Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0763/12
Data do Acordão:02/14/2013
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:DULCE NETO
Descritores:OBJECTO DO RECURSO JURISDICIONAL
QUESTÃO NOVA
Sumário:I - O recurso jurisdicional visa apreciar a decisão recorrida, revogando-a, modificando-a ou confirmando-a, estando vedado ao tribunal de recurso conhecer de questão nova, que nela não tenha sido apreciada, salvo se a mesma for de conhecimento oficioso.
II - Não é de conhecimento oficioso e, por isso, não pode ser suscitada no recurso jurisdicional da sentença proferida em 1ª instância, o vício de violação de lei por ofensa do art.º 106º da Lei das Comunicações Electrónicas (Lei 5/2004, de 10 de Fevereiro).
Nº Convencional:JSTA000P15301
Nº do Documento:SA2201302140763
Data de Entrada:07/05/2012
Recorrente:A..., S.A.
Recorrido 1:MUNICÍPIO DE ANSIÃO
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Acordam, em conferência, na Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:

1. A……, S. A., com os demais sinais dos autos, recorre para o Supremo Tribunal Administrativo da sentença proferida pelo TAF de Leiria que julgou improcedente a impugnação judicial que deduziu contra o acto de indeferimento tácito da reclamação graciosa que apresentara contra a liquidação da taxa que lhe foi efectuada pela CÂMARA MUNICIPAL DE ANSIÃO pela instalação de infra-estruturas de suporte a estação de radiocomunicações, no montante de € 1.000,00.
Terminou a sua alegação de recurso enunciando as seguintes conclusões:

A. A Lei das Comunicações Electrónicas procedeu à transposição de directivas comunitárias (cfr. o seu artigo 1.º) que procuram a “criação de um quadro jurídico que garanta a liberdade de oferta de serviços e rede de comunicações electrónicas, apenas sujeitos às condições previstas na presente Directiva e a restrições de acordo com o nº. 1 do artigo 46.º do Tratado (…)” — cfr. o considerando (3) da Directiva 2002/20/CE.

B. Foi pois intenção do legislador - português e europeu - promover e incentivar o desenvolvimento de redes de comunicações electrónicas, para tal assegurando que não fosse possível onerar tributariamente a actividade dos respectivos operadores para lá do que se revelasse estritamente necessário. Por essa razão, na Lei das Comunicações Electrónicas, mais concretamente nos artigos 105º e 106º, foi expressamente previsto um catálogo fechado de taxas que podem incidir sobre a actividade dos operadores.

C. Quanto à instalação de infra-estruturas de suporte à actividade das empresas de comunicações electrónicas, prevê-se apenas a possibilidade de aplicação de uma taxa de direitos de passagem, quando em causa estejam, tão-só, a implantação, a passagem ou atravessamento de sistemas, equipamentos e demais recursos das empresas do sector dos domínio público e privado municipal.

D. Esta orientação foi entretanto mantida no Decreto-Lei n.º 123/2009, de 21 de Maio, que estabelece o regime jurídico aplicável à construção de infra-estruturas aptas à actividade das comunicações electrónicas (cfr. os artigos 12º, 13º e 34º).

E. Ora: resulta do enquadramento jurídico vigente que, relativamente às infra-estruturas de suporte à actividade de comunicações electrónicas, a lei permite apenas a aplicação de uma taxa que seja a remuneração ou contrapartida dos direitos de passagem sobre o domínio público e privado municipal, sendo que essa taxa tem de revestir concretamente o figurino da taxa municipal de direitos de passagem sujeita aos princípios elencados e desenvolvidos no artigo 106º da Lei das Comunicações Electrónicas.

F. Aliás, uma vez que o que a lei estatui é que a única taxa que pode ser cobrada é uma taxa de direitos de passagem (só uma e só nesse figurino legal específico), o facto de a taxa de direitos de passagem ter ou não sido liquidada é totalmente irrelevante para a aplicação do direito: se a taxa que tiver sido liquidada não é uma taxa de direitos de passagem conforme com o regime do artigo 106° da Lei das Comunicações Electrónicas, a mesma é ilegal.

Termos em que deve ser por V. Exas. ser dado provimento ao presente recurso, com a anulação da Sentença recorrida.

1.2. A Recorrida não apresentou contra-alegações.

1.3. O Exmo. Procurador-Geral-Adjunto junto do Supremo Tribunal Administrativo emitiu parecer no sentido de que o recurso deve improceder pelos fundamentos constantes da sentença recorrida, que subscreve na íntegra.

1.4. Colhidos os vistos dos Exmºs Juízes Conselheiros Adjuntos, cumpre decidir em conferência.

2. A sentença recorrida deu por assente a seguinte factualidade:

A) Em 25/06/2007, a impugnação apresentou o pedido de autorização municipal para a instalação de infra-estrutura de suporte de estação de radiocomunicações de fls 22 a 23, que se dá por integralmente reproduzido.

B) Com referência ao pedido referido na alínea antecedente, no dia 04/07/2007, a impugnante foi notificada para, em 30 dias, proceder ao pagamento da taxa prevista no Art. 18º do Regulamento de Urbanização e Edificação, em vigor no Município, no montante de 1.000€ - fls 24.

C) A impugnante procedeu ao pagamento da referida taxa no dia 03/08/2007 - fls. 35.

D) Contra a liquidação da referida taxa, a impugnante deduziu reclamação graciosa, conforme requerimento de fls. 36 a 40, que também se dá aqui por reproduzido.


3. Como se viu, a presente impugnação judicial foi deduzida contra o acto de indeferimento da reclamação graciosa que a sociedade A.……, S.A. deduziu contra a liquidação da taxa lhe foi efectuada com referência à instalação de infra-estruturas de suporte a estação de radiocomunicações, prevista no art. 18º do Regulamento de Urbanização e Edificação do concelho de Ansião.
Na impugnação judicial, a sociedade impugnante invocou como fundamentos invalidante do acto impugnado e com vista a obter a sua anulação, a inconstitucionalidade e ilegalidade da liquidação, por, no seu entender, não bastar uma contrapartida individualizada pela administração para estarmos perante uma taxa, antes se exigindo proporção entre o montante liquidado e o serviço prestado, e sendo a desproporção visível no presente caso, em que o valor cobrado não se encontra em relação sinalagmática com a natureza do serviço prestado, o tributo desligou-se da prestação pública e tornou-se uma receita abstracta, ou seja, um imposto, não podendo, por isso, ser objecto de regulamento administrativo.
A sentença recorrida julgou improcedente a impugnação judicial por inverificação dos aludidos vícios.
Neste recurso, a Impugnante, ora Recorrente, sem atacar a sentença no que toca à apreciação e decisão dos referidos vícios, invoca que a taxa impugnada é ilegal por violação do artigo 106º da Lei das Comunicações Electrónicas (Lei 5/2004 de 10/2). Isto porque, na sua perspectiva, a lei, no que respeita às infra-estruturas de suporte à actividade de comunicações electrónicas, permite apenas a aplicação de uma taxa que seja a contrapartida dos direitos de passagem sobre o domínio público e privado municipal, a qual tem de revestir o figurino de taxa municipal de direitos de passagem sujeita aos princípios elencados e desenvolvidos no artº 106º da Lei das Comunicações Electrónicas, norma essa que teria sido violada pela Câmara Municipal de Ansião ao liquidar a taxa impugnada. Razão por que pugna pela anulação do acto de liquidação com base neste vício de violação de lei.
Trata-se, inquestionavelmente, de questão que não foi suscitada perante o Tribunal “a quo” e que não foi, por isso, enfrentada ou conhecida na sentença recorrida, só tendo sido invocada no presente recurso jurisdicional.
Ora, como é sabido e constitui jurisprudência uniforme, os recursos jurisdicionais destinam-se a reapreciar as decisões proferidas pelos tribunais inferiores e não a decidir questões novas, não colocadas a esses tribunais (cfr. art. 676º nº 1 do Código de Processo Civil). Isto porque os recursos são meios específicos de impugnação de decisões judiciais e visam unicamente, revogar, modificar ou confirmar essas decisões e não criar decisões sobre matéria nova que não foi submetida ao veredicto do Tribunal da 1ª Instância, salvo se o seu conhecimento pelo tribunal “ad quem” for imposto por lei ou se estiver em causa matéria de conhecimento oficioso (art.676º nº 1, 680º nº 1 e 690º, do Código de Processo Civil), ficando, assim, vedado ao Tribunal de recurso conhecer de questões que podiam e deviam ter sido suscitadas antes e o não foram.
Resulta daqui que a Recorrente não pode pretender, no recurso, ir além do que fora na petição inicial da impugnação, levantando questões que aí não suscitara, salvo quanto a questões de conhecimento oficioso.
Ora, o vício de violação ora invocado, gerador de mera anulabilidade do acto, não é de conhecimento oficioso, tendo de ser arguido pela parte nos termos e prazos previstos na lei, e não a todo o tempo como acontece com os actos feridos de nulidade. Com efeito, no domínio do direito administrativo, do qual o direito tributário constitui área especial, rege o princípio geral da anulabilidade, só sendo feridos de nulidade, invocável a todo o tempo, «os actos a que falte qualquer dos elementos essenciais ou para os quais a lei comine expressamente essa forma de invalidade», sendo anuláveis todos «os actos administrativos praticados com ofensa dos princípios ou normas jurídicas aplicáveis para cuja violação se não preveja outra sanção», tudo em conformidade com o preceituado nos artigos 133.º e 135.º do Código de Procedimento Administrativo.
Nestes termos, não estando em causa matéria de conhecimento oficioso, não podia o Tribunal “a quo” ter conhecido, como efectivamente não conheceu, da aludida questão. E não pode, igualmente, o Tribunal “ad quem” dela conhecer, pelo que o presente recurso não pode obter provimento.

4. Termos em que, face ao exposto, acordam os juízes da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo em negar provimento ao recurso.
Custas pela recorrente.
Lisboa, 14 de Fevereiro de 2013. - Dulce Manuel Neto (relator) - Isabel Marques da Silva - Lino Ribeiro.