Acórdãos T CONFLITOS

Acórdão do Tribunal dos Conflitos
Processo:013/14
Data do Acordão:06/19/2014
Tribunal:CONFLITOS
Relator:ALBERTO AUGUSTO OLIVEIRA
Descritores:ACÇÃO DE REIVINDICAÇÃO.
CONFLITO DE JURISDIÇÃO.
COMPETÊNCIA DOS TRIBUNAIS COMUNS.
Sumário:I - A acção de reivindicação, prevista no art. 1311.º do CC, é uma típica manifestação do direito de sequela, visando afirmar o direito de propriedade e pôr fim à situação ou actos que o violem, tendo como primeiro objectivo a declaração de existência do direito e, como escopo ulterior, a sua realização, nela concorrendo dois pedidos: o de reconhecimento do direito e o de restituição da coisa, objecto desse direito.
II - As acções de reivindicação são, pois, acções reais, não se confundindo com as acções obrigacionais em que se exerça a responsabilidade civil extracontratual.
III - Assim, a «reivindicatio» não cabe na previsão do art. 4°, n.° 1, al. g), do ETAF.
IV - E, porque também não cabem em qualquer outra das previsões do mesmo artigo, as acções de reivindicação devem ser conhecidas pelos tribunais judiciais.
Nº Convencional:JSTA000P17665
Nº do Documento:SAC20140619013
Data de Entrada:03/05/2014
Recorrente:A..., NO CONFLITO NEGATIVO DE JURISDIÇÃO ENTRE O TRIBUNAL JUDICIAL DA COVILHÃ E O TAF DE CASTELO BRANCO
Recorrido 1:*
Votação:UNANIMIDADE
Área Temática 1:*
Aditamento:
Texto Integral: Conflito nº: 13/14.

Acordam no Tribunal dos Conflitos:

1.

1.1. A………… propôs no Tribunal Judicial da Covilhã, contra o Município da Covilhã e contra a B……………., SA, «nos termos previstos nos arts. 1311.º e ss. do Código Civil […] acção de reivindicação», na qual formulou os seguintes pedidos:
«1. Devem os RR. ser condenados a reconhecer que, depois de destacada a parcela de 25.230,25 m2 objecto da expropriação para a construção do ………. …………., o terreno sobrante do prédio devidamente identificado no art. 1° desta petição (terreno sobrante que engloba a área dos passeios que contornam a propriedade pelos lados nascente, sul e poente, a área da zona de paragem de autocarros existente na parte sul da propriedade, e a área do caminho privado que se situa na parte poente da mesma e a contorna por este lado e por norte, atravessando-a) é propriedade do ora A.;
2. Devem os RR. ser condenados a reconhecer que o terreno que o 1º R. cedeu ao 2° R. para este aí edificar os passeios e a zona de paragem de autocarros referidos no ponto anterior é propriedade do A.;
3. Devem os RR. ser condenados a restituir ao A. a parcela de terreno identificada no ponto 1 nas condições em que se encontrava antes de ser edificada a obra referida no ponto 2;
4. Deve o 1° R. ser condenado a pagar ao A., a título de sanção pecuniária compulsória, o montante de 50,00 € (cinquenta euros) por cada dia de atraso no cumprimento da obrigação referida no ponto 3, contados desde a data da citação do 1° R. para a presente acção;
5. Devem os RR. ser condenados em custas e procuradoria condigna».

Indicou como causa de pedir:
«1°)
Sob a ficha n° 2082 da Conservatória do Registo Predial da Covilhã, encontra-se descrito o prédio rústico sito em ……….. ou …………., com a área de 28.000 m2, composto de pinhal e mato, prédio que confronta de norte e poente com caminho e de sul e nascente com estrada, e que se encontra inscrito na matriz rústica da freguesia do ………… sob o art. 1138°, tudo conforme se pode ver dos documentos que se juntam com os n°s 1 e 2, e que se dão aqui por integralmente reproduzidos para todos os devidos e legais efeitos.
2°)
Encontra-se a correr termos na Câmara do ora 1° R. um processo de expropriação ai identificado como “expropriação para a obra de construção do ..............”, o qual tem como objecto uma parcela com a área de 25.230.25 m2 a destacar do prédio rústico devidamente identificado no artigo precedente e que, como se disse, tem a área total de 28.000 m2, tudo conforme se pode ver do documento que se junta com o n° 3, o qual se dá aqui por integralmente reproduzido para todos os devidos e legais efeitos.
3°)
No âmbito desse processo expropriativo, no dia 19.11.2007 o 1° R. tomou posse administrativa da parcela mencionada no artigo anterior, conforme se pode ver do documento que se junta com o n°4º qual se dá aqui por integralmente reproduzido para todos os devidos e legais efeitos.
4°)
Assim, no dia 19.11.2007, a propriedade da parcela da expropriação transmitiu-se do anterior proprietário, o ora A. (cf. doc. 1), para o Município da Covilhã, tendo o A. mantido o seu direito de propriedade quanto ao remanescente do prédio.
5°)
Efectivamente, como se disse, o prédio de onde a parcela expropriada foi destacada tinha a área de 28.000 m2, sendo certo que a parcela expropriada tem 25.230,25 m2 de área, pelo que o ora A. continua dono é legítimo proprietário do terreno sobrante cuja área ascende a 2.769,75 m2 (i.e., 28.000,00 m2 - 25.230,25 m2).
6°)
Ou seja, há uma parcela de terreno do prédio rústico identificado no art. 1° desta petição que se mantém na propriedade do ora A., o que resulta, desde logo e como acima foi alegado, do simples facto de ter sido expropriada uma parcela com uma dimensão inferior à do prédio de onde a mesma foi destacada. Dúvidas, quanto a nós, não podem haver quanto a este facto.
7°)
Aliás, da publicação em Diário da República da declaração da utilidade pública da expropriação, consta uma planta na qual a parcela expropriada surge, como aí se diz, “referenciada e identificada” e da qual é visível uma faixa do terreno do prédio do A. que não foi marcada nem referenciada, faixa por nós agora marcada a cor em fotocópia simples e em fotocópia ampliada para melhor visualização, tudo conforme se pode ver do documento que se junta com o n° 5, o qual se dá aqui por integralmente reproduzido para todos os devidos e legais efeitos.
8°)
Quanto à localização e à composição dessa parcela que permanece na propriedade do A., a mesma é constituída pela área correspondente aos passeios que contornam a propriedade pelos lados nascente, sul e poente, designadamente os passeios existentes aos quilómetro 197 da Estrada Nacional ………… no sentido .........., mais concretamente do hectómetro 2 (km 197,2) ao hectómetro 9 (km 197,9);
9°)
Bem como pela área correspondente à zona de paragem de autocarros existente na parte sul da propriedade, e pela área correspondente ao caminho privado que se situa na parte poente da mesma e a contorna por este lado e por norte, atravessando-a, ambas marcadas a cor no documento junto com o n°5.
10°)
Sendo certo que também não se oferecem dúvidas quanto ao afirmado nos dois artigos precedentes, pelas razões que de seguida se enunciam.
11°)
Desde logo porque, desde tempos imemoriais e, como tal, muito antes da construção dos passeios e da zona de paragem de autocarro referidas nos supra arts. 8° e 9°, o prédio do A. Confinava, de nascente, sul e poente com estrada, designadamente a Estrada Nacional …………, tudo conforme se pode ver do documento que se junta com o n° 6 e se dá aqui por integralmente reproduzido para todos os devidos e legais efeitos.
12°)
Por outro lado, aquando da realização da vistoria ad perpetuam rei memoriam no âmbito do processo expropriativo promovido pelo ora 1° R., o A. formulou ao Sr. Perito os seguintes quesitos (conforme se pode ver do documento que se junta com o n° 7, o qual se dá aqui por integralmente reproduzido para todos os devidos e legais efeitos):
“1. A parcela n° 1 tem, efectivamente, a área de 25.230,25 m2 mencionada na declaração de utilidade pública?
2. A área de 25.230,25 m2 mencionada na declaração de utilidade pública engloba:
a) a área correspondente aos passeios que contornam a propriedade pelos lados nascente, sul e poente e a zona de paragem de autocarros existente na parte sul da propriedade?
b) a área correspondente ao caminho privado que se situa na parte poente da propriedade e a contorna por este lado e por norte, atravessando-a?”
13°)
Conforme se pode ver do documento que se junta com o n° 8 e se dá aqui por integralmente reproduzido para todos os devidos e legais efeitos, o Sr. Perito, em resposta ao quesito n° 1, confirmou a área da parcela a expropriar como sendo de 25.230,25 m2;
14°)
E o segundo quesito obteve a seguinte resposta:
“2. Segundo declaração colhida na C.M.C., na pessoa do Sr. Vereador Eng° C…………, os passeios em causa fazem parte integrante da E.N. …………. e portanto de uma infra-estrutura pública já existente, deduzindo assim que a área a expropriar não a engloba, bem como o caminho situado a poente.”
15°)
Ou seja, o Município da Covilhã ora 1° R. expressamente reconheceu que os passeios, a zona de paragem de autocarros e o caminho privado devidamente identificados nos supra arts. 8° e 9° não fazem parte da parcela objecto da expropriação.
16°)
Assim sendo, como é, dúvidas não restam de que a propriedade dos mesmos não se transmitiu para o ora 1° R. por força do processo expropriativo e da respectiva tomada de posse administrativa da parcela expropriada.
16°)
Todavia, e ao contrário do que é referido naquela resposta dada ao segundo quesito, os passeios em causa, bem como a área correspondente à paragem dos autocarros e ao caminho privado, não fazem parte integrante da Estrada Nacional ………… pois são propriedade do ora A...
Vejamos:
17°)
Desde tempos imemoriais que o prédio do qual foi destacada a parcela expropriada e já devidamente identificado no artº 1° deste petitório é propriedade do A. - que aliás o adquiriu por doação feita há mais de 50 anos por seu pai D……………. - e dos anteriores proprietários e possuidores do mesmo.
18°)
Efectivamente, há mais de 20, 30, 50 e mais anos que o A. e os anteriores proprietários e possuidores do mencionado prédio, têm praticado actos materiais e exercido poderes de facto sobre o mesmo, detendo-o, possuindo-o, ocupando-o, conservando-o, fruindo-o - designadamente limpando o terreno, tratando das árvores aí existentes e colhendo os respectivos frutos, como seja, por exemplo, os provenientes da extracção de cortiça dos sobreiros - e realizando as benfeitorias que mais lhes têm convindo, i.e., agindo na convicção e intenção de se comportarem como titulares do direito real correspondente aos actos praticados, tudo o que fazem de forma reiterada, pública e pacifica, sem lesar direitos de outrem e portanto de boa fé e sem qualquer oposição, seja de quem for, nomeadamente dos RR.,
Pelo que, -
19°)
Se o A. não tivesse outro título, como tem, sempre teria já adquirido o referido prédio por usucapião, que expressamente aqui se invoca para todos os devidos e legais efeitos.
20°)
Sendo certo ainda que as referidas detenção, posse, ocupação, conservação e fruição do prédio sempre se verificaram sobre a totalidade da sua área, nomeadamente das áreas que hoje se encontram ocupadas pelos passeios, pela zona de paragem de autocarros e pelo caminho privado a que já se fez referência nos arts. 8° e 9° desta petição.
21°)
Aliás, conforme se pode ver da certidão emitida pelo Sr. Director da Direcção de Estradas de Castelo Branco que se junta como documento n° 9 e que se dá aqui por integralmente reproduzida para todos os devidos e legais efeitos, tais passeios só foram construídos no ano de 2001, nomeadamente entre Maio e Agosto desse mesmo ano,
22°)
Tudo o que é do conhecimento directo e efectivo do ora 1° R., que bem sabe que as áreas que hoje se encontram ocupadas pelos passeios, pela zona de paragem de autocarros e pelo caminho privado não fazem parte integrante da Estrada Nacional ………….. e que são propriedade do ora A..
23°)
Na verdade, há cerca de 7 anos, a pedido do ora 1° R., o A. autorizou-o a construir os passeios supra mencionados num preciso contexto que se referirá.
24°)
Efectivamente, o A. foi abordado pelo R. que, através do Sr. Presidente da Câmara Municipal da Covilhã, Sr. ………, e através do Sr. Vereador, Sr. Eng. C…………., lhe solicitaram autorização para a construção dos passeios no terreno propriedade do A: e supra identificado, tendo os mesmos acordado verbalmente nessa ocasião que a área ocupada com os passeios seria tida em conta na área de cedência obrigatória do A. ao R. no âmbito de um futuro loteamento que se encontrava planeado para aquele terreno.
25°)
Em consequência de tais contactos e acordo verbal, o ora A., de boa fé e tão somente no pressuposto e na expectativa de cumprimento do verbalmente acordado, autorizou a construção dos passeios em terreno sua propriedade.
26°)
Face a tal autorização, e como já se disse, em 2001, o ora 2° R. procedeu à construção de tais passeios, desconhecendo contudo o A. os termos em que o 1° R. transmitiu ou cedeu ao 2° tais áreas, desconhecendo, designadamente como, de que modo e com que título o fez, de molde a habilitar o 2° R. a proceder à mencionada obra de construção.
27°)
Sucede, porém, que, face à decisão de expropriar o terreno (a maior parte do terreno) em questão para a construção do ……….., é um facto assente que já não haverá qualquer loteamento.
28°)
Ora, não havendo loteamento, como face à expropriação já não pode haver, não se verifica qualquer dever por parte do A. de manter o acordo verbal que fez com o 1° R. de cedência de área, o que torna ineficaz a autorização de construção dos passeios dada pelo A. ao 1° R., visto que precludiu, ou melhor, deixou mesmo de existir o pressuposto que a determinou.
29°)
Face a tudo o exposto, dúvidas não podem existir de que a área sobrante do prédio identificado no art. 1° deste petitório (e que corresponde à área dos passeios que contornam a propriedade pelos lados nascente, sul e poente, à área da zona de paragem de autocarros existente na parte sul da propriedade, e à área do caminho privado que se situa na parte poente da mesma e a contorna por este lado e por norte, atravessando-a) é propriedade do ora A..
30°)
E sendo tal área do A., como é, significa que, ao ceder ao 2º R. a área onde o mesmo construiu os passeios, o 1° R. cedeu ao 2° R. coisa alheia (não tendo conhecimento o A., como já se disse, dos exactos termos em que tal cedência foi feita), tudo o que implica a nulidade desse negócio, nulidade que expressamente se invoca para todos devidos e legais efeitos.
31°)
Donde resulta, de acordo com o consignado no n° 1 do art. 1311° do Código Civil, que assiste ao A. o direito de exigir dos RR., como o faz através da presente, o reconhecimento do seu direito de propriedade e a consequente restituição da parcela de terreno referida no artigo anterior, na situação em que se encontrava antes de terem sido construídos os passeios e a zona de paragem de autocarros já devidamente identificado.
32°)
Porque se trata de uma prestação de facto infungível positivo, sem que se exijam quaisquer qualidades artísticas ou científicas do obrigado, o A. requer também a condenação do 1° R. a pagar uma quantia pecuniária por cada dia de atraso no cumprimento da obrigação referida no artigo anterior, contados desde a data em que for citado para a presente acção.
33°)
Na verdade, e conforme se referiu no supra artº 22°, apesar do R. ter conhecimento directo e efectivo de que os passeios foram construídos em terreno que é propriedade do A. e no âmbito de um acordo que o mesmo sabe que não cumpriu nem pode mais cumprir, o 1° R. não se abstém de afirmar que tais passeios fazem parte integrante de uma estrada nacional e, como tal, do domínio público.
34°)
Atenta a gravidade deste comportamento do 1° R. - comportamento que é doloso visto que o 1° R. não pode desconhecer a ilicitude do mesmo - e tendo em conta, por outro lado, os incómodos e prejuízos que tal comportamento causou, e causa, ao A. e as despesas que este teve, e previsivelmente terá, para terminar com o comportamento do 1° R., o valor pecuniário diário em que este deve ser condenado, deve ser fixado em 50,00 € (cinquenta euros)».

1.2. O Tribunal Judicial da Covilhã veio a julgar-se incompetente para acção, considerando, em síntese:
«o autor pretende ver reconhecido o seu direito de propriedade sobre a parcela não expropriada, onde foram edificados passeios e a zona de paragem de autocarros, e que a mesma lhe seja restituída nas condições em que se encontrava antes de aquelas infra-estruturas serem construídas, alegando factos consubstanciadores da sua aquisição originária.
Assenta a sua pretensão no processo de expropriação que não teve como objecto a parcela ora reivindicada, mas apenas parte dela, e na não verificação dos pressupostos que estiveram na base do acordo celebrado com o Presidente da Câmara da Covilhã mediante o qual autorizava as aludidas construções mas como contrapartida seria levado em consideração essa cedência no futuro loteamento da zona.
Mais aduz que foi a 2° ré que procedeu à construção das referidas obras mas desconhece em que termos o fez.
Analisando a causa de pedir invocada e subjacente aos pedidos entende-se que a mesma carece de prévia decisão do foro administrativo, integrando-se nos factores de atribuição de competência acima aludidos.
(…)
Ora, sob este enfoque, no caso vertente, o Município da Covilhã intervém no uso de poderes de autoridade, com exercitação do respectivo “jus imperium”, em nome e no interesse público.
Com efeito, é paradigmático que a questão central dos presentes autos assenta na reivindicação de parte de uma parcela expropriada, bem como na construção de passeios e uma paragem de autocarros na propriedade que o autor se arroga, através da 2ª ré, mas por incumbência da 1ª ré, sendo certo que houve um acordo com o Presidente do Município da Covilhã nesse sentido e actuando este nessa veste.
Mais a mais, a construção das referidas infra-estruturas surgem conectadas com uma realidade jurídica administrativa, através de um município, em proveito das suas gentes, tendo incumbido a 2ª ré para o efeito.
Assim, a retirada de tais infra-estruturas reveste e emerge de uma relação administrativa.
O que da petição se extrai, é que a responsabilidade assacada ao réu Município tem origem na prática de um acto compreendido no exercício de um poder público e integrando ele mesmo a realização de uma função pública. Pode por isso dizer-se, que estamos perante uma relação materialmente administrativa, a reclamar a intervenção da correspondente jurisdição para o respectivo julgamento, nos termos do citado art.° 4°.
Pelo exposto, estamos perante uma situação de incompetência absoluta, em razão da matéria, na medida em que o tribunal competente para apreciar a presente acção é o Tribunal Administrativo e Fiscal».

1.3. Face a essa decisão, o Autor propôs no Tribunal Administrativo e Fiscal da Castelo Branco uma acção administrativa comum sob a forma ordinária formulando, no essencial, o mesmo pedido, assente na mesma causa de pedir.

1.4. O TAF de Castelo Branco veio a julgar-se igualmente incompetente, considerando que:
«Se as pretensões formuladas radicam no direito real de propriedade, a relação jurídica em causa não se mostra enquadrável no art. 1°, nº 1 ou em qualquer uma das alíneas do art. 4°, n° 1, do ETAF. (…)
As acções de reivindicação são acções reais, que não se confundem com as acções obrigacionais em que se exerça a responsabilidade civil extracontratual.
Assim, a «reivindicatio» não cabe na previsão do art. 4°, n.° 1, al. g), do ETAF.
E, porque também não cabem em qualquer outra das previsões do mesmo artigo, as acções de reivindicação devem ser conhecidas pelos tribunais comuns, cuja competência é residual nos termos do art. 66° do CPC».

1.5. O Autor interpôs recurso jurisdicional desta decisão para o TCA Sul que, por acórdão de 21.2.2013, confirmou a decisão do TAF.

1.6. O Autor vem, agora, requerer a resolução do conflito negativo de jurisdição.

1.7. A digna magistrada do Ministério Público emitiu parecer no sentido da competência da jurisdição comum.

Cumpre apreciar e decidir.

2.

2.1. Os factos e a dinâmica processual apurados nos autos e com interesse para a resolução do conflito em causa são os acima referidos.

2.2. O Autor, como resulta do exposto, pretende, em síntese, que o Município da Covilhã e a B……………, S.A., sejam condenados a:
‒ Reconhecer que o terreno sobrante da expropriação efectuada pelo 1º R. é propriedade do Autor.
‒ Reconhecer que o terreno cedido pelo 1º R. ao 2º R., para a edificação dos passeios e a zona de passagem dos autocarros é propriedade do Autor.
- A restituir a parcela do terreno e a fixação de um prazo para o seu cumprimento.

O presente conflito é análogo aos que foram resolvidos por este Tribunal em 09.6.2010, no processo nº12/10, em 26.9.2013, no processo n.º 32/13, e em 18.12.2013, no processo n.º 18/13.
Também aí estavam em causa acções de reivindicação de propriedade, em moldes idênticos aos que se colocam nos presentes autos.
Concorda-se com a solução a que se chegou nesses processos. Por isso, por facilidade, remete-se para a fundamentação neles apresentada, destacando-se o seguinte trecho do acórdão datado de 18 de Dezembro 2013:
«Salvo o devido respeito pela opinião em contrário, não se nos oferecem dúvidas que o desenho da causa de pedir e dos pedidos apresentados pelos autores quadram, perfeitamente, no âmbito da acção de reivindicação, contemplada no art. 1311.º do Código Civil (CC).
Na verdade, os autores cingem-se a pedir que sejam declarados como donos e legítimos proprietários do imóvel identificado supra e, em consequência, a condenação do réu a restituir a parcela de terreno e o imóvel (o edifício onde funcionou a Escola …………..) em causa, devoluto de pessoas e bens, em bom estado de conservação e em perfeitas condições, bem como as chaves do edifício em que está implantado no referido terreno. Ou seja, a questão a dirimir traduz-se em mera reivindicação de propriedade privada, não obstante uma das partes ter feição pública – o Município de Oeiras – […].
Com efeito, a acção de reivindicação, prevista no art. 1311.º do CC, é uma típica manifestação do direito de sequela, visando afirmar o direito de propriedade e pôr fim à situação ou actos que o violem, tendo como primeiro objectivo a declaração de existência do direito e, como escopo ulterior, a sua realização, nela concorrendo dois pedidos: o de reconhecimento do direito e o de restituição da coisa, objecto desse direito. (Salientam Antunes Varela e Pires de Lima: “A acção de reivindicação prevista neste artigo [art. 1311.º] é uma acção petitória que tem por objecto o reconhecimento do direito de propriedade por parte do autor e a consequente restituição da coisa por parte do possuidor ou detentor dela” - cf. Código Civil Anotado, 2.ª edição, 1987, Volume III, pág. 112.)
Compete aos autores, nesta acção, provar que são proprietários, constituindo o facto jurídico de que emerge a propriedade a causa de pedir da acção de reivindicação, tendo eles de alegar, como o fizeram, que a coisa se encontra em poder do réu. Destarte, para a procedência da acção tornar-se-á necessária a comprovação, por um lado, de um requisito subjectivo, que consiste em serem os autores os proprietários da coisa reivindicada, e, por outro, de um requisito objectivo, consistente na identidade entre a coisa reivindicada e a (ilegitimamente) possuída pelo réu, cujo ónus da prova incumbe aos autores/reivindicantes, por serem factos constitutivos do seu direito – art. 342.º, n.º 1, do CC. Comprovada a propriedade do imóvel e que este se encontra detido por terceiro, a sua entrega ao reivindicante só pode ser contrariada com base em situação jurídica (obrigacional ou real) que legitime a recusa de restituição – cf. 1311.º, n.º 2, do CC –, i.e., mediante a alegação e prova, pelo demandado – por via de excepção –, de factos impeditivos, modificativos ou extintivos daquele direito e integradores de qualquer relação obrigacional ou real que o obstaculizem – cf. art. 342.º, n.º 2 do CC.
Assim sendo, contrariamente ao decidido pelo Tribunal Judicial de Oeiras e ao sustentado pelo Ministério Público junto deste tribunal, no caso em apreço as questões decidendas não emergem de uma relação jurídica administrativa, nem os autores fundamentam o seu pedido de entrega do imóvel em quaisquer normas de direito administrativo: a alusão feita pelos autores, na sua petição inicial, aos normativos que prevêem a reversão de terrenos cedidos para equipamentos de utilização colectiva, com fundamento em utilização para finalidade diversa – arts. 44.º e 45.º do RJUE – é meramente incidental e não tem qualquer autonomia dogmática para efeitos de transmutar o pedido privatístico de reconhecimento do direito de propriedade numa qualquer relação jurídica de cariz publicista e de natureza administrativa».

E no acórdão proferido no processo nº 12/10 já se havia julgado, em termos igualmente transponíveis para o presente caso:
«Com efeito, as acções de reivindicação são reais, o que imediatamente as distingue das acções de responsabilidade civil, que têm natureza obrigacional. A devolução da coisa, pedida pelo «dominus» que a reivindica, não constitui uma qualquer indemnização «in natura», mas a lógica consequência da sequela, que é um atributo característico dos direitos reais. E nem sequer é exacta outra tese do acórdão — a de que a «reivindicatio» visa ‘a reposição no estado anterior ao acto ofensivo do direito’ de propriedade; pois a reivindicação tem por fim típico a devolução da coisa no seu estado actual, pedido a que poderá acrescer um outro, que será de ressarcimento, se esse estado for pior do que era antes por responsabilidade do detentor.
É desnecessário aduzir mais argumentos, ante a evidência de que a acção dos autos, enquanto acção de reivindicação, é alheia a uma qualquer responsabilidade extracontratual do réu. Donde se segue que a premissa menor do silogismo judiciário enunciado no acórdão ‘sub censura’ é falsa, inquinando a respectiva conclusão.
Ora, não há no ETAF uma norma que atribua competência à jurisdição administrativa para o conhecimento de acções de reivindicação (‘vide’, a propósito, o seu art. 4°). Solução que bem se compreende, pois o que nelas essencialmente se discute é a questão, puramente de direito privado, de saber se o direito real invocado pelo ‘dominus’ existe e é oponível ao réu, por forma a tirar-lhe a detenção da coisa; e só acidentalmente se colocará um problema ligado ao direito público — se o detentor se socorrer de regras desta ordem para titular e legitimar a sua detenção.
Consequentemente, é de concluir que a competência «ratione materiae» para conhecer da presente acção de condenação cabe, a título residual, aos tribunais comuns».

Conclui-se, assim, no quadro jurisprudencial exposto, totalmente aplicável ao caso dos autos, que incumbe aos tribunais judiciais o conhecimento da acção.

3. Decisão:
Pelo exposto, julga-se que a competência para a acção cabe aos tribunais judiciais.
Sem custas.

Lisboa, 19 de Junho de 2014. – Alberto Augusto Andrade de Oliveira (relator) – Gabriel Martim dos Anjos CatarinoJosé Francisco Fonseca da Paz – António Pires Henriques da Graça – Vítor Manuel Gonçalves Gomes – António Leones Dantas.