DGPJ

Cláusulas Abusivas
Processo: 2482/10.3YXLSB
Tribunal 1ª instância: COMARCA DE LISBOA
Juízo ou Secção: INSTÂNCIA LOCAL - 18º JUÍZO CÍVEL
Tipo de Ação: AÇÃO INIBITÓRIA
Tipo de Contrato: CONTRATO DE CRÉDITO À HABITAÇÃO
Autor: MINISTÉRIO PÚBLICO
Réu: DEUTSCHE BANK EUROPE GMBH - SUCURSAL EM PORTUGAL
Data da Decisão: 03/03/2014
Descritores: PRINCÍPIO DA BOA FÉ
IMPOSIÇÃO DE FICÇÕES
IMPOSIÇÃO DO FORO COMPETENTE
REPARTIÇÃO DO ÓNUS DA PROVA
FACULDADE DE MODIFICAÇÃO DAS PRESTAÇÕES
Texto das Cláusulas Abusivas: Nos termos e pelos fundamentos expostos, julgo a presente acção instaurada pelo MINISTÉRIO PÚBLICO contra DEUTSCHE BANK (PORTUGAL), S.A., parcialmente procedente e, consequentemente declaro nulas, com o âmbito abaixo referido, as seguintes cláusulas inseridas pela Ré nos seus contratos de crédito à habitação, com a obrigação de se abster de as utilizar em contratos que venha a celebrar no futuro:
I. Cláusula de compensação de créditos:
- cláusula 4.ª, n.º 2 do Documento Complementar que integra as Cláusulas dos contrato de mútuo:
" O DB PORTUGAL fica desde já autorizado a movimentar a Conta para os efeitos previstos no número anterior, e bem assim a debitar quaisquer contas junto dos seus balcões de que o(s) MUTUÁRIO(S) e independentemente da verificação dos pressupostos da compensação legal".
na medida em que autorizam a Ré a proceder à compensação de créditos mediante o débito de outras contas do aderente de que este seja co-titular, em qualquer regime de movimentação, para além da respectiva proporção na titularidade do respectivo saldo.
II. Cláusulas de vencimento e exigibilidade imediata:
- cláusula 10.ª, n.º 1, alíneas a), b) e c), e n.º 3, sob a epígrafe "Vencimento Antecipado" do Documento Complementar que integra as Cláusulas dos contrato de mútuo:
" Um. Sem prejuízo de quaisquer outros direitos que lhe sejam conferidos por lei e pelo presente contrato, o DB PORTUGAL poderá considerar automaticamente vencidas todas as obrigações ora assumidas pelo(s) MUTUÁRIO(S), e exigir o seu cumprimento imediato, sempre que se verifique qualquer uma das seguintes situações:
a) Se o(s) MUTUÁRIO(S) não cumprir(em) atempada e integralmente qualquer obrigação para [si/eles] decorrente do presente contrato, nomeadamente se não proceder(em) ao pagamento de quaisquer quantias devidas ao DB PORTUGAL;
b) Se as declarações e garantias prestadas nos termos dos artigos sétimo e oitavo supra se revelarem ou tornarem falsas ou inexactas, por acção ou omissão, no todo ou em parte;
c) Se a hipoteca constituída ao abrigo do presente contrato não chegar a ou deixar de constituir garantia válida e eficaz para o DB PORTUGAL, ou se o respectivo valor deixar de cobrir de forma adequada as obrigações pecuniárias ora assumidas pelo(s) MUTUÁRIO(S);
" Três. A falta de cumprimento integral e atempado de qualquer das obrigações contratuais do(s) MUTUÁRIO(S) confere ao DB PORTUGAL a faculdade de considerar automaticamente vencidas as demais obrigações do(s) MUTUÁRIO(S), resultantes deste contrato, bem como quaisquer outras obrigações por este assumidas perante o DB PORTUGAL, ainda que não vencidas."
na medida em que permitem à Ré considerar vencidas e imediatamente exigíveis todas as obrigações decorrentes do contrato, para além do incumprimento da obrigação de pagamento das prestações acordadas, em situações de incumprimento de obrigações acessórias ou de importância diminuta relacionadas com o mútuo ou com base na possibilidade da hipoteca deixar de constituir garantia válida e eficaz ou do seu valor deixar de cobrir de forma adequada as obrigações assumidas.
III. Cláusula de competência territorial:
- a cláusula 14.ª, sob a epígrafe "Lei Aplicável e Jurisdição", do Documento Complementar que integra as Cláusulas dos contrato de mútuo:
" O presente contrato está sujeito à lei portuguesa, e para todas as questões dele emergentes as partes elegem, ressalvadas as limitações previstas na lei, o foro do Tribunal da Comarca de Lisboa",
na medida em que estabelece um foro convencional obrigatório no que se refere a acções em que sejam partes pessoas singulares, para além daquelas abrangidas pela redacção do artigo 74.º, n.º 1 do anterior Código de Processo Civil, actual artigo 71.º, n.º 1 do Código de Processo Civil.
Recursos: S

Recurso TRIBUNAL RELAÇÃO LISBOA
Relator: EZAGÜY MARTINS
Data do Acórdão: 10/02/2014
Decisão: Em observância do disposto no art.º 663º, n.º 7, do novo Código de Processo Civil, passa a elaborar-se sumário, como segue:
I - É nula, por contrária à boa-fé, a cláusula contratual geral, inserta em contrato de mútuo para aquisição de habitação, que permite ao utilizador considerar vencidas e imediatamente exigíveis todas as obrigações decorrentes do contrato em situações de incumprimento de obrigações acessórias, de importância diminuta, ou outras, de escassa importância, relacionada com o mútuo.
II - É ainda nula tal cláusula enquanto confere essa possibilidade ao utilizador na eventualidade de a hipoteca deixar de constituir garantia válida e eficaz ou de o seu valor deixar de cobrir de forma adequada as obrigações assumidas, mesmo no caso de tais circunstâncias serem alheias a facto imputável ao mutuário, sem oferecer a este a possibilidade de reforço ou substituição.
III - Na previsão do art.º 71º do novo Código de Processo Civil não estão contempladas as acções de resolução de contrato de financiamento/mútuo que se não funde em falta de cumprimento, bem como as acções de anulação ou declaração de nulidade do mesmo contrato.
IV - Quanto a tais acções poderá colocar-se a questão da violação, por cláusula de foro convencional, do disposto no art.º 19º, al. g), do Decreto-Lei n.º 446/85, na medida em que seja equacionável uma desrazoável perturbação do equilíbrio de interesses, em detrimento da contraparte do utilizador.
V - A publicidade das decisões judiciais que proíbam o uso ou a recomendação de cláusulas contratuais gerais é um dos suportes de eficácia do sistema criado pela LCCG., não implicando violação do princípio da proporcionalidade (também chamado princípio da proibição do excesso), que é uma limitação geral ao exercício do poder público, decorrente do princípio do Estado de Direito consagrado no art.º 2 da Constituição da República Portuguesa.
VI - Com a posterior Lei de Defesa do Consumidor - Lei n.º 24/96, de 31 de Julho, com alteração mais recente introduzida pela Lei n.º 47/2014, de 28 de Julho - a situação alterou-se, em termos de se poder sustentar que não só não é mais necessária a iniciativa do autor, como a publicitação da sentença passa agora a ser obrigatória.

Recurso SUPREMO TRIBUNAL JUSTIÇA
Relator: HELDER ROQUE
Data do Acórdão: 06/25/2015
Decisão: Por tudo quanto exposto ficou, acordam os Juízes que constituem a 1.ª secção cível do Supremo Tribunal de Justiça, em negar a revista do réu, confirmando o douto acórdão recorrido.

Sumário:
I - O regime das «cláusulas contratuais gerais» constitui uma resposta normativa à instauração, por iniciativa privada, de uma ordem contratual, significativamente, divergente dos critérios legais orientados para uma equilibrada composição de interesses, em prejuízo de um amplo círculo de contraentes, em que uma parte pré-dispõe, potestativamente, e sujeita, inelutavelmente, a outra à aceitação ou rejeição, integral e em bloco, de um determinado quadro contratual programado.
II - A reciprocidade dos créditos implica que a compensação apenas tenha lugar, em relação a débitos e créditos existentes entre os mesmos dois sujeitos, isto é, o declarante só pode utilizar, para operar a compensação, créditos que sejam seus, e não créditos alheios, ainda que o titular respetivo dê o seu consentimento, inexistindo a possibilidade da invocação da compensação de um crédito ou débito de outro condevedor ou concredor solidário.
III - Sendo admissível a invocação da compensação pelo Banco de um crédito, exclusivamente, seu sobre o titular de um depósito bancário em conta solidária, à custa da quota-parte do respetivo saldo, já se deve excluir a hipótese de invocação dum crédito ou débito de um outro credor ou devedor, para obter a compensação, pois que esse credor ou devedor, quando se invoca um crédito ou uma dívida, exclusivamente, dele, estranha à obrigação solidária, é um terceiro.
IV - O Banco não pode, unilateralmente, por sua iniciativa, ou seja, sem qualquer um dos titulares da conta solicitar o cumprimento, extinguir a relação jurídica, operando a compensação com um crédito de outro dos co-titulares da conta, solidária ou coletiva, que sejam, simultaneamente, seus devedores.
V - As exigências fixadas para a compensação legal, de que se prescinde na compensação convencional, devem conter-se, «dentro dos limites da lei», estabelecidos para a liberdade negocial, ou seja, da não existência de quaisquer razões de interesse e ordem pública que sejam, forçosamente, violadas por semelhante convenção.
VI - A abertura de conta não equivale ao acordo de compensação, sendo necessário uma convenção suplementar quanto à compensação, não apenas, no âmbito do contrato de mútuo hipotecário destinado à habitação, mas, desde logo, no que concerne ao contrato de abertura da conta-depósito, em que o co-titular da conta coletiva, conjunta ou solidária, no ato formal da sua abertura, ou, posteriormente, tenha autorizado o outro co-titular, devedor no contrato de mútuo hipotecário para a habitação, a proceder à sua movimentação, para além da proporção na titularidade do respetivo saldo, sob pena de, não se provando a mesma, não se tornar operante a compensação voluntária.
VII - Não é admissível a compensação, durante a vigência do contrato de depósito bancário, por se tratar de uma causa de extinção das obrigações que opera além do cumprimento, e a convenção de depósito impor ao depositário a obrigação de restituição do capital quando tal lhe for exigido pelo depositante.
VIII - O direito do credor exigir a substituição ou o reforço de garantias, quando a hipoteca se torna insuficiente, tem, necessariamente, por fundamento uma causa que não lhe seja imputável, antes resultando de culpa do devedor ou de caso fortuito, sendo que o seu campo preferencial de aplicação tem lugar nas situações de caso fortuito, sem culpa do credor ou do devedor, excetuando a hipótese de, sendo a causa imputável ao devedor, o credor não usar da faculdade alternativa de reclamar do devedor o cumprimento imediato da obrigação.
IX - Em situações de incumprimento de obrigações acessórias de escassa importância, ou em que a hipoteca deixou de constituir garantia válida e eficaz ou de o seu valor deixar de cobrir, de forma adequada, as obrigações assumidas, por circunstâncias meramente fortuitas, não é de exigir que «a possibilidade de reforço ou substituição» das obrigações assumidas pelo aderente seja alcançada, através «de garantia suficiente para assegurar a satisfação integral da obrigação mutuária».
X - A cláusula de convenção de foro, restrita à competência em razão do território, e, mesmo assim, ainda com a ressalva dos casos de conhecimento oficioso, quando estipula como competente um determinado foro, com expressa renúncia de qualquer outro, é nula, desde que extravase os limites da autonomia contratual, o que acontece quando envolva grandes inconvenientes para uma das partes, sem que os interesses da outra o justifiquem.
XI - A competência eletiva que resulta do clausulado imposto pelo predisponente, ou seja, «o foro do Tribunal da Comarca de Lisboa, ressalvadas as limitações previstas na lei», encontra-se ao arrepio dos mais recentes propósitos do legislador, que apostou, preferencialmente, na competência territorial do tribunal da comarca do demandado, como sinal de reforço do valor constitucional da defesa do consumidor, ao aproximar a justiça do cidadão, permitindo-lhe um pleno exercício dos seus direitos em juízo.
XII - Quando a acção for proposta pelo predisponente contra o aderente, pessoa singular, a mesma seria intentada, no tribunal do domicílio do réu, observando-se o valor constitucional da defesa do consumidor, e, quando proposta pelo aderente, pessoa singular, contra o predisponente, podendo, então, aquele optar pelo tribunal do lugar onde a obrigação deveria ser cumprida, o aludido valor seria cumprido, a manter-se o texto do clausulado, se tivesse domicílio na área metropolitana de Lisboa, mas tal já não aconteceria com qualquer outro aderente, pessoa singular, que não tenha domicílio na área metropolitana de Lisboa.
XIII - O suprimento oficioso do Tribunal destinado a corrigir a competência eletiva fixada não permite considerar a cláusula convencional de competência territorial como questão académica, até pela circunstância fortuita de não vir a ser exercido esse poder-dever de conhecimento oficioso.
XIV - A condenação do vencido a dar publicidade à sentença que proíba a inclusão, em contratos de adesão, de claúsulas contratuais gerais, representando um facto negativo para a imagem e bom-nome da pessoa condenada, sendo, portanto, susceptível de lhe causar prejuízos, nalguns casos, significativos, constitui uma censura adicional pelo facto cometido pelo agente, revestindo a natureza de uma verdadeira pena acessória, indissoluvelmente, ligada ao facto praticado e à culpa do agente, servindo, também, outras finalidades de prevenção.
XV - Sendo a publicação da sentença uma medida imposta por lei, a pedido do autor, em caso de condenação do vencido, independentemente do livre arbítrio do julgador, não resulta da sua aplicação, ao caso concreto, qualquer violação do princípio da proporcionalidade.
XVI - A publicação da decisão, em meios de comunicação social de maior expansão nacional, de natureza não obrigatória, porquanto depende de requerimento do autor, tem objectivos e subjacente uma filosofia diversa do instituto do registo, este de natureza vinculada para os tribunais, sempre que se esteja perante decisões que, por aplicação dos princípios e das normas constantes do RCCG, tenham proibido o uso ou a recomendação de cláusulas contratuais gerais ou declarem a nulidade de cláusulas inseridas em contratos singulares.
XVII - O objeto do registo são as cláusulas e não as decisões judiciais, embora resultantes da comunicação obrigatória destas pelos tribunais, de modo a constituir um compêndio de cláusulas declaradas nulas, por proibidas pela lei, com efeitos profiláticos para o futuro, quer em relação aos consumidores interessados na sua consulta, quer quanto a outros eventuais predisponentes interessados.
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Texto Integral: 2482_10_3YXLSB.pdf 2482_10_3YXLSB.pdf