Acórdãos T CONFLITOS

Acórdão do Tribunal dos Conflitos
Processo:054/14
Data do Acordão:04/22/2015
Tribunal:CONFLITOS
Relator:HELDER ROQUE
Descritores:CONFLITO NEGATIVO DE JURISDIÇÃO
CONCORRÊNCIA
COMBUSTÍVEIS.
Sumário:*
Nº Convencional:JSTA00069176
Nº do Documento:SAC20150422054
Data de Entrada:12/05/2014
Recorrente:CONFLITO NEGATIVO DE JURISDIÇÃO, ENTRE O TRIBUNAL ADMINISTRATIVO DE CÍRCULO DE LISBOA - 4 UNIDADE ORGÂNICA E O TRIBUNAL DA CONCORRÊNCIA - REGULAÇÃO E SUPERVISÃO - JUIZ 1
AUTOR: A...
RÉU: AUTORIDADE DA CONCORRÊNCIA
Recorrido 1:*
Votação:UNANIMIDADE
Meio Processual:CONFLITO NEGATIVO DE JURISDIÇÃO
Objecto:SENT TAF LISBOA - SENT TRIB CONCORRÊNCIA, REGULAÇÃO E SUPERVISÃO
Decisão:DECL COMPETENTE JURISDIÇÃO COMUM
Área Temática 1:DIR ADM CONT - CONFLITO NEGATIVO
Legislação Nacional:L 62/2013 ART40 ART112.
DL 49/2014 ART104.
CONST76 ART211 ART212 N3.
ETAF ART1 ART4.
DL 10/03 ART7 ART34 ART49.
L 18/03 ART4 ART6 ART7 ART22 ART21 N1 ART14 ART24 N4 ART50 ART54.
L 46/2011 ART89 B.
DL 67/2012.
PORT 83/2012.
Jurisprudência Nacional:AC TC 508/94 DE 1994/07/14.; AC TCF PROC 10/2003 DE 2004/03/04.
Referência a Doutrina:MANUEL ANDRADE - NOÇÕES ELEMENTARES DE PROCESSO CIVIL 1976 PAG74-75 PAG91.
ANSELMO CASTRO - LIÇÕES PROCESSO CIVIL TII 1970 PAG379-380.
CASTRO MENDES - DIREITO PROCESSUAL CIVIL VOLI PAG557.
MIGUEL TEIXEIRA SOUSA - A NOVA COMPETÊNCIA DOS TRIBUNAIS CIVIS LEX1999 PAG31-32.
GOMES CANOTILLHO E VITAL MOREIRA - CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA PORTUGUESA ANOTADA 3ED PAG814.
MÁRIO ESTEVES OLIVEIRA E OUTRO - CÓDIGO DE PROCESSO NOS TRIBUNAIS ADMINISTRATIVOS VOLI COIMBRA 2004 PAG21.
JOSÉ CARLOS VIEIRA ANDRADE - A JUSTIÇA ADMINISTRATIVA (LIÇÕES) 9ED PAG55-56.
Aditamento:
Texto Integral: CONFLITO NEGATIVO JURISDIÇÃO N° 54/14
TRIBUNAL ADMINISTRATIVO CÍRCULO LISBOA – 4ª UNIDADE ORGÂNICA TRIBUNAL CONCORRÊNCIA, REGULAÇÃO E SUPERVISÃO – JUIZ 1
TRIBUNAL DE CONFLITOS

ACORDAM OS JUÍZES QUE CONSTITUEM O TRIBUNAL DE CONFLITOS (Relator: Hélder Roque):

1. A…………… (A…….) propôs, no Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa, acção administrativa comum, sob a forma de processo ordinário, contra a AUTORIDADE DA CONCORRÊNCIA (AdC), ambos, suficientemente, identificados, pedindo que, na sua procedência, a ré seja condenada “a abrir um inquérito dando sequência à queixa apresentada pelo A………… a 16.11.2010”, alegando, para tanto, em síntese, que apresentou uma queixa, na AdC, contra a “B…………., SA, Sociedade Aberta”, em que solicitava a abertura de um inquérito destinado a apurar da eventual existência de praticas restritivas da concorrência no mercado de venda de combustíveis, por parte desta empresa, sendo certo que a AdC decidiu não abrir qualquer inquérito ou investigação, relativamente aos factos que lhe foram participados na queixa apresentada.
Na contestação, a ré AdC deduziu a exceção dilatória da incompetência material do Tribunal Administrativo, com a consequente inexistência de jurisdição do mesmo para apreciar e decidir a causa, invocando, para o efeito, que a decisão de abertura de inquérito, pelo Conselho da AdC, é o primeiro ato de um processo de contraordenação, por praticas restritivas da concorrência, de natureza sancionatória, que se inscreve, no âmbito mais geral do Direito de Mera Ordenação Social e, acessoriamente, do Direito Penal e do Direito Processual Penal, que se encontra excluído do âmbito dos Tribunais Administrativos.

O Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa julgou procedente a exceção da incompetência absoluta, ao abrigo do disposto pelo artigo 13°, do Código de Processo nos Tribunais Administrativos, e pelo artigo 4°, do Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais (ETAF), declarando a incompetência absoluta da jurisdição administrativa, com a consequente absolvição da ré AdC da instância.

O autor A………….. requereu, então, o envio dos autos ao Tribunal de Comércio de Lisboa que, igualmente, declarou a incompetência absoluta desse Tribunal, em razão da matéria, com a absolvição da ré AdC da instância.

Em seguida, a acção deu entrada, no Tribunal da Concorrência, Regulação e Supervisão, que declarou, também, a incompetência material do mesmo para o seu julgamento, em virtude de a acção ter sido instaurada, em data anterior à da sua instalação.

Foi suscitado o conflito negativo de competência material entre o 2° Juízo do Tribunal do Comércio de Lisboa e o Tribunal da Concorrência, Regulação e Supervisão, junto do Supremo Tribunal de Justiça, que, considerando que “a competência do ora conflituante Tribunal da Concorrência só se iniciou em 30/03/2012, por força do artigo 18.º da Lei n.° 46/11, de 24/6, e da Portaria n° 84/12, de 29/3, torna-se indiscutível que a competência para tramitação do processo em causa repousa no âmbito das atribuições do escusante Tribunal do Comércio de Lisboa, e decidindo o conflito negativo assim surgido, atribuiu a competência enjeitada ao 2.º Juízo do Tribunal de Comércio de Lisboa”.

2. Na sequência da publicação dos diplomas legais que procederam à reorganização do mapa judiciário [Lei n° 62/2013, de 26 de Agosto, e DL n° 49/2014, de 27 de Março], os presentes autos transitaram para o Tribunal da Concorrência, Regulação e Supervisão, de acordo com o disposto no artigo 104°, do referido DL n° 49/2014.

Porém, o Tribunal da Concorrência, Regulação e Supervisão, considerando tratar-se de um conflito negativo de jurisdição (jurisdição comum e jurisdição administrativa e fiscal), e não de mera competência, em razão da matéria, e que sobre tal realidade não se pronunciara, quer o Tribunal do Comércio, quer, anteriormente, o Tribunal da Concorrência, Regulação e Supervisão, nem mesmo, implicitamente, inexistindo, assim, caso julgado sobre a matéria, ainda que formal, declarou-se incompetente, em razão da matéria, absolvendo a ré da instância, por entender que a matéria em apreço é da competência dos Tribunais Administrativos e Fiscais, por estar em causa a condenação da ré AdC à prática de um ato, de um comportamento devido, e o mérito da respetiva pretensão, razão pela qual só pelas regras próprias das relações jurídico-administrativas poderia ser apreciado, porquanto tal ato ou comportamento tem natureza administrativa e há-de ser levado a cabo por entidade administrativa (pessoa coletiva de direito público).

A Exª Procuradora-Geral Adjunta, no douto parecer que antecede, conclui no sentido de que “o pedido para a abertura do inquérito, não constitui uma relação jurídico administrativa, por se tratar de um pedido para proceder a diligências para investigação de práticas proibidas restritivas da Lei da Concorrência da competência da AdC, que constitui o início de um processo de contraordenação com efeitos sancionatórios”.
*
Tudo visto e analisado, cumpre, finalmente, decidir, em conformidade com o Direito aplicável.
3. Para que o Tribunal possa decidir sobre a procedência ou o mérito de um pedido, é, desde logo, indispensável que a acção seja proposta perante o Tribunal competente para a sua apreciação, o que significa que a competência é um pressuposto processual que se determina pelo modo como o autor configura o pedido e a respectiva causa de pedir, que importa analisar antes de se conhecer do fundo da causa, de que depende poder o Juiz proferir decisão de mérito sobre a mesma, condenando ou denegando a providência judiciária requerida pelo demandante (Manuel de Andrade, Noções Elementares de Processo Civil, 1976, 74 e 75; Anselmo de Castro, Lições de Processo Civil, II, 1970, 379.), mas, também, que deve haver uma relação directa entre a competência e o pedido (Castro Mendes, Direito Processual Civil, I, 557.).

Com efeito, os pressupostos processuais constituem as condições mínimas de que depende o exercício da função jurisdicional e, no caso da competência, visam assegurar a justiça da decisão, a garantia de que a mesma é dimanada do Tribunal mais idóneo (Anselmo de Castro, Lições de Processo Civil, II, 1970, 379 e 380.).

Em consonância com o princípio da existência de um nexo jurídico directo entre a causa e o Tribunal, a competência afere-se pelo “quid disputatum” ou “quid decidendum”, em antítese com aquilo que, mais tarde, será o “quid decisum”, isto é, a competência determina-se pelo pedido do autor, o que não depende da legitimidade das partes, nem da procedência da acção, mas antes dos termos em que a mesma é proposta, seja quanto aos seus elementos objectivos, como acontece com a natureza da providência solicitada ou do direito para o qual se pretende a tutela judiciária, seja quanto aos seus elementos subjectivos (Manuel de Andrade, Noções Elementares de Processo Civil, 1976, 91; STJ, de 21-2-01, Acórdãos Doutrinais do STA, 479º, 1539: STJ, de 9-2-99, BMJ nº 484, 292; STJ, de 9-5-95, CJ (STJ), Ano III, T2, 68.).

4. Por outro lado, a competência material dos tribunais civis é aferida, por critérios de atribuição positiva, segundo os quais pertencem à competência do tribunal civil todas as causas cujo objecto seja uma situação jurídica regulada pelo direito privado, nomeadamente, civil ou comercial, e por critérios de competência residual, nos termos dos quais se incluem na competência dos tribunais civis todas as causas que, apesar de não terem por objecto uma situação jurídica fundamentada no direito privado, não são, legalmente, atribuídas a nenhum outro tribunal (Miguel Teixeira de Sousa, A Nova Competência dos Tribunais Civis, Lex, 999, 31e 32.).

Por isso, os tribunais comuns ou judiciais são os tribunais com competência material genérica ou residual, a quem pertence o conhecimento das causas que não sejam atribuídas a outra ordem jurisdicional, princípio este que se encontra plasmado no texto dos artigos 64º, do Código de Processo Civil (CPC), e 40°, n° 1, da Lei da Organização do Sistema Judiciário (Lei n° 62/2013, de 26 de Agosto), quando estabelecem, transpondo para a lei ordinária, o disposto pelo artigo 211º, n° 1, da Constituição da República Portuguesa (CRP), que “são da competência dos tribunais judiciais as causas que não sejam atribuídas a outra ordem jurisdicional”.

A Constituição da República Portuguesa distingue, quanto à competência de cada uma das categorias de tribunais, os tribunais judiciais, que “são os tribunais comuns em matéria cível e criminal e exercem jurisdição em todas as áreas não atribuídas a outras ordens judiciais” [artigo 211°, n° 1], e os tribunais administrativos e fiscais, a quem compete “o julgamento das ações e recursos contenciosos que tenham por objeto dirimir os litígios emergentes das relações jurídicas administrativas e fiscais” [artigo 212º, n° 3, da CRP].

O disposto no artigo 212°, n° 3, da CRP, encontra-se transposto no artigo 1º e concretizado no artigo 4°, do ETAF, sendo, portanto, à luz daquela norma constitucional, que hão-de ser interpretados os correspondentes preceitos do ETAF e, também, da Lei da Organização do Sistema Judiciário.

Preceitua ainda o artigo 1°, do ETAF, que “os tribunais da jurisdição administrativa e fiscal são os órgãos de soberania com competência para administrar a justiça em nome do povo, nos litígios emergentes das relações jurídicas administrativas e fiscais”.

Da conjugação dos normativos legais acabados de citar, resulta que os tribunais administrativos e fiscais constituem a jurisdição ordinária da justiça administrativa, não apresentando a respetiva competência natureza excepcional, em relação aos tribunais comuns (Gomes Canotilho e Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa Anotada, 3.ª Edição, pág. 814.).

A Constituição da República não prevê, portanto, exceções à competência dos tribunais administrativos, no sentido de atribuir a outros tribunais o julgamento de questões de natureza administrativa (TC, Pº nº 508/94, de 14 de Julho, DR, 2.ª Série, de 13 de Dezembro de 1994, 12517 e ss.), pelo que a “jurisdição comum dos tribunais administrativos é a administrativa e (...) as causas jurídico-administrativas só saem da esfera dos tribunais administrativos se uma lei dispuser (variadamente) em sentido contrário ( Mário Esteves de Oliveira e outros, Código de Processo dos Tribunais Administrativos, I, Almedina, Coimbra, 2004, 21.).

Deste modo, “o conceito de relação jurídica administrativa passou, assim, a ser erigido em operador nuclear de repartição de jurisprudência entre os tribunais administrativos e tribunais judiciais”, sendo a esse conceito que importa atender para determinar a competência material do Tribunal (Acórdão do Tribunal de Conflitos de 04-03-2004, P° nº 010/03, www.dsi.pt.).
Efetivamente, devem ser consideradas “relações jurídicas públicas (seguindo um critério estatutário, que combina sujeitos, fins e meios) aquelas em que um dos sujeitos, pelo menos, seja uma entidade pública ou uma entidade particular no exercício de um poder público, actuando com vista à realização de um interesse público legalmente definido” (José Carlos Vieira de Andrade, A Justiça Administrativa (Lições), 9ª edição, Almedina, 55 e 56.).

5. Aqui chegados, impõe-se analisar se a causa de pedir invocada na acção se encontra ou não abrangida no conceito de relação jurídica administrativa, reservada pela Lei Fundamental à jurisdição administrativa, para o que importa perspectivar os termos em que a ação foi posta, seja quanto aos seus elementos subjetivos (identidade das partes), seja quanto aos seus elementos objetivos (maxime, a natureza da medida solicitada ou do direito para a qual se pretende a tutela judiciária), mas sem que a construção subalternize o quadro normativo em que a solução da questão se encontra.

O autor pede, na presente acção, que a ré seja condenada “a abrir um inquérito dando sequência à queixa apresentada pelo A………….. a 16.11.2010”, alegando, para tanto, em síntese, que apresentou uma queixa, na AdC, contra a “B…………., SA, Sociedade Aberta”, em que solicitava a abertura de um inquérito destinado a apurar da eventual existência de praticas restritivas da concorrência no mercado de venda de combustíveis, por parte desta empresa, sendo certo que a AdC decidiu não abrir qualquer inquérito ou investigação aos factos que lhe foram participados na queixa apresentada.

A AdC, que o DL n° 10/03, de 18 de Janeiro, instituiu, tem competência, de acordo com o disposto no seu n° 1, para “… assegurar o respeito pelas regras de concorrência, tendo em vista o funcionamento eficiente dos mercados, a repartição eficaz dos recursos e os interesses dos consumidores”, enquanto que o artigo 7° dos Estatutos da ré, estabelece que, para o desempenho das suas atribuições, a AdC dispõe de poderes sancionatórios, de supervisão e de regulamentação.

Por sua vez, a Lei n° 18/03, de 11 de Junho ( Revogada pela Lei 19/2012, de 8 de Maio, não aplicável, porém, à situação «sub judice», por, apenas, contender com o regime consagrado para os artigos 50º e 54º, de que se fará referência, no lugar próprio.), que aprovou o Regime Jurídico da Concorrência, a propósito dos processos relativos a práticas proibidas, a que se reportam os artigos 4°, 6° e 7°, preceitua, no seu artigo 22°, com referência ao artigo 21°, n° 1, que os mesmos se regem “... pelo disposto na presente secção, na secção I do presente capítulo e, subsidiariamente, pelo regime dos ilícitos de mera ordenação social”, sendo certo, outrossim, que, em conformidade com o preceituado pelo artigo 14°, deste diploma legal, “o respeito pelas regras da concorrência é assegurado pela Autoridade da Concorrência, nos limites das atribuições e competências que lhe são legalmente cometidas”.

Ora, “sempre que a Autoridade tome conhecimento, por qualquer via, de eventuais práticas proibidas pelos artigos 4°, 6° e 7°, procede à abertura de um inquérito, em cujo âmbito promoverá as diligências de investigação necessárias à identificação dessas práticas e dos respectivos agentes”, nos termos do estipulado pelo artigo 24°, n° 1, do mesmo diploma legal.

Terminado o inquérito, a AdC decidirá proceder ao arquivamento do processo, se entender que não existem indícios suficientes de infracção ou dar início à instrução do processo, através de notificação dirigida às empresas ou associações de empresas arguidas, sempre que conclua, com base nas investigações levadas a cabo, que existem indícios suficientes de infração às regras de concorrência, atento o estipulado pelo artigo 25°, n° 1, a) e b), da referida Lei n° 18/03, de 11 de Junho.

Por seu turno, estipula o artigo 50º (Com as alterações introduzidas pela Lei nº 52/2008, de 28 de Agosto, e pela Lei nº 46/2011, de 24 de Junho.), da Lei nº 18/03, de 11 de Junho, no seu n° 1, que “das decisões proferidas pela autoridade que determinem a aplicação de coimas ou de outras sanções previstas na lei cabe recurso para o tribunal da concorrência, regulação e supervisão, com efeito suspensivo” e, no respectivo n° 2, que “das demais decisões, despachos ou outras medidas adotadas pela autoridade cabe recurso para o mesmo tribunal, com efeito meramente devolutivo, nos termos e limites fixados no n.° 2 do artigo 55.° do Decreto-Lei n.° 433/82, de 27 de outubro”.

E o artigo 54º (Com as alterações introduzidas pela Lei nº 52/2008, de 28 do Agosto, e pela Lei nº 46/2011, de 24 de Junho.), ainda da Lei n° 18/03, de 11 de Junho, preceitua, no seu n° 1, que “das decisões da autoridade proferidas em procedimentos administrativos a que se refere a presente lei, bem como da decisão ministerial prevista no artigo 34.° do Decreto-Lei n.° 10/2003, de 18 de Janeiro, cabe recurso para o tribunal da concorrência, regulação e supervisão, a ser tramitado como ação administrativa especial”.

Estabelece, também, o artigo 49º, do mesmo diploma legal que vem sendo considerado, que “salvo disposição em sentido diverso da presente lei, aplicam-se à interposição, ao processamento e ao julgamento dos recursos previstos na presente secção os artigos seguintes e, subsidiariamente, o regime geral dos ilícitos de mera ordenação social”.

A isto acresce que a Lei n° 46/2011, de 24 de Junho, criou o Tribunal de competência especializada para a Concorrência, Regulação e Supervisão e aditou à Lei n° 3/99, de 13 de Janeiro (Lei de Organização e Funcionamento dos Tribunais Judicias), o artigo 89°-B, em cujo n° 1, alínea a), se estabelece que “compete ao tribunal da concorrência, regulação e supervisão conhecer das questões relativas a recurso, revisão e execução das decisões, despachos e demais medidas em processo de contra-ordenação legalmente susceptíveis de impugnação da Autoridade da Concorrência (AdC)”; e, no seu n° 2, alíneas a) e b), que compete ainda ao tribunal da concorrência, regulação e supervisão conhecer das questões relativas a recurso, revisão e execução das decisões da AdC proferidas em procedimentos administrativos a que se refere o regime jurídico da concorrência, bem como da decisão ministerial prevista no artigo 34.° do Decreto-Lei n.° 10/2003, de 18 de Janeiro, e das demais decisões da AdC que admitam recurso, nos termos previstos no regime jurídico da concorrência”.

O Tribunal da Concorrência, Regulação e Supervisão, instituído pelo DL n° 67/2012, do 20 de Março, foi, entretanto, instalado, através da Portaria n° 83/2012, de 29 de Março, que produziu efeitos, a partir desta ocasião, sendo-lhe atribuída competência, nos termos do preceituado pelo artigo 112°, n°s 1, a) e 2, a) e b), da Lei de Organização do Sistema Judiciário [Lei n° 62/2013, de 26 de Agosto], para “conhecer das questões relativas a recurso, revisão e execução das decisões, despachos e demais medidas em processo de contraordenação legalmente susceptíveis de impugnação da Autoridade da Concorrência (AdC)” e “das decisões da AdC proferidas em procedimentos administrativos a que se refere o regime jurídico da concorrência, bem como da decisão ministerial prevista no artigo 34.° do Decreto-Lei n.° 10/2003, de 18 de Janeiro, e das demais decisões da AdC que admitam recurso, nos termos previstos no regime jurídico da concorrência”.

6. Revertendo ao caso dos presentes autos, e atendendo à pretensão, concretamente, deduzida pelo autor, impõe-se considerar que o ato ou comportamento que se pretende que venha a ser adotado pela ré, consubstanciado na abertura de um inquérito, para efeitos do previsto pelo artigo 24°, da Lei nº 18/03, de 11 de Junho, se inscreve num procedimento tendente a investigar a ocorrência de eventuais práticas proibidas, que tem, obviamente, natureza instrutória - ou pré-instrutória -, no âmbito do qual são convocadas normas de direito contraordenacional, penal e de processo penal, sendo certo, igualmente, que, em processo penal, previamente à instrução, existe a fase de inquérito, e não é por essa circunstância que a mesma perde a sua natureza processual penal.

Deste modo, não se pode afirmar que o que está em causa é a adoção de um comportamento que dimane de normas de direito administrativo, mas antes que se trata de uma atividade desenvolvida, por autoridade administrativa, mas com caráter e para fins, tipicamente, contra-ordenacionais, porquanto não é concebível que uma atividade, embora desenvolvida por autoridade administrativa, possa terminar, por relação direta com a factualidade apurada, com a aplicação de coimas.

Face ao exposto, tudo visto e analisado, a jurisdição administrativa é incompetente, em razão da matéria, para conhecer e decidir a presente ação, por esta estar reservada à jurisdição comum, sendo certo que os elementos de conexão relevantes, para o caso concreto, são os previstos, nos artigos 50º e 54º, da Lei n° 18/03, de 11 de Junho, a propósito do tribunal competente para o conhecimento do recurso das decisões proferidas pela AdC que determinem a aplicação de coimas ou de outras sanções previstas na lei, e que é o Tribunal de competência especializada da Concorrência, Regulação e Supervisão.

CONCLUSÕES:

I – A competência é um pressuposto processual que se determina pelo modo como o autor configura o pedido e a respectiva causa de pedir, pelos termos em que a mesma é proposta, seja quanto aos seus elementos objectivos, seja quanto aos seus elementos subjectivos, de que depende poder o Juiz proferir decisão de mérito sobre o fundo da causa.

II – Os tribunais comuns ou judiciais são os tribunais com competência material genérica ou residual, a quem pertence o conhecimento das causas que não sejam atribuídas a outra ordem jurisdicional.

III – Os tribunais administrativos e fiscais constituem a jurisdição ordinária da justiça administrativa, não apresentando a respetiva competência natureza excepcional, em relação aos tribunais comuns.

IV – É ao conceito de relação jurídica administrativa que importa atender para determinar a competência material do Tribunal, que passou a ser erigido em operador nuclear da repartição de jurisprudência entre os tribunais administrativos e os tribunais judiciais.

V – O ato ou comportamento que, concretamente, o autor pretende que venha a ser adotado pela ré, consubstanciado na abertura de um inquérito, para efeitos do previsto pelo artigo 24°, da Lei n° 18/03, de 11 de Junho, inscreve-se num procedimento tendente a investigar a ocorrência de eventuais práticas proibidas que, face à sua natureza instrutória - ou pré-instrutória -, no âmbito do qual são convocadas normas de direito contra-ordenacional, penal e de processo penal, não consente que se afirme que o que está em causa é a adoção de um comportamento que dimane de normas de direito administrativo, mas antes que se trata de uma atividade desenvolvida, por autoridade administrativa, mas com caráter e para fins, tipicamente, contra-ordenacionais, porquanto não é concebível que uma atividade, embora desenvolvida por autoridade administrativa, possa terminar, por relação direta com a factualidade apurada, com a aplicação de coimas.

VI – A jurisdição administrativa é incompetente, em razão da matéria, para conhecer e decidir a ação, por esta estar reservada à jurisdição comum, sendo certo que os elementos de conexão relevantes, para o caso concreto, são os previstos, nos artigos 50° e 54°, da Lei n° 18/03, de 11 de Junho, a propósito do tribunal competente para o conhecimento do recurso das decisões proferidas pela AdC que determinem a aplicação de coimas ou de outras sanções previstas na lei, ou seja, o Tribunal de competência especializada da Concorrência, Regulação e Supervisão.

DECISÃO:
Por tudo quanto exposto ficou, acordam os Juízes que compõem este Tribunal, resolvendo o presente conflito negativo de jurisdição, em declarar competente para conhecer do mérito da presente acção a jurisdição comum, concretamente, o Tribunal de competência especializada da Concorrência, Regulação e Supervisão.
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Sem custas – artigo 96°, do Decreto n° 19243, de 16 de Janeiro de 1931.

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Notifique.

Lisboa, 22 de Abril de 2015. – Hélder João Martins Nogueira Roque (relator) – Carlos Luís Medeiros de Carvalho – Carlos Francisco de Oliveira Lopes do Rego – José Augusto Araújo Veloso – João Moreira Camilo – José Francisco Fonseca da Paz.