Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0777/09
Data do Acordão:04/28/2010
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:DULCE NETO
Descritores:CONTRA-ORDENAÇÃO
PRAZO DE PRESCRIÇÃO
RECURSO PARA MELHORIA DA APLICAÇÃO DO DIREITO
RECURSO PARA UNIFORMIZAÇÃO DE JURISPRUDÊNCIA
PAGAMENTO ESPECIAL POR CONTA
Sumário:I - Justifica-se a admissão do recurso jurisdicional ao abrigo do artigo 73.º, nº 2, do R.G.C.O., aplicável subsidiariamente ao R.G.I.T. por força da alínea b) do seu artigo 3.º, por ser «manifestamente necessário à melhoria da aplicação do direito ou à promoção da uniformidade da jurisprudência», se a questão controvertida no recurso se prende com a interpretação e aplicação de uma norma e tal questão assume, apesar de nunca ter sido anteriormente apreciada pelos tribunais superiores, contornos gerais e não meramente pontuais, sendo provável que se venha a repetir noutros casos.
II - O artigo 33.º do R.G.I.T., além de instituir um prazo geral de prescrição de cinco anos, estabelece, ainda, um prazo especial idêntico ao prazo de caducidade do direito à liquidação da prestação tributária para todos aqueles casos em que a infracção depende dessa liquidação.
III - A infracção depende da liquidação sempre que a determinação do tipo de infracção ou da sanção que lhe é aplicável depende da prévia determinação do valor prestação tributária devida.
IV - Sendo aplicável o prazo geral previsto no n.º 1 do artigo 33.º, o procedimento extingue-se logo que sobre a prática do facto sejam decorridos cinco anos. Já se for aplicável o prazo especial previsto no n.º 2, o procedimento extingue-se logo que decorrido o prazo de caducidade do direito à liquidação da respectiva prestação tributária.
V - Por força do disposto no artigo 114.º, n.º 1, 2 e 5, alínea f), do RGIT, coima aplicável à infracção por falta de pagamento da prestação tributária devida a título de pagamento especial por conta varia em função do montante da prestação que devia ter sido auto-liquidada pelo sujeito passivo por conta do imposto e que, na sua falta, foi liquidada pela Administração Tributária, pelo que o prazo de prescrição do respectivo procedimento contra-ordenacional é o prazo de caducidade do direito à liquidação desse imposto, de quatro anos contados a partir do termo do ano em que se verificou o facto tributário (artigo 45.°, n.º 4, da LGT).
Nº Convencional:JSTA00066397
Nº do Documento:SA2201004280777
Data de Entrada:07/17/2009
Recorrente:A...
Recorrido 1:MINISTÉRIO PÚBLICO
Votação:UNANIMIDADE
Meio Processual:REC JURISDICIONAL.
Objecto:SENT TT1INST LISBOA DE 2009/03/13 PER SALTUM.
Decisão:PROVIDO.
Área Temática 1:DIR FISC - CONTRA ORDENAÇÃO TRIB.
DIR PROC TRIBUT CONT - CONTRA ORDENAÇÃO.
Legislação Nacional:RGIT01 ART26 N4 ART33 N1 N2 ART83 N1 ART114 N1 N2 N5 F.
CIRC88 ART98.
LGT98 ART45 N4.
DL 198/2001 DE 2001/07/03.
CP95 ART119.
RGCO ART3 B ART73 N2.
Referência a Doutrina:JORGE DE SOUSA E OUTRO REGIME GERAL DAS INFRACÇÕES TRIBUTÁRIAS ANOTADO 2ED PAG283.
Aditamento:
Texto Integral: Acordam na Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:
1. A…, S.A., recorre para o Supremo Tribunal Administrativo da decisão que o Tribunal Tributário de Lisboa proferiu, em 13 de Março de 2009, de improcedência do recurso judicial que interpôs da decisão administrativa que, no processo de contra-ordenação fiscal n.º 30852007060442212, lhe aplicou uma coima de € 299,28 pela prática de uma infracção prevista e punida nos artigos 98.º do CIRC, 114.º, n.º 2 e 5 alínea f) e 26.º, n.º 4 do RGIT (falta de entrega nos cofres do Estado do pagamento especial por conta relativo ao período de Março de 2002).
Rematou as alegações de recurso com as seguintes conclusões:
A- A coima aplicada à ora Recorrente não excede um quarto da alçada fixada para os tribunais judiciais de 1ª instância e não foi aplicada sanção acessória (cf. art. 83° do RGIT) - o que obstaria à interposição do presente recurso;
B- Não obstante, o presente recurso mostra-se manifestamente necessário à melhoria da aplicação do direito;
C- Uma vez que a decisão recorrida radica no errado pressuposto (por manifesto lapso na determinação de que a infracção em causa não depende de liquidação e em consequência na aplicação do n.º 1 do art.° 33° do RGIT) de que o prazo de prescrição do procedimento contra-ordenacional é de 5 anos, quando é na realidade de 4;
D- A decisão recorrida padece pois de um manifesto lapso na aplicação do direito, sendo, comprovadamente, duvidosa a solução jurídica preconizada, pelo que o presente recurso indiscutivelmente necessário à melhoria da aplicação do direito;
E- Requer-se pois a admissão do presente recurso, nos termos do artigo 73° n° 2 do RGCO, aplicável por remissão da alínea b) do art.° 3° do RGIT - cf. Ac. deste douto STA de 18/02/2009 no processo 0926/08; de 20/06/2007 no proc. 0411/07; de 15/02/2007 no proc. 1228/06; de 17/01/2007, no proc. 1116/06; de 20/12/2006, no proc. 1115/06; e de 18/03/2003 no proc. 0503/03.
Quanto à questão decidenda:
F- Em sede factual, vem provado, sumariamente e com interesse para a presente discussão, que:
a- Em 20 de Marco de 2007, foi levantado o auto de notícia contra a Recorrente, sendo-lhe imputada a prática de uma infracção prevista e punida nos arts. 98° n.º 1 do CIRC, 114°, n.º 2 e 5° f) e 26º, n.º 4 do RGIT - por não ter entregue o pagamento especial por conta ("PEC"), no montante de €1.496,39, relativo ao período de Março de 2002, tendo o prazo para o cumprimento da obrigação terminado em 31 de Marco de 2002;
b- O referido auto de notícia esteve na origem do processo de contra-ordenação n.º 3085 2007 060 44212, instaurado no Serviço de Finanças de Lisboa-3;
c- A Recorrente foi notificada para o exercício do direito de defesa - que exerceu - em 23 de Marco de 2007;
d- Desatendendo aos argumentos apresentados na sua defesa, o Chefe do Serviço de Finanças proferiu decisão fixando a coima em € 299,28.
e- A Recorrente foi notificada da decisão de fixação de coima em 11 de Maio de 2007.
G- A decisão recorrida considera não estar prescrito o procedimento contra-ordenacional em causa nos presentes autos, considerando aplicável o prazo prescricional de 5 anos previsto no n.º 1 do art.° 33° do RGIT, por entender que in casu, a infracção não depende da liquidação (motivo pelo qual afasta a aplicação do prazo prescricional de 4 anos previsto no n.º 2 do art.° 33º do RGIT).
H- Para a conclusão de que a infracção não depende da liquidação, na qual radica a decisão sobre o prazo prescricional aplicável, não aduz a decisão recorrida qualquer fundamentação ou esforço argumentativo próprio.
I- Ora, a simples leitura e mais ainda a interpretação da norma contida no n.º 2 do art.° 33° do RGIT conduzem à conclusão necessária de que o prazo de prescrição do procedimento contra-ordenacional aplicável é o prazo de 4 anos (e não de 5), pelo que a decisão recorrida padece de um lapso manifesto na aplicação do direito, que não pode deixar de ser conhecido e corrigido por via do presente recurso.
J- Na realidade, o n.º 1 do art.° 33° do RGIT prevê um prazo geral de prescrição do procedimento de contra-ordenação de 5 anos, que será reduzido, nos termos do n.º 2 do mesmo normativo, ao prazo de caducidade do direito à liquidação da prestação, sempre que a infracção depender da liquidação de tal prestação.
K- A ratio do preceito contido naquele n.° 2 é o facto de o legislador ter considerado não ser razoável que a tutela sancionatória se estendesse para além do prazo em que é possível à administração tributária validamente emitir a liquidação de imposto (ou seja, se deixa de ser possível, pelo decurso do prazo de caducidade, a liquidação do tributo, também deixa de justificar-se a punição de condutas que conduzem à omissão do seu pagamento).
L- Ora, a simples leitura do art.° 114°, n.° 2 e 5 f) (norma punitiva), em que se prevê que a coima aplicável varia entre 10% e metade do imposto em falta, conduzem precisamente à conclusão de que a infracção (a coima a aplicar) depende e é fixada em função do montante do imposto em falta.
M- No caso em apreço é evidente que a infracção depende do valor que vier a resultar da liquidação do PEC, pelo que necessariamente - e de modo contrário ao que se estabelece na decisão recorrida - a infracção depende da liquidação.
N- Esta posição é aliás, como não poderia deixar de o ser, acolhida pela doutrina mais autorizada nesta matéria, afirmando o Cons. Jorge Lopes de Sousa e Manuel Simas Santos que “a infracção depende da liquidação da prestação tributária sempre que a determinação do tipo de infracção ou da sanção aplicável depende do valor daquela prestação, pois é a liquidação o meio de determinar este valor” e exemplificando como situação em que tal acontece precisamente as infracções previstas no art.° 114° do RGIT.
O- Esta conclusão parece aliás incontornável, motivo pelo qual se considera manifesto o erro na indicação da norma e do prazo prescricional aplicável.
P- A norma aplicável é pois o n.° 2 do art.° 33° do RGIT (e não o n.° 1, como por manifesto lapso faz a decisão recorrida), pelo que o prazo de prescrição do procedimento contra-ordenacional é o prazo de caducidade do direito à liquidação do PEC, que é, nos termos do artigo 45.°, n.° 1 da Lei Geral Tributária (LGT) de 4 anos, o que aliás a decisão recorrida não põe em causa.
Q- Como resulta do probatório da decisão recorrida, a prática da infracção ocorreu em 31 de Março de 2002 (cf. art.° 5°, n.° 2 do RGIT), pelo que o procedimento de contra-ordenação extingue-se logo que sobre tal data tenham decorrido 4 anos - em 31 de Março de 2006.
R- Do que vimos de dizer resulta, pois, com cristalina clareza, que à data do levantamento do auto de notícia e instauração do processo contra-ordenacional - 20 de Março de 2007 - havia já decorrido o prazo de prescrição do procedimento contra-ordenacional.
S- Assim, e por manifesto lapso na aplicação do direito, é a decisão recorrida ilegal, não podendo manter-se e devendo antes ser substituída por outra em que, concluindo-se que a infracção depende da liquidação, se aplique o prazo de prescrição do procedimento contra-ordenacional de 4 anos (equivalente ao prazo de caducidade do direito à liquidação), já decorrido à data da instauração do procedimento de contra-ordenação em causa nos presentes autos, que não pode por isso, e com esse fundamento, deixar de ser extinto.
T- 1.2. O Exm.º Magistrado do Ministério Público em exercício de funções no Tribunal Tributário de Lisboa apresentou contra-alegações para acompanhar a posição expressa pela Recorrente, rematando com as seguintes conclusões:
1. A al.) do n° 5 do artº 114° do RGIT tipifica como infracção a falta de entrega do pagamento especial por conta, estabelecendo o n° 2 do mesmo preceito a sanção aplicável, a qual variará entre os 10% e a metade do imposto em falta, não podendo ultrapassar o limite máximo abstractamente estabelecido.
2. O montante da sanção pecuniária está, por isso, conexionado com o montante da prestação em falta que lhe dá origem.
3. Dependendo o montante da sanção do valor que vier a resultar da liquidação do pagamento especial por conta, o seu apuramento será obtido através de liquidação.
4. Por isso, o pagamento especial por conta depende de liquidação.
5. E dependendo de liquidação, o prazo de prescrição é reduzido ao prazo de caducidade, que é de 4 anos (artº 45° n° 1 da LGT), como impõe o n° 2 artº 33° do RGIT.
6. «O R.G.I.T., neste artº 33° vem manter este prazo geral de cinco anos, mas estabelece um prazo especial idêntico ao prazo da caducidade do direito à liquidação da prestação tributária quando a infracção depender daquela liquidação».
7. «Neste sentido, casos em que a existência da contra-ordenação depende da liquidação da prestação tributária são os previstos nos artigos 108° n° 1, 109° n° 1; 114°, 118° e 119° n° 1».
8. Tendo a prática da infracção ocorrido a 31 de Março de 2002, e tendo a recorrente sido notificada, para efeitos do disposto no artº 70° do RGIT, em 23 de Março de 2007, como resulta da matéria de facto da douta sentença, a prescrição ocorreu em 31 de Março de 2006.
9. A douta sentença recorrida, ao decidir como decidiu, fez incorrecta interpretação da lei, designadamente, do artº 33º n° 2 do RGIT.
1.3. O Exm.º Procurador Geral Adjunto junto deste Supremo Tribunal absteve-se de emitir parecer face à intervenção, como recorrido, do Ministério Público em funções no Tribunal “a quo”.
1.4. Colhidos os vistos dos Exmºs Juízes Conselheiros Adjuntos, cumpre decidir.
* * *
2. Na decisão recorrida foi fixada a seguinte matéria de facto:
1. Em 20 de Março de 2007, foi levantado o auto de notícia de fls. 3 contra a recorrente, imputando-lhe a prática de uma infracção prevista e punida nos arts. 98.°, n.º 1 do CIRC, 114.°, n.º 2, e 5.° f) e 26.°, n.º 4, do RGIT, porquanto não entregou nos cofres do Estado o pagamento especial por conta no montante de Euros 1.496,39 relativo ao período de Março de 2002, tendo o prazo para o cumprimento da obrigação terminado em 31 de Março de 2002.
2. O auto de notícia mencionado no precedente ponto do presente probatório deu origem ao processo de contra-ordenação n.º 30852007060442212, o qual foi instaurado no Serviço de Finanças de Lisboa 3 (cf. fls. 3 dos autos).
3. A recorrente foi notificada, para os efeitos do disposto no art. 70.° do RGIT, em 23 de Março de 2007 (cf. fls. 4 dos autos).
4. Por despacho do chefe do serviço de finanças, datado de 3 de Maio de 2007, foi proferida a decisão de fixação da coima, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido, e na qual se lê, designadamente, o seguinte (cf. fls. 19-20 dos autos):
«DECISÃO DE FIXAÇÃO DA COIMA
Descrição Sumária dos Factos
Ao(A) arguido(a) foi levantado Auto de Notícia pelos seguintes factos: 1. Valor da prestação tributaria exigível: 1.496,39 Eur.; 2. Valor da prestação tributária entregue: 00 Eur.; 3. Valor da prestação tributária em falta: 1.496,39 Eur.; 4. Período a que respeita a infracção: 2002/03; 5. Termo do prazo para cumprimento da obrigação: 31/03/2002; Os quais se dão como provados.
Normas Infringidas e Punitivas
Os factos relatados constituem violação do(s) artigo(s) abaixo indicado(s), punidos pelo(s) artigo(s) do RGIT referidos no quadro, aprovada pela Lei n.º 15/2001 de 05/07, constituindo contra-ordenação(ões).
Normas infringidas Normas Punitivas Período Tributação Data Infracção
Código Artigo Código Artigo 2002/03 2002-03-31
CIRC Art. 98º n.° 1 CIRC RGIT Art. 114º n.ºs 2 e 5 al. f)
Falta de entrega 26º n.º 4 do RGIT
de Pagamento Especial Falta de entrega da
por Conta prestação tributária
Responsabilidade contra-ordenacional
A responsabilidade própria do(s) arguido(s) deriva do Art. 7.° do Dec-Lei n.° 433/82, de 27/10, aplicável por força do Art. 3.° do RGIT, concluindo-se dos autos a prática, pelo(s) arguido(s) e como autor(es) material(ais) da(s) contra-ordenação (ões) identificada(s) supra.
Medida da Coima
Em abstracto, a medida da coima aplicável ao(s) arguido(s) em relação à(s) contra-ordenação (ões) praticada(s) tem como limite mínimo o valor de Eur. 299,28 e limite máximo a montante de Eur. 1496,39, dado tratar(em)-se de pessoa(s) colectiva(s).
Para fixação da coima em concreto deve ter-se em conta a gravidade objectiva e subjectiva da(s) contra-ordenação (ões) praticada(s), para tanto importa ter presente e considerar o seguinte quadro (Art. 27.° do RGIT):
Requisitos I Contribuintes
A…
Actos de Ocultação Não
Beneficio Económico 0.00
Frequência da prática· Acidental
Negligencia Simples
Obrigação de não cometer a infracção Não
Situação Económica e Financeira· Desconhecida
Tempo decorrido desde a prática da infracção >6 meses
DESPACHO:
Assim, tendo em conta estes elementos para a graduação da coima e de acordo com o disposto no Art. 79.° do RGIT aplico ao arguido a coima de Eur. 299,28 cominada no(s) Art(s) 114 n.º 2 e 5 f) e 26 n.º 4, do RGIT, com respeito pelos limites do Art. 26.° do mesmo diploma, sendo ainda devidas custas nos termos do n.º 2 do Dec.Lei n.º 29/98 de 11 de Fevereiro.
Notifique-se o arguido dos termos da presente decisão, juntando-se-lhe cópia, para, efectuar o pagamento da coima ou deduzir recurso judicial no prazo de 20 dias, sob pena de cobrança coerciva, advertindo-o de que vigora o Princípio de Proibição de “Reformatio in Pejus" (em caso de recurso no é susceptível de agravamento, excepto se a situação económica e financeira do infractor tiver melhorado de forma sensível).».
5. A recorrente foi notificada da decisão referida no ponto anterior em 11 de Maio de 2007 (cf. fls. 17-18, dos autos).
* * *
3. A questão colocada no presente recurso consiste em saber se decisão recorrida fez uma incorrecta interpretação da lei, mais especificamente dos nºs 1 e 2 artigo 33.º do Regime Geral das Infracções Tributárias (RGIT), ao considerar aplicável ao processo de contra-ordenação fiscal n.º 30852007060442212 o prazo prescricional de cinco anos previsto no nº 1 do aludido preceito legal, e se, dessa forma, incorreu em erro ao julgar que não ocorrera a prescrição desse processo instaurado contra a arguida, ora Recorrente, pela prática de uma infracção prevista e punida pelos artigos 98.º do CIRC, 114.º, n.º 2 e 5 alínea f), e 26.º, n.º 4, do RGIT (falta de entrega nos cofres do Estado do pagamento especial por conta relativo ao período de Março de 2002).
3.1. Todavia, antes de entrar na apreciação do mérito do recurso, convém tomar posição sobre uma outra questão, prévia em relação à decisão de fundo, e que tem a ver com a admissibilidade do recurso, porquanto o montante da coima aplicada à arguida é inferior ao valor de um quarto da alçada fixada para ao tribunais judiciais de 1.ª instância (1.250 €, por força do art.º 24.º da LOFTJ na redacção dada pelo DL n.º 303/2007, de 24/08, e que corresponde ao actual n.º 1 do art.º 31.º da Lei n.º 52/2008, de 28/08) e que o direito ao recurso ordinário não se encontra, assim, assegurado face ao disposto no artigo 83.º n.º1 do RGIT, apenas podendo ser admitido ao abrigo da norma contida no artigo 73.º n.º 2 do Dec. Lei n.º 433/82, de 27 de Outubro - Regime Geral das Contra-Ordenações (RGCO) - como, aliás, reconhece o Recorrente.
Na verdade, este pediu a admissão do recurso ao abrigo do artigo 73.º nº 2 do RGCO, aplicável subsidiariamente ao RGIT por força da alínea b) do seu art.º 3.º, o qual constitui, como se sabe, uma válvula de segurança do sistema de alçadas, permitindo assegurar a realização da justiça. Pelo que se impõe ponderar se tal recurso é «manifestamente necessário à melhoria da aplicação do direito ou à promoção da uniformidade da jurisprudência», tal como exigido pelo referido artigo 73.º nº 2 do RGCO.
O Recorrente invoca o erro na interpretação e aplicação da norma aplicável ao prazo prescricional do processo contra-ordenacional, na medida em que, ao contrário do que nela foi pressuposto, a infracção depende de liquidação e o prazo de prescrição é, por isso, o previsto no n.º 2 do artigo 33º do RGIT (quatro anos) e não o previsto no n.º 1 (cinco anos).
Trata-se de uma controvérsia que se prende com a interpretação de uma norma legal e que, ao que se saiba, nunca foi apreciada por qualquer tribunal superior, assumindo contornos gerais e não meramente pontuais, sendo provável que se venha a repetir noutros casos.
Pelo que se justifica, plenamente, a admissão do recurso jurisdicional ao abrigo do indicado regime excepcional, com vista a contribuir para a interpretação da referida norma legal, atingir uma melhoria da aplicação do direito e promover, ainda, a uniformidade da jurisprudência.
3.2. No recurso judicial, interposto da decisão que aplicou à arguida uma coima pela falta de entrega nos cofres do Estado do montante concernente ao pagamento especial por conta relativa ao período de Março/2002, esta invocara a prescrição do respectivo processo contra-ordenacional face ao prazo de quatro anos estipulado no n.º 2 do artigo 33.º do RGIT. Isto porque, na sua óptica, a sanção da infracção que lhe é imputada depende da liquidação da prestação tributária devida, isto é, da liquidação do pagamento especial por conta, sendo o prazo para essa liquidação o de 4 anos previsto no artigo 45.º da LGT, por remissão do artigo 93.º do CIRC (na redacção aplicável, e que é a que vigorava antes do Dec. Lei n.º 159/2009, de 13 de Julho, que republicou aquele Código), o qual já se encontraria ultrapassado.
Para julgar improcedente a questão, o Mmº Juiz considerou, laconicamente, sem nada aduzir em termos de esforço argumentativo, que «Nos termos do disposto no art. 33.°, n.º 1, do RGIT, o procedimento por contra-ordenação extingue-se, por efeito da prescrição, logo que sobre a prática do facto sejam decorridos cinco anos. E é esta a disposição aplicável, uma vez que no caso a infracção não depende da liquidação da prestação tributária.»
Vejamos.
O artigo 33.º do RGIT dispõe do seguinte modo:
Artigo 33.º
Prescrição do procedimento
1 - O procedimento por contra-ordenação extingue-se, por efeito da prescrição, logo que sobre a prática do facto sejam decorridos cinco anos.
2 - O prazo de prescrição do procedimento por contra-ordenação é reduzido ao prazo de caducidade do direito à liquidação da prestação tributária quando a infracção depender daquela liquidação.
3 - O prazo de prescrição interrompe-se e suspende-se nos termos estabelecidos na lei geral, mas a suspensão da prescrição verifica-se também por efeito da suspensão do processo, nos termos previstos no n.º 2 do artigo 42.º, no artigo 47.º e no artigo 74.º, e ainda no caso de pedido de pagamento da coima antes de instaurado o processo de contra-ordenação desde a apresentação do pedido até à notificação para o pagamento.
Donde resulta que o RGIT, além de instituir um prazo geral de prescrição de cinco anos, estabelece, ainda, um prazo especial idêntico ao prazo de caducidade do direito à liquidação da prestação tributária para todos aqueles casos em que a infracção depende dessa liquidação.
E, como referem os Juízes Conselheiros JORGE LOPES DE SOUSA e MANUEL SIMAS SANTOS, no “REGIME GERAL DAS INFRACÇÕES TRIBUTÁRIAS, ANOTADO”, 2ª Ed., pág. 283, «Não é clara a ideia subjacente a esta coincidência entre o prazo de liquidação e o prazo de prescrição do procedimento contra-ordenacional, parecendo que ela se poderia justificar por não ser razoável que a tutela sancionatória se estendesse para além do prazo em que é possível a liquidação, isto é, se na perspectiva legislativa deixa de interessar, pelo decurso do prazo de caducidade, a liquidação do tributo, também deixará de justificar-se a punição de condutas que conduziram à sua omissão.
No entanto, a fórmula utilizada no n.º 2 deste artigo, ao referir a dependência da infracção relativamente à liquidação da prestação tributária, não traduz esta ideia, pois a infracção depende da liquidação da prestação tributária sempre que a determinação do tipo de infracção ou da sanção aplicável depende do valor daquela prestação, pois é a liquidação o meio de determinar este valor. Neste sentido, casos em que a existência da contra-ordenação depende da liquidação da prestação tributária são dos previstos nos arts. 108.º n.º 1, 109.º, n.º 1, 114.º, 118.º e 119.º, n.º 1, do R.G.I.T.». (sublinhado nosso).
É, pois, a impossibilidade de determinar, antes da liquidação, o tipo de infracção cometida ou o montante da coima aplicável que justifica que o prazo de prescrição do procedimento seja o mesmo prazo que a lei confere para proceder à liquidação.
Deste modo, sendo aplicável o prazo previsto no n.º 1 do artigo 33.º, o procedimento extingue-se logo que sobre a prática do facto sejam decorridos cinco anos. O que significa que o prazo prescricional é contado desde o dia em que a infracção foi praticada, o que, aliás, se encontra em consonância com a regra do artigo 119.º do Código Penal.
Já se for aplicável o prazo especial previsto no n.º 2, o procedimento extingue-se logo que volvido o prazo de caducidade do direito à liquidação da prestação tributária, e não quando decorrido determinado prazo sobre a prática da infracção. E, nessa medida, importa estar atento ao dia em que ocorre a caducidade do direito à liquidação para determinar a data em ocorre a prescrição do procedimento por contra-ordenação.
No caso vertente, está em causa uma prestação tributária devida a título de pagamento especial por conta (usualmente abreviado pela sigla PEC), que o artigo 98.º do CIRC previa nos seguintes termos face à redacção então vigente, introduzida pelo DL n.º 198/2001, de 3 de Julho:
Artigo 98º
Pagamento especial por conta
1 - Sem prejuízo do disposto na alínea a) do n.º 1 do artigo 96º, os sujeitos passivos aí mencionados, excepto os abrangidos pelo regime simplificado previsto no artigo 53º, ficam sujeitos a um pagamento especial por conta, a efectuar durante o mês de Março ou, em duas prestações, durante os meses de Março e Outubro do ano a que respeita ou, no caso de adoptarem um período de tributação não coincidente com o ano civil, no 3º mês e no 10º mês do período de tributação respectivo.
2 - O montante do pagamento especial por conta é igual à diferença entre o valor correspondente a 1% do respectivo volume de negócios, com o limite mínimo de 100.000$00 (€ 498,80) e máximo de 300.000$00 (€ 1496,39), e o montante dos pagamentos por conta efectuados no ano anterior.
3 - Para efeitos do disposto no número anterior, o volume de negócios é determinado com base no valor das vendas e ou dos serviços prestados, realizados até ao final do exercício anterior, podendo ser rectificado no ano seguinte se se verificar que foi distinto do que serviu de base ao respectivo cálculo.
Donde decorre que o PEC constitui uma forma de antecipação de pagamento do imposto (IRC) que a final venha a ser devido, cujo montante concreto tem de ser determinado pelo próprio sujeito passivo para efeitos da sua entrega ao Estado, com observância dos critérios e regras que os nºs 2 e 3 estabelecem para o apuramento desse montante.
É, pois, ao sujeito passivo que incumbe a responsabilidade pelo cálculo e determinação do montante dessas entregas pecuniárias antecipadas que lhe cumpre legalmente efectuar, isto é, a responsabilidade pela sua auto-liquidação, tendo em conta a noção ampla de liquidação que compreende todas as declarações através das quais os contribuintes, além de comunicarem à Administração os dados necessários para a liquidação do tributo e outros de conteúdo informativo, fazem por si mesmos as operações de qualificação e quantificação necessárias para determinar e pagar a importância de uma prestação tributária devida, abrangendo, assim, a denominada autoliquidação. E caso o sujeito passivo não proceda a esse apuramento e entrega do montante devido a título de PEC, incumbirá à Administração Tributária proceder à respectiva liquidação.
Por outro lado, por força do disposto no artigo 114.º, n.º 1, 2 e 5, alínea f), do RGIT, a coima aplicável por falta de pagamento da prestação tributária devida a título de PEC é variável entre 10% e metade do imposto em falta, pois o preceito estipula, na parte que ora interessa, o seguinte:
Artigo 114.º
Falta de entrega da prestação tributária
1 - A não entrega, total ou parcial, pelo período até 90 dias, ou por período superior, desde que os factos não constituam crime, ao credor tributário, da prestação tributária deduzida nos termos da lei é punível com coima (...).
2 - Se a conduta prevista no número anterior for imputável a título de negligência, e ainda que o período da não entrega ultrapasse os 90 dias, será aplicável coima variável entre 10% e metade do imposto em falta, sem que possa ultrapassar o limite máximo abstractamente estabelecido.
(...)
5 - Para efeitos contra-ordenacionais são puníveis como falta de entrega da prestação tributária:
(...)
f) A falta de pagamento, total ou parcial, da prestação tributária devida a título de pagamento por conta do imposto devido a final, incluindo as situações de pagamento especial por conta.
(...).
Neste contexto, podemos concluir que a coima aplicável a esta infracção varia em função do montante da prestação tributária que deveria ter sido auto-liquidada pelo sujeito passivo por conta do IRC e que, na sua falta, foi liquidada pela Administração Tributária. Ou seja, a infracção está absolutamente dependente do acto de liquidação, uma vez que a sanção que lhe é aplicável depende do montante das entregas pecuniárias antecipadas que têm de ser liquidadas e pagas por conta do IRC. Pelo que o prazo de prescrição do procedimento contra-ordenacional não pode deixar de ser igual ao prazo de caducidade do direito à liquidação desse imposto, o qual, de harmonia com o artigo 45.º, n.º 4 da LGT, é de quatro anos contados a partir do termo do ano em que se verificou o facto tributário.
Por conseguinte, caducando no dia 31 de Dezembro de 2006 o direito à liquidação do IRC referente a 2002, era também nessa data que ocorria a prescrição do procedimento contra-ordenacional por falta de entrega nos cofres do Estado do pagamento especial por conta desse imposto.
Ora, tendo em consideração que o auto de notícia apenas foi levantado em 20 de Março de 2007, a que se seguiu a instauração do procedimento contra-ordenacional, dúvidas não podem restar sobre a verificação da invocada prescrição, até porque inexistem quaisquer actos interruptivos e suspensivos durante os quatro anos em que o auto de notícia não tinha sido, sequer, levantado.
Nesta conformidade, impõe-se conceder provimento recurso, revogar a sentença recorrida e julgar procedente o recurso judicial interposto contra a decisão que aplicou a coima à arguida, por prescrição do respectivo procedimento contra-ordenacional.
* * *
4. Face ao exposto, acordam os juízes da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo em conceder provimento ao presente recurso jurisdicional, revogar a decisão recorrida e, na procedência do recurso judicial, julgar extinto, por prescrição, o processo de contra-ordenação fiscal n.º 30852007060442212, determinando o seu arquivamento.
Sem custas.
Lisboa, 28 de Abril de 2010. - Dulce Manuel Neto (relatora) - Alfredo Madureira - Valente Torrão.