Acórdão do Tribunal dos Conflitos | |
Processo: | 017/15 |
Data do Acordão: | 02/04/2016 |
Tribunal: | CONFLITOS |
Relator: | MARIA BENEDITA URBANO |
Descritores: | CONFLITO DE JURISDIÇÃO RESPONSABILIDADE CIVIL EXTRACONTRATUAL CONCESSIONÁRIA |
Sumário: | I – Nos termos do disposto na al. i) do n.º 1 do artigo 4º, do ETAF, compete aos tribunais da jurisdição administrativa e fiscal a apreciação dos litígios que tenham por objecto a “responsabilidade civil extracontratual dos sujeitos privados, aos quais seja aplicável o regime específico da responsabilidade do Estado e demais pessoas colectivas de direito público”. II – Dispõe o n.º 5 do artigo 1.º da Lei n.º 67/2007, de 31.12, que “As disposições que, na presente lei, regulam a responsabilidade das pessoas colectivas de direito público, bem como dos titulares dos seus órgãos, funcionários e agentes, por danos decorrentes do exercício da função administrativa, são também aplicáveis à responsabilidade civil de pessoas colectivas de direito privado e respectivos trabalhadores, titulares de órgãos sociais, representantes legais ou auxiliares, por acções ou omissões que adoptem no exercício de prerrogativas de poder público ou que sejam reguladas por disposições ou princípios de direito administrativo”. III – As concessionárias de autoestradas e de outras vias rodoviárias do Estado, ainda que sendo pessoas colectivas de direito privado, desempenham tarefas de vigilância e de segurança rodoviárias, tarefas estas que decorrem das bases da concessão reguladas em diploma legal e que estão replicadas nos respectivos contratos de concessão; a relação jurídica estabelecida entre si e o Estado tem na base um contrato de concessão de obras públicas, que possui, portanto, a natureza de contrato administrativo; as ditas concessionárias actuam, por vezes, no exercício de prerrogativas de poder público. |
Nº Convencional: | JSTA000P20056 |
Nº do Documento: | SAC20160204017 |
Data de Entrada: | 07/24/2015 |
Recorrente: | CONFLITO NEGATIVO DE JURISDIÇÃO ENTRE O TRIBUNAL DE CÍRCULO DE LISBOA E A SECÇÃO CÍVEL DA INSTÂNCIA LOCAL DE ALENQUER DO TRIBUNAL JUDICIAL DA COMARCA DE LISBOA NORTE AUTOR: A..., S.A. RÉU: B......, S.A. |
Recorrido 1: | * |
Votação: | UNANIMIDADE |
Área Temática 1: | * |
Aditamento: | |
Texto Integral: | Conflito n.º 17/15 Acordam no Tribunal de Conflitos:
1. Relatório 1. A……… – Seguros, S.A. (A……), devidamente identificada nos autos, deduziu no TAC de Lisboa acção declarativa de condenação, sob a forma comum, contra B……… S.A. (B……….), com sede em …………., pedindo a condenação da demandada ao reembolso da quantia de € 1720,34, acrescida de juros vincendos à taxa legal, desde a data da citação até ao efectivo e integral pagamento, e ainda, de “custas, procuradoria condigna e demais despesas legais”. Alega, em síntese, que é uma sociedade comercial que exerce, com a devida autorização legal, a actividade seguradora. Nessa condição, celebrou com o tomador de seguro C………., Lda um contrato obrigatório de seguro, com a cobertura de danos próprios, titulado pela apólice n.º …….., que garantia a circulação do veículo ligeiro de mercadorias, de marca Citroën e matrícula …….FP-……… (de ora em diante, FP). No dia 10.08.11, pelas 02h20, ocorreu um acidente de viação na Autoestrada A1, ao Km 30,7, no sentido Sul/Norte, no concelho de Alenquer, distrito de Lisboa, que envolveu o dito veículo segurado pela Autora, que, no momento do acidente, era conduzido por D.…….. Quando circulava na A1, pelas 02h20, no sentido Arruda dos Vinhos/Carregado, mais concretamente, “junto ao nó de saída da A1, na curva ali existente, ao km 30,7, o ‘FP’ deparou-se, súbita e inesperadamente, com o aparecimento de restos de pneu, na faixa de rodagem por onde circulava”. O condutor “procurou desviar-se, mas infelizmente, sem sucesso, tendo acabado por passar por cima dos restos do pneu. Situação que provocou diversos danos no veículo por si conduzido”. Na sequência deste acidente, “a Autora suportou, ao abrigo da cobertura de danos próprios, o pagamento de diversas despesas”. Ora, “a Ré encontra-se obrigada a indemnizar a Autora pelas despesas havidas com a reparação do ‘FP’”, pois que, “quer por imposição legal, quer por imposição contratual, a Ré deveria ter mantido o lanço Arruda dos Vinhos/Carregado da Auto-Estrada A1 em condições que permitissem ao condutor do ‘FP’ uma condução perfeitamente segura, no dia dos factos em apreço nos autos. Assim, ao não retirar os restos de pneu existentes naquele troço da Auto-Estrada A1, a Ré violou as obrigações de segurança constantes das Cláusulas de Resolução do Ministros n.º 198-B/2008, de 31 de Dezembro, o que deu causa directa, necessária e imediata ao sinistro dos autos”. Consequentemente, “a Ré tem obrigação de restituir à Autora a referida quantia de 1.720,34€”. 2. Por sentença de 31.10.14, o TAC de Lisboa declarou-se incompetente em razão da matéria e absolveu a Ré da instância. 3. Notificada da sentença, a qual chamava a sua atenção para o disposto no n.º 2 do artigo 14º do CPTA, a Autora, após o trânsito em julgado da referida sentença, requereu ao TAC de Lisboa a remessa do processo à Comarca de Lisboa Norte, Secção Cível de Alenquer. Este tribunal, por decisão judicial de 27.01.15, igualmente já transitada, considerou-se também ele incompetente em razão da matéria, absolvendo a Ré da instância, considerando materialmente competente para julgar a causa a jurisdição administrativa. Por despacho de 25.03.15, foi suscitado oficiosamente, por aquela Secção Cível da Instância Local de Alenquer do Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa Norte, o presente conflito negativo de jurisdição. 4. A Exm.ª Procuradora-Geral Adjunta emitiu parecer, concluindo pela competência dos tribunais administrativos, nos termos do n.º 1 do artigo 4.º, al. i), do ETAF (fls. 150-1). 5. Sem vistos, mas com distribuição prévia do projecto de acórdão, cumpre apreciar e decidir.
2. Enquadramento e apreciação do conflito A única questão a decidir no âmbito do presente recurso é a de saber qual a jurisdição materialmente competente para julgar o caso dos autos, se a jurisdição administrativa, se a jurisdição comum. 2.1. Os factos a considerar são os mencionados no relatório, assim como a circunstância de que, pelo DL n.º 294/97, de 25.10 (já sujeito a ulteriores alterações), foi atribuída à Ré B………., S.A. a concessão de construção, conservação e exploração de várias autoestradas. 2.2. Através da acção que inicialmente interpôs no TAC de Lisboa, a Autora pretende a condenação da Ré no reembolso da quantia de € 1.720,34, a qual foi por si paga à entidade segurada ao abrigo da cobertura por danos próprios – in casu, os danos que resultaram de um acidente de viação ocorrido na A1, de que a Ré é concessionária, e que foi causado, segundo alegado pelo condutor sinistrado, pela presença de restos de pneu naquela via, situação que deveria ter sido evitada pela Ré se esta tivesse cumprido os deveres contratuais que sobre si impendem; mais concretamente, aqueles deveres que decorrem, no entender da Autora, da minuta do contrato de concessão que celebrou com o Estado, minuta essa que foi aprovada pela Resolução do Conselho de Ministros n.º 198.º-B/2008, de 31.12. A Autora chama ainda à colação o artigo 12.º, n.º 1, al. a), da Lei n.º 24/2007, de 18.07 (diploma que define os direitos dos utentes nas vias rodoviárias classificadas como autoestradas concessionadas, itinerários principais e itinerários complementares”, que dispõe do seguinte modo: “1 – Nas auto-estradas, com ou sem obras em curso, e em caso de acidente rodoviário, com consequências danosas para pessoas ou bens, o ónus da prova do cumprimento das obrigações de segurança cabe à concessionária, desde que a respectiva causa diga respeito a: a) Objectos arremessados para a via ou existentes nas faixas de rodagem;”. 2.3. Independentemente de saber a quem cabe em concreto o ónus da prova relativamente ao incumprimento dos deveres de segurança rodoviária numa via concessionada, o que mais interessa, aqui e agora, é que a Autora pretende que lhe seja reembolsada pela Ré B…….. uma determinada quantia por si paga por conta de um contrato de seguro, sendo certo que esse reembolso depende de a Ré ser ou não responsável pelos danos que foram cobertos pela Autora. Ou seja, na presente acção não está em causa um pedido de condenação ao pagamento de uma indemnização deduzido por um utente da autoestrada por danos resultantes de um acidente de que foi vítima, mas um pedido de condenação ao reembolso de uma determinada quantia apresentado por uma seguradora contra a entidade concessionária da autoestrada que, alegadamente, é a responsável por aqueles danos. Não deixa, contudo, de ser uma acção em que está envolvida a responsabilidade civil extracontratual da concessionária B………, dependendo do apuramento dessa responsabilidade a condenação da mesma. Assim sendo, e não obstante tanto a Autora como a Ré serem pessoas colectivas de direito privado, uma vez que o pedido de condenação deduzido pela primeira depende do apuramento da responsabilidade civil extracontratual da segunda, concessionária de várias autoestradas do Estado, cumpre averiguar se é ou não aplicável ao caso dos autos o disposto na al. i) do n.º 1 do artigo 4º do ETAF, nos termos da qual compete aos tribunais da jurisdição administrativa e fiscal a apreciação dos litígios que tenham por objecto a “responsabilidade civil extracontratual dos sujeitos privados, aos quais seja aplicável o regime específico da responsabilidade do Estado e demais pessoas colectivas de direito público”. Interessa igualmente para o caso dos autos a Lei n.º 67/2007, de 31.12 (que consagra o regime da responsabilidade civil extracontratual do Estado e demais entidades públicas – com a alteração introduzida pela Lei n.º 31/2008, de 17.07), a qual estabelece, no n.º 5 do seu artigo 1.º, que “As disposições que, na presente lei, regulam a responsabilidade das pessoas colectivas de direito público, bem como dos titulares dos seus órgãos, funcionários e agentes, por danos decorrentes do exercício da função administrativa, são também aplicáveis à responsabilidade civil de pessoas colectivas de direito privado e respectivos trabalhadores, titulares de órgãos sociais, representantes legais ou auxiliares, por acções ou omissões que adoptem no exercício de prerrogativas de poder público ou que sejam reguladas por disposições ou princípios de direito administrativo”. 3. Decisão Face ao exposto, os juízes do Tribunal de Conflitos resolvem o presente conflito negativo de jurisdição considerando competente o TAC de Lisboa. Sem custas. |