Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0598/12
Data do Acordão:11/28/2012
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:PEDRO DELGADO
Descritores:OBJECTO DO RECURSO JURISDICIONAL
ÂMBITO DO RECURSO JURISDICIONAL
QUESTÃO NOVA
Sumário:I - Os recursos são meios para obter o reexame das questões já submetidas à apreciação dos tribunais inferiores, e não para criar decisões sobre matéria nova, não submetida ao exame do tribunal de que se recorre.
II - Assim, e em princípio, não podem neles ser tratadas questões novas, que não tenham sido suscitadas perante o tribunal recorrido e que não tenham sido apreciadas pela decisão impugnada.
Nº Convencional:JSTA00067969
Nº do Documento:SA2201211280598
Data de Entrada:05/28/2012
Recorrente:A..., S.A.
Recorrido 1:MUNICÍPIO DE ÁGUEDA
Votação:UNANIMIDADE
Meio Processual:REC JURISDICIONAL
Objecto:SENT TAF AVEIRO
Decisão:NEGA PROVIMENTO
Área Temática 1:DIR PROC TRIBUT CONT
Legislação Nacional:L 5/2004 DE 2002/10/02.
Jurisprudência Nacional:AC STA PROC0947/08 DE 2009/02/18
Aditamento:
Texto Integral: Acordam na Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo

1 – A………, SA, com os demais sinais dos autos, vêm recorrer para este Tribunal da decisão do Tribunal Administrativo e Fiscal de Aveiro de 06 de Outubro de 2011, que julgou improcedente a impugnação judicial por ela deduzida contra o indeferimento da reclamação graciosa relativa à liquidação da taxa devida pela instalação de uma infra-estrutura de suporte de estação de radiocomunicação no montante de € 5.000,00.

Termina as suas alegações de recurso, formulando as seguintes conclusões:
«A. A Lei das Comunicações Electrónicas procedeu à transposição de directivas comunitárias (cfr. o seu artigo 1º) que procuram a “criação de um quadro jurídico que garanta a liberdade de oferta de serviços e rede de comunicações electrónicas, apenas sujeitos às condições previstas na presente Directiva e a restrições de acordo com o n.º 1 do artigo 46º do Tratado (...)“ — cfr. o considerando (3) da Directiva 2002/20/CE.
B. Foi pois intenção do legislador — português e europeu — promover e incentivar o desenvolvimento de redes de comunicações electrónicas, para tal assegurando que não fosse possível onerar tributariamente a actividade dos respectivos operadores para lá do que se revelasse estritamente necessário. Por essa razão, na Lei das Comunicações Electrónicas, mais concretamente nos artigos 105° e 106°, foi expressamente previsto um catálogo fechado de taxas que podem incidir sobre a actividade dos operadores.
C. Quanto à instalação de infra-estruturas de suporte à actividade das empresas de comunicações electrónicas, prevê-se apenas a possibilidade de aplicação de uma taxa de direitos de passagem, quando em causa estejam, tão-só, a implantação, a passagem ou atravessamento de sistemas, equipamentos e demais recursos das empresas do sector dos domínio público e privado municipal.
D. Esta orientação foi entretanto mantida no Decreto-Lei n.º 123/2009, de 21 de Maio, que estabelece o regime jurídico aplicável à construção de infra-estruturas aptas à actividade das comunicações electrónicas (cfr. os artigos 12°, 13° e 34°).
E. Ora: resulta do enquadramento jurídico vigente que, relativamente às infra- estruturas de suporte à actividade de comunicações electrónicas, a lei permite apenas a aplicação de uma taxa que seja a remuneração ou contrapartida dos direitos de passagem sobre o domínio público e privado municipal, sendo que essa taxa tem de revestir concretamente o figurino da taxa municipal de direitos de passagem sujeita aos princípios elencados e desenvolvidos no artigo 106° da Lei das Comunicações Electrónicas.
F. Aliás, uma vez que o que a lei estatui é que a única taxa que pode ser cobrada é uma taxa de direitos de passagem (só uma e só nesse figurino legal específico), o facto de a taxa de direitos de passagem ter ou não sido liquidada é totalmente irrelevante para a aplicação do direito: se a taxa que tiver sido liquidada não é uma taxa de direitos de passagem conforme com o regime do artigo 106° da Lei das Comunicações Electrónicas, a mesma é ilegal.

2 – O Município de Águeda não contra alegou.
3 – O Exmº Procurador Geral Adjunto emitiu parecer com a seguinte fundamentação:

«Recorrente: A…….., S.A.
Objecto do recurso: sentença declaratória da improcedência da impugnação judicial deduzida contra decisão de indeferimento expresso de reclamação graciosa apresentada contra liquidação de taxa pelo licenciamento de instalação de uma infra-estrutura de suporte de estação de radiocomunicações, efectuada pelo município de Águeda, no montante de € 5 000,00
FUNDAMENTAÇÃO
1. Questão decidenda: legalidade da liquidação da taxa por licenciamento para a instalação de uma infra-estrutura de suporte de estação de radiocomunicações no domínio público municipal
A questão supra enunciada foi apreciada pelo STA-SCT em acórdãos que permitiram a formação de jurisprudência consolidada, a qual deve ser mantida pela proficiência da fundamentação e por observância do princípio da interpretação e aplicação uniformes do direito (art.8° n°3 CCivil/acórdãos 6.10.2010 processo nº 363/10; 30.1l.2010 processo nº 513/10; 12.01.2011 processo nº 751/10; 1.06.2011 processo nº 179/11; 29.06.2011 processo n°450/11 ; 2.05.2012 processo nº 693/11)
Nesta conformidade transcreve-se o sumário doutrinário do acórdão proferido em 6.10.2010 processo n°363/10:
1. A partir da entrada em vigor da Lei das Comunicações Electrónicas, aprovada pela Lei nº 5/2004, de 10 Fevereiro, apenas se consente aos Municípios taxar as utilidades decorrentes da ocupação e utilização do domínio público municipal com a implementação e funcionamento de estruturas necessárias às redes de comunicações daquela natureza acessíveis ao público através da taxa municipal de direitos de passagem prevista naquela lei, não lhes sendo lícito taxá-las através de tributos ou encargos de outra espécie ou natureza;
2. Consequentemente, é ilegal a liquidação de taxa municipal de ocupação da via pública sindicada nos presentes autos, cuja contraprestação específica consiste na utilização do domínio público municipal com instalações e equipamentos necessários à ampliação de redes de televisão por cabo.

Apesar da invocação pela recorrente na impugnação judicial da violação dos princípios constitucionais da reserva de lei e da proporcionalidade como fundamento da ilegalidade da liquidação da taxa controvertida o tribunal de recurso, no domínio dos factos articulados pelas partes, não está vinculado às suas alegações quanto à indagação, interpretação e aplicação das normas jurídicas aplicáveis (art.664° CPC/art.2° al. e) CPPT)
CONCLUSÃO
O recurso merece provimento.
A sentença impugnada deve ser revogada e substituída por acórdão anulatório da taxa liquidada pelo município de Águeda»

4 – Colhidos os vistos, cabe decidir.

5 – Em sede factual apurou-se na primeira instância a seguinte matéria de facto com relevo para a decisão da causa:
1. A Impugnante, “A……., S.A.”, Contribuinte Fiscal nº ……., em 4/7/2008, requereu junto do Município de Águeda a emissão de autorização municipal para instalação de uma infra-estrutura de suporte de estação de radiocomunicações na Rua ……., ……, em ……, conforme documento de fls. 2 do processo apenso que se dá por reproduzido.
2. A impugnante, em 15/9/2008, requereu junto do Município de Águeda a emissão de guias para pagamento das taxas devidas pela autorização aludida em 1, conforme documento de fls. 1 do processo apenso que se dá por reproduzido.
3. A Impugnante foi notificada pelo Município de Águeda do deferimento da pretensão identificada em 1, dependente apenas do pagamento de € 5.000,00, de acordo com o Regulamento e Tabela de Taxas no Âmbito de Operações Urbanística, publicado no Diário da República nº 113, II Série, de 14/6/2007, conforme documento de fls. 10 do processo apenso que se dá por reproduzido.
4. A Impugnante, em 6/10/2008, deduziu reclamação graciosa do acto de liquidação aludido em 3, conforme documento de fls. 22/30 dos autos que se dá por reproduzido.
5. A reclamação graciosa identificada em 4 foi indeferida por despacho do Presidente da Câmara de Águeda, de 24/10/2008, notificado à impugnante por ofício de 28/10/2008, conforme documento de fls. 78/80 dos autos que se dá por reproduzido.
6. Dá-se por reproduzido o teor da certidão permanente que consta a fls. 31/35.
7. Dá-se por reproduzido o teor do documento que consta a fls. 26/55 do processo apenso.
8. A presente impugnação foi apresentada em 12/11/2008.

6. Do mérito do recurso.

6.1 Da questão objecto do recurso

Na sua alegação de recurso e nas conclusões que a encerram, que, como é sabido delimitam o objecto do recurso, a recorrente suscita a questão de saber se a taxa impugnada nos presentes autos – taxa liquidada pelo Município de Águeda, ao abrigo do Regulamento e Tabela de Taxas no Âmbito de Operações Urbanísticas, publicado no Diário da República nº 113, II Série, de 14/6/2007, e referente à instalação de uma infra-estrutura de suporte de estação de radiocomunicação no montante de € 5.000,00 - é ilegal por violação da Lei das Comunicações Electrónicas (Lei 5/2004 de 10/2).

Isto porque na perspectiva da recorrente A……, S.A., citando jurisprudência deste Supremo Tribunal Administrativo (Acórdãos 363/10, de 06.10.2010, 513/10, de 30.11.2010, e 751/10, de 12.01.2011), a lei, no que respeita às infra-estruturas de suporte à actividade de comunicações electrónicas, permite apenas a aplicação de uma taxa que seja a remuneração ou contrapartida dos direitos de passagem sobre o domínio público e privado municipal, sendo que essa taxa tem de revestir concretamente o figurino de taxa municipal de direitos de passagem sujeita aos princípios elencados e desenvolvidos no artº 106º da LCE.
Norma essa que, segundo a recorrente, teria sido violada pela Câmara Municipal de Águeda ao cobrar a taxa impugnada.
E, prosseguindo o seu discurso argumentativo, concluiu que o tribunal deveria ter decidido a impugnação com base nesta argumentação.

Importa desde logo notar que se trata de uma questão nova que não foi apreciada pelo tribunal recorrido, por lá não ter sido suscitada.
Na verdade, como decorre da petição inicial e da recensão efectuada no relatório da sentença recorrida, a recorrente deduziu impugnação judicial do acto de indeferimento expresso da reclamação graciosa que teve como objecto a liquidação, pelo Município de Águeda, da taxa referente à instalação de uma infra-estrutura de suporte de estação de radiocomunicação no montante de € 5.000,00, invocando, em síntese os seguintes fundamentos:
- violação dos princípios de reserva de lei e da proporcionalidade porquanto entende que se trata de um tributo claramente desproporcional, em que o valor cobrado não se encontra em relação sinalagmática com a natureza do serviço prestado, e que configura um verdadeiro imposto;
- inconstitucionalidade da liquidação, por violação dos arts. 103º, nº 2 e 266º, nº 2 da Constituição da República, e ilegalidade por violação dos arts. 8º e 55º da Lei Geral Tributária, artº 4º, nº 1 da Lei nº 53-E/2006, de 29 de Dezembro.

E foi apenas sobre estas questões que se pronunciou a decisão recorrida considerando, quanto à primeira, que nos autos não foi alegado nem emergiu provado, que o valor cobrado pelo município de Águeda seja desproporcionado à actividade desenvolvida pelo Município, e ao benefício colhido pela impugnante, por forma a configurar a inexistência de uma relação sinalagmática entre ambos.
E quanto à segunda considerando que não se mostram violados os princípios de reserva de lei e da proporcionalidade, nem se vislumbra a existência da inconstitucionalidades e ilegalidades invocadas, remetendo para o discurso fundamentador do Acórdão deste Supremo Tribunal Administrativo de 18.02.2009, proferido no recurso 947/08, que acolheu.

Como se vê nem a recorrente suscitou na petição inicial a questão da ilegalidade da taxa por violação da Lei das Comunicações Electrónicas (Lei 5/2004 de 10/2), nem tal questão foi, por qualquer forma, abordada na sentença sob censura, nesta não se contendo, por isso mesmo qualquer pronúncia sobre ela.
Vale isto por dizer que se está, assim, perante o que tecnicamente se designa por «questão nova».
E questão nova porque veio pela primeira vez ao processo na alegação de recurso, mostrando-se, até aí, em absoluto ausente do processo, não tendo sido suscitada na petição e não tendo, por isso, sido apreciada na sentença.
Ora, como é jurisprudência uniforme, os recursos são específicos meios de impugnação de decisões judiciais, que visam modificar as decisões recorridas, e não criar decisões sobre matéria nova. (Cf. entre outros, os Acórdãos deste Supremo Tribunal Administrativo de 27.06.2012, recurso 218/12, de 25.01.2012, recurso 12/12, de 23.02.2012, recurso 1153/11, de 11.05.2011, recurso 4/11, de 1.07.2009, recurso 590/09, 04.12.2008, rec. 840/08, de 30.10.08, rec. 112/07, de 2.06.2004, recurso 47978 (Pleno), de 2911.1995, recurso 19369 e do Supremo Tribunal de Justiça, recurso 259/06.0TBMAC.E1.S1, todos in www.dgsi.pt.)
Por isso, e em principio, não se pode neles tratar de questões que não tenham sido apreciadas pela decisão impugnada, salvo questões novas de conhecimento oficioso.
Tem-se, assim, como assente que os recursos são meios para obter o reexame das questões já submetidas à apreciação dos tribunais inferiores, e não para criar decisões sobre matéria nova, não submetida ao exame do tribunal de que se recorre – Fernando Amâncio Ferreira, Manual dos Recursos em Processo Civil, pag. 147, Cardona Ferreira, Guia dos Recursos em Processo Civil, pag. 187, Armindo Ribeiro Mendes, Recursos em Processo Civil, Reforma de 2007, Coimbra Editora, Coimbra, 2009, págs.80-81.
No caso em apreço, como vimos, a única questão suscitada no recurso não foi sequer apreciada pela decisão recorrida.
Daí que o presente recurso não possa obter provimento.

7. Decisão:

Termos em que, face ao exposto, acordam os juízes da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo em negar provimento ao recurso e confirmar a sentença recorrida.

Custas pela recorrente.

Lisboa, 28 de Novembro de 2012. - Pedro Delgado (relator) - Valente Torrão - Ascensão Lopes.