprudência mais recente do Tribunal de Justiça da União Europeia repensou explicitamente o entendimento adotado no processo C-183/13, ao esclarecer, no acórdão do mesmo Tribunal de 18 de outubro de 2018, tirado no processo n.º C-153/17, que os Estados Membros não podem aplicar um método de repartição que não tenha em conta o valor inicial do bem em causa no momento da sua entrega.
E que, por isso, o ponto 9 do ofício circulado também não se conforma com a jurisprudência mais recente daquele Tribunal.
Entendemos, porém, que também não foi feita a melhor interpretação deste aresto.
Como decorre do seu parágrafo 56, o Tribunal de Justiça da União Europeia não pretendeu ali reformular o entendimento firmado no acórdão “Banco-Mais”, mas sublinhar que aquela jurisprudência não podia ser aplicada de maneira geral, abrangendo todos os tipos de operações de locação financeira para o setor automóvel.
Incluindo aquelas em que a aplicação de um método de repartição que não tenha em conta o valor do veículo aquando na sua entrega não seja adequada a garantir uma repartição mais precisa do que a baseada no volume de negócios.
O que sucedia naquele caso específico porque havia uma afetação real e significativa dos custos gerais a operações que conferiam o direito à dedução (§ 57). Porque esses custos eram efetuados tendo em vista a disponibilização de veículos (§ 44) e eram, apesar disso, imputados aos próprios custos de financiamento, em vez de serem imputados ao valor inicial do veículo aquando da sua entrega (§ 13).
Em lado algum se conclui que, no caso dos autos, também havia uma afetação significativa dos custos gerais à disponibilização dos veículos, até porque o Tribunal Arbitral se absteve de indagar e analisar concretamente o sistema de negócio montando pelo sujeito passivo.
Pelo que a invocação da jurisprudência firmada no acórdão C-153/17 não se nos afigura pertinente nem acrescenta nada ao juízo ali fornecido sobre a legalidade da liquidação.
E, assim sendo, a Fazenda Pública também tem razão nesta parte. A jurisprudência comunitária não reviu o entendimento firmado no primeiro acórdão supra aludido. De certa forma, até o reforçou, demonstrando como, da aplicação dos mesmos entendimentos ali reafirmados poderiam derivar respostas diferentes para situações diferentes.
De todo o exposto deriva que a decisão recorrida não pode manter-se com a fundamentação que dela consta.
3.4. Como foi explicitado no ponto anterior, a Fazenda Pública não se conformava com o decidido pelo Tribunal Arbitral por entender que tal decisão não acordava com a jurisprudência firmada com o acórdão fundamento que, no seu entendimento, devia prevalecer.
Nos pontos anteriores concluímos que a Fazenda Pública tinha razão: que o acórdão arbitral colidia com o acórdão fundamento e que neste tinha sido consagrado o melhor entendimento.
Todavia, da correta aplicação daquela jurisprudência ao caso não deriva (ou não deriva ainda) que o ato de liquidação em causa não enferme de erro ou que não mereça ser revisto.
Deriva apenas que a decisão arbitral não pode sustentar-se com os fundamentos que dela constam. E também que nos autos do processo arbitral não foram colhidos elementos suficientes que permitam ao Supremo Tribunal Administrativo formular um juízo definitivo sobre a legalidade da decisão administrativa, na parte recorrida.
Assim, e porque dos autos também não resulta que o Tribunal Arbitral tivesse indagado (como podia e devia), no quadro dos poderes inquisitórios de que se encontra investido [atento o disposto no artigo 29.º, n.º 1, alínea a), do Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária] se a utilização de bens ou serviços de utilização mista por parte da Recorrida foi sobretudo determinada pelo financiamento e pela gestão de contratos de locação financeira celebrados com os seus clientes ou, ao invés, pela disponibilização de veículos … e tendo em conta que os juízos sobre factos que importam à decisão e de que o tribunal recorrido deve conhecer não podem ser formulados ou reapreciados pelo tribunal de revista, resta ao tribunal de recurso anular a decisão recorrida.

Nos termos e com os fundamentos expostos, acordam os juízes do Pleno da Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo em tomar conhecimento do mérito do recurso e, concedendo-lhe provimento, anular a decisão arbitral recorrida.
Custas pelo Recorrido.
D.n.
Comunique ao CAAD.

Lisboa, 24 de Fevereiro de 2021. - Jorge Miguel Barroso de Aragão Seia (relator) - Isabel Cristina Mota Marques da Silva - Francisco António Pedrosa de Areal Rothes - José Gomes Correia - Joaquim Manuel Charneca Condesso - Nuno Filipe Morgado Teixeira Bastos - Paulo José Rodrigues Antunes - Gustavo André Simões Lopes Courinha - Paula Fernanda Cadilhe Ribeiro (voto o acórdão nos termos do disposto no artigo 8º, n.º 3 do Código Civil) - Pedro Nuno Pinto Vergueiro - Anabela Ferreira Alves e Russo - Aníbal Augusto Ruivo Ferraz (Vencido: não subscrevo a fundamentação do acórdão, quando, na parte final da pág. 20, sustenta dever “concluir-se que a situação factual tratada nos dois arestos é substancialmente idêntica, por ser subsumível ao mesmo quadro substancial de regulamentação jurídica.”.
Outrossim, muito menos me revejo, no conjunto de argumentos exarados nas págs. 21 e 22 e, em particular, no que tange à sustentação de que não existe divergência, relevante, entre os cenários factuais considerados na decisão recorrida e no acórdão fundamento.
Desde o início, em todos os casos similares (com o mesmo acórdão fundamento), entendo que, neste, a mais, em sede factual, foi considerado que, no ano de …, a impugnante, além do método de afetação real, utilizou um pro rata específico, onde incluiu, nos respetivos numerador e denominador, entre outros, os valores pagos, pelos locatários, correspondentes ao capital em dívida, nos contratos resolvidos por perda total do bem, bem como, nos resolvidos por incumprimento ou nos quais não houve transmissão da propriedade, em que a impugnante vendeu os veículos a diversas entidades, emitindo a correspondente fatura.
E, ainda, de forma que julgo determinante, a solução inscrita, no acórdão fundamento, segundo a formulação deste aresto, decorre, objetiva e consequentemente, da circunstância de, na sentença visada por ele, ter sido julgado não provado que os custos, suportados pela, aí, impugnante, em relação aos quais esta não conseguiu determinar a que operações respeitavam, dissessem respeito à disponibilização dos veículos objeto dos contratos de locação.
Consequentemente, sem mais, decidiria não tomar conhecimento do mérito deste recurso, para uniformização de jurisprudência.)