Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0635/15.7BEVIS
Data do Acordão:04/07/2021
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:NUNO BASTOS
Descritores:REGIME GERAL
CONTRA-ORDENAÇÃO
PRESCRIÇÃO
Sumário:I - A prescrição do procedimento por contraordenação prevista e punida pelo artigo 114.º do Regime Geral das Infrações Tributárias tem sempre lugar quando, desde o seu início e ressalvado o tempo de suspensão, tiver decorrido o prazo de seis anos – artigo 28.º, n.º 3, do Regime Geral das Contraordenações;
II - A suspensão da prescrição nos procedimentos pendentes não pode ultrapassar seis meses – artigo 27.º-A, n.º 2, do mesmo diploma;
III - Pelo que a prescrição do procedimento por contraordenação prevista e punida pelo artigo 114.º do Regime Geral das Infrações Tributárias tem sempre lugar quando, desde o seu início, tiver decorrido o prazo de seis anos e seis meses;
IV - A prescrição do procedimento por contraordenação deve ser declarada ex officio por qualquer autoridade judiciária em qualquer momento ou fase do processo enquanto não estiver terminado.
Nº Convencional:JSTA000P27480
Nº do Documento:SA2202104070635/15
Data de Entrada:01/29/2020
Recorrente:A......, S.A.
Recorrido 1:AT-AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Acordam em conferência na Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:

1. Relatório

1.1. A………., S.A., com o número de identificação fiscal ………, com sede na ……….., 5130-…….. S. João da Pesqueira, recorreu da decisão do Mm.º Juiz do Tribunal Administrativo e Fiscal de Viseu que julgou improcedente o recurso da decisão de aplicação da coima no processo de contra-ordenação n.º 26132015060000004890, do Serviço de Finanças de São João da Pesqueira, no valor de € 12.971,52.

Com o requerimento de interposição do recurso apresentou a respectiva motivação, que condensou nas seguintes conclusões: «(…)

1. – O presente procedimento contraordenacional está prescrito, cf. Art.º 33º, n.º 2, do RGIT, Art.º 101º do CIRC, Art.º 45º, n.º 1, da LGT, Art.º 28º, n.º 3, do RGCO (aplicável subsidiariamente às contraordenações fiscais) e Art.º 27º-A, n.º 1, al. c) e n.º 2, do DL n.º 433/82, de 27.10.

Sem conceder;

2. – Existe nulidade insuprível no processo de contraordenação, por falta de descrição sumária dos factos e indicação das normas violadas e punitivas, bem como a falta de fundamentação na indicação dos elementos que contribuíram para a sua fixação, cf. Art.º 63º, n.º 1, al. d), ex vi do Art.º 79º, n.º 1, al. b) e c), e Art.º 27º, todos do RGIT.

Sem prescindir, que;

3. – A letra da alínea f), do n.º 5, do Art.º 114º do RGIT, apenas tipifica como contraordenação a falta de pagamento por conta e não a sua suspensão.

4. – Portanto a sentença faz errada aplicação da referida norma, pois a mesma prevê a coima, a aplicar à falta total ou parcial do pagamento por conta.

5. – Mas a mesma, só é de aplicar, aos casos, em que o mesmo seja devido e não suspenso.

6. – Depois, o n.º 2 do Art.º 107º, do CIRC, refere “se se verificar que, em consequência da suspensão da entrega, deixou de pagar-se uma importância superior a 20%...”, apenas são devidos juros compensatórios.

7. – Nestes termos, a suspensão do pagamento por conta, ainda que indevida, não daria lugar a uma coima, por falta de previsão legal para o efeito.

8. – Não obstante e subsidiariamente:

9. – Deve a coima ser atenuada, por subsumível, ao Art.º 32º, n.º 2, do RGIT e como tal especialmente atenuada.

10. – Ou fixada por uma admoestação, cf. Art.º 51º do RGCO (subsidiariamente aplicável às contraordenações tributárias por força da alínea b) do artigo 3.º do RGIT).

11. – Por outro lado, uma vez que, na hipótese concebida, se verificaram pressupostos legais à atenuação especial da coima, nos termos do n.º 2 do Art.º 32º do RGIT, como é o caso, os montantes mínimo e máximo devem ser reduzidos a metade, por força do Art.º 18º, n.º 3, do RGCO, cf. Acórdão do TCA Sul, Recurso n.º 02398/08, de 15-07-2008.

12. – Justifica-se assim, o uso da faculdade prevista no Art.º 32º, n.º 2, do RGIT, consistente na atenuação especial da coima, considerando a culpa diminuta da recorrente, o reconhecimento da sua responsabilidade e o prazo que decorreu, entre o momento da falta e o da regularização, antes de ser aplicada a coima em causa, nos autos.

13. – Sem prescindir, que a coima devia ser reduzida para 10% do montante mínimo legal, por força do Art.º 4º, n.º 2, al. a), do Decreto-Lei n.º 67/2016, de 03.11.2016., que aprovou o Programa Especial de Redução ao Endividamento ao Estado (Plano PERES).».

Pediu fosse o recurso julgado procedente, fosse revogada a douta decisão recorrida e fosse ordenado o arquivamento do processo.

O recurso foi admitido por despacho de fls. 103 do processo físico.

Não foram apresentadas contra-alegações.

1.2. Recebidos os autos neste tribunal, foi ordenada a abertura de vista ao Ministério Público.

A Exma. Senhora Procuradora-Geral Adjunta emitiu parecer no sentido da procedência do recurso, por prescrição do procedimento.

Com dispensa dos vistos legais, cumpre decidir.



2. Do julgamento de facto

Na decisão recorrida foram apurados os seguintes factos a relevar para a decisão:

A) O Diretor da Direção de Finanças de Viseu aplicou, em 20 de abril de 20015, no âmbito do processo de contraordenação nº 26132015060000004890, à arguida, A………, S.A., NIPC ……….., uma coima no valor de € 12 971,52€, por ter considerado que ela não efetuou o pagamento por conta do IRC de 2012/12, no montante de 43 238,43€, cujo prazo terminou em 15-12-2012. Foi ali considerado que essa conduta infringiu a norma do art. 104.º, n.º 1 al. a) do CIRC e que era punível pelos artigos 114.º, n.°s 2 e 5, alínea f) e 26º, nº 4, do RGIT, cfr. Auto de Notícia e decisão fixação de coima, constantes de fls. 68 e 27 a 32, aqui dadas por reproduzidas o mesmo se dizendo dos demais elementos infra referidos;

B) Antecedeu a decisão, a notificação à Arguida para além do mais, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 70º do RGIT, à qual a mesma respondeu em termos algo similares aos que realizou no recurso que nestes autos se aprecia, vide fls. 11 a 24;

C) A decisão a que se refere a alínea A) foi notificada à Recorrente através do ofício n.º 234, datado também de 20-04-2015, cfr. fls. 28;

D) O requerimento de interposição de recurso foi apresentado no Serviço de Finanças de S. J. da Pesqueira em 09-06-2015, vide fls. 6 e segs.;

E) Durante o ano de 2012 a Arguida procedeu ao pagamento de uma prestação de pagamento por conta, no montante de €21 620,00, e as duas prestações restantes, no montante global de € 43 238,43, acrescida do aumento de coleta, foi liquidada em 31-05-2013, na quantia global de 64 065,88€, idem anterior;

F) E, posteriormente, ainda em 2013, procedeu ao pagamento dos juros compensatórios, no valor de € 948,43, cfr. anexo 4, última folha, que instruiu o direito de defesa o qual consta imediatamente a seguir à petição de recurso.

3. O Direito

Tem prioridade nos autos o conhecimento da questão da prescrição, não apenas por ter sido suscitada nos autos, mas também por constituir um pressuposto negativo da condenação contraordenacional e dele dever ser tomado conhecimento oficiosamente, em qualquer estado do processo e enquanto este não tiver terminado.

Vem ao caso o disposto no artigo 28.º, n.º 3 do Regime Geral das Contraordenações, segundo o qual a prescrição do procedimento tem sempre lugar quando, desde o seu início e ressalvado o tempo de suspensão, tiver decorrido o prazo de prescrição, acrescido de metade.

Conforme decidido por este Supremo Tribunal Administrativo, este dispositivo é aplicável também ao procedimento contraordenacional tributário, senão diretamente, pelo menos subsidiariamente, por força do disposto na alínea b) do artigo 3.º do Regime Geral das Infrações Tributárias (ver, por todos, o acórdão de 17 de dezembro de 2019, no processo n.º 0451/13.0BELRS).

Nos termos do n.º 2 do artigo 33.º do Regime Geral das Infrações Tributárias, o prazo de prescrição do procedimento por contraordenação é reduzido ao prazo de caducidade do direito à liquidação da prestação tributária quando a infração depender daquela liquidação.

Para efeitos deste dispositivo legal, deve entender-se que a infração depende da liquidação sempre que a determinação do tipo de infração ou da sanção que lhe é aplicável depende da prévia determinação do valor da prestação tributária devida (acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 28 de abril de 2010, no processo n.º 0777/09).

A contraordenação prevista e punível pelo artigo 114.º do Regime Geral das Infrações Tributárias depende da prévia determinação do valor da prestação tributária devida para a determinação da coima aplicável, pois que os limites mínimo e máximo se determinam tendo por referência o valor do imposto em falta (acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 30 de abril de 2019, no processo n.º 0679/11.8BEALM).

No procedimento contraordenacional a que alude a alínea A) dos factos provados foi imputada à arguida uma contraordenação prevista e punível pelo referido artigo 114.º.

Assim sendo, o prazo de prescrição do procedimento por contraordenação é reduzido ao prazo de caducidade do direito à liquidação da prestação tributária. Que, nos termos do disposto no artigo 45.º, n.ºs 1 e 4, da Lei Geral Tributária, corresponde ao prazo de quatro anos contados do termo do ano em que se verificou o facto tributário, por estar em causa a falta de pagamento por conta de um imposto periódico.

Assim, e para os efeitos do citado artigo 28.º, n.º 3, do Regime Geral das Contraordenações, a prescrição do procedimento teria lugar quando desde o início do ano seguinte àquele em que em que se verificou o facto tributário, tivesse decorrido o prazo de quatro anos acrescido de metade.

Reportando-se a infração à falta de pagamento por conta de IRC do período de 2012/12, o prazo de prescrição do procedimento respetivo iniciou-se em 1 de janeiro de 2013 e teria decorrido até 1 de janeiro de 2019 (4 anos + 2 anos).

A lei manda ressalvar da prescrição o tempo de suspensão. Que, todavia, nos termos do n.º 2 do artigo 27.º-A do Regime Geral das Contraordenações, não pode ultrapassar seis meses.

Do exposto deriva que a Recorrente tem razão quando alega e conclui (primeira conclusão) que o procedimento contra-ordenacional estava prescrito.

Com este fundamento, o recurso merece provimento.

4. Conclusão

4.1. A prescrição do procedimento por contraordenação prevista e punida pelo artigo 114.º do Regime Geral das Infrações Tributárias tem sempre lugar quando, desde o seu início e ressalvado o tempo de suspensão, tiver decorrido o prazo de seis anos – artigo 28.º, n.º 3, do Regime Geral das Contraordenações;

4.2. A suspensão da prescrição nos procedimentos pendentes não pode ultrapassar seis meses – artigo 27.º-A, n.º 2, do mesmo diploma;

4.3. Pelo que a prescrição do procedimento por contraordenação prevista e punida pelo artigo 114.º do Regime Geral das Infrações Tributárias tem sempre lugar quando, desde o seu início, tiver decorrido o prazo de seis anos e seis meses;

4.4. A prescrição do procedimento por contraordenação deve ser declarada ex officio por qualquer autoridade judiciária em qualquer momento ou fase do processo enquanto não estiver terminado.



5. Decisão

Nos termos e com os fundamentos expostos, acordam os juízes da Secção Tributária deste Tribunal em conceder provimento ao recurso, revogar a decisão recorrida e julgar extinto o procedimento contraordenacional.

Sem custas.

Lisboa, 7 de Abril de 2021. - Nuno Filipe Morgado Teixeira Bastos (relator) – Gustavo André Simões Lopes Courinha – Anabela Ferreira Alves e Russo.