DGPJ

Cláusulas Abusivas
Processo: 2047/15.3T8LSB
Tribunal 1ª instância: TRIBUNAL JUDICIAL DA COMARCA DE LISBOA
Juízo ou Secção: JUIZO LOCAL CÍVEL DE LISBOA - JUIZ 3
Tipo de Ação: AÇÃO INIBITÓRIA
Tipo de Contrato: CONTRATO DE UTILIZAÇÃO DE CARTÕES DE CRÉDITO
Autor: MINISTÉRIO PÚBLICO
Réu: BARCLAYS BANK PLC
Data da Decisão: 01/19/2017
Descritores: PRINCÍPIO DA BOA FÉ
REPARTIÇÃO DO ÓNUS DA PROVA
IMPOSIÇÃO DE FICÇÕES
Texto das Cláusulas Abusivas: Pelo exposto:
a) decalro extinta a instância, por inutilidade superveniente, quanto às cláusulas 6.4 parte inicial, 7.6 alínea v) e 16.9 do clausulado do Acordo de Utilização do cartão de crédito Barclaycard em vigor à data da entrada em juízo da presnete acção;
b) decalro nulas as cláusulas 6.4 parte final no segmento em que permite ao Banco Réu efectuar o débito em qualquer conta diferente da associada, e 8.2, segmento final do Acordo de Utilização do cartão de crédito Barclaycard.

Cláusula 6.4:
O Titular é responsável pelo pagamento ao Barclays de todas as despesas e encargos, devidamente justificados, que este tenha de suportar para tornar efectiva a impossibilidade de utilização do Cartão, nos casos de cancelamento, perda, extravio, furto, roubo ou falsificação, autorizando, desde já, o Barclays a proceder ao débito em conta, associada ou outra, dos respectivos valores.

Cláusula 8.2:
O Barclays assegura o envio do extracto Conta-Cartão nos termos do ponto 5.4 do qual constarão designadamente, e sem prejuízo dos demais elementos de informação previstos no ponto 5.4: i) a data limite para o pagamento; ii) a data-valor, descritivo e respetivo montante de cada uma das operações de pagamento efectuadas durante o período considerado, na moeda original e o respectivo contravalor em euros nos termos do ponto 3.6; iii) a data-valor, descritivo e respectivo montante dos pagamentos efectuados até à data considerada; iv) os juros correspondentes pagamentos parciais; v) a data-valor, descritivo e respectivo montante de eventuais encargos aplicáveis; vi) o valor mínimo, correspondente à soma do valor mínimo de reembolso da linha de crédito e à prestação fixa de reembolso do Crédito Especial, imposto do selo correspondente à prestação fixa mensal, caso este tenha sido concedido ao Titular. O Extracto da Conta-Cartão é considerado o documento de dívida do Titular e será considerado correto se não for recebida qualquer reclamação por escrito do Titular, devidamente documentada (designadamente com cópia das facturas ou comprovativos das operações efectuadas), enviada sem atraso injustificado, a contar da data de emissão do respectivo Extracto Conta-Cartão, nos termos do ponto 17. do presnete Acordo.
Recursos: S

Recurso TRIBUNAL RELAÇÃO LISBOA
Relator: JOSÉ CAPACETE
Data do Acórdão: 11/14/2017
Decisão: Por todo o exposto, acordam os juízes desta 7ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa, em julgar a apelação improcedente e, em consequência, confirmar a sentença recorrida.

SUMÁRIO:
1. A normalidade do declaratório para que apontam os arts. 10º da LCCG e 236º, nº 1, do CPC, implica:
- por um lado, a capacidade de o declaratário compreender o texto ou o conteúdo da declaração negocial;
- por outro lado, o zelo no acolhimento de todos os elementos que, coadjuvando a declaração, contribuam para a descoberta da vontade real do declarante.
2. No entanto, para além destes elementos, não pode deixar de relvar a posição assumida pelas partes na concretização do negócio, a qual deve, razoavelmente, corresponder ao que as partes entendem ser os direitos e as obrigações que para cada uma delas decorrem do negócio celebrado.
3. Sempre que a interpretação conduza a um resultado duvidoso, equívoco ou ambíguo, nos negócios gratuitos deve prevalecer o sentido menos gravoso para o disponente e, nos negócios onerosos, o que conduzir ao maior equilíbrio das prestações.
4. A interpretação das declarações negociais não se destina, salvo na situação prevista no artº 236º, nº 2, do CC, a fixar um facto simples - o sentido que o declarante quis imprimir à sua declaração - , mas o sentido jurídico, normativo, da declaração.
58. A interpretação de uma declaração negocial é matéria de direito quando tenha de ser feita segundo critério ou critérios legais (interpretação normativa, a que se refere o art. 236º, nº 1, do CC, ou a interpretação de negócios formais, conforme artº 238º) e é matéria de facto quando efetuada de harmonia com a vontade real do declarante, isto é, quando se prove que o declaratório conhecia a vontade real do declarante.
6. Constitui matéria de facto a indagação da vontade real do declarante e matéria de direito a interpretação efetuada segundo o critério legal do artº 236º, nº 1, do CC.
7. Num contrato de adesão, as ccg funcionam como normas que têm por destinatário um número indeterminado de indivíduos que a elas podem aderir, pelo que a sua interpretação visa, não a determinação da vontade real das partes, mas a indagação do sentido que um declaratário normal, colocado na posição do real declaratário, delas possa retirar, nos termos do n.º 1 do artº 236º, sendo, por isso, matéria de direito.
8. Assim sendo a interpretação normativa das ccg é tarefa que incumbe ao tribunal, não compete às testemunhas analisar e interpretar ccg e fornecer ao tribunal o sentido da sua interpretação.
9. A ação inibitória prevista no artº 25º da LCC é de uma ação condenatória numa "prestação de facto negativo", consistente na não utilização de ccg proibidas.
10. Através de uma ação deste tipo:
- opera-se a fiscalização ex ante do contrato abstrato, da validade de ccg, não estando a interdição judicial de determinada cláusula, que naquela venha a ser decretada, dependente de uma efetiva inclusão em contratos singulares, por forma a assegurar a proteção do consumidor contra abusos de posição dominante.
- efetiva-se o controlo abstrato das, assim chamado porque as cláusulas deixam de ser encaradas como componentes do conteúdo de um determinado contrato, para serem valoradas em si mesmas, enquanto elementos de uma ordem contratual predisposta para uma generalidade de contratos.
11. O que está em causa na valência da boa fé a que se reportam os ars. 15º e 16º da LCCG é a salvaguarda de uma composição de interesses que não seja excessivamente desequilibrada.
12. Independentemente de o regime de movimentação de uma conta ser ou não o da solidariedade, é proibida, logo nula, uma ccg inserta num contrato de adesão que permita ao Banco, por via do instituto da compensação, satisfazer o crédito que detém sobre apenas um cotitular com recurso ao débito de uma conta também titulada por outras pessoas.
13. O direito do banco à compensação relativamente a contas coletivas de que o aderente seja cotitular, é limitado ao montante que corresponde à presunção da quota-parte da sua titularidade nos respetivos saldos, sendo irrelevante:
- que a convenção de possibilidade de compensação resulte expressamente prevista noutros contratos, nomeadamente nos Contratos de Abertura de Conta celebrados com todos os titulares de todas as contas (coletivas ou não) existentes no Banco; ou
- a alegação de que a compensação respeita sempre a norma constante do artigo 853º, nº 2, do CC, por se tratar de uma previsão legal imperativa que não necessita de constar do contrato e que inviabiliza a compensação sempre que esta operação se revele prejudicial aos direitos de terceiro.
14. O sentido a dar a uma cláusula, que determina que o extrato da conta-cartão é considerado o documento de dívida do seu titular e que o mesmo é tido como correto ante a falta de reclamação por parte do titular, devidamente documentada, enviada ao réu sem atraso justificado após o seu recebimento, não pode ser outro que não o de fazer prevalecer, como realidade, o apuramento dos valores encontrados pela entidade bancária, arredando a possibilidade do utilizador do cartão poder fazer a demonstração dos montantes que efetivamente foram por si digitados por qualquer meio de prova.
15. Uma tal cláusula é absolutamente proibida (art. 21º, al. g), da LCCG), logo nula (art. 12º da LCCG), uma vez que, não só restringe a utilização dos meios probatórios admitidos na lei, como procede a uma valoração antecipada de um meio de prova, contrariando, consequentemente, os princípios legalmente estabelecidos quanto à repartição do ónus da prova.
16. Tal cláusula sempre teria de se considerada como proibida (art. 19º, al. d), da LCCG) logo nula (art. 12º);
- por prever a ficção de aceitação de uma dívida e, consequentemente, do seu pagamento, com base em factos insuficientes para a sua determinação; e
- por prever uma ficção de receção do extrato da conta-cartão por parte do titular do cartão.
17. A publicidade das decisões que proíbam o uso ou declarem a nulidade de cláusulas contratuais, em dois jornais diários de maior tiragem editado em Lisboa e Porto, constitui um expediente que permite, indiscutivelmente, uma adequada difusão do conhecimento de tais decisões, de modo a torná-las acessíveis a um maior número de eventuais interessados, aproveitando a terceiros que eventualmente tenham sido prejudicados com a ilegalidade das cláusulas em causa.

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Texto Integral: 2047_15_3T8LSB.pdf 2047_15_3T8LSB.pdf