Acórdãos T CONFLITOS

Acórdão do Tribunal dos Conflitos
Processo:046/19
Data do Acordão:06/25/2020
Tribunal:CONFLITOS
Relator:CARLOS CARVALHO
Descritores:PRÉ-CONFLITO
EXECUÇÃO POR QUANTIA CERTA
TURISMO DE PORTUGAL
EXECUÇÃO FISCAL
Sumário:Incumbe, nos arts. 179.º do CPA, 148.º, n.º 2, al. a), e 150.º, n.º 1, do CPPT e 16.º, n.º 1, do DL n.º 129/2012, aos tribunais da jurisdição administrativa e fiscal, in casu e mais especificamente aos tribunais tributários, a tramitação e apreciação das execuções para cobrança de dívidas de natureza não tributária que não se mostrem voluntariamente liquidadas e de que sejam credores o Estado e outras pessoas coletivas de direito público, tanto mais que tal cobrança se mostra sujeita ao processo de execução fiscal.
Nº Convencional:JSTA000P26100
Nº do Documento:SAC20200625046
Data de Entrada:10/04/2019
Recorrente:TURISMO DE PORTUGAL, I.P, NO CONFLITO NEGATIVO DE JURISDIÇÃO, ENTRE O TRIBUNAL JUDICIAL DA COMARCA DE BRAGANÇA, JUÍZO CENTRAL CÍVEL E CRIMINAL DE BRAGANÇA — JUIZ 2 E OS TRIBUNAIS ADMINISTRATIVOS E FISCAIS
Recorrido 1:*
Votação:UNANIMIDADE
Área Temática 1:*
Aditamento:
Texto Integral: RELATÓRIO
1. TURISMO DE PORTUGAL, IP, devidamente identificado nos autos [doravante exequente], intentou execução para pagamento de quantia certa, sob forma ordinária, no Tribunal Judicial [TJ] da Comarca de Bragança [Juízo Central Cível e Criminal de Bragança-Juiz 2] contra «A………., LDA.», igualmente identificada nos autos [doravante executada], tendo esta deduzido oposição à referida execução mediante embargos de executado onde arguiu a incompetência absoluta [em razão da matéria] daquele Tribunal.

2. O TJ supra identificado em sede de despacho saneador proferiu decisão, datada de 24.01.2019, na qual julgou procedente a exceção dilatória da sua incompetência material e declarou-se incompetente «para a tramitação da execução apensa» por entender que a mesma cabia aos tribunais da jurisdição administrativa [in casu, aos tribunais tributários], absolvendo da instância executiva a executada/embargante [cfr. fls. 395/410 dos presentes autos - tal como ulteriores referências a paginação].

3. O exequente inconformado com esta decisão interpôs recurso de apelação para o Tribunal da Relação de Guimarães [TRG], no qual, por acórdão de 02.05.2019, foi mantida aquela decisão [cfr. fls. 434/441].

4. De novo inconformado o exequente interpôs daquele acórdão recurso de revista para o Supremo Tribunal de Justiça [STJ] no qual pugna pela revogação da decisão dado esta haver infringido o disposto, nomeadamente, nos arts. 16.º do DL n.º 129/2012, de 22.06 [Lei Orgânica do Turismo de Portugal, IP] e 703.º, n.º 1, al. d), do CPC [na redação que lhe foi conferida pela Lei n.º 41/2013 - redação a que se reportarão as ulteriores referências a este Código sem expressa menção em contrário], pelo que deverão ser considerados os tribunais judiciais os competentes [cfr. fls. 445/451 v.].

5. Por despacho da Conselheira Relatora no STJ [cfr. fls. 497] foi o recurso de revista convolado em recurso para o Tribunal dos Conflitos e determinada a sua remessa a este Tribunal.

6. Despoletado o conflito de jurisdição em 04.10.2019 mediante entrada neste Tribunal importa, com prévio envio do projeto aos Juízes Conselheiros nele intervenientes e dispensados os vistos legais, apreciar do mesmo, sendo que o Ministério Público [MP] emitiu o seu parecer no sentido do presente conflito ser resolvido mediante a confirmação do acórdão do TRG [cfr. fls. 468/470].


ENQUADRAMENTO E APRECIAÇÃO DO CONFLITO

7. Resulta assente nos autos o seguinte quadro factual:
7.1) O Instituto de Turismo Portugal, abreviadamente designado por Turismo de Portugal, IP [de acordo com o disposto no n.º 1 do art. 01.º do DL n.º 129/2012, de 22.06] … concede, no exercício da sua atividade, subsídios na área do turismo e fiscaliza a respetiva aplicação, de modo a assegurar o cumprimento das obrigações assumidas pelos beneficiários dos mesmos.
7.2) No dia 20.03.2013, o aqui exequente celebrou com a sociedade «A…………, Lda.», na qualidade de promotor, um contrato de concessão de incentivos financeiros, no âmbito do Sistema de Incentivos à Inovação, aprovado pelo DL n.º 287/2007, de 17.08, [alterado e republicado pelo DL n.º 65/2009, de 20.03 e regulamento pela Portaria n.º 1464/2007, de 15.11, alterada e republicada pela Portaria n.º 353-C/2009 e pela Portaria n.º 1103/2010], operação à qual foi atribuído, internamente, o n.º 26488.
7.3) O referido contrato teve por objeto a concessão de um incentivo financeiro de natureza reembolsável até ao montante máximo de 4.909.201,49 € [quatro milhões, novecentos e nove mil, duzentos e um euros e quarenta e nove cêntimos], para aplicação na criação de um conjunto turístico de 4 estrelas, no concelho de Mogadouro, composto por um hotel de 4 estrelas, um aldeamento turístico de 4 estrelas, um centro hípico e um Biocampus.
7.4) A comparticipação financeira mencionada na alínea anterior desdobrou-se da seguinte forma:
- uma comparticipação financeira reembolsável até ao montante de € 4.909.201,49 [quatro milhões, novecentos e nove mil, duzentos e um euros e quarenta e nove cêntimos];
- eventual prémio de realização no valor máximo de 3.626.290,51 € [três milhões, seiscentos e vinte e seis mil, duzentos e noventa euros e cinquenta e um cêntimos], determinado nos termos e condições previstas na cláusula quinta do contrato.
7.5) Ficou consignado no contrato que o prazo para a execução do investimento deveria realizar-se entre 14.01.2013 e 31.12.2013.
7.6) Tendo-se detetado que o valor das despesas elegíveis relativas à componente de estudos não se encontrava corretamente indicado o valor do incentivo reembolsável foi reduzido para 4.908.126,43 € e o valor do eventual prémio de realização foi igualmente reduzido para 3.623.484,21 €.
7.7) Em fevereiro de 2014, o exequente procedeu à libertação do primeiro adiantamento do incentivo financeiro atribuído, no valor de 1.070.181,11 € [um milhão, setenta mil, cento e oitenta e um euros e onze cêntimos], em duas transferências de 910.000,00 € e de 160.181,11 €.
7.8) Por ofício de 23.02.2015, o exequente informou a executada do seguinte:
«Na sequência de uma auditoria efetuada pela Inspeção-Geral de Finanças (IGF), no âmbito da verificação do bom funcionamento dos sistemas de gestão e controlo dos programas operacionais, efetuada ao abrigo do art. 62.º do Regulamento (CE) n.º 1083/2006, do Conselho, de 11 de julho, e do art. 21.º do DL n.º 312/2007, de 17 de setembro, alterado pelos DL n.º 74/2008, de 22 de abril, e DL n.º 99/2009, de 28 de abril, foram identificadas, por aquela entidade, as situações indicadas no excerto do relatório que se anexa, no que a essa empresa diz respeito. Atendendo às conclusões referidas nessa mesma auditoria, e face ao elenco das despesas indicadas como irregulares, procedeu este Instituto ao apuramento do devido impacto no processo supra identificado e às devidas correções a concretizar. Nessa medida apurou-se que: i. Nos termos do relatório anexo, o contrato de empreitada celebrado com a B........., SA apresenta irregularidades procedimentais no que diz respeito ao cumprimento das regras de contratação pública, de que resulta uma correção financeira aplicada ao mesmo contrato de 100%, no montante de 5.990.000,00 €. ii. Situação semelhante foi detetada no âmbito dos contratos de prestação de serviços relacionados com a empreitada, designadamente relativos a projetos de arquitetura, resultando uma correção financeira aplicada ao mesmo contrato de 100%, no montante de 204.000,00 €. iii. Efetuadas as devidas correções, tendo também em conta o montante de incentivo já efetivamente liberto e a despesa certificada apresentada, verifica-se que o novo investimento elegível ascende a 1.356.669,25 €, ao qual corresponde um incentivo reembolsável de 610.501,16 €. Dado que até à data foi já pago o valor de 1.070.181,11 € de incentivo reembolsável, sobretudo com base na despesa que ora foi considerada irregular, importa desde já assegurar a recuperação do valor de incentivo correspondente, no montante de 1.033.731,11 €. Atento o exposto, solicita-se a essa sociedade que, nos termos e para os efeitos do artigo 100.º e seguintes do Código de Procedimento Administrativo, transmita por escrito e no prazo de 10 dias, o que tiver por conveniente. Mais se informa que o processo pode ser consultado nas instalações deste Instituto, no horário de expediente, desde já nos disponibilizando para a realização de uma reunião que permita apurar do atual estado de execução do projeto ...».
7.9) A executada não respondeu.
7.10) Por novo ofício de 06.10.2015, o exequente informou a executada do seguinte:
«Na sequência da auditoria efetuada pela Inspeção-Geral de Finanças (IGF), no âmbito da verificação do bom funcionamento dos sistemas de gestão e controlo dos programas operacionais, efetuada ao abrigo do art. 62.º do Regulamento (CE) n.º 1083/2006, do Conselho, de 11 de julho, e do art. 21.º do DL n.º 312/2007, de 17 de setembro, alterado pelos DL n.º 74/2008, de 22 de abril, e DL n.º 99/2009, de 28 de abril, foram identificadas, por aquela entidade, algumas situações de irregularidade no que a essa empresa diz respeito, conforme constou da nossa anterior notificação SAI/2015/2865, à qual não obtivemos qualquer resposta. Atendendo às conclusões referidas nessa mesma auditoria, e face ao elenco das despesas indicadas como irregulares, procedeu este Instituto ao apuramento do devido impacto no processo supra identificado e às devidas correções a concretizar. Nessa medida apurou-se que: i. Nos termos do relatório anexo, o contrato de empreitada celebrado com a B......., SA apresenta irregularidades procedimentais no que diz respeito ao cumprimento das regras de contratação pública, de que resulta uma correção financeira aplicada ao mesmo contrato de 100%, no montante de 5.990.000,00 €. ii. Situação semelhante foi detetada no âmbito dos contratos de prestação de serviços relacionados com a empreitada, designadamente relativos a projetos de arquitetura, resultando uma correção financeira aplicada ao mesmo contrato de 100%, no montante de 204,000,00 €. Efetuadas as devidas correções, tendo também em conta o montante de incentivo já efetivamente liberto e a despesa certificada apresentada, verifica-se que o novo investimento elegível ascenderá a 1.356.669,25 €, ao qual corresponderá um incentivo reembolsável de 610.501,16 €. Não tendo sido cumpridas as regras de contratação pública, e tendo em conta que a maioria das despesas associadas à empreitada será considerada irregular, sendo de referir que isso implicará a inelegibilidade de todo o investimento associado essa mesma componente, vislumbra-se difícil a manutenção do apoio ao projeto em apreço. Nos termos das alíneas a) e i) da cláusula oitava do contrato de concessão de incentivos, celebrado em 03.04.2013, V. Exas. obrigaram-se a executar o projeto nos termos e prazos aprovados e a cumprir os normativos em matéria de contratação pública no âmbito da execução do projeto. O não cumprimento das obrigações contratuais e/ou objetivos do projeto é suscetível de consubstanciar causa de resolução do contrato, de acordo com a al. a) do n.º 1 da cláusula décima terceira. Atento o exposto, solicita-se a essa sociedade que, nos termos e para os efeitos do artigo 121.º e seguintes do Código de Procedimento Administrativo, aprovado pelo DL n.º 4/2015, de 7 de janeiro, transmita por escrito e no prazo de 10 dias, o que tiver por conveniente. Mais se informa que o processo pode ser consultado nas instalações deste Instituto, no horário de expediente, desde já nos disponibilizando para a realização de uma reunião que permita apurar do atual estado de execução do projeto …».
7.11) A executada não respondeu.
7.12) Por deliberação do Conselho Diretivo do exequente de 13.11.2015 foi resolvido o contrato, circunstância que foi comunicada à executada por ofício datado de 25.11.2015, tendo-lhe sido igualmente comunicado que, em resultado dessa resolução contratual e no prazo de 30 dias, deveria proceder à devolução da quantia de 1.070.181,11 €, acrescida do montante de 102.266,82 €, a título de juros, totalizando, assim, o valor global de 1.172.447,93 € - cfr. doc. n.º 06 que se junta e se dá por integralmente reproduzido.
7.13) A executada não pagou nem amortizou a quantia em dívida.
7.14) A executada não impugnou o ato consubstanciado na resolução do contrato de concessão de incentivos.
7.15) O exequente figura como credor da executada de uma quantia que, reportada a 19.02.2018, ascende a 1.278.943,54 € [um milhão, duzentos e setenta e oito mil, novecentos e quarenta e três euros e cinquenta e quatro cêntimos], de acordo com a seguinte imputação: i) 1.070.181,11 € [um milhão, setenta mil, cento e oitenta e um euros e onze cêntimos], a título de capital; ii) 208.762,43 € [duzentos e oito mil setecentos e sessenta e dois euros e quarenta e três cêntimos], a título de juros calculados nos termos do número 2 da cláusula 13.ª do contrato de concessão de incentivos financeiros desde a data de pagamento da parcela do incentivo até 19.02.2018, sendo que ao supra referido valor acrescem juros de mora calculados à taxa de 4,857%, desde 20.02.2018 até integral e efetivo pagamento - cfr. certidão junta.

8. Apreciando, assente o quadro factual antecedente, temos que mostra-se colocada a este Tribunal dos Conflitos, em termos de pré-conflito, a definição da jurisdição competente em razão da matéria para a tramitação da ação executiva sub specie, à qual os embargos de executado se mostram apensos, ou seja, se a mesma caberá aos tribunais da jurisdição administrativa e fiscal, como concluíram as instâncias, ou antes aos tribunais judiciais, como sustenta o exequente, ora recorrente.

9. Apresenta-se como consensual o entendimento de que a competência do tribunal se afere de harmonia com a relação jurídica controvertida tal como a configura o demandante, sendo que a mesma se fixa no momento em que a ação é proposta, dado se mostrarem irrelevantes, salvo nos casos especialmente previstos na lei, as modificações de facto que ocorram posteriormente, bem como as modificações de direito operadas, exceto se for suprimido o órgão a que a causa estava afeta ou lhe for atribuída competência de que inicialmente carecesse para o conhecimento da causa [cfr. arts. 38.º da Lei nº 62/2013, de 26.08 - Lei da Organização do Sistema Judiciário (LOSJ) - e 05.º, n.º 1, do Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais (ETAF) na redação vigente/aplicável], na certeza de que na apreciação da mesma não releva um qualquer juízo de procedência [total ou parcial] quanto ao de mérito da pretensão/ação ou quanto à existência ou não de quaisquer outras questões prévias/exceções dilatórias.


10. A lei jusfundamental consagrou a existência de diferentes categorias de tribunais sob um critério de repartição de competências de modo que as funções judiciais são atribuídas a vários órgãos enquadrados em jurisdições diferenciadas e independentes entre si [cfr. arts. 211.º, n.º 1, e 212.º, n.º 3, da CRP, 64.º do CPC, 29.º e 40.º, n.º 1, da LOSJ, 01.º e 04.º do ETAF], presente que os tribunais judiciais têm competência para as causas que não sejam atribuídas a outra ordem jurisdicional [cfr. arts. 64.º do CPC, 40.º, n.º 1, da LOSJ] e que, nos termos do n.º 1 do art. 117.º da LOSJ, «[c]ompete aos juízos centrais cíveis: … b) Exercer, no âmbito das ações executivas de natureza cível de valor superior a (euro) 50 000,00, as competências previstas no Código do Processo Civil, em circunscrições não abrangidas pela competência de juízo ou tribunal».


11. Resulta, por sua vez, que os tribunais administrativos/fiscais são os «tribunais comuns» em matéria administrativa/fiscal, derivando do n.º 1 do art. 04.º do ETAF que «[c]ompete aos tribunais da jurisdição administrativa e fiscal a apreciação de litígios que tenham por objeto questões relativas: … o) Relações jurídicas administrativas e fiscais que não digam respeito às matérias previstas nas alíneas anteriores» e do n.º 1 do art. 49.º do ETAF que «[s]em prejuízo do disposto no artigo seguinte, compete aos tribunais tributários conhecer: a) Das ações de impugnação: i) Dos atos de liquidação de receitas fiscais estaduais, regionais ou locais, e parafiscais, incluindo o indeferimento total ou parcial de reclamações desses atos; ii) Dos atos de fixação dos valores patrimoniais e dos atos de determinação de matéria tributável suscetíveis de impugnação judicial autónoma; iii) Dos atos praticados pela entidade competente nos processos de execução fiscal; iv) Dos atos administrativos respeitantes a questões fiscais que não sejam atribuídos à competência de outros tribunais; … d) Dos incidentes, embargos de terceiro, reclamação da verificação e graduação de créditos, anulação da venda, oposições e impugnação de atos lesivos, bem como de todas as questões relativas à legitimidade dos responsáveis subsidiários, levantadas nos processos de execução fiscal; e) Dos seguintes pedidos: … f) Das demais matérias que lhes sejam deferidas por lei».


12. Atentando, ainda, no demais quadro legal convocado temos que decorre do art. 179.º do Código de Procedimento Administrativo [CPA] que «[q]uando, por força de um ato administrativo, devam ser pagas prestações pecuniárias a uma pessoa coletiva pública, ou por ordem desta, segue-se, na falta de pagamento voluntário no prazo fixado, o processo de execução fiscal, tal como regulado na legislação do processo tributário» [n.º 1], e que «[p]ara efeitos do disposto no número anterior, o órgão competente emite, nos termos legais, uma certidão com valor de título executivo, que remete ao competente serviço da Administração tributária, juntamente com o processo administrativo» [n.º 2].


13. E estipula-se no art. 148.º do Código de Procedimento e Processo Tributário [CPPT] que «[o] processo de execução fiscal abrange a cobrança coerciva das seguintes dívidas: a) Tributos, incluindo impostos aduaneiros, especiais e extrafiscais, taxas, demais contribuições financeiras a favor do Estado, adicionais cumulativamente cobrados, juros e outros encargos legais; b) Coimas e outras sanções pecuniárias fixadas em decisões, sentenças ou acórdãos relativos a contra-ordenações tributárias, salvo quando aplicadas pelos tribunais comuns; c) Coimas e outras sanções pecuniárias decorrentes da responsabilidade civil determinada nos termos do Regime Geral das Infracções Tributárias» [n.º 1] e que «[p]oderão ser igualmente cobradas mediante processo de execução fiscal, nos casos e termos expressamente previstos na lei: a) Outras dívidas ao Estado e a outras pessoas coletivas de direito público que devam ser pagas por força de acto administrativo; b) Reembolsos ou reposições; c) Custas, multas não penais e outras sanções pecuniárias fixadas em processo judicial» [n.º 2], preceituando-se no art. 162.º do mesmo Código que «[s]ó podem servir de base à execução fiscal os seguintes títulos executivos: a) Certidão extraída do título de cobrança relativa a tributos e outras receitas do Estado; b) Certidão de decisão exequível proferida em processo de aplicação das coimas; c) Certidão do acto administrativo que determina a dívida a ser paga; d) Qualquer outro título a que, por lei especial, seja atribuída força executiva».


14. Por fim e quanto à cobrança coerciva de dívidas por parte do exequente importa, ainda, atentar ao disciplinado no n.º 1 do art. 16.º do DL n.º 129/2012, de 22.06 [diploma respeitante à orgânica do exequente - na redação que lhe foi dada pelo DL n.º DL n.º 66/2015, de 29.04] onde se prvê que «[a]s certidões negativas de pagamento emitidas pelo conselho diretivo do Turismo de Portugal, I.P., constituem título executivo bastante, nos termos previstos na alínea d) do n.º 1 do artigo 703.º do Código do Processo Civil».


15. Presentes os termos/fundamentos em que a pretensão executiva do aqui recorrente se mostra estribada, a factualidade fixada e o quadro normativo acabado de elencar temos que não se mostram procedentes as críticas acometidas pelo mesmo ao acórdão do TRG e cujo juízo se impõe confirmar.


16. Com efeito, dúvidas não se colocam que o relacionamento contratual que foi estabelecido entre as partes, incluindo o ato que resolveu o contrato e determinou a devolução da quantia em dívida, se mostram formados e disciplinados em ambiência juspublicística [in casu um contrato de concessão de incentivos financeiros disciplinado, mormente, pelo DL n.º 287/2007, de 17.08 (sucessivamente alterado pelo DL n.º 65/2009, pelo DL n.º 167-B/2013, e pelo DL n.º 148/2014) e pela Portaria n.º 1464/2007, de 15.11 (sucessivamente alterada pelas Portarias n.º 353-C/2009, n.º 1103/2010, e n.º 262/2014)], tendo, assim, natureza administrativa.


17. E de que o exequente, como se extrai do art. 01.º do referido DL n.º 129/2012, é um instituto público de regime especial que está integrado na administração indireta do Estado e prossegue as atribuições do então denominado «Ministério da Economia e do Emprego» [estando sob a superintendência e tutela do respetivo ministro], e que se rege pelo disposto no regime jurídico aplicável às entidades públicas empresariais em matérias, nomeadamente como as da contratação pública, gozando de autonomia administrativa e financeira e possuindo património próprio.


18. Afigura-se, ainda, como consensual o entendimento de que a dívida exequenda não tem natureza tributária.


19. Temos, todavia, que do assim considerado não deriva que se imponha concluir no sentido de que sejam os TJ os competentes para a cobrança coerciva da dívida exequenda no quadro de ação executiva a neles instaurar como sustenta o exequente, aqui recorrente.


20. É certo que explicitamente deriva do regime legal que as dívidas ao «IAPMEI, IP» estão sujeitas ao regime de processo de execução fiscal [cfr. art. 15.º, n.º 1, do DL n.º 140/2007, e, atualmente, art. 14.º, n.º 1, do DL n.º 266/2012] e que quanto às dívidas decorrentes de certidões emitidas pelo Conselho Diretivo [CD] do Exequente o regime legal aplicável não o afirma de modo explícito/expresso [cfr. art. 22.º do DL n.º 141/2007 e, atualmente, o art. 16.º, n.º 1, do DL n.º 129/2012].


21. Ocorre que estamos perante uma aparente diversidade no regime legal de cobrança coerciva de dívidas já que da previsão do art. 16.º, n.º 1, do DL n.º 129/2012 [tal como já derivava dos sucessivos regimes que anteriormente foram disciplinando a matéria - art. 22.º do DL n.º 141/2007, 31.º do DL n.º 308/99, e 05.º-B do DL n.º 49266 (aditado pelo DL 247/95)] não se extrai uma qualquer tomada de posição quanto regime processual executivo a observar e decorrente tribunal competente.


22. Efetivamente não estamos perante uma norma atributiva de competência, porquanto na mesma apenas se estipula que as certidões de dívida emitidas pelo referido CD constituem título executivo bastante nos termos previstos na al. d) do n.º 1 do art. 703.º do CPC, ou seja, apenas se limitam a habilitar ou legitimar o exequente a instaurar, desde logo, uma ação executiva, dispensando-o de ter de previamente obter sentença condenatória em ação declarativa a ser instaurada para esse efeito.


23. Ora da articulação do que resulta imperativamente disciplinado, por um lado, nos arts. 179.º do CPA e 148.º, n.º 2, al. a), do CPPT e, por outro lado, no n.º 1 do art. 16.º do DL n.º 129/2012, deriva que o Estado e outras pessoas coletivas de direito público [in casu, se incluindo como vimos o aqui exequente], uma vez confrontados com dívidas de natureza não tributária de que sejam credores e que não se mostrem voluntariamente liquidadas, emitem, nos termos legais, uma certidão com valor de título executivo [vide, no caso, o n.º 7.15) da factualidade apurada e o art. 16.º, n.º 1, do citado DL], que devem remeter ao competente serviço da Administração tributária para cobrança coerciva do crédito através do processo de execução fiscal.


24. Temos, assim, que a cobrança da dívida exequenda se mostra sujeita ao processo de execução fiscal para cuja prossecução é competente a administração tributária [arts. 148.º, n.º 2, al. a), 150.º, n.º 1, ambos do CPPT, e 179.º, n.º 1, do CPA, 16.º, n.º 1, do DL n. º 129/2012], correndo o mesmo nos tribunais da jurisdição administrativa e fiscal, in casu e mais especificamente nos tribunais tributários.


25. Daí que de tudo o exposto flui que o aresto do TRG, ora sub specie, terá de ser confirmado in toto, visto que reservada à jurisdição administrativa e fiscal a competência para a execução que foi instaurada pelo exequente, aqui recorrente.


DECISÃO
Nestes termos e de harmonia com os poderes conferidos pelo art. 202.º da Constituição da República Portuguesa acordam em negar provimento ao recurso e manter o acórdão recorrido, com as legais consequências.
Sem custas [cfr. art. 96.º do Decreto n.º 19243, de 16.01.1931]. D.N..
[O relator consigna e atesta, que nos termos do disposto no art. 15.º-A do DL n.º 10-A/2020, de 13.03, aditado pelo art. 03.º do DL n.º 20/2020, de 01.05, têm voto de conformidade com o presente Acórdão os restantes integrantes da formação de julgamento do presente conflito, Conselheira Maria Margarida Blasco Martins Augusto, Conselheiro José Augusto Araújo Veloso, Conselheiro Ricardo Alberto Santos Costa, Conselheira Teresa Maria Sena Ferreira de Sousa e Conselheira Maria da Assunção Pinhal Raimundo]
Carlos Luís Medeiros de Carvalho

Lisboa, 25 de junho de 2020. – Carlos Carvalho (relator) - Maria Margarida Blasco Martins Augusto - José Augusto Araújo Veloso - Ricardo Alberto Santos Costa - Teresa Maria Sena Ferreira de Sousa - Maria da Assunção Pinhal Raimundo.