Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0232/18
Data do Acordão:05/03/2018
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:ANA PAULA LOBO
Descritores:PRESCRIÇÃO
EMPRESA
Sumário:I - A exequente instaurou uma execução quando estava já prescrita a dívida exequenda, à luz da lei tributária e, tendo em conta os diversos factos interruptivos e suspensivos aplicáveis ao caso concreto, nomeadamente a consideração do processo de recuperação de empresas, com a suspensão do prazo de prescrição previsto nos artigos 29.º, n.º 2.º, e 103.º, n.º 2, ambos do CPEREF - Código dos Processos Especiais de Recuperação da Empresa e de Falência-.
II - A impossibilidade de o credor obter a satisfação do seu crédito na pendência do processo de recuperação de empresas ou de falência, fora da execução universal de bens do devedor que ele constitui, está suficientemente salvaguarda por tais dispositivos legais, não podendo, por falta de fundamento legal, ser concedido à exequente um tratamento de favor relativamente aos demais credores.
III - A prescrição das dívidas tributárias é matéria relativa aos direitos dos contribuintes, que decorre de normas expressas e não é passível de alargamentos, nem com base no disposto no art.º 311.º do Código Civil, este, sem aplicação a dívidas tributárias que seguem um regime legal próprio em sede de prescrição, como enunciado na sentença recorrida.
Nº Convencional:JSTA000P23234
Nº do Documento:SA2201805030232
Data de Entrada:03/05/2018
Recorrente:ICP - AUTORIDADE NACIONAL DE COMUNICAÇÕES
Recorrido 1:A..., SA
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral:
RECURSO JURISDICIONAL
DECISÃO RECORRIDA – Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra
. 13 de Novembro de 2017


Julgou procedente a oposição.

Acordam nesta Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:


ICP – Autoridade Nacional de Comunicações, veio interpor o presente recurso da sentença supra mencionada, proferida no processo de oposição n.º 448/10.2BESNT, interposto A……………, S.A. contra processo de execução fiscal n.º 3654200901059203, instaurado no Serviço de Finanças de Oeiras 2, para cobrança de dívida ao ICP – Autoridade Nacional de Comunicações, no valor de €142.906,32, e acrescido, por falta de pagamento referente a taxas de utilização do espectro radioeléctrico no serviço fixo de radiocomunicações privativas, ligações hertzianas multivia, taxas de utilização de faixas de emissores de radiodifusão televisiva e taxas de licenciamento, relativas ao 2.º semestre de 1996, tendo, para esse efeito formulado, a final da sua alegação, as seguintes conclusões:

1. Segundo a sentença recorrida, "[…] não há que buscar no direito civil causas de suspensão ou interrupção da prescrição não especialmente previstas nas leis tributárias. É que, se o legislador tributário entendeu prever factos especiais a que atribui efeito suspensivo (ou interruptivo), é a esses, apenas, que haverá que reconhecer tal efeito […]";

2. Mas, se se aplicassem aos créditos da Exequente os prazos de prescrição estabelecidos no artigo 48.º, n.º 1, da LGT, desconsiderando outras regras e princípios gerais de direito, a medida de recuperação da Recorrida, homologada judicialmente, seria inexequível, uma vez que os créditos da Recorrida estariam prescritos antes mesmo do termo da moratória que foi concedida à Recorrida;

3. É ilógico, insustentável e injusto que um credor, qualquer que seja, possa ver extintos os seus créditos quando esteja legalmente impedido de os exigir;

4. A sentença recorrida consagra uma solução que discrimina negativamente e de forma infundada o credor tributário face aos demais, impedido aquele de invocar princípios gerais de direito de que estes podem beneficiar;

5. O entendimento vertido na sentença recorrida não é aceitável nem defensável face aos princípios da justiça e da boa-fé, os quais, pese embora aflorem no direito civil, são transversais a todo o sistema legal e enformam os diversos ramos do direito, incluindo o direito tributário;

6. Conforme lavrou o Supremo Tribunal Administrativo em acórdão de 05/15/2012, proferido no processo n.º 01225/12, "[d]eriva de um princípio geral, acolhido no art. 321º, nº 1, do Código Civil, que "A prescrição suspende-se durante o período de tempo em que o titular estiver impedido de fazer valer o seu direito". E este princípio, que é um corolário do princípio geral da boa-fé, princípio basilar da ordem jurídica, igualmente válido no direito tributário, encontra a sua razão de ser na natureza do instituto da prescrição. […] assim sendo, se em situações como a dos autos, em que um credor, em homenagem aos interesses da insolvência, é colocado numa situação em que é obrigado a abrir mão dos processos de execução fiscal, ainda assim corresse contra ele o prazo de prescrição, teríamos uma solução contrária aos mais elementares princípios da justiça e da boa-fé";

7. As causas de suspensão da prescrição protegem o credor tributário da impossibilidade de execução da dívida nos casos de suspensão legal da execução fiscal;

8. Estando a Administração Tributária impedida ou impossibilitada de proceder a cobrança do tributo em determinados períodos, os mesmos não devem relevar para efeitos de contagem do prazo de prescrição, sob pena de conceder um benefício injustificado ao sujeito passivo, já que o prazo útil, em que a ANACOM poderia efetivamente cobrar a dívida, seria substancialmente reduzido em relação ao que a lei prevê;

9. Os princípios gerais de direito, conforme afloram no direito civil, são aplicáveis em sede de processo tributário à prescrição das dívidas tributárias, de tal modo que, quando um credor, em homenagem aos interesses da insolvência, é colocado numa situação em que é obrigado a abrir mão dos processos de execução fiscal, não pode correr contra ele o prazo de prescrição, sob pena violação dos mais elementares princípios da justiça e da boa-fé;

10. É aplicável à prescrição das dívidas tributárias o princípio geral de direito que aflora no n.º 1 do artigo 321.º do CC, segundo o qual "[a] prescrição suspende-se durante o tempo em que o titular estiver impedido de fazer valer o seu direito";

11. É aplicável à prescrição das dívidas tributárias o princípio geral de direito que aflora no n.º 1 do artigo 311.º do CC, segundo qual "[o] direito para cuja prescrição, bem que só presuntiva, a lei estabelecer um prazo mais curto do que o prazo ordinário fica sujeito a este último, se sobrevier sentença passada em julgado que o reconheça, ou outro título executivo";

12. A Recorrida não pode invocar a prescrição da dívida exequenda, por exceder manifestamente os limites impostos pela boa-fé, incorrendo em abuso de direito (venire contra factum proprium), nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 334.º do CC.

13. Nos termos dos nºs 2 e 3 do artigo 665.º do CPC, aplicável ex vi artigo 281.º do CPPT, conjugado com o artigo 4.º, n.º 1, alínea a) do Decreto-Lei n.º 303/2007, e na procedência do presente recurso, deverá o Tribunal ad quem conhecer as demais questões suscitadas pelas partes e substituir-se ao Tribunal recorrido na decisão da causa.

Termos em que, com o douto suprimento de V. Exas. que se pede e espera, deverá o presente recurso ser julgado procedente por provado e, em consequência, revogada a sentença recorrida, a qual deverá ser substituída por outra que
(i) declare que os princípios gerais de direito, conforme afloram no direito civil, são aplicáveis em sede de processo tributário à prescrição das dívidas tributárias, de tal modo que, quando um credor, em homenagem aos interesses da insolvência, é colocado numa situação em que é obrigado a abrir mão dos processos de execução fiscal, não pode correr contra ele o prazo de prescrição, sob pena violação dos mais elementares princípios da justiça e da boa-fé e
(ii) reconheça que a dívida exequenda não se encontra prescrita, assim se fazendo a costumada JUSTIÇA!


A empresa recorrida, em suporte da decisão recorrida e requerendo subsidiariamente a ampliação do objecto do recurso, apresentou contra-alegações que terminam com as seguintes conclusões:
I. Através de sentença proferida em 13 de novembro de 2017, o douto Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra julgou totalmente procedente a Oposição Judicial deduzida pela ora Recorrida contra o processo de execução fiscal n.º 3654200901059203, instaurado para cobrança coerciva da fatura n.º 960722080, relativa a taxas de utilização de emissores de radiodifusão televisiva relativas ao 2.º semestre de 1996, emitida pela ANACOM, ora Recorrente, no valor de € 142.906,32, com fundamento em prescrição da dívida exequenda;
II. Inconformada com aquela douta Sentença, a Recorrente interpôs recurso, per saltum para o Supremo Tribunal Administrativo, invocando, para sustentar o seu entendimento, nomeadamente, o acórdão do Supremo Tribunal Administrativo proferido em 5 de fevereiro de 2012, no âmbito do processo n.º 122512;
III. Acontece, porém, que, ao proceder-se à análise do acórdão fundamento, proferido no processo n.º 1225/12, em 5 de dezembro de 2012, verifica-se, desde logo, que em causa está: i) uma situação de reversão de dívidas e, bem assim, que, ii) a questão central do Acórdão fundamento prende-se com a aplicação do artigo 100.º do CIRE, o que, desde logo, demonstra a fragilidade das suas alegações de recurso;
IV. Acresce que, analisadas as alegações de recurso da Recorrente verifica-se que esta sustenta, em síntese, que embora a dívida proveniente de taxas de utilização de emissores de radiodifusão televisiva tenha a natureza de uma dívida tributária - questão não controvertida nos presentes autos -, o facto de a ora Recorrida ter ficado abrangida por um processo de recuperação de empresas deve ter efeitos mais abrangentes no prazo de prescrição que não somente aquele consagrado na conjugação dos artigos 29.º, n.º 2, e artigo 103.º, n.º 2, ambos da CPEREF;
V. Com efeito, sustenta a Recorrente nas suas alegações de recurso que a pendência daquele processo de recuperação legitima a derrogação do regime das causas interruptivas e suspensivas do prazo de prescrição taxativamente previstas no artigo 49.º da LGT para as dívidas tributárias, permitindo o recurso ao disposto nos artigos 311.º e 321.º do CC, ou seja, às causas suspensivas e interruptivas da prescrição previstas no CC;
VI. A ora Recorrente vai ainda mais longe ao sustentar que a pendência daquele processo de recuperação legitima a derrogação do disposto no artigo 48.º, n.º 1, da LGT, que consagra o prazo de prescrição das dívidas tributárias de 8 anos a aplicação do prazo de prescrição de 20 anos, prazo geral de prescrição previsto no artigo 309.º do CC;
VII. Desde logo, importa relembrar que em causa nos autos está a fatura n.º 960722080, emitida pelo então designado Instituto das Comunicações de Portugal, com data de 26 de julho de 1996, referente ao 2.º semestre do ano de 1996, o que significa que à data da citação da ora Recorrida para o processo de execução fiscal, em 2009, já estavam decorridos 13 anos desde o período tributário relevante;
VIII. Ora, uma vez que a dívida exequenda respeita ao 2.º semestre de 1996, o prazo prescricional de 10 anos que à data estava previsto no CPT começava a correr em 1 de janeiro de 1997 e terminava, hipoteticamente, em 1 de janeiro de 2007 (cfr. artigo 34.º, n.º 2 do CPT);
IX. Já o novo prazo prescricional introduzido pela LGT só podia começar a correr em 1 de janeiro de 1999, data de entrada em vigor do diploma, e terminaria em 1 de janeiro de 2007. Logo, por força do regime transitório o prazo da prescrição a aplicar in casu é o da LGT;
X. Ora, como demonstrado nos autos, a dívida proveniente de taxas de utilização de emissores de radiodifusão televisiva 2.º semestre de 1996 e agosto de 2009, quando ocorreu a citação, estava já prescrita, sendo que não existe fundamento para recurso a causas interruptivas e suspensivas não previstas na LGT, nem para extensão do prazo de prescrição para 20 anos;
XI. Com efeito, a dívida exequenda é constituída por taxas que revestem a natureza de tributos públicos (cfr. artigos 3.º, n.º 2 e 4.º, n.º 2 da LGT), sendo que as relações jurídico-tributárias, como aquelas que se estabelecem entre os sujeitos ativo e passivo de uma taxa, eram reguladas pelo CPT e, desde a sua revogação, pela LGT, nomeadamente, pelo artigo 48.º, n.º 1, da LGT que fixa o prazo de prescrição de dívidas de natureza tributária em 8 anos e pelo artigo 49.º que consagra, taxativamente, as causas interruptivas e suspensivas do prazo de prescrição;
XII. Uma vez que o instituto da prescrição se destina a conferir um maior grau de estabilidade e certeza nas relações jurídico-tributárias pela penalização da inércia do credor, está entre as garantias dos contribuintes a que se refere o n.º 2 do artigo 103.º da CRP e, nessa medida, obedece aos princípios da legalidade tributária, nas suas aceções de reserva de lei formal da Assembleia da República e tipicidade (cfr. artigo 8.º, n.ºs 1 e 2, al. a) da LGT) - (cf. Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo proferido, em 23 de novembro de 2016, no processo n.º 01121/16);
XIII. O que significa que a douta Sentença recorrida limitou-se a aplicar a lei, concluindo, e bem, que as dívidas de natureza tributária prescrevem no prazo de oito anos (cf. artigo 48.º, n.º 1, da LGT) e que as causas suspensivas e interruptivas daquele prazo são, apenas, aquelas que se encontram, expressamente, consagradas no artigo 48.º LGT, não podendo, pois, recorrer-se as outras causas interruptivas e suspensivas do prazo de prescrição previstas no CC;
XIV. Não pode também aceitar-se que a Recorrente possa beneficiar das regras próprias do processo de recuperação, que são dirigidas em exclusivo aos credores colocados numa situação especial e que intervêm no mesmo, para ocultar a sua total ausência de participação naquele processo e tentar justificar a circunstância de não ter cobrado a dívida por qualquer meio durante aproximadamente de 13 anos;
XV. Ou seja, não pode a Recorrente beneficiar do regime do processo de recuperação, quando não teve qualquer intervenção naquele processo, o que significa que também este argumento não contende com a conclusão de que o prazo prescricional não ficou suspenso por força dos autos de recuperação de empresa;
XVI. Relativamente ao segundo aspeto alegado pela ora Recorrente, que se prende com a aplicação do prazo de prescrição ordinário de 20 anos previsto no CC em detrimento do prazo estipulado na LGT para as dívidas fiscais não pode ser aceite porque quer o anterior CPT, quer atualmente a LGT, constituem legislação especial face ao CC;
XVII. Ora, se a LGT é uma lei especial, que regula as relações jurídico-tributárias é evidente que o legislador ao fazer apelo a "lei especial" certamente não se reportava ao prazo ordinário de prescrição previsto no artigo 309.º do CC;
XVIII. É, pois, evidente que o entendimento da Recorrente não pode ser aceite porque estaríamos a desconsiderar o prazo especial de prescrição de dívidas tributárias, fixado em 8 anos, o qual, como reconhece o Supremo Tribunal Administração prevalece sobre o prazo ordinário de prescrição de 20 anos previsto no artigo 309.º do CC (cf. acórdão do Supremo Tribunal Administrativo proferido, em 15 de fevereiro de 2006, no processo n.º 01049/05);
XIX. Ora, na situação em apreço não é questionável - mesmo pela Recorrente - que as taxas de utilização de emissores de radiodifusão televisiva relativas ao 2.º semestre de 1996 têm natureza tributária, pelo que estão sujeitas ao prazo de prescrição de 8 anos previsto no artigo 48.º, n.º 1, da LGT e não ao prazo geral de prescrição de 20 anos previsto no artigo 309.º, n.º 1, do CC. (cf. Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo proferido, em 23 de novembro de 2016, no processo n.º 01121/16);
XX. Como bem sublinha o douto Supremo Tribunal Administrativo não se pode comparar a posição de credor que, no âmbito das relações jurídico-privadas recorre aos tribunais para obtenção de um título executivo e depois poderá ter que recorrer a uma ação executiva com a situação em apreço em que o credor extrai uma certidão de dívida, podendo cobrar coercivamente a sua dívida;
XXI. O legislador entendeu que as dívidas tributárias deveriam ficar sujeitas a um prazo de prescrição especial, de oitos anos, o qual encontra plena justificação no princípio da segurança jurídica
XXII. Sendo que este prazo assume natureza especial relativamente ao prazo geral de prescrição de 20 anos previsto no artigo 309.º do CC;
XXIII. Do mesmo modo, também não restam quaisquer dúvidas de que o n.º 1 do artigo 311.º do CC não ter qualquer aplicabilidade no âmbito do direito tributário, nem conduz a um prolongamento automático do prazo prescricional em virtude da mera existência de um processo de recuperação de empresa;
XXIV. Com efeito, não existe norma no ordenamento jurídico-tributário que confira a uma sentença ou a um título executivo o efeito de dilatar o prazo de prescrição de 8 para 20 anos;
XXV. O que aquele dispositivo legal possibilita é que um determinado direito, excecionalmente sujeito a um prazo de prescrição mais curto que o ordinário, beneficie do prazo de prescrição ordinário de 20 anos depois de ser reconhecido por sentença transitada em julgado ou por título executivo;
XXVI. No caso concreto, para além de o referido dispositivo legal não se aplicar no âmbito das relações jurídico-tributárias, a situação sub judice não tem qualquer similitude com aquela que está subjacente àquele preceito, o que fica evidenciado pelo facto de ser a própria Recorrente a assumir, na sua douta contestação, que não teve qualquer intervenção no processo de recuperação (não figura nas listas de credores - provisória e definitiva -, nem o seu nome consta das atas das assembleias de credores);
XXVII. Deverá, pois, concluir-se que a partir de julho de 1996, quando a fatura foi emitida, a ora Recorrente não encetou qualquer diligência tendente à cobrança coerciva da dívida, o que só fez em meados de 2009, decorridos mais de 13 anos do nascimento da obrigação, ou seja, (muito) depois de completado o prazo de prescrição de 8 anos consagrado no artigo 48.º, n.º 1, da LGT, pelo que não merece qualquer reparo a douta Sentença recorrida ao considerar que foi demonstrada nos autos a prescrição da dívida exequenda, fundamento de Oposição Judicial à Execução Fiscal previsto no artigo 204.º, n.º 1, alínea d), do CPPT;
XXVIII. Não obstante a douta Sentença ter julgado totalmente procedente a Oposição Judicial à Execução Fiscal com fundamento em prescrição não conheceu os demais fundamentos em que assentou a Oposição Judicial, pelo que prevenindo a necessidade da sua apreciação, a ora Recorrida requer, a coberto do disposto no 665.º, n.º 2, do CPC, aplicado ex vi artigos 2.º, alínea e) e 281.º, ambos do CPPT e 2.º, alínea d), da LGT, e prevenindo a necessidade da sua apreciação, e se tal se mostrar necessário, a apreciação dos seguintes fundamentos não apreciados na petição inicial: i) falsidade do título executivo, por não contemplar o pagamento parcial efetuado pela Oponente; ii) ilegalidade abstrata; e iii) errada quantificação da quantia exequenda;
XXIX. No que respeita ao primeiro fundamento apresentado na Oposição Judicial à Execução Fiscal e não apreciado, a fatura foi parcialmente paga pela ora Recorrida, ou seja, a Recorrida efetuou o pagamento parcial da fatura, em 26 de outubro de 1996, no montante de € 1.757,91 (correspondente a 352.430$00), o qual não foi tido em conta na quantia exequenda, pelo que deverá concluir-se que o título executivo não corresponde, de todo, ao valor que, eventualmente, estaria em dívida, pelo que se encontra preenchido o fundamento de Oposição Judicial previsto no artigo 204.º, n.º 1, alínea c), do CPPT;
XXX. Conforme também referido na petição inicial de Oposição Judicial à Execução Fiscal, à data dos factos em causa nos autos, vigorava a Lei n.º 88/89, de 11 de Setembro (Lei de Bases do Estabelecimento, Gestão e Exploração das Infraestruturas e Serviços de Telecomunicações), que, consoante a natureza dos utilizadores, classificava as telecomunicações em públicas e privativas, incluindo-se nas primeiras as telecomunicações de uso público e de teledifusão (cfr. artigo 2.º, n.º 1);
XXXI. Em linha com a Lei n.º 88/89, o artigo 3.º do Decreto-Lei n.º 147/87 estipulava que estavam sob a tutela do Governo todas as atividades em matéria de administração, de gestão e de fiscalização das radiocomunicações, nomeadamente, a atribuição e consignação do espectro radioelétrico para fins de radiocomunicações, bem como a fixação e a fiscalização das condições de utilização (al. a) e a fixação das taxas de licenciamento e de utilização de meios de comunicação radioelétrica civis (al. c);
XXXII. No período que ora releva, o 2.º semestre de 1996, as taxas em apreço constavam da Portaria n.º 249/96, de 9 de julho, que entrou em vigor a 1 de julho de 1996, emitida ao abrigo dos citada n.º 1 do artigo 9.º do Decreto-Lei n.º 207/92 e n.º 2 do artigo 25.º do Decreto-Lei n.º 338/88;
XXXIII. Ora, conforme demonstrado nos autos, a ora Recorrida é um operador televisivo licenciado para a exploração do 4.º canal, encontrando-se a sua atividade inserida nas telecomunicações públicas de difusão (ou simplesmente teledifusão) (cfr. artigos 2.º, n.º 3 e 3.º, n.º 2 do Decreto-Lei n.º 401/90, de 20 de Dezembro);
XXXIV. Nos termos autorizados pelo artigo 3.º, n.º 2 do citado Decreto-Lei n.º 401/90, a Recorrida optou pela titularidade de meios próprios para o transporte e difusão do seu sinal de televisão para todo o território nacional;
XXXV. O facto de tais meios próprios - leia-se: a rede - transportar unicamente, e por imposição legal, o sinal televisivo da ora Recorrida, ao contrário do que sucedia com a rede da TDP, levou a Exequente ora Recorrente a considerar - indevidamente e à margem da lei - que tal atividade revestia a natureza de radiocomunicação privativa;
XXXVI. No entanto, na perspetiva técnica ou tecnológica e também na ótica dos encargos de fiscalização da Recorrente, esta sim relevante nos termos legais, a rede da Recorrida não apresentava, por comparação à rede da TDP, qualquer diferença adicional que justificasse uma tributação mais elevada;
XXXVII. Como decorre da prova testemunhal produzida nos autos, "tecnologicamente" as redes da Recorrida e da TDP eram "idênticas", sendo a "única diferença" que a rede da TDP tinha maior capacidade por ser mais larga, já que transportava os sinais da RTP e da SIC;
XXXVIII. Ficou, pois, evidenciado que as características físicas e técnicas das infraestruturas em questão não apresentavam diferenças que pudessem fundamentar o agravamento da tributação incidente sobre uma delas, tributação que, como impunha o n.º 2 do artigo 27.º do Decreto-Lei n.º 147/87, tinha de ter como referencial os "encargos da fiscalização radioelétrica correspondente" e não outro qualquer critério;
XXXIX. Não foi minimamente demonstrado, pelo contrário, que a natureza própria dos meios utilizados pela ora Recorrida para transportar e difundir o seu sinal televisivo gerava encargos de fiscalização adicionais por comparação com os encargos de fiscalização gerados pela rede da TDP;
XL. No entanto, a tributação incidente sobre a TDP em matéria de ocupação do domínio público radioelétrico era inferior, pelo que não restam quaisquer dúvidas de que a Portaria que serve de base à cobrança da dívida exequenda está ferida de ilegalidade;
XLI. No entanto, ainda que se admita que a cobrança coerciva é legal - no que não se concede -, nunca poderia abranger a totalidade da dívida, mas uma parte dela, uma vez que correu, junto do Tribunal de Círculo e da Comarca de Oeiras, um processo de recuperação de empresa requerido pela ora Recorrida, em virtude das dificuldades financeiras que enfrentou em meados da década de 90, no âmbito do qual foi apresentada, por alguns dos seus credores, uma proposta de recuperação que, relativamente aos créditos comuns desta previa o pagamento de 30% do capital e dos juros vencidos até 30 de junho de 1997 uma única prestação ao fim de 10 anos sobre a data do trânsito em julgado da decisão de homologação da deliberação que aprovar esta proposta, incluindo perdão dos juros vencidos posteriormente a 30 de junho e dos juros vincendos, bem como a sujeição da redução de créditos e da moratória à cláusula "salvo regresso de melhor fortuna";
XLII. Uma vez que a Recorrente, nas relações como a A……….., ora Recorrida, sempre reconheceu a plena aplicabilidade daquele plano de recuperação aos créditos que detinha sobre esta última, pelo que mesmo que se admita que a cobrança do seu crédito é legal - o que não se concede - deverá o montante ser reduzido a 30% do capital e dos juros vencidos até à data limite de 30/06/1997.


Termos em que não deve ser concedido provimento ao presente recurso e, em consequência deve a douta sentença recorrida ser mantida, devendo ser proferido acórdão que julgue totalmente improcedente o recurso interposto.


Mais se requer a V.ªs Excelências, a coberto do disposto no 665.º, N.º 2, do cpc, aplicado ex vi artigo 2.º, alínea e) e artigo 281.º, ambos do CPPT e 2.º, alínea d), da LGT, e prevenindo a necessidade da sua apreciação, e se tal se mostrar necessário, a apreciação dos seguintes fundamentos não apreciados na petição inicial:
i) falsidade do título executivo, por não contemplar o pagamento parcial efetuado pela oponente;
ii) ilegalidade abstrata; e
iii) errada quantificação da quantia exequenda.

O Magistrado do Ministério Público junto do Supremo Tribunal Administrativo emitiu parecer no sentido da improcedência do recurso, por decurso do prazo de prescrição, sem se pronunciar quanto ao pedido de ampliação do objecto do recurso.


A sentença recorrida considerou provados os seguintes factos:

A. A 26.07.1996 foi pelo Instituto das Comunicações de Portugal emitida a factura n.º 960722080, em nome da Oponente, para pagamento da quantia de 28.650.145$00, referente a taxas de utilização do espectro radioeléctrico no serviço fixo de radiocomunicações privativas, ligações hertzianas multivia, taxas de utilização de faixas de emissores de radiodifusão televisiva e taxas de licenciamento, relativas ao 2.º semestre de 1996 [cf. fls. 22 a 24 dos autos].

B. A 17.08.1996 foi a factura identificada no ponto anterior recebida pela Oponente [cf. fls. 22 a 24 dos autos].

C. Por carta datada de 26.08.1996, da autoria da Oponente dirigida à Entidade Exequente, foi remetido o cheque n.º 241.0490211 sobre o Banco ………., no valor de 552.690$00, para pagamento parcial do valor identificado em A) supra [cf. fls. 194 e 195 dos autos].

D. Por carta datada de 16.09.1996, da autoria da Entidade Exequente dirigida à Oponente, foi devolvido o cheque n.º 241.0490211 sobre o Banco ………., por não corresponder ao montante em dívida na factura identificada em A) supra [cf. fls. 196 dos autos].

E. A 27.11.1996 foi pela Oponente apresentada Impugnação Judicial contra as liquidações identificadas em A) supra, que correu termos no Tribunal Tributário de 1.ª Instância sob o n.º 14/97, tendo sido proferido acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, em 23.11.2004, a confirmar a decisão de procedência da excepção de caducidade do direito de acção, notificado através de ofício de 25.11.2004 [cf. artigo 5.º da p.i. e fls. 25, 342 e 343 dos autos].

F. O processo judicial identificado no ponto anterior foi concluso ao juiz para prolação de sentença em 11.03.1999, e cobrado em 03.04.2000, para junção de documentos apresentados pela A............ [cf. fls. 171 dos autos].

G. A 30.07.1997 foi pela Oponente apresentado junto do Tribunal de Círculo e da Comarca de Oeiras, petição para despoletar processo de recuperação de empresa que correu termos com o n.º 892/97, pelo 2.º Juízo Cível do Tribunal de Círculo e da Comarca de Lisboa [acordo - cf. artigo 85.º da p.i. e artigo 27.º da contestação, e fls. 181 e 203 a 319 dos autos].

H. A 27.10.1997 foi determinado, em sede do processo identificado no ponto anterior, o prosseguimento da acção como processo de recuperação de empresa [cf. certidão do processo n.º 892/97, a fls. 203 a 208 dos autos].

I. Por sentença de 04.06.1998, transitada em julgado em 22.06.1998 foi homologada a proposta de gestão controlada aprovada pelos credores, por um ano, em sede do processo de recuperação de empresa identificado em G) supra [cf. certidão do processo n.º 892/97, a fls. 211 e 315 a 317 dos autos]

J. Por carta datada de 23.02.1999, da Oponente foi remetido à Entidade Exequente comunicação, da qual consta nomeadamente o seguinte:

"(…) Desse Plano faz parte uma medida de recuperação com incidência sobre o passivo, de acordo com a qual os créditos comuns anteriores a 30/06/97 não convertidos em capital, aí se incluindo o crédito de que é titular V. empresa, serão pagos numa única prestação no prazo de 10 anos a contar da data do trânsito em julgado da homologação da citada medida (04/06/08) pelo montante de 30% no caso - que já se verificou, de os accionistas, no exercício do seu direito de preferência, não subscreverem um mínimo de 12 milhões de acções no aumento de capital que também foi deliberado no âmbito do Plano de Gestão Controlada. (…)" [cf. fls. 188 e 189 dos autos].

K. A 07.01.2005 foi apresentada nova Impugnação Judicial contra as liquidações identificadas em A) supra, que correu termos sob o n.º 31/05.1BESNT, tendo sido proferida decisão de rejeição liminar em primeira instância, decisão confirmada por acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul, de 14.06.2011 [cf. artigo 10.º da p.i. e fls. 340 a 365 dos autos].

L. A 31.07.2009 foi instaurado no Serviço de Finanças de Oeiras 2, o processo de execução fiscal n.º 365420091059203, com base em certidão de dívida n.º 00010M/2009, no valor de €142.906,32, emitida pela ANACOM - Autoridade Nacional de Comunicações, por falta de pagamento da factura n.º F967022080, identificada em A) supra [cf. fls. 106 e 107 dos autos].

M. A 11.08.2009 foi a Oponente citada em sede do processo de execução fiscal identificado no ponto anterior [cf. fls. 109 dos autos].

N. A 08.09.2009 foi pela Oponente apresentada a petição inicial que deu origem aos presentes autos [cf. informação oficial a fls. 103 dos autos].

O. A 07.10.2009 foi entregue no Serviço de Finanças de Oeiras 2 a garantia bancária n.º 125-02-1596587, de 01.10.2009, emitida pelo Millenium BCP [cf. fls. 113 dos autos]..

Questão objecto de recurso:
1- admissibilidade da ampliação do objecto de recurso
2- prescrição da dívida exequenda

1- admissibilidade do pedido subsidiário de ampliação do objecto do recurso

A ampliação do objecto do recurso pode ocorrer quando se verifique uma das situações previstas no art.º 636.º do Código de Processo Civil, aqui aplicável subsidiariamente por força do disposto no art.º 281.º do Código de Processo e Procedimento Tributário. Para a sua admissibilidade, na ausência de invocação de nulidade de sentença e de errada determinação da matéria de facto, cuja apreciação nunca competiria a esta instância cujos poderes cognitivos se confinam a questões de direito, importa que:
1- haja pluralidade de fundamentos, circunstância que aqui ocorre - prescrição da dívida exequenda; ilegalidade abstracta, por violação dos princípios de legais da tipicidade e da imparcialidade e inconstitucionalidade por violação do princípio da igualdade; errada quantificação da quantia exequenda, em virtude de ser aplicável a decisão proferida em sede de processo de recuperação de empresa, devendo o montante ser reduzido a 30% do capital e dos juros vencidos até à data limite de 30.06.1997.

2- haja decaimento parcial da parte vencedora, circunstância aqui não em causa.
A oponente, aqui recorrida tendo apresentado uma pluralidade de fundamentos para a oposição teve ganho de causa pela análise de um dos fundamentos invocados que satisfez a sua pretensão, tornando desnecessária a apreciação dos demais fundamentos.
No caso de o recurso ser julgado procedente não há qualquer possibilidade, neste caso, do tribunal de recurso decidir sobre os fundamentos não apreciados pelo tribunal recorrido sob pena de proceder ao conhecimento em primeira instância, privando as partes do seu direito ao recurso das decisões judiciais que afectem os seus interesses, art.º 679 do Código de Processo Civil, aqui aplicável por força do disposto no art. 281.º do Código de Processo e Procedimento Tributário.
Não se admite, pois, pelos indicados fundamentos a requerida ampliação do objecto do recurso.
2- Prescrição da dívida exequenda

Estamos perante um processo de oposição deduzida contra da execução fiscal n.º 3654200901059203, instaurado no Serviço de Finanças de Oeiras 2, em 2009 para cobrança de dívida ao ICP – Autoridade Nacional de Comunicações, no valor de € 142.906,32, e acrescido, por falta de pagamento referente a taxas de utilização do espectro radioeléctrico no serviço fixo de radiocomunicações privativas, ligações hertzianas multivia, taxas de utilização de faixas de emissores de radiodifusão televisiva e taxas de licenciamento, relativas ao 2.º semestre de 1996, isto é 13 anos após a data em que a taxa devia ter sido paga.
As partes não suscitaram qualquer questão relativamente quer à suficiência quer à correcção da matéria de facto considerada provada ainda que apenas se tenha uma ideia sobre a existência de um plano de recuperação por uma missiva nele referida trocada entre a executada e a exequente onde se escreveu:
«Desse Plano faz parte uma medida de recuperação com incidência sobre o passivo, de acordo com a qual os créditos comuns anteriores a 30/06/97 não convertidos em capital, aí se incluindo o crédito de que é titular V. empresa, serão pagos numa única prestação no prazo de 10 anos a contar da data do trânsito em julgado da homologação da citada medida (04/06/08) pelo montante de 30% no caso - que já se verificou, de os accionistas, no exercício do seu direito de preferência, não subscreverem um mínimo de 12 milhões de acções no aumento de capital que também foi deliberado no âmbito do Plano de Gestão Controlada». Nada se sabe sobre qual a medida de recuperação com incidência sobre o passivo, que está em causa, o seu concreto teor, se incluía moratórias, perdão parcial de dívida, se era e ou permanecia um crédito privilegiado ou comum, etc. Podemos dizer que não foi paga porque ambas as partes concordam que, pelo menos uma parte dela não foi paga, o que é manifestamente insuficiente para se poder aquilatar do que foi acordado, e cumprido no processo de recuperação de empresas a que a oponente esteve sujeita.
De todo o modo, pretende a recorrente que a sentença seja revogada por não ter considerado que a dívida em causa estaria sujeita ao prazo geral de prescrição das dívidas civis, 20 anos, por aplicação do disposto no art.º 311.º do Código Civil, considerando ainda que a oponente ao invocar a prescrição da dívida o faz com manifesto abuso de direito.
Para a decisão deste recurso, aliás como para qualquer decisão judicial, o que não está nos autos, não existe nem pode ser levado em linha de conta para a decisão a proferir. Assim, se a exequente dispõe de uma sentença judicial que constitui título executivo para proceder a cobrança não do montante referido na alínea A) da matéria provada, mas daquilo que acordou receber no processo de recuperação de empresas é questão que não podemos nem afirmar nem infirmar. Se essa dívida poderá estar ou não sujeita ao prazo de prescrição das dívidas civis, invocado pela exequente, se mantém a natureza de dívida fiscal, entre outras questões jurídicas que se colocam quanto aos acordos firmados pelos credores em processo de insolvência ou de recuperação de empresas, à luz do art.º 94.º do CPEREF “ a deliberação da assembleia de credores que aprove uma ou mais providências de reestruturação financeira, depois de homologada, vale não só nas relações entre credores e a empresa, mas também relativamente a terceiro”, tudo são questões que aqui não podem sequer ser equacionadas dado que o pedido executivo, apresentado em execução fiscal é tão só de cobrança coerciva daquelas taxas que deveriam ter sido pagas em 1996.
Para este pedido apenas poderemos confirmar que a sentença recorrida procedeu a uma correcta identificação da lei aplicável que interpretou também adequadamente ao dizer que:
«(…) (a) quantia exequenda do processo de execução fiscal em apreço dívidas referentes a taxas de utilização do espectro radioeléctrico no serviço fixo de radiocomunicações privativas, ligações hertzianas multivia, taxas de utilização de faixas de emissores de radiodifusão televisiva e taxas de licenciamento, ao qual se aplica o prazo de prescrição constante no artigo 34.º do Código de Processo Tributário (CPT), de 10 anos (n.º 1), com início a 1 de Janeiro de 1997 (n.º 2).
Nos termos do artigo 34.º, n.º 3 do CPT constitui facto interruptivo da prescrição a instauração do processo de impugnação judicial, razão pela qual em 27.11.1996, resultaria a interrupção do prazo de prescrição [cf. al. C) dos factos assentes].
A 1 de Janeiro de 1999, entrou em vigor do regime previsto da Lei Geral Tributária (LGT), pelo que o prazo de prescrição aplicável seria o de 8 anos, constante no artigo 48.º, n.º 1, daquele diploma, atento o disposto no artigo 297.º, n.º 1, do Código Civil (CC), aplicável ex vi do artigo 5.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 398/98, de 17 de Dezembro, que aprovou a LGT, uma vez que à data da entrada em vigor desta Lei – 1 de Janeiro de 1999 – à luz do CPT faltava mais de oito anos para se completar a prescrição.
Dispõe o n.º 1 do artigo 297.º do Código Civil que “[a] lei que estabelecer, para qualquer efeito, um prazo mais curto do que o fixado na lei anterior é também aplicável aos prazos que já estiverem em curso, mas o prazo só se conta a partir da entrada em vigor da nova lei, a não ser que, segundo a lei antiga, falte menos tempo para o prazo se completar”.
Estabelecia o artigo 48.º da LGT, na redacção original, no que concerne à prescrição, que:
“1 - As dívidas tributárias prescrevem, salvo o disposto em lei especial, no prazo de oito anos contados, nos impostos periódicos, a partir do termo do ano em que se verificou o facto tributário e, nos impostos de obrigação única, a partir da data em que o facto tributário ocorreu.
2 - As causas de suspensão ou interrupção da prescrição aproveitam igualmente ao devedor principal e aos responsáveis solidários ou subsidiários.
3 - A interrupção da prescrição relativamente ao devedor principal não produz efeitos quanto ao responsável subsidiário se a citação deste, em processo de execução fiscal, for efectuada após o 5.º ano posterior ao da liquidação.”
Já no artigo 49.º da LGT, na redacção originária, que estabelecia os factos interruptivos e suspensivos da prescrição, pode ler-se:
“1 - A reclamação, o recurso hierárquico, a impugnação e o pedido de revisão oficiosa da liquidação do tributo interrompem a prescrição.
2 - A paragem do processo por período superior a um ano por facto não imputável ao sujeito passivo faz cessar o efeito previsto no número anterior, somando-se, neste caso, o tempo que decorrer após esse período ao que tiver decorrido até à data da autuação.
3 - O prazo de prescrição legal suspende-se por motivo de paragem do processo de execução fiscal em virtude de pagamento ou prestação legalmente autorizada, ou de reclamação, impugnação ou recurso.”
E, porque vem provado que a impugnação judicial esteve parada por mais de um ano, a partir de 11.03.1999 a aguardar a prolação de sentença, o prazo interruptivo degenerou em suspensivo com efeitos a partir de 11.03.2000 – cf. artigo 49.º, n.º 2 da LGT -, fazendo com que, inexistindo prazo a computar desde o facto tributário até à data da autuação da impugnação, porque anterior àquele, será apenas de iniciar a contagem do prazo de prescrição após 11.03.2000.
Importa igualmente registar que resulta provado o decurso de processo de recuperação de empresa, pelo que se pode ler no artigo 29.º do Código dos Processos Especiais de Recuperação de Empresa e de Falência, que: “1 - Proferido o despacho de prosseguimento da acção, ficam imediatamente suspensas todas as execuções instauradas contra o devedor e todas as diligências de acções executivas que atinjam o seu património, incluindo as que tenham por fim a cobrança de créditos com privilégio ou com preferência; a suspensão abrange todos os prazos de prescrição e de caducidade oponíveis pelo devedor. 2 - A suspensão mantém-se até ao termo do prazo máximo estabelecido para a deliberação da assembleia de credores, fixado no n.º 1 do artigo 53.º, ou, antes disso, até ao trânsito em julgado da decisão que homologue ou rejeite a providência de recuperação aprovada, declare findos os efeitos do despacho de prosseguimento ou determine a extinção da instância, não podendo, porém, a cessação da suspensão prejudicar o disposto nos artigos 95.º, n.º 2, e 103.º, n.º 4.”
Desta forma face à prolação de despacho de prosseguimento da acção de recuperação da Oponente, ocorrido em 27.10.1997 [cf. al. F) dos factos assentes], foi suspenso o prazo de prescrição.
Atento o disposto no artigo 103.º, n.º 2 do CPEREF, a aprovação de um plano de gestão controlada determina a manutenção da suspensão do prazo de prescrição durante esse período. Assim sendo, o prazo de prescrição esteve suspenso desde a data da prolação de despacho de prosseguimento da acção de recuperação da Oponente, ocorrido em 27.10.1997, até à data de trânsito em julgado da decisão que homologue a providência de recuperação aprovada, mantendo-se por todo o período em que durou a gestão controlada, ou seja, até 22.06.1999 [cf. al. G) dos factos assentes].
Considerando que este período de suspensão decorrido entre 27.10.1999 e 22.06.1999, ficou integrado no período temporal que obteve os efeitos da interrupção, convertida em posterior suspensão, do prazo de prescrição por efeito da interposição da impugnação judicial, acima analisado, até 11.03.2000, verificamos que será este último a prevalecer para efeitos de reinício de contagem do prazo de prescrição.
E, de acordo com o novo regime de prescrição previsto no artigo 49.º, n.º 1 da LGT constitui causa de interrupção do prazo de prescrição a citação do executado – no caso em concreto verificamos que em 11.08.2009 foi o oponente citado [cf. al. K) dos factos assentes].
Contudo, nesta data já havia sido ultrapassado o prazo de oito anos a contar desde 11.03.2000, que terminou em 11.03.2008.», ou, mais simplesmente que a exequente instaurou uma execução quando estava já prescrita a dívida exequenda, à luz da lei tributária e, tendo em conta os diversos factos interruptivos e suspensivos aplicáveis ao caso concreto, nomeadamente a consideração do processo de recuperação de empresas, com a suspensão do prazo de prescrição previsto nos artigos 29.º, n.º 2.º, e 103.º, n.º 2, ambos do CPEREF - Código dos Processos Especiais de Recuperação da Empresa e de Falência-. A impossibilidade de o credor obter a satisfação do seu crédito na pendência do processo de recuperação de empresas ou de falência, fora da execução universal de bens do devedor que ele constitui, está suficientemente salvaguardada por tais dispositivos legais, não podendo, por falta de fundamento legal, ser concedido à exequente um tratamento de favor relativamente aos demais credores.
No processo de recuperação da empresa executada, por sentença de 25.06.1999, transitada em julgado em 19.07.1999, foi declarada extinta a instância por ter decorrido um ano de gestão controlada aprovada pelos credores. A exequente, que parece não ter visto satisfeito o seu crédito, aguardou por 2009, dez anos, para instaurar a execução fiscal e só este tempo de espera era suficiente para que o prazo de prescrição se completasse ainda que nenhum prazo tivesse decorrido anteriormente.
Assim, face aos elementos carreados para os autos apenas poderemos confirmar que a dívida exequenda nascida em 1996 se mostrava prescrita à data de instauração da execução fiscal, que, por isso não pode prosseguir os seus termos, sem que haja fundamento legal para suportar nem um abuso de direito por parte da executada, nem o alargamento do prazo de prescrição, como pretendido pela exequente.
A prescrição das dívidas tributárias é matéria relativa aos direitos dos contribuintes, que decorre de normas expressas e não é passível de alargamentos, nem com base no disposto no art.º 311.º do Código Civil, este, sem aplicação a dívidas tributárias que seguem um regime legal próprio em sede de prescrição, como enunciado na sentença recorrida.

A sentença recorrida, fez, pois, uma correcta interpretação da lei aplicável à situação sub judice, pelo que não enferma do erro de direito que lhe vinha apontado, a determinar a sua confirmação.



Deliberação
Termos em que acordam os Juízes da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo em negar provimento ao recurso, e, confirmar a sentença recorrida.
Custas pela recorrente.

(Processado e revisto pela relatora com recurso a meios informáticos (art.º 131º nº 5 do Código de Processo Civil, ex vi artº 2º Código de Procedimento e Processo Tributário).

Lisboa, 3 de Maio de 2018. - Ana Paula Lobo (relatora) - António Pimpão - Francisco Rothes.