Acórdãos T CONFLITOS

Acórdão do Tribunal dos Conflitos
Processo:032/16
Data do Acordão:03/08/2017
Tribunal:CONFLITOS
Relator:MADEIRA DOS SANTOS
Descritores:ACÇÃO DE INDEMNIZAÇÃO. ESTADO.
Sumário:I – Se o pedido indemnizatório radicava em diversas causas de pedir, individualmente referíveis à jurisdição administrativa e à jurisdição comum, não podia o TAF onde a acção foi inicialmente proposta recusar, «tout court», a sua competência «ratione materiae».
II – O TAF devia ter aceitado aquela competência e, relativamente à «causa petendi» porventura excluída do seu «munus», fazer oportunamente funcionar os normais mecanismos detectores da falta de pressupostos processuais, com os respectivos efeitos na instância.
Nº Convencional:JSTA00070064
Nº do Documento:SAC20170308032
Data de Entrada:10/20/2016
Recorrente:CONFLITO NEGATIVO DE JURISDIÇÃO ENTRE A COMARCA DE BRAGA, INSTÂNCIA LOCAL, SECÇÃO CÍVEL - J3 E O TRIBUNAL ADMINISTRATIVO E FISCAL DE BRAGA
AUTOR: A............
RÉU: ESTADO PORTUGUÊS
Recorrido 1:*
Votação:UNANIMIDADE
Meio Processual:CONFLITO
Objecto:NEGATIVO DE JURISDIÇÃO TAF BRAGA - TJ BRAGA - INSTÂNCIA LOCAL DE GUIMARÃES
Decisão:DECL COMPETENTE TAF DE BRAGA
Área Temática 1:DIR ADM - CONFLITO JURISDIÇÃO
Área Temática 2:DIR JUDIC - ORG COMP TRIB
Legislação Nacional:ETAF02 ART4 N1 F N4 A ART5.
CPC13 ART64 ART109 N1 ART110 N1.
DEC N19243 DE 1931/01/16 ART85.
LOSJ ART38 N1
Aditamento:
Texto Integral: Acordam no Tribunal dos Conflitos:
A…………, identificado nos autos, instaurou na jurisdição administrativa uma acção para que o Estado fosse condenado a pagar-lhe a importância de dez mil euros, actualizada desde 2008.
O TAF de Braga julgou-se incompetente «ratione materiae», por considerar que cabe aos tribunais comuns o conhecimento do pleito.
E, remetidos os autos para a comarca de Braga – instância local de Guimarães – foi aí emitida nova declaração de incompetência material, já que se atribuiu o julgamento da causa à jurisdição administrativa.
Ambas as decisões transitaram, daí emergindo um conflito cuja resolução foi suscitada «ex officio».

Cumpre decidir.
A circunstância do TAF de Braga e do tribunal judicial dessa comarca (instância local de Guimarães), por decisões transitadas, terem declinado a competência própria e mutuamente se atribuírem a competência «ratione materiae» para conhecer da acção dos autos evidencia a presença de um conflito negativo de jurisdição (art. 109º, n.º 1, do CPC) – solucionável por este Tribunal dos Conflitos (arts. 110º, n.º 1, do CPC e 85º e ss. do Regulamento aprovado pelo Dec. n.º 19.243, de 16/1/1931).
Nos termos do art. 64º do CPC, a competência dos tribunais judiciais é residual; pelo que a jurisdição comum só não será competente para conhecer da acção ora «sub specie» se a apreciação da causa estiver deferida, «ex vi legis», aos tribunais da jurisdição administrativa. E, como a acção foi proposta em 2016, será à luz do actual ETAF – já que a competência se fixa no momento em que a acção se propõe (arts. 38º, n.º 1, da LOSJ e 5º do ETAF) – que o presente conflito se solucionará.
A competência «ratione materiae» para conhecer de uma qualquer causa determina-se pelo pedido que nela se formule, esclarecido pela respectiva «causa petendi». E impõe-se, «in casu», captar os fundamentos invocados pelo autor, visto que a mera consideração do pedido é inapta para se dirimir o conflito.
Após afirmar que o FC ……… nunca lhe pagou uma importância de dez mil euros relativa à actividade que lhe prestara como futebolista profissional, o autor historiou as várias tentativas que infrutiferamente encetou – ora na comissão arbitral paritária, ora nos tribunais comuns – para obter a condenação ou a declaração de insolvência desse seu devedor. Depois, o autor imputou tais fracassos ao facto do Estado negligenciar «as suas obrigações de garantir o funcionamento do Estado de Direito, quer ao nível legislativo, quer ao nível judicial» (art. 70º da petição); e aduziu que o Estado «falhou gravemente» perante si, quer no que respeita ao «sistema de normas» que instituiu para este género de casos, quer no que concerne ao modo como elas foram interpretadas e aplicadas (arts. 74º e 75º da mesma peça). E localizam-se aí as razões donde o autor extrai o pedido de condenação do Estado no pagamento daqueles dez mil euros, actualizáveis.
Perante isto, não há dúvida que o autor imputa ao Estado uma responsabilidade civil extracontratual. Esta pressupõe sempre a prática, pelo demandado, de uma acção (ou omissão) ilícita, culposa e causadora de prejuízos – elementos esses que convergem para a configuração da «causa petendi». Ora, e apesar do laconismo do autor neste campo, percebe-se bem que ele faz radicar a lide em dois diferentes tipos de comportamentos censuráveis do Estado, os quais terão, conjunta ou paralelamente, conduzido ao resultado danoso.
Assim, ao localizar a conduta lesiva do Estado na instituição de um certo «sistema de normas», o autor liga a pretendida responsabilidade do réu ao exercício da função legislativa; e, dessa maneira, aponta a jurisdição administrativa como a competente para julgar a acção («ex vi» do art. 4º, n.º 1, al. f), do ETAF) – como decidiu a instância local de Guimarães.
Todavia, ao filiar a acção criticável do Estado no «modo como os tribunais» comuns decidiram, modo esse que teria ferido a Constituição, o autor já liga a responsabilidade do réu a um mau exercício da função judicial; o que, aproximando o assunto do erro judiciário, tende a excluir da jurisdição administrativa a competência para se conhecer do litígio («ex vi» do art. 4º, n.º 4, al. a), do ETAF) – como o TAF de Braga decidiu.
É agora evidente que cada um dos tribunais em conflito pôs o acento tónico da «causa petendi» no exacto ponto que excluía a sua competência «ratione materiae». Mas é também óbvio que o primeiro desses tribunais – ou seja, o TAF de Braga – não julgou com acerto.
Com efeito, na medida em que a acção parcialmente se fundava numa responsabilidade civil ligada ao exercício da função legislativa, a responsabilidade civil incumbia, «ipso facto», à jurisdição administrativa. Decerto que tal competência do TAF não se estenderia à pesquisa de um qualquer erro judiciário cometido nalgum dos tribunais comuns citados na petição; mas uma declaração de incompetência do TAF nesse estrito domínio não suprimia a sua originária competência para conhecer do resto. E, assim sendo, o TAF de Braga não podia recusar «tout court», como fez, a detenção de competência para processar e julgar a acção «sub specie». Ou seja: a incompetência do TAF para apreciar uma das «causae petendi» não o dispensava de enfrentar a acção pelo prisma da outra causa de pedir, integrada no seu «munus»; pois, quanto àquela, o TAF usaria os normais mecanismos de detecção da falta de pressupostos adjectivos, tendentes à emissão de pronúncias absolutórias da instância – que podem ser parciais.
Consequentemente, a acção deve discutir-se e julgar-se nos tribunais administrativos.

Nestes termos, acordam em anular a referida decisão do TAF de Braga e em resolver o presente conflito por forma a atribuir a competência material para o conhecimento da acção dos autos à jurisdição administrativa.
Sem custas.
Lisboa, 8 de Março de 2017. – Jorge Artur Madeira dos Santos (relator) – António Leones Dantas – António Bento São Pedro – Gabriel Martim dos Anjos Catarino – Teresa Maria Sena Ferreira de Sousa – Maria da Graça Machado Trigo Franco Frazão.