Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:01930/13
Data do Acordão:10/08/2014
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:ARAGÃO SEIA
Descritores:OPOSIÇÃO FISCAL
PROCESSO PENAL
EFEITOS DA ABSOLVIÇÃO PENAL
CASO JULGADO
Sumário:I - A lei não atribui relevância em processo de oposição fiscal ao caso julgado absolutório formado em processo penal.
II - Apenas se consubstancia num elemento de prova, que pode ser valorado de acordo com o princípio da livre apreciação da prova, nos termos do disposto no art. 655.º, n.º 1 do CPC (velho).
Nº Convencional:JSTA00068942
Nº do Documento:SA22014100801930
Data de Entrada:12/17/2013
Recorrente:A...
Recorrido 1:FAZENDA PÚBLICA
Votação:UNANIMIDADE
Meio Processual:REC JURISDICIONAL
Objecto:SENT TAF PORTO
Decisão:NEGA PROVIMENTO
Área Temática 1:DIR PROC TRIBUT CONT
Legislação Nacional:CPC96 ART655 N1 ART674-B.
CPP87 ART84.
CPPTRIB99 ART204.
Jurisprudência Nacional:AC STA PROC08/05 DE 2005/02/16.
Aditamento:
Texto Integral: Acordam os juízes da secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:

A…………….., inconformado, recorreu da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto (TAF do Porto) datada de 17 de Outubro de 2012, que julgou improcedente a oposição que havia deduzido à execução fiscal nº 3360200101027670, por dívidas de IVA e juros compensatórios dos anos de 1996 a 2002.

Alegou, tendo concluído como se segue:
1. Resulta do âmbito do artigo 674° - B do C.P.C. que, uma vez transitada em julgado, a decisão penal absolutória fundada em que o arguido não praticou os factos que lhe eram imputados constitui presunção iuris tantum de inexistência desses factos, presunção essa que, no entanto, não pode ser ilidida por qualquer outra presunção de culpa estabelecida no Código Civil.
2. E dispensa aquele que tem a seu favor tal presunção de provar o facto a que ela conduz (art. 350°, n° 1), funcionando, assim, como uma forma de inversão do ónus probatório, na medida em que faz recair sobre a parte contrária a prova capaz de afastar o facto legalmente presumido (n° 2 da mesma norma).
Acresce que,
3. O que está em causa nos arts. 674°-A e 614°-B, do C.Proc.Civil não é, propriamente, a eficácia do caso julgado penal, mas sim a definição da eficácia probatória extraprocessual legal da sentença penal condenatória ou absolutória transitada em julgado. Essa definição é feita pelo estabelecimento duma presunção ilidível da existência dos factos em que a condenação se tiver baseado, ou, simetricamente, em caso de absolvição, da inexistência dos factos imputados ao arguido, invocável em relação a terceiros - isto é, em relação aos sujeitos no processo civil que não tenham intervindo no processo penal — em qualquer acção de natureza civil em que se discutam relações jurídicas dependentes ou relacionadas com a prática da infracção.
4. E essa eficácia probatória extraprocessual legal da sentença absolutória transitada em julgado, valerá, igualmente, em quaisquer acções de natureza tributária, atendendo a que, as normas processuais civis são fonte de Direito Subsidiário e de aplicação supletiva, de acordo com a natureza dos casos omissos, ao procedimento e processo judicial tributário, conforme preceitua o artigo 2° do C.P.P.T..
No caso concreto,
5. Em face das considerações vertidas, à luz do disposto no citado artigo 674°- B do C.P.C., acerca do alcance probatório extraprocessual da sentença penal absolutória em apreço, que se não fundou no princípio in dubio pro reo, mas sim em que o arguido não praticou os factos, nomeadamente, os integrantes de contravenção causal, que lhe eram imputados, designadamente, não se tendo provado que o aqui recorrente, teria a obrigação de liquidação e entrega da prestação tributária a título de IVA, no período tributário situado entre os anos de 1997 a 2002, e que o mesmo se tenha apropriado do montante de € 7.588.98, a título de IVA, que não entregou ao Estado tendo feito seu tal valor e ainda de nenhuma forma tendo sido confirmada a recepção efectiva de pagamentos por parte do arguido ou a efectiva saída de meios de pagamento da esfera jurídica da referida empresa de tecnologia e comunicações, o que constitui uma presunção iuris tantum de inexistência desses factos, nenhum fundamento existe para o Tribunal “a quo”, não atribuir qualquer relevância à mesma para efeitos de extinção da execução, no que respeita ao montante da dívida exequenda e acrescido, a título de IVA, correspondente ao período tributário situado entre os anos de 1997 e 2002, à data em que foi proposta a Oposição à execução (07.09.2007), firmando-se, na interpretação do art° 674° - B, n° 1 e 2 do C.P.C.. com o sentido de que “Cabia sim ao oponente alegar factos e oferecer prova dos mesmos que conduzissem à extinção do processo”, conforme se retira da sentença recorrida.
Isto porque,
6. Da interpretação do artigo 674° - B, nºs 1 e 2 do C.P.C., pode concluir-se que, existindo uma sentença penal absolutória e consequentemente uma presunção legal de não culpa ilidível mediante prova em contrário, como sucede “in casu”, competia à Administração Fiscal fazer prova da exigibilidade da dívida e legitimidade do executado, ora recorrente, assim ilidindo a presunção que do citado art.° decorre, prova que não logrou fazer, ao invés, transferindo esse ónus probatório para o Recorrente, que tem a seu favor o facto legalmente presumido.
7. Estando em causa, no processo de oposição judicial, a apreciação da exigibilidade das dívidas em cobrança coerciva e a legitimidade do executado, questões que não foram comprovadas pela Administração Fiscal por qualquer forma, seja por via de declarações de testemunhas ou documentos e recibos analisados, em sede de processo crime com ele conexo, tendo o aqui recorrente sido absolvido perante as provas produzidas, nem no âmbito do processo tributário em apreço, a eficácia probatória dessa sentença penal absolutória terá que ser extensiva ao processo tributário subjudice, tendo em atenção que a Administração Fiscal não efectuou, como lhe competia, prova no sentido de ilidir a presunção estabelecida em benefício do ora recorrente, reforçando a sua pretensão anulatória no que respeita à dívida exequenda e acrescido que à data em que foi proposta a Oposição à execução (07.09.2007) ascendia a € 15 096, 99, a título de IVA, correspondente ao período tributário situado entre os anos de 1997 e 2002.
FOI VIOLADO: Art.° 674.°. B, n.° 1 e 2 do CPC.
TERMOS EM QUE DEVE REVOGAR-SE A DECISÃO RECORRIDA NOS LIMITES DO QUE FICOU VERTIDO NA ARGUMENTAÇÃO SUPRA ASSIM SE FAZENDO JUSTIÇA.

Não foram produzidas contra-alegações.

O Ministério Público, notificado pronunciou-se pela improcedência do recurso, pois entende que para obter a peticionada extinção da execução fiscal não basta ao ora recorrente invocar a sua absolvição no processo crime. Na sua opinião tinha de alegar e provar factos que integrassem qualquer um dos fundamentos constantes das diversas alíneas do artº 204º nº 1 do CPPT.

Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.

Na sentença recorrida deu-se como assente a seguinte factualidade concreta:
A. O Processo de execução fiscal n° 3360200101027670 e aps. foi instaurado contra A…………. para cobrança coerciva de dívidas relativas a IVA e juros compensatórios dos anos de 1996 a 2002;
B. Por sentença proferida a 07 de Julho de 2005 no processo comum singular n° 65/01.OIDVCT do 2° Juízo Criminal da Comarca do Porto, o oponente foi absolvido da prática do crime de abuso de confiança fiscal;
C. Na sentença referida em B), consta como factos provados:
1 - O arguido, em 1985, encontrava-se inscrito na Repartição de Finanças de Melgaço como comissionista, tendo sido apresentado, em 1994, declaração de início de actividade como electricista;
2 - O arguido efectuou serviços para a B…………….. SA nos anos de 1997 a 2002, tendo recebido pagamentos”;
D. Na sentença referida em B), consta como facto não provado:
O valor dos serviços efectuados para a empresa B……….. SA; o valor do montante recebido e, consequentemente, que o arguido se tenha apropriado do montante de € 7.588,98, a título de IVA, que não entregou ao Estado, tendo feito seu tal valor
Para a decisão da causa, sem prejuízo das conclusões ou alegações de matéria de direito produzidas, de relevante, nada mais se provou.
Este é o segmento probatório da sentença recorrida.

Há agora que apreciar o recurso que nos vem dirigido.
No essencial, pretende o recorrente que este Supremo Tribunal defina o conteúdo, alcance e repercussão do caso julgado penal absolutório no âmbito deste processo de execução.

Na sentença recorrida entendeu-se que a decisão penal absolutória, “per se”, desacompanhada da alegação e prova de factos que conduzissem à extinção da execução não é suficiente [nenhuma relevância tem] para a extinção dessa mesma execução.

O recorrente argumenta que, face ao disposto no art. 674º-B do CPC (velho) tal decisão penal absolutória consubstancia-se numa presunção legal de não culpa, ilidível mediante prova em contrário, quanto aos factos aí apreciados, pelo que passou a competir à AT fazer a prova da exigibilidade da dívida e legitimidade do executado.

Dispunha à data o artigo 674º-B, sob a epígrafe “Eficácia da decisão penal absolutória:
1. A decisão penal, transitada em julgado, que haja absolvido o arguido com fundamento em não ter praticado os factos que lhe eram imputados, constitui, em quaisquer acções de natureza civil, simples presunção legal da inexistência desses factos, ilidível mediante prova em contrário.
2. A presunção referida no número anterior prevalece sobre quaisquer presunções de culpa estabelecidas na lei civil.

Também com interesse, dispunha o artigo 84º do CPP, sob a epígrafe “Caso julgado”:
A decisão penal, ainda que absolutória, que conhecer do pedido civil constitui caso julgado nos termos em que a lei atribui eficácia de caso julgado às sentenças civis.

Da leitura conjugada de ambas as normas, surpreende-se que, só no âmbito de acções civis em que se discutam relações jurídicas conexas com a prática da infracção em apreciação no processo penal, pode a decisão penal absolutória constituir presunção ilidível, relativamente aos factos que integram os pressupostos da punição e os elementos do tipo legal do crime, cfr. entre outros o acórdão deste Supremo Tribunal datado de 16/02/2005, recurso n.º 08/05.

Na situação concreta da oposição à execução fiscal, a mesma não radica nesses pressupostos exigíveis pelo processo penal, antes radica em diferentes pressupostos, não coincidentes com aqueles, pelo que, incumbia ao recorrente, como bem se refere na sentença recorrida, ter, pelo menos, alegado matéria de facto, que a ser julgada provada conduziria à procedência da oposição e consequente extinção da execução respectiva.

Na verdade, a sentença de absolvição do ora recorrente no processo crime, embora não tenha a força de caso julgado pretendida pelo recorrente, no que respeita aos factos aí dados como provados ou não provados, não deixa de ser um elemento de prova que poderia ter sido valorado de acordo com o princípio da livre apreciação da prova, nos termos do disposto no art. 655.º, n.º 1 do CPC (velho). Mas para isso, era preciso que tivessem sido alegados outros factos, que não os ali dados como provados ou não provados, para que o Juiz a quo pudesse valorar essa mesma sentença, uma vez que, como se surpreende da mesma, a absolvição penal apenas ocorreu porque o Tribunal não conseguiu apurar, com a certeza mínima exigível, qual o valor concreto dos serviços efectuados.
Como se sabe as exigências da prova em processo penal são acrescidas face ao direito fiscal, em que são frequentes as presunções de culpa que recaem sobre o sujeito passivo, incumbindo, nestes casos, ao sujeito passivo, a prova da não culpa.
De todos os modos, e tratando-se aqui, como se trata, de uma oposição à execução fiscal, não se vê em que medida a não prova do concreto facto do quantum exacto do valor dos serviços efectuados pelo oponente em sede penal, pode relevar perante ao título executivo que foi dado à execução.
Ou seja, a matéria relativa à inexistência da prestação de serviços ou a não prova do valor dos serviços efectuados, que poderia resultar da invocada prova documental, nunca poderia ser alegada e discutida em sede de oposição, tendo em conta os fundamentos do processo de oposição contidos no art. 204º e a inviabilidade de nele se discutir a legalidade em concreto do acto de liquidação.


Pelo ao exposto, os juízes da Secção do Contencioso Tributário deste Supremo Tribunal Administrativo acordam, em conferência, negar provimento ao recurso.

Custas pelo recorrente.

D.N.

Lisboa, 8 de Outubro de 2014. – Aragão Seia (relator) – Isabel Marques da Silva – Dulce Neto.