Acórdão do Tribunal dos Conflitos | |
Processo: | 046/19 |
Data do Acordão: | 06/25/2020 |
Tribunal: | CONFLITOS |
Relator: | CARLOS CARVALHO |
Descritores: | PRÉ-CONFLITO EXECUÇÃO POR QUANTIA CERTA TURISMO DE PORTUGAL EXECUÇÃO FISCAL |
Sumário: | Incumbe, nos arts. 179.º do CPA, 148.º, n.º 2, al. a), e 150.º, n.º 1, do CPPT e 16.º, n.º 1, do DL n.º 129/2012, aos tribunais da jurisdição administrativa e fiscal, in casu e mais especificamente aos tribunais tributários, a tramitação e apreciação das execuções para cobrança de dívidas de natureza não tributária que não se mostrem voluntariamente liquidadas e de que sejam credores o Estado e outras pessoas coletivas de direito público, tanto mais que tal cobrança se mostra sujeita ao processo de execução fiscal. |
Nº Convencional: | JSTA000P26100 |
Nº do Documento: | SAC20200625046 |
Data de Entrada: | 10/04/2019 |
Recorrente: | TURISMO DE PORTUGAL, I.P, NO CONFLITO NEGATIVO DE JURISDIÇÃO, ENTRE O TRIBUNAL JUDICIAL DA COMARCA DE BRAGANÇA, JUÍZO CENTRAL CÍVEL E CRIMINAL DE BRAGANÇA — JUIZ 2 E OS TRIBUNAIS ADMINISTRATIVOS E FISCAIS |
Recorrido 1: | * |
Votação: | UNANIMIDADE |
Área Temática 1: | * |
Aditamento: | |
Texto Integral: | RELATÓRIO 1. TURISMO DE PORTUGAL, IP, devidamente identificado nos autos [doravante exequente], intentou execução para pagamento de quantia certa, sob forma ordinária, no Tribunal Judicial [TJ] da Comarca de Bragança [Juízo Central Cível e Criminal de Bragança-Juiz 2] contra «A………., LDA.», igualmente identificada nos autos [doravante executada], tendo esta deduzido oposição à referida execução mediante embargos de executado onde arguiu a incompetência absoluta [em razão da matéria] daquele Tribunal. 2. O TJ supra identificado em sede de despacho saneador proferiu decisão, datada de 24.01.2019, na qual julgou procedente a exceção dilatória da sua incompetência material e declarou-se incompetente «para a tramitação da execução apensa» por entender que a mesma cabia aos tribunais da jurisdição administrativa [in casu, aos tribunais tributários], absolvendo da instância executiva a executada/embargante [cfr. fls. 395/410 dos presentes autos - tal como ulteriores referências a paginação]. 3. O exequente inconformado com esta decisão interpôs recurso de apelação para o Tribunal da Relação de Guimarães [TRG], no qual, por acórdão de 02.05.2019, foi mantida aquela decisão [cfr. fls. 434/441]. 4. De novo inconformado o exequente interpôs daquele acórdão recurso de revista para o Supremo Tribunal de Justiça [STJ] no qual pugna pela revogação da decisão dado esta haver infringido o disposto, nomeadamente, nos arts. 16.º do DL n.º 129/2012, de 22.06 [Lei Orgânica do Turismo de Portugal, IP] e 703.º, n.º 1, al. d), do CPC [na redação que lhe foi conferida pela Lei n.º 41/2013 - redação a que se reportarão as ulteriores referências a este Código sem expressa menção em contrário], pelo que deverão ser considerados os tribunais judiciais os competentes [cfr. fls. 445/451 v.]. 5. Por despacho da Conselheira Relatora no STJ [cfr. fls. 497] foi o recurso de revista convolado em recurso para o Tribunal dos Conflitos e determinada a sua remessa a este Tribunal. 6. Despoletado o conflito de jurisdição em 04.10.2019 mediante entrada neste Tribunal importa, com prévio envio do projeto aos Juízes Conselheiros nele intervenientes e dispensados os vistos legais, apreciar do mesmo, sendo que o Ministério Público [MP] emitiu o seu parecer no sentido do presente conflito ser resolvido mediante a confirmação do acórdão do TRG [cfr. fls. 468/470]. ENQUADRAMENTO E APRECIAÇÃO DO CONFLITO 7. Resulta assente nos autos o seguinte quadro factual: 7.1) O Instituto de Turismo Portugal, abreviadamente designado por Turismo de Portugal, IP [de acordo com o disposto no n.º 1 do art. 01.º do DL n.º 129/2012, de 22.06] … concede, no exercício da sua atividade, subsídios na área do turismo e fiscaliza a respetiva aplicação, de modo a assegurar o cumprimento das obrigações assumidas pelos beneficiários dos mesmos. 7.2) No dia 20.03.2013, o aqui exequente celebrou com a sociedade «A…………, Lda.», na qualidade de promotor, um contrato de concessão de incentivos financeiros, no âmbito do Sistema de Incentivos à Inovação, aprovado pelo DL n.º 287/2007, de 17.08, [alterado e republicado pelo DL n.º 65/2009, de 20.03 e regulamento pela Portaria n.º 1464/2007, de 15.11, alterada e republicada pela Portaria n.º 353-C/2009 e pela Portaria n.º 1103/2010], operação à qual foi atribuído, internamente, o n.º 26488. 7.3) O referido contrato teve por objeto a concessão de um incentivo financeiro de natureza reembolsável até ao montante máximo de 4.909.201,49 € [quatro milhões, novecentos e nove mil, duzentos e um euros e quarenta e nove cêntimos], para aplicação na criação de um conjunto turístico de 4 estrelas, no concelho de Mogadouro, composto por um hotel de 4 estrelas, um aldeamento turístico de 4 estrelas, um centro hípico e um Biocampus. 7.4) A comparticipação financeira mencionada na alínea anterior desdobrou-se da seguinte forma: - uma comparticipação financeira reembolsável até ao montante de € 4.909.201,49 [quatro milhões, novecentos e nove mil, duzentos e um euros e quarenta e nove cêntimos]; - eventual prémio de realização no valor máximo de 3.626.290,51 € [três milhões, seiscentos e vinte e seis mil, duzentos e noventa euros e cinquenta e um cêntimos], determinado nos termos e condições previstas na cláusula quinta do contrato. 7.5) Ficou consignado no contrato que o prazo para a execução do investimento deveria realizar-se entre 14.01.2013 e 31.12.2013. 7.6) Tendo-se detetado que o valor das despesas elegíveis relativas à componente de estudos não se encontrava corretamente indicado o valor do incentivo reembolsável foi reduzido para 4.908.126,43 € e o valor do eventual prémio de realização foi igualmente reduzido para 3.623.484,21 €. 7.7) Em fevereiro de 2014, o exequente procedeu à libertação do primeiro adiantamento do incentivo financeiro atribuído, no valor de 1.070.181,11 € [um milhão, setenta mil, cento e oitenta e um euros e onze cêntimos], em duas transferências de 910.000,00 € e de 160.181,11 €. 7.8) Por ofício de 23.02.2015, o exequente informou a executada do seguinte: «Na sequência de uma auditoria efetuada pela Inspeção-Geral de Finanças (IGF), no âmbito da verificação do bom funcionamento dos sistemas de gestão e controlo dos programas operacionais, efetuada ao abrigo do art. 62.º do Regulamento (CE) n.º 1083/2006, do Conselho, de 11 de julho, e do art. 21.º do DL n.º 312/2007, de 17 de setembro, alterado pelos DL n.º 74/2008, de 22 de abril, e DL n.º 99/2009, de 28 de abril, foram identificadas, por aquela entidade, as situações indicadas no excerto do relatório que se anexa, no que a essa empresa diz respeito. Atendendo às conclusões referidas nessa mesma auditoria, e face ao elenco das despesas indicadas como irregulares, procedeu este Instituto ao apuramento do devido impacto no processo supra identificado e às devidas correções a concretizar. Nessa medida apurou-se que: i. Nos termos do relatório anexo, o contrato de empreitada celebrado com a B........., SA apresenta irregularidades procedimentais no que diz respeito ao cumprimento das regras de contratação pública, de que resulta uma correção financeira aplicada ao mesmo contrato de 100%, no montante de 5.990.000,00 €. ii. Situação semelhante foi detetada no âmbito dos contratos de prestação de serviços relacionados com a empreitada, designadamente relativos a projetos de arquitetura, resultando uma correção financeira aplicada ao mesmo contrato de 100%, no montante de 204.000,00 €. iii. Efetuadas as devidas correções, tendo também em conta o montante de incentivo já efetivamente liberto e a despesa certificada apresentada, verifica-se que o novo investimento elegível ascende a 1.356.669,25 €, ao qual corresponde um incentivo reembolsável de 610.501,16 €. Dado que até à data foi já pago o valor de 1.070.181,11 € de incentivo reembolsável, sobretudo com base na despesa que ora foi considerada irregular, importa desde já assegurar a recuperação do valor de incentivo correspondente, no montante de 1.033.731,11 €. Atento o exposto, solicita-se a essa sociedade que, nos termos e para os efeitos do artigo 100.º e seguintes do Código de Procedimento Administrativo, transmita por escrito e no prazo de 10 dias, o que tiver por conveniente. Mais se informa que o processo pode ser consultado nas instalações deste Instituto, no horário de expediente, desde já nos disponibilizando para a realização de uma reunião que permita apurar do atual estado de execução do projeto ...». 7.9) A executada não respondeu. 7.10) Por novo ofício de 06.10.2015, o exequente informou a executada do seguinte: «Na sequência da auditoria efetuada pela Inspeção-Geral de Finanças (IGF), no âmbito da verificação do bom funcionamento dos sistemas de gestão e controlo dos programas operacionais, efetuada ao abrigo do art. 62.º do Regulamento (CE) n.º 1083/2006, do Conselho, de 11 de julho, e do art. 21.º do DL n.º 312/2007, de 17 de setembro, alterado pelos DL n.º 74/2008, de 22 de abril, e DL n.º 99/2009, de 28 de abril, foram identificadas, por aquela entidade, algumas situações de irregularidade no que a essa empresa diz respeito, conforme constou da nossa anterior notificação SAI/2015/2865, à qual não obtivemos qualquer resposta. Atendendo às conclusões referidas nessa mesma auditoria, e face ao elenco das despesas indicadas como irregulares, procedeu este Instituto ao apuramento do devido impacto no processo supra identificado e às devidas correções a concretizar. Nessa medida apurou-se que: i. Nos termos do relatório anexo, o contrato de empreitada celebrado com a B......., SA apresenta irregularidades procedimentais no que diz respeito ao cumprimento das regras de contratação pública, de que resulta uma correção financeira aplicada ao mesmo contrato de 100%, no montante de 5.990.000,00 €. ii. Situação semelhante foi detetada no âmbito dos contratos de prestação de serviços relacionados com a empreitada, designadamente relativos a projetos de arquitetura, resultando uma correção financeira aplicada ao mesmo contrato de 100%, no montante de 204,000,00 €. Efetuadas as devidas correções, tendo também em conta o montante de incentivo já efetivamente liberto e a despesa certificada apresentada, verifica-se que o novo investimento elegível ascenderá a 1.356.669,25 €, ao qual corresponderá um incentivo reembolsável de 610.501,16 €. Não tendo sido cumpridas as regras de contratação pública, e tendo em conta que a maioria das despesas associadas à empreitada será considerada irregular, sendo de referir que isso implicará a inelegibilidade de todo o investimento associado essa mesma componente, vislumbra-se difícil a manutenção do apoio ao projeto em apreço. Nos termos das alíneas a) e i) da cláusula oitava do contrato de concessão de incentivos, celebrado em 03.04.2013, V. Exas. obrigaram-se a executar o projeto nos termos e prazos aprovados e a cumprir os normativos em matéria de contratação pública no âmbito da execução do projeto. O não cumprimento das obrigações contratuais e/ou objetivos do projeto é suscetível de consubstanciar causa de resolução do contrato, de acordo com a al. a) do n.º 1 da cláusula décima terceira. Atento o exposto, solicita-se a essa sociedade que, nos termos e para os efeitos do artigo 121.º e seguintes do Código de Procedimento Administrativo, aprovado pelo DL n.º 4/2015, de 7 de janeiro, transmita por escrito e no prazo de 10 dias, o que tiver por conveniente. Mais se informa que o processo pode ser consultado nas instalações deste Instituto, no horário de expediente, desde já nos disponibilizando para a realização de uma reunião que permita apurar do atual estado de execução do projeto …». 7.11) A executada não respondeu. 7.12) Por deliberação do Conselho Diretivo do exequente de 13.11.2015 foi resolvido o contrato, circunstância que foi comunicada à executada por ofício datado de 25.11.2015, tendo-lhe sido igualmente comunicado que, em resultado dessa resolução contratual e no prazo de 30 dias, deveria proceder à devolução da quantia de 1.070.181,11 €, acrescida do montante de 102.266,82 €, a título de juros, totalizando, assim, o valor global de 1.172.447,93 € - cfr. doc. n.º 06 que se junta e se dá por integralmente reproduzido. 7.13) A executada não pagou nem amortizou a quantia em dívida. 7.14) A executada não impugnou o ato consubstanciado na resolução do contrato de concessão de incentivos. 7.15) O exequente figura como credor da executada de uma quantia que, reportada a 19.02.2018, ascende a 1.278.943,54 € [um milhão, duzentos e setenta e oito mil, novecentos e quarenta e três euros e cinquenta e quatro cêntimos], de acordo com a seguinte imputação: i) 1.070.181,11 € [um milhão, setenta mil, cento e oitenta e um euros e onze cêntimos], a título de capital; ii) 208.762,43 € [duzentos e oito mil setecentos e sessenta e dois euros e quarenta e três cêntimos], a título de juros calculados nos termos do número 2 da cláusula 13.ª do contrato de concessão de incentivos financeiros desde a data de pagamento da parcela do incentivo até 19.02.2018, sendo que ao supra referido valor acrescem juros de mora calculados à taxa de 4,857%, desde 20.02.2018 até integral e efetivo pagamento - cfr. certidão junta. 8. Apreciando, assente o quadro factual antecedente, temos que mostra-se colocada a este Tribunal dos Conflitos, em termos de pré-conflito, a definição da jurisdição competente em razão da matéria para a tramitação da ação executiva sub specie, à qual os embargos de executado se mostram apensos, ou seja, se a mesma caberá aos tribunais da jurisdição administrativa e fiscal, como concluíram as instâncias, ou antes aos tribunais judiciais, como sustenta o exequente, ora recorrente. 9. Apresenta-se como consensual o entendimento de que a competência do tribunal se afere de harmonia com a relação jurídica controvertida tal como a configura o demandante, sendo que a mesma se fixa no momento em que a ação é proposta, dado se mostrarem irrelevantes, salvo nos casos especialmente previstos na lei, as modificações de facto que ocorram posteriormente, bem como as modificações de direito operadas, exceto se for suprimido o órgão a que a causa estava afeta ou lhe for atribuída competência de que inicialmente carecesse para o conhecimento da causa [cfr. arts. 38.º da Lei nº 62/2013, de 26.08 - Lei da Organização do Sistema Judiciário (LOSJ) - e 05.º, n.º 1, do Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais (ETAF) na redação vigente/aplicável], na certeza de que na apreciação da mesma não releva um qualquer juízo de procedência [total ou parcial] quanto ao de mérito da pretensão/ação ou quanto à existência ou não de quaisquer outras questões prévias/exceções dilatórias.
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