Acórdãos T CONFLITOS

Acórdão do Tribunal dos Conflitos
Processo:020/16
Data do Acordão:01/11/2017
Tribunal:CONFLITOS
Relator:SÃO PEDRO
Descritores:CONFLITO DE JURISDIÇÃO.
MANDATO.
Sumário:São competentes os tribunais da jurisdição administrativa para conhecer um litígio emergente da execução de um contrato de prestação de serviços (mandato) celebrado entre um Município e duas advogadas, dado que o mesmo está, por força do Dec. Lei 197/99, de 8 de Janeiro, sujeito a um regime pré-contatual de direito público - art. 4º, 1, al. e) do ETAF, na redacção anterior à introduzida pelo DL 214/G/2015, de 1/12.
Nº Convencional:JSTA00069967
Nº do Documento:SAC20170111020
Data de Entrada:06/03/2016
Recorrente:A... E B..., NO CONFLITO NEGATIVO DE JURISDIÇÃO, ENTRE A COMARCA DO PORTO, PÓVOA DE VARZIM, INSTÂNCIA LOCAL CÍVEL - J2 E O TRIBUNAL ADMINISTRATIVO E FISCAL DO PORTO, UNIDADE ORGÂNICA 1.
Recorrido 1:*
Votação:UNANIMIDADE
Meio Processual:CONFLITO NEGATIVO
Objecto:SENT TAF PORTO - SENT TJ COMARCA PORTO (INST LOCAL - SECÇÃO CIVEL PÓVOA DE VARZIM).
Decisão:DECL COMPETENTE JURISDIÇÃO ADMINISTRATIVA
Área Temática 1:DIR ADM CONT - CONFLITO NEGATIVO
Legislação Nacional:CPC ART76.
ETAF ART4 N1 E.
CCIV66 ART1155 ART1154.
DL 18/2008 ART18.
DL 197/99 ART14 N1 F ART2.
Referência a Doutrina:MÁRIO ESTEVES OLIVEIRA E RODRIGO ESTEVES OLIVEIRA - CÓDIGO PROCESSO NOS TRIBUNAIS ADMINISTRATIVOS ANOTADO VOLI PÁG52.
Aditamento:
Texto Integral: Acordam no Tribunal de Conflitos

1. Relatório

A……….. e B…………, devidamente identificadas nos autos vieram, nos termos dos artigos 109º e seguintes, requerer a resolução do CONFLITO NEGATIVO DE COMPETÊNCIA suscitado entre o Tribunal Judicial da Comarca do Porto (Instância Local, Secção Cível da Póvoa de Varzim) e Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto.

1.2. Justificam a sua pretensão alegando em síntese:

- no exercício da sua actividade profissional de Advocacia, foi-lhes conferida procuração forense, em 30 de Outubro de 2007, pelo Município da Póvoa de Varzim, no âmbito de uma Acção Administrativa Especial, que visava a declaração de nulidade de uma Declaração de Utilidade Pública, que correu termos na Unidade Orgânica 5, do Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto, sob o n.º 1843/07.0BEPRT;

- no âmbito desse mandato, foram prestados diversos serviços forenses e, uma vez concluído o mandato conferido, enviada Nota final de Despesas e Honorários;

- uma vez que o Município não procedeu ao pagamento dos honorários resultantes daquele patrocínio, as ora requerentes intentaram a competente acção declarativa de condenação no Secção Cível da Instância Local da Póvoa de Varzim, comarca do Porto;

- O Município da Póvoa contestou a acção e invocou a incompetência dos Tribunais Judiciais.

- O Tribunal Judicial declarou-se incompetente por sentença que já transitou em julgado.

- As requerentes, requereram que o processo fosse remetido ao TAF do Porto, sendo que este Tribunal também se declarou incompetente, por decisão já transitada.

- Perante o conflito negativo de jurisdição as requerentes pedem que o Tribunal de Conflitos o resolva.

1.3. O Ex.mo Procurador Geral Adjunto emitiu parecer no sentido de se atribuir a competência aos Tribunais Judiciais, citando no mesmo sentido a jurisprudência deste Tribunal de Conflitos, nos acórdão de 12-5-2004, 15-5-2008 e 9-7-2014, proferidos respectivamente nos Conflitos 27/03, 5/08, 19/08 e 18/14.

1.4. Foi notificado Município da Póvoa de Varzim para querendo se pronunciar sobre a questão da competência, que nada disse.

1.6. Cumpre decidir.

2. Fundamentação

2.1. Matéria de facto

Os factos relevantes são os que constam do relatório acima referidos.

2.2. Matéria de Direito

A questão a decidir é a de saber qual a jurisdição competente para decidir uma acção de honorários devidos pela propositura e acompanhamento de uma acção administrativa especial que correu termos no TAF do Porto, em que as mandatárias representaram o Município da Póvoa de Varzim.

O Tribunal Judicial entendeu que a competência para julgar tal acção era dos Tribunais Administrativos, por decisão transitada em julgado. O TAF do Porto entendeu que a competência para julgar tal acção era dos Tribunais Judiciais, por decisão transitada em julgado.

Como acima se referiu, quando resumimos a posição do Ex.mo Procurador - Geral Adjunto, este Tribunal de Conflitos já se pronunciou sobre questões semelhantes – acções de honorários – tendo concluído sempre por atribuir competência aos tribunais judiciais: acórdãos de 12-5-2004, 15-5-2008, 27-11-2008 e de 9-7-2014. Todavia, nos processos citados colocavam-se questões diferentes, desde logo, porque o mandato que ali estava na base do pedido de honorários não fora celebrado com uma Pessoa Colectiva de Direito Público, colocando-se a questão de saber se o art. 76º do CPC era uma regra que apenas se aplicava na delimitação da competência territorial.

Nos aludidos acórdãos não se discutiu a competência dos tribunais administrativos, por força do art. 4º, 1, e) do ETAF, segundo o qual a jurisdição administrativa é competente para julgar as questões relativas à validade e execução de contratos “a respeito dos quais haja lei específica que os submeta, ou que admita que sejam submetidos a um procedimento pré-contratual regulado por normas de direito público”.

Ora, como já referimos, foi precisamente com este âmbito que o Município da Póvoa de Varzim colocou o problema. Sobre a aplicação deste preceito ao mandato celebrado por emente público não existe jurisprudência deste Tribunal de Conflitos.

Vejamos então a questão, agora mais clarificada, e que se traduz em saber se um contrato de mandato celebrado entre um Município e duas advogadas é ou não um contrato abrangido pela previsão do art. 4º, 1, e) do ETAF, isto é, se existe lei específica que o submeta ou permita a sua submissão a um procedimento pré-contratual regulado por normas de direito público.

No presente caso, as requerentes celebraram um contrato de mandato com o Município da Póvoa de Varzim através de procuração, emitida em 30 de Outubro de 2007.

O mandato é um dos contratos especialmente previstos no Código Civil, como uma das modalidades do contrato de prestação de serviços: “O mandato, o depósito e a empreitada, regulados nos capítulos subsequentes, são modalidades do contrato de prestação de serviços” – art. 1155º do Código Civil.

Em 30 de Outubro de 2007 não estava ainda em vigor o CCP, o qual só entrou em vigor em 2008 (seis meses depois da data da publicação que ocorreu em 29 de Janeiro de 2008 – art. 18º do Dec. Lei 18/2008, de 29 de Janeiro). Portanto, o CCP não é aplicável ao presente caso, contrariamente ao que supôs a decisão proferida pelo Tribunal Judicial, que aplicou o regime previsto nesse Código. Aplicável é, sim, o Dec. Lei 197/99, de 8 de Janeiro, que veio a ser substituído e expressamente revogado pelo CCP – art. 14º, 1, al. f).

Importa, pois, saber se este Dec. Lei 197/99, de 8 de Janeiro é uma lei especial que submeta ou admita que o mandato seja submetido ao regime pré-contratual de direito público.

O Ex.mo Procurador - Geral Adjunto, no seu parecer, “diz não haver relativamente ao mandato judicial, lei específica que o submeta ou admita sujeitar ao um procedimento pré-contratual de direito público”, mas a nosso ver sem razão. “Lei específica”, no presente caso, não “deve ser tomado num sentido mais ou menos rigoroso, de maior ou menor generalidade dessa lei”, como referem MÁRIO ESTEVES DE OLIVEIRA e RODRIGO ESTEVES DE OLIVEIRA, CPTA, Vol. I, reimpressão da edição de 2004, pág. 52. O referido diploma legal é inclusivamente citado como exemplo de aplicação do art 4º, 1, e) do ETAF, pelos referidos autores quando dizem:

“(…)

São leis específicas dessas, por exemplo o Dec. Lei 197/99 – sobre o regime de quaisquer contratos de fornecimento de bens, de prestação de serviço ou de localização de uns e outros, celebrados pelos entes públicos e privados aí referidos (…) o que já não sucede, porém, com o Dec. Lei 59/99,respitante às empreitadas de obras públicas, porque estas são sempre contratos administrativos”.

Deste modo, no presente caso, verificam-se todos os elementos determinativos da competência dos Tribunais Administrativos, previstos no citado art. 4º, 1, e) do ETAF.

O Município da Póvoa de Varzim é uma das entidades a que se aplica o Dec. Lei 197/99, de 8 de Janeiro, como decorre literal e expressamente do art. 2º, al. d).

O mandato é uma das modalidades do contrato de prestação de serviços – art. 1154º do CC.

O contrato de prestação de serviços celebrado por uma das entidades do art. 2º, é um dos contratos previstos no Dec. Lei 197/99, de 8 de Junho, como estando sujeito a um regime pré-contratual tipificado, nos artigos 78º e seguintes, segundo o qual “a contratação relativa a (…) aquisição de (…) serviços deve ser precedida de um dos seguintes procedimentos: (…)”.

Assim, o contrato de mandato, que é uma modalidade do contrato de prestação de serviços e foi celebrado com uma Autarquia Local (art. 2º, al d) do Dec. Lei 197/99, de 8 de Janeiro) estava sujeito a um regime pré – contratual de direito público.

Consequentemente, para julgar o presente processo é competente a jurisdição administrativa, sendo irrelevante para a determinação da competência a natureza privada ou administrativa do contrato. Na verdade, como decorre do art. 4º, 1, al. e) do ETAF, o elemento determinante da competência não é a natureza jurídica da relação jurídica de onde emerge o litígio, mas sim a sujeição do mesmo ou a possibilidade da sua sujeição a um regime pré-contratual de direito público, o que quer dizer que a jurisdição administrativa é competente quer a relação jurídica subjacente seja, ou não, uma relação jurídico-administrativa.

3. Decisão

Face ao exposto, os Juízes do Tribunal de Conflitos acordam em julgar a jurisdição administrativa competente para conhecer da acção.

Sem custas.

Lisboa, 11 de Janeiro de 2017. – António Bento São Pedro (relator) – Hélder João Martins Nogueira Roque – Teresa Maria Sena Ferreira de Sousa – Raúl Eduardo do Vale Raposo Borges – Alberto Augusto Andrade de Oliveira – Ernesto António Garcia Calejo.