Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0619/14
Data do Acordão:11/05/2014
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:ASCENSÃO LOPES
Descritores:MATÉRIA DE FACTO
TRIBUNAL DE REVISTA
AMPLIAÇÃO
Sumário:I - Sendo à luz da base factual e jurídica fundamentadora do acto de liquidação impugnado que deve ser analisada a argumentação tecida pelas partes e aferida e legalidade do acto, é essencial que se mostre devidamente determinada e fixada essa base fundamentadora, pois que sem isso não é possível, conscientemente, decidir sobre a concreta legalidade do acto.
II - Não dispondo o Supremo Tribunal Administrativo de base factual para decidir o recurso jurisdicional - uma vez que ele pressupõe uma realidade de facto que não foi pré-estabelecida e que este Tribunal também não pode estabelecer por virtude de o STA, como tribunal de revista, carecer de poderes de cognição em sede de facto – torna-se essencial que o tribunal “a quo” amplie a matéria de facto de modo a fixar o quadro factual suficiente para o julgamento da causa.
Nº Convencional:JSTA000P18176
Nº do Documento:SA2201411050619
Data de Entrada:05/27/2014
Recorrente:A..., S.A.
Recorrido 1:CM DE BRAGA
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Acordam, em conferência, nesta Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo

1 – RELATÓRIO

A………….., S.A., com o NIPC nº ……….. veio deduzir Impugnação Judicial, contra o acto de indeferimento das reclamações graciosas apresentadas contra os actos de liquidação de taxa de publicidade do ano de 2012, no valor global de € 7.107,70.

Por sentença do TAF de Braga a fls. 121/134 dos autos, de 03 de Março de 2014, julgou improcedente a impugnação judicial.

Reagiu a ora recorrente A……….., SA., interpondo o presente recurso, cujas alegações integram as seguintes conclusões:

«a) Conforme resulta da matéria de facto dada como assente, o que está em causa é a aplicação de uma taxa sobre o que foi classificado como “reclamos luminosos”, “monólito luminoso” e “friso luminoso”, contendo a marca e logótipo da aqui recorrente, implantados em terrenos privados, nos quais funcionam postos de abastecimento de combustíveis, sitos no concelho de Braga.
b) Ora, de acordo com o disposto no artigo 1º, n.º 1 da Lei n.º 97/88, de 17 de Agosto, “a afixação ou inscrição de mensagens publicitárias de natureza comercial obedece às regras gerais sobre publicidade e depende do licenciamento prévio das autoridades competentes” (sublinhado nosso).
c) Da interpretação do citado comando normativo resulta, de forma clara, que somente a afixação de mensagens publicitárias de natureza comercial e, portanto, com um escopo de angariação, promoção ou apelo ao consumo de bens e serviços, se mostra dependente da obtenção de prévia licença camarária.
d) Assim, a simples informação de interesse geral que se limita, sem recursos estilísticos ou retóricos, a identificar um conteúdo objectivo não pode deixar de ser tida como publicidade não comercial. De facto, tornar público ou acessível ao público o conteúdo de uma mensagem utilitária só neste sentido amplo poderá entender-se como publicidade.
e) E esta publicidade meramente informativa (não comercial) não está sujeita a licença enquanto tal.
f) Por outro lado, nos termos previstos no D.L. n.º 170/2005, de 10/10, alterado pelo DL. n.º 120/2008, de 10/07, a estação de serviço, para além de conter a informação obrigatória sobre o preço dos combustíveis, deverá, ainda, ter a identificação clara e bem visível do posto e das marcas dos combustíveis comercializados.
g) Atento o acima exposto e à luz da unidade do sistema jurídico enquanto elemento interpretativo, impõe-se concluir que os elementos de imagem e marca existentes nos postos de abastecimento em questão não comportam qualquer referência comercial susceptível de se considerar como publicitária, para efeitos de aplicação disposto na Lei n.º 97/88, de 17 de Agosto.
h) Com efeito, os elementos que a entidade Impugnada identifica, como estando sujeitos ao pagamento de taxa de publicidade, resumem-se à simples indicação da marca ou qualidade aposta nos artigos à venda nos referidos postos de abastecimento, sendo que, a identificação dos postos de abastecimento passa geralmente pela identificação da empresa que abastece — que é definida por cor, logótipo e marca — que é afixada em vários elementos (placas, chapas e inscrições) que são colocadas dentro dos limites dos postos de abastecimento (como sucede nos presentes autos), cfr. D.L. n.º 170/2005, de 10/10, alterado pelo DL. 120/2008, de 10/07.
i) Ora, a dita afixação de tais sinais distintivos do comércio, inseridos no âmbito do estabelecimento comercial onde os mesmos são comercializados, não constitui em si mesmo um convite ao seu consumo, mas antes servem o seu propósito básico distintivo dos demais produtos e serviços existentes no mercado. “Assim, o consumidor (lato sensu) dos referidos produtos e serviços ali se dirige por saber que naquele local os mesmos existirão e não porque seja seduzido por esta ou aquela especial característica que ali seja apregoada aos mesmos” (cfr. sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Coimbra, proferida em 09/09/2013, no âmbito do processo de impugnação judicial n.º 549/12.2BECBR).
j) Nesta medida, enquanto norma habilitante, a Lei n.º 97/88, de 17 de Agosto, não pode deixar de constituir um limite ao poder regulamentar da Câmara Municipal de Braga, encontrando-se, assim, o “Regulamento de Publicidade” sujeito aos limites e conformações impostos por aquele diploma, em conformidade com o princípio de precedência de lei expressamente enunciado no art. 112º, n.º 7 da C.R.P.
k) A ser interpretado o dito regulamento de publicidade no sentido de que o mesmo também abrange as mensagens publicitárias de natureza não comercial, outra conclusão não poderá extrair-se que não seja a de reputar tal regulamento de inconstitucional (por preterição do princípio da precedência de lei contido no art. 112°, n.º 7 da C.R.P.) e, consequentemente, também o acto de liquidação decorrente da sua aplicação (no que respeita a mensagens de publicidade de natureza no comercial) se mostrará ilegal.
i) Ao não ter assim decidido, incorreu a douta sentença recorrida em errada interpretação e aplicação do disposto no artigo 1°/1 da Lei n.º 97/88 e aplicou norma regulamentar inconstitucional.
m) Ao contrário do entendimento vertido na douta sentença posta em crise, o Decreto-Lei n.º 48/2011, de 1 de Abril, na parte que aqui interessa, já havia entrado em vigor aquando da liquidação das taxas aqui impugnadas.
n) Nos termos do seu artigo 44°, o Decreto-Lei n.º 48/2011, de 1 de Abril entrou em vigor no primeiro dia útil do mês seguinte ao da sua publicação, ou seja, 2 de Maio de 2011. No entanto, através do seu artigo 42°, com a epígrafe “produção de efeitos”, o legislador estipulou que “as disposições do Decreto-Lei que pressuponham a existência do “Balcão do Empreendedor” aplicam-se (...) de forma faseada e em termos a fixar por Portaria dos membros da Governo responsáveis pelas áreas de modernização administrativa, das autarquias locais e da economia” (sublinhado nosso).
o) Ora, com a introdução do regime de simplificação administrativa contido no Decreto-Lei n.º 48/2011 é manifesta a intenção do legislador de afastar a necessidade de remoção de um obstáculo jurídico, através de acto permissivo, ao comportamento dos particulares (in casa, a afixação de elementos de imagem).
p) Pelo que, outra conclusão não se poderá retirar que não seja a de que, para a concretização de tal intenção, mostra-se totalmente despicienda a existência ou funcionamento do balcão do empreendedor (meio adoptado pelo legislador para o contacto entre os particulares e a administração), já que o sentido final da actuação do legislador foi o de abolir a necessidade de tal contacto para obter acto permissivo.
q) Tanto mais que, de acordo com o disposto no artigo 1°/6 da Lei n.º 97/88 (na nova redacção dada pelo Decreto-Lei n.° 48/2011) a lei previu a existência de critérios supletivos, a ser observados para salvaguarda do equilíbrio ambiental e urbano, para o caso de os mesmos não serem definidos pela Administração, dispensando-se, assim, a existência do Balcão do Empreendedor.
r) E, assim sendo, não poderá deixar de se concluir que as normas contidas no artigo 31° do Decreto-Lei n.º 48/2011, de 01/04 (que deu nova redacção à Lei n.º 97/88) entraram em vigor a 01/05/2011 já que a sua vigência não pressupunha a existência do Balcão do Empreendedor.
s) Donde resulta que, ainda que se admitisse que os elementos de imagem instalados nos postos de abastecimento configuram publicidade comercial (o que se admite apenas por mera cautela), as taxas cobradas pela entidade impugnada perderam o seu fundamento legal a partir da data de entrada em vigor das normas do Decreto-Lei n.º 48/2011 que procederam à alteração da Lei n.º 97/88, a qual ocorreu, conforme se referiu, em 02/05/2011.
t) Ao não ter assim decidido, a douta sentença recorrida incorreu numa errada interpretação e aplicação do disposto nos artigos 31º e 42º do Decreto-Lei n.º 48/2011.

Termos em que, sempre com mui douto suprimento de V. Exªs, deve ser o presente recurso ser julgado procedente e consequentemente ser revogada a sentença recorrida e substituída por outra que anule integralmente a liquidação impugnada.»

Não houve contra alegações.

O EMMP pronunciou-se emitindo parecer no sentido de que a sentença recorrida deve ser revogada e ser determinada a baixa dos autos à 1ª instância a fim de ser ampliada a matéria de facto de forma a conhecer-se das questões de direito, nos termos do artigo 682º, nº3, do Código de Processo Civil, aplicável, subsidiariamente, ao processo tributário.

2- Notificadas as partes do teor do parecer do Ministério Publico, nada vieram dizer.

3 – FUNDAMENTAÇÃO

O Tribunal “a quo” deu como provada a seguinte factualidade:
A) A “A………….., S.A.”, ora impugnante, comercializa produtos da marca A…………., sob a sua insígnia e logótipo comerciais, em postos de abastecimento de combustíveis, localizados no Município de Braga - cfr. processo administrativo (PA) apenso, cujo teor se dá por integralmente reproduzido para os devidos efeitos legais;
B) Por ofício datado de 26.02.2012, foi a impugnante notificada para proceder ao pagamento das taxas de publicidade para o ano de 2012, no valor global de € 7.107,70, conforme infra se discrimina:




C) A 12.02.20 12, a Impugnante apresentou reclamação contra as liquidações — cfr. fls. 25 a 31 do PA cujo teor se dá por integralmente reproduzido para os devidos efeitos legais;
D) A 28.03.2012, foram as reclamações indeferidas — cfr. fls. 9 a 12 dos autos, aqui reproduzidas;
E) A 17.10.2012, a Câmara Municipal revogou parcialmente o ato impugnado, notificando a impugnante para proceder ao pagamento do valor de € 4.483,93, conforme a seguir se discrimina - cfr. fls. 42 e 49 do apenso, cujo teor se dá por integralmente reproduzido:





3 – DO DIREITO
Para se decidir pela improcedência da impugnação considerou o Mº Juiz de 1ª Instância o seguinte: (destacam-se apenas os trechos mais relevantes da decisão com interesse para o presente recurso)
1- RELATÓRIO:
“A………………., S.A.”, nipc. …………., com sede na Av …………, n.º ………….., ………….., Lisboa, abreviadamente designada Impugnante, deduziu a presente IMPUGNAÇÃO JUDICIAL, contra “o acto de indeferimento expresso proferido pelo Exmo. Sr. Presidente da Câmara Municipal de Braga, relativamente às reclamações graciosas apresentadas pela impugnante (objecto imediato) e, consequentemente, contra os actos de liquidação de taxa, no valor global de € 7.107,70, pretensamente devida a título de publicidade do ano de 2012.”.
Para o efeito, alega, em suma, o seguinte:
• Vício de violação de lei, porquanto a informação que consta dos anúncios luminosos, cartazes, dísticos colantes e outros, visando somente a identificação do posto de abastecimento, assim como a descrição dos produtos no âmbito da informação obrigatória, não consubstancia publicidade comercial e, como tal, não se encontra sujeita a licenciamento camarário;
• O regulamento de publicidade, ao ser interpretado no sentido de que o mesmo abrange, também, as mensagens publicitárias de natureza não comercial, é inconstitucional, por violação do art.º 112.°, n.º 7 da CRP); e, subsidiariamente,
• A entidade impugnada devia atender à entrada em vigor do Decreto-Lei n.º 48/2011, de 1 de Abril, que entrou em vigor a 2.05.2011, que veio implementar o denominado “Licenciamento Zero”, impondo-se um cálculo proporcional do valor da taxa cobrado, considerando apenas o período decorrido entre 1.01.2012 e 2.05.2012.
A Câmara Municipal de Braga na contestação apresentada pugna, em síntese, pela improcedência da impugnação, por não se verificar nenhuma das ilegalidades invocadas - cfr. fls. 60 a 68 dos autos.
A 17.01.2014, foi proferido despacho a dispensar a produção da prova testemunhal e as partes notificadas para, querendo, apresentarem alegações escritas - cfr. fls. 98.
Somente a impugnante usou de tal prerrogativa, concluindo pela procedência da impugnação judicial - cfr. fls. 102 a 106.
A Digna Procuradora da República, emitiu parecer no sentido da improcedência da impugnação - cfr. fls. 117 a 119.
II - SANEAMENTO:
(…)
III - DOS FACTOS:
(…)
Direito:
(1) Vício de violação de lei
Nesta sede, a impugnante alega que a informação que consta dos anúncios luminosos, cartazes, dísticos colantes e outros, visando somente a identificação do posto de abastecimento, assim como a descrição dos produtos no âmbito da informação obrigatória, não consubstancia publicidade comercial e, como tal, não se encontra sujeita a licenciamento camarário.
Porém não lhe assiste razão.
Na verdade, o Código da Publicidade (para o qual remete o Regulamento Municipal), no seu artigo 3.°, não faz essa limitação, excetuando apenas a propaganda política (n.º 3).
Dali extrai-se que a publicidade consiste na ação dirigida ao público com o objetivo de promover, direta ou indiretamente, produtos, serviços ou uma atividade económica, pelo que, a simples exposição de produtos no exterior de um edifício da denominação da empresa e respetivo logótipo, enquanto sinal distintivo dos comerciantes, constitui um modo de publicidade.
A identificação do estabelecimento permite, de forma eficaz referenciar a empresa e consequentemente a atividade comercial que desenvolve e, por isso, não pode deixar de ser considerada um fator de publicidade (tal como se retira, ainda, da alínea a) do artigo 4.º do DL. n.º 105/98, de 24/04.
Pelo que, não se verifica o vício invocado, improcedendo, nesta parte, a impugnação.
(2) Da alegada inconstitucionalidade.
A impugnante, para o efeito, alega que o regulamento de publicidade, ao ser interpretado no sentido de que o mesmo abrange, também, as mensagens publicitárias de natureza não comercial, é inconstitucional, por violação do art° 112°, n° 7 da CRP).
Apreciando e decidindo.
Dispõe o artigo 204° da C.R.P. que:
“Nos feitos submetidos a julgamento não podem os tribunais aplicar normas que infrinjam o disposto na Constituição ou os princípios nela consignados.”.
De acordo com o previsto nesta norma, tem vindo a ser discutido na jurisprudência se tal situação é passível de conhecimento oficioso. No seguimento da corrente maioritária, que sustenta que é de conhecimento oficioso na medida em que afete um direito fundamental, deve ser apreciada, sem dependência, até, de arguição, qualquer questão de inconstitucionalidade que se suscite.
No entanto, no presente processo a mesma veio invocada pela impugnante, pelo que se mais não fosse, apenas a sua invocação é motivo suficiente para que o Tribunal a aprecie.
A Impugnante sustenta a sua existência na violação do disposto no art.º 112.°, n.º 7 da CRP.
Dispõe o art.° 112.° (Actos normativos), n.º 7, da Constituição da República Portuguesa “Os regulamentos do Governo revestem a forma de decreto regulamentar quando tal seja determinado pela lei que regulamentam, bem como no caso de regulamentos independentes”.
Ora, não obstante a alegação da inconstitucionalidade, a verdade é que a impugnante não concretiza ou substância em que medida se verifica a alegada inconstitucionalidade, nos termos em que o faz, nem o tribunal vislumbra a sua verificação. Até porque, conforme supra se referiu o Código de publicidade, para o qual o Regulamento Municipal remete, não faz a distinção nos termos defendidos pela impugnante.
É certo que quer o Supremo Tribunal Administrativo quer o Tribunal Constitucional se pronunciaram em numerosos acórdãos no sentido da inconstitucionalidade das normas de diversos regulamentos e posturas municipais que prevêem o pagamento de taxas pelo licenciamento de painéis publicitários afixados em propriedade privada, por violação dos artigos 103.° e 165.°, n.º 1, alínea i) da CRP (v., entre outros, os acórdãos do STA de 28/4/10, 19/5/10 e 2/6/10, nos recursos nºs 138/10, 116/10 e 33/10, respectivamente; e os acórdãos do TC 453/2003, de 14/10/2003, 34/2004, de 14/01/2004, e 109/2004, de 11/02/2004).
Em síntese, em tais arestos o tribunal rejeitou a configuração como taxas de receitas em que não se vislumbrava que estivesse em causa qualquer forma de utilização de um bem público ou semi-público e em que o ente tributador não viesse a ser constituído numa situação obrigacional de assunção de maiores encargos pelo levantamento do obstáculo jurídico.
Todavia, o acórdão do Plenário do TC n.º 177/2010, de 5/5/2010, operou uma inflexão dessa jurisprudência, no entendimento de que os parâmetros jurídicos para a solução da questão se tinham alterado após a consagração do conceito jurídico de taxa no artigo 4.°, n.º 1 da LGT e no artigo 3.° da Lei n.º 53-E/2006, de 29 de Dezembro (regime geral das taxas das autarquias locais), pronunciando-se no sentido “de não julgar organicamente inconstitucionais as normas do artigo 2. n.º 1 do Regulamento de Taxas e Licenças da Câmara Municipal de Guimarães e do artigo 31.º da Tabela de Taxas àquele anexa que prevêem a cobrança da taxa aí referida pela afixação de painéis publicitários em prédio pertencente a particular. Aí se refere, agora, expressamente que «Acontece, porém, que essa situação se alterou com a promulgação da Lei Geral Tributária (aprovada pelo Decreto-Lei n.º 398/98, de 17 de Dezembro). Na verdade, o artigo 4.º n.º 1, desse diploma veio explicitar que «as taxas assentam na prestação concreta de um serviço público, na utilização de um bem do domínio público ou na remoção de um obstáculo jurídico ao comportamento dos particulares». De igual modo, a Lei n.º 53-E/2006, de 29 de Dezembro (alterada pela Lei n.º 64-A/2008, de 31 de Dezembro, e pela Lei n.º 117/2009, de 29 de Dezembro), que aprova o regime geral das taxas das autarquias locais, consagra, no artigo 3.º idêntica categorização.
Perante esta enumeração tripartida das categorias de prestação pública que dão causa e servem de contrapartida à prestação exigível a título de taxa, é incontroverso que o legislador não acolheu aquela concepção restritiva, tendo antes considerado a remoção de um obstáculo jurídico como pressuposto autosuficiente da figura. A própria formulação utilizada sugere isso mesmo, pois a disjuntiva que antecede a referência final corta toda a ligação conectiva com os dois tipos de contraprestação antes expressos. E não faria, na verdade, qualquer sentido que o enunciado legal previsse um terceiro grupo de situações, em alternativa às duas outras anteriormente previstas, para se concluir que não se chega, afinal, a ultrapassar o âmbito da “utilização de um bem do domínio público“, pois só conta a remoção que a ela conduza
Não pode extrair essa conclusão um intérprete obrigado a presumir que o legislador “soube exprimir o seu pensamento em termos adequados” (artigo 9.º n.º 3, do Código Civil). A não valer por si mesma, sem mais, a previsão do último tipo de situações qualificadoras da taxa seria inteiramente dispensável e enganadora. Até porque a utilização de um bem público implica sempre uma prévia permissão ou autorização dessa conduta, sem a qual a utilização está vedada. No quadro dessa previsão, os dois pressupostos estão sempre interligados, sendo manifestamente inapropriada a criação de uma outra hipótese de contraprestação, com um âmbito aplicativo inteiramente coincidente com o de outra já prevista. Pode até concluir-se, tendo em conta esse factor sistemático de interpretação, que o espaço de operatividade autónoma, em face da previsão anterior, da modalidade consistente na remoção de um obstáculo jurídico é precisamente dado por aqueles casos em que essa remoção não está funcionalizada à utilização de um bem público.
Esta noção mais ampla de taxa não representa, aliás, uma inovação, por via legislativa, pois o legislador limitou-se a perfilhar uma orientação, contraposta à acima referida, já anteriormente presente num significativo sector da doutrina portuguesa. Na verdade, a classificação tripartida, sem qualquer restrição, das modalidades de taxas já era advogada por autores como ALBERTO XAVIER, Manual de direito fiscal, L Lisboa, 1974, 42-43 e 48-53, BRAZ TEIXEIRA, Princípios de direito fiscal, 1, Coimbra, 1985, 43, e SOUSA FRANCO, Finanças públicas e direito financeiro, II, 4. ª ed., 1992, 64.».
E, mais adiante, se acrescenta que «Está em causa, como já vimos, a colocação de um anúncio luminoso num prédio particular. Seja qual for a materialidade concreta desse reclamo e o modo do seu posicionamento no prédio - matéria sobre a qual não há elementos nos autos - não sofre dúvidas de que o local de implantação do suporte físico da publicidade se situa em domínio privado, num imóvel de propriedade privada. Mas isso não invalida que, pelo seu modo funcional de ser, a actividade publicitária assente em painéis ou inscrições se projecte visualmente no espaço público, interferindo conformadoramente na configuração do ambiente de vivência urbana das colectividades locais. A fixação do âmbito de incidência da taxa em questão leva em conta isso mesmo, pois só são taxados “os anúncios que se divisem da via pública” (observação 1), aplicável às normas do Capítulo IV em que se integra a do artigo 31. da Tabela de Taxas anexa ao Regulamento em causa).
Na busca da máxima perceptibilidade e do maior impacto da respectiva mensagem junto dos potenciais consumidores ou utentes dos produtos ou serviços publicitados, o anunciante utiliza, com muita frequência, formas agressivas de comunicação, em termos luminosos, gráficos ou, até, de dimensão e destaque físicos, pelo que a visualização tem verdadeiros efeitos intrusivos, no ambiente de vida comunitária.
Contrariamente ao que transparece de algumas apreciações, a questão não se resolve, pois, pela simples demarcação “física” dos espaços privado e público, determinando-se a legitimidade da qualificação como taxa pela “ocupação” de um ou de outro, por parte da fonte emissora da mensagem publicitária. «É que - faz-se notar na referida declaração de voto do Conselheiro Benjamim Rodrigues - a utilidade essencial e determinante na óptica do utilizador que o obrigado do tributo obtém pela via do pagamento do tributo não é propriamente a utilidade traduzida na afixação ou inscrição dos anúncios nos bens do domínio privado mas sim, essencialmente, a utilidade dos mesmos poderem ser visíveis e tidos em conta por quem circula nos espaços públicos planificados pelos municípios e cuja preservação como ecologicamente sadios principalmente lhes compete».
A colocação, em prédios de propriedade privada, de anúncios de natureza comercial tem directa e muito marcante incidência “externa “, que extravasa da esfera dominial do respectivo titular pela natureza do efeito útil pretendido, ela contende necessariamente com o espaço público, cuja gestão e disciplina compete à edilidade exercitar. Justiça-se, assim, que a actividade publicitária seja relativamente proibida (cfr., entre outros, o Acórdão n. ° 558/98), ficando sujeita a um licenciamento prévio pelas câmaras municipais, “para salvaguarda do equilíbrio urbano e ambiental” (artigo 1.º da Lei n.º 97/88 de 17 de Agosto, alterada pela Lei n.º 23/2000, de 23 de Agosto).
De forma alguma este regime pode ser perspectivado como um obstáculo jurídico arbitrário, como uma intervenção abusivamente limitadora do jus utendi de um bem privado, com o único fito de obter receitas. Independentemente da posição adoptada quanto a saber se a iniciativa publicitária corresponde ou não ao gozo de uma faculdade contida no direito de propriedade privada, não sofre dúvida de que tal regime se encontra objectivamente legitimado pela tutela de reais interesses públicos, cuja preservação é condição indispensável da “qualidade ambiental das povoações e da vida urbana “, nos termos constitucionalmente exigidos (alínea e) do artigo 66.º da CRP).».
A fundamentação deste acórdão, além do mais votado por unanimidade e com a autoridade reforçada resultante da formação alargada que o proferiu é transponível para a apreciação da constitucionalidade da norma que configura o suporte jurídico da taxa ora em crise.
E, daí que, na esteira da mais recente jurisprudência do TC, plasmada no acórdão citado, e para cuja fundamentação se remete, se conclua, pois, pela conformidade da norma impugnada com os preceitos constitucionais. (Vide, ainda, acórdão do STA, de 12.01.2011, processo n.º 0752/10, cuja fundamentação se seguiu de perto por ter analisado uma situação idêntica à dos autos).
Desta forma, pelos motivos expostos, improcede, nesta sede, a argumentação aduzida pela impugnante.

(3) Da aplicação do Decreto-Lei nº. 048/2011, de 1 de Abril, que introduziu uma nova redação da Lei n.º 97/88 de 17.08.
A impugnante defende que a entidade impugnada devia atender à entrada em vigor do Decreto-Lei n.º 48/2011, de 1 de Abril, que entrou em vigor a 2.05.2011, que veio implementar o denominado “Licenciamento Zero”; impondo-se um cálculo proporcional do valor da taxa cobrado, considerando apenas o período decorrido entre 1.01.2012 e 2.05.2012.
Vejamos:
Os princípios e regras de simplificação administrativa, decorrentes da “Diretiva Serviços”; transposta para o ordenamento jurídico português pelo Decreto-Lei n.º 92/2010, de 26 de julho, visam tomar o exercício de uma atividade económica mais simples, mais rápido, mais transparente e mais barato.
Neste âmbito, a iniciativa “Licenciamento Zero”, cujo regime jurídico é aprovado pelo Decreto-Lei n.º 48/2011, de 1 de abril, com as alterações introduzidas pelo Decreto-Lei n.º 141/2012, de 11 de julho prevê a desmaterialização dos procedimentos administrativos num balcão eletrónico acessível através do Portal da Empresa, o “Balcão do Empreendedor”.
Embora o Decreto-Lei n.º 48/2011, de 1 de abril, tenha iniciado a sua vigência a 2 de maio de 2011, estabelece-se, no seu artigo 42., alterado pelo Decreto-Lei n.º 141/2012. de 11 de julho, uma produção de efeitos faseada das disposições que pressupõem a implementação do “Balcão do Empreendedor”, a decorrer durante um período de dois anos a contar da sua entrada em vigor.
No âmbito da iniciativa “Licenciamento Zero”, estava prevista a entrada em vigor a 2 de maio de 2011, de várias disposições, designadamente as relativas a licenciamento das mensagens publicitárias de natureza comercial.
Porém, a entrada faseada da iniciativa “Licenciamento Zero” e a criação do “Balcão do Empreendedor” definida pela Portaria n.º 131/2011, de 4 de abril, ficou comprometida pelos constrangimentos provocados pelo Despacho n.º 154/2011, do Ministro de Estado e das Finanças, de 28 de abril de 2011, que veio impedir a assunção de novos compromissos no Capítulo 50 do Orçamento do Estado, proibição que se manteve até 31 de dezembro de 2011. Apenas no ano de 2012 foi possível proceder à aquisição dos serviços de desenvolvimento da nova plataforma tecnológica, da qual depende a plena disponibilização do “Balcão do Empreendedor”.
Face a esta realidade, foi necessário proceder à alteração dos artigos 5.°, 6.° e 7.° da Portaria nº 131/2011, de 4 de abril, alteração esta efetuada pela Portaria n.º 284/2012 de 20 de setembro.
Assim sendo, as seguintes matérias entram em vigor a partir de 2 de maio de 2013:
• Instalação e modificação de estabelecimentos, cadastro comercial, ocupação do espaço público e operações urbanísticas - n.º 1 a 3 e 5 do artigo 2.° e artigo 6.° do Decreto-Lei n.º 48/2011, de 1 de abril;
• A isenção do licenciamento das mensagens publicitárias de natureza comercial e o pagamento da respetiva taxa - previsto na alínea b) do n.º 3 do artigo 1.0 da Lei n.º 97/88, de 17 de agosto, alterada pelo Decreto-Lei n.º 48/2011, de 1 de abril, com as seguintes características;
- Afixadas ou inscritas em bens de que são proprietárias, ou legítimas possuidoras ou detentoras, entidades privadas, que publicitem os sinais distintivos do comércio do estabelecimento, ou do respetivo titular da exploração, ainda que sejam visíveis ou audíveis a partir do espaço público;
- Afixadas ou inscritas em bens de que são proprietárias, ou legítimas possuidoras ou detentoras entidades privadas, relacionadas com bens ou serviços comercializados no prédio em que se situam, ainda que sejam visíveis ou audíveis a partir do espaço público;
- Afixadas ou inscritas no próprio bem imóvel objeto da própria transação publicitada, ainda que sejam visíveis ou audíveis a partir do espaço público.
Ora, do exposto extrai-se que o Decreto-Lei n.º 48/2011, de 1 de Abril, na parte que aqui interessa, ainda não entrou em vigor, sendo por isso inaplicável ao caso concreto em que está em causa taxas do ano de 2012.
Pelo exposto, indefere-se o requerido, também, nesta parte.
Em suma, face aos fundamentos supra expostos e na improcedência dos vícios assacados, julgo improcedente a impugnação judicia com todas as consequências legais.

IV - DECISÃO:
Pelo exposto e nos termos das disposições legais citadas, julgo, totalmente improcedente a presente impugnação judicial.


DECIDINDO NESTE STA

Suscita a Recorrente “A…………..” o erro na interpretação e aplicação da lei, uma vez que no seu entendimento estamos perante publicidade não comercial, que respeita aos elementos de identificação do estabelecimento, e como tal não sujeitos a licenciamento, nos termos da Lei nº 97/88, de 17 de Agosto. Alegando, ainda que resulta da disciplina do Dec.-Lei nº 170/2005, de 10 de Outubro, com as alterações introduzidas pelo Dec.-Lei nº 120/2008, de 10 de Julho, que a estação de serviço para além de conter a informação obrigatória sobre o preço dos combustíveis, deverá ainda ter a identificação clara e bem visível do posto e das marcas dos combustíveis comercializados.
Suscita também a inconstitucionalidade do Regulamento Municipal se interpretado no sentido de abranger as mensagens publicitárias de natureza não comercial, por preterição do princípio da precedência de lei contido no artigo 112º, nº7, da CRP.
Vejamos: como resulta da matéria de facto supra destacada deu-se como assente que a impugnante e aqui recorrente foi notificada para proceder ao pagamento de taxas de publicidade com referência ao ano de 2012, no valor global de € 7.107,70 euros, e respeitantes a “reclamos luminosos”, “símbolos”, publicidade em “bocais” e “paineis” e letreiros existentes em diversos postos de abastecimento de combustíveis localizados no município de Braga e explorados pela Recorrente.
Mais, consta que o referido acto de liquidação de taxas foi impugnado através de reclamação, a qual foi indeferida. E que posteriormente, em 17/10/2012, a câmara municipal revogou parcialmente o acto impugnado e notificou a recorrente para proceder ao pagamento da quantia de € 4.483,93 euros, respeitante a reclamos luminosos existentes nos postos de abastecimento de combustíveis sitos nas ruas ……………, ………….. e …………….. e no lugar de …………, em ……………..
Para se decidir pela improcedência da acção e no que respeita ao vício de violação de lei invocado pela recorrente, na sentença recorrida, supra destacada, considerou-se que «a simples exposição de produtos no exterior de um edifício da denominação da empresa e respectivo logótipo, enquanto sinal distintivo dos comerciantes, constitui um modo de publicidade». E nessa medida julgou improcedente a invocação desse vício.
E no que respeita ao vício de inconstitucionalidade do regulamento municipal, por ofensa do estatuído no nº7 do artigo 112º da CRP, considerou-se na mesma decisão a impugnante e aqui recorrente «não concretiza ou substancia em que medida se verifica a alegada inconstitucionalidade, nos termos em que o faz, nem o tribunal vislumbra a sua verificação».
A questão a decidir prende-se com a legalidade da taxa liquidada pelo município de Braga, por no seu entender estarem em causa elementos identificativos do estabelecimento (posto de combustível) e dos produtos comercializados, os quais, segundo a Recorrente, não constituem publicidade sujeita a tributação.
Afigura-se-nos, no entanto, que a discussão/resposta à questão suscitada não pode ser feita em abstracto, impondo-se a aplicação do direito à situação concreta o que não é possível fazer porque a matéria de facto apurada pela 1ª instância não permite atingir a situação de facto, na sua plenitude, a que se pretende ver aplicado o direito.
Como bem destaca o Sr. Procurador-Geral Adjunto no seu parecer desconhece-se o teor do regulamento municipal e as normas do mesmo que sustentaram a liquidação em causa. Dito de outro modo: sem os elementos relativos à fundamentação do acto, não pode aferir-se da sua legalidade pois não se alcança da matéria de facto com base em que normas do referido regulamento municipal foram efectuadas as liquidações das taxas impugnadas.
Ora, tendo sido questionada a legalidade do acto tributário praticado e tendo sido questionada a constitucionalidade das normas do regulamento municipal que consagram a taxa impugnada afigura-se-nos que o mesmo tem que estar devidamente identificado e junto aos autos, impondo-se analisar a sua conjugação com a legislação específica para a identificação dos postos de abastecimento de combustível, desde logo a referida pela recorrente em f) das suas conclusões de recurso.
É, pois, essencial esclarecer e fixar a concreta base fundamentadora do acto de liquidação impugnado, e regulamentação subjacente pois que sem isso não é possível, decidir sobre a sua concreta (i)legalidade e anular ou manter essa liquidação.
Neste contexto, e como se escreveu no Ac. deste STA de 12/10/2011 tirado no rec. 0401/11, considerando que este Tribunal de recurso não dispõe de base factual para decidir o presente recurso jurisdicional – uma vez que ele pressupõe uma realidade de facto que não está pré-estabelecida nem aqui pode estabelecer-se por virtude de o STA, como tribunal de revista, carecer de poderes de cognição em sede de facto – torna-se essencial que o tribunal “a quo” amplie a matéria de facto de modo a fixar o quadro factual suficiente para o julgamento da causa.
Termos em que se impõe revogar, ao abrigo do disposto no nº 2 do artigo 729º do Código de Processo Civil, a sentença impugnada, para ser substituída por outra que decida após ampliação da base factual necessária para a aplicação do direito, de acordo com o que se atrás se apontou, assim se concedendo provimento ao recurso.

4-DECISÃO:
Pelo exposto, acordam os juízes da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo em revogar a decisão recorrida, a qual deve ser substituída por outra que decida após ampliação da base factual necessária para a aplicação do direito, de acordo com o que se atrás se apontou, assim se concedendo provimento ao recurso.

Sem custas.

Lisboa, 5 de Novembro de 2014. - Ascensão Lopes (relator) - Ana Paula Lobo - Dulce Neto.